Wednesday, October 10, 2007

O MEU ESTÚDIO DE DESIGN EM 1980



Os anos 80 – esse tempo que “nunca mais acaba de começar” – terminaram, pelo menos calendário, há dezassete anos. Retrospectivamente, consigo reconhecer que as causas que motivaram em mim algumas transformações individuais motivaram, igualmente, uma série de transformações colectivas e disciplinares: vivemos a contas com a herança deixada pelos anos 80 mesmo que essa não seja a única herança a contas com a qual vivemos.

Foi também por herança, esta familiar, que no início dos anos 80 tive a primeira experiência do que é um estúdio de design.Terá sido a forte impressão que esse espaço e o que nele habitava – objectos, cheiros, sons – causou sobre mim que me levou a pensa-lo, decorrência natural do “estar atento” à particular coreografia que , então, se encenava num estúdio (ou pelo menos “naquele” estúdio) de design.

Há uma compreensão das coisas que parece exigir o nosso afastamento em relação a elas; precisei de sair dos anos 80 para deles ganhar outra forma de reconhecimento, distanciado, fornecido essencialmente pela leitura de reflexões sobre os 80 denunciando neles o neo-barroquismo, o protagonismo do simulacro (uma certa “realidade da ilusão”), o apogeu da visibilidade, a tentação de uma comunicação imediata e sensível. Não tenho dúvidas que as “razões” que me levaram a valorizar o conhecimento indirecto dos anos 80 sobre o conhecimento que efectivamente deles tive, são “razões” que caracterizam a própria época.

Para mim, que entrei na década com menos de 10 anos, os anos 80 foram o tempo da descoberta de três “linguagens” que se assumiram, desde logo, como três formas de paixão: a dança – descoberta da extraordinária “linguagem do corpo” através de Pina Baush, de Anne Teresa de Keersmaeker, Jean Claude Gallota e o Teatro-Dança europeu que, mais a norte, era Teatro-Físico como o D.V.8 bem o representavam); a música – descoberta do poder do som e do silêncio, do ruído e dos harmónicos, do prazer, adolescentemente melómano, de descobrir, de comprar, de ouvir; e finalmente, o design – a descoberta da comunicação enquanto acção e do não-verbal como meio de construção de uma ordem que nos integra e define.

O que havia afinal nesse estúdio de design dos anos 80? Vou-me limitar aquilo que vos posso contar (como em qualquer “memoria” o que se torna público é apenas uma parte).

No estúdio de design dos anos 80, o dia começava fazendo-se três gestos: ligar o gira-discos (hoje lembrei-me de Triffids), ligar a Waxer e, finalmente, fazer café.



Fig. 1 A Velha Waxer.


A velha Waxer “demorava a aquecer” mas era imprescindível, a música tornava-se, com frequência, “silenciosa”, embrenhados do trabalhos dela não nos apercebiamos até que, subrepticia, se tornava presente quando dela mais precisávamos; do café (que não bebia) recordo o cheiro misturado com o do tabáco (que não fumava), em particular, o aroma perfumado de uns cigarros de cravinho absolutamente fabulosos.

Noutra ocasião, gostaria de falar do “método” de trabalho e das “visões” do design a partir deste mesmo estúdio dos anos 80. Por agora, nostalgicamente, recordo os instrumentos fundamentais do estúdio:




Fig. 2/4 Antes do Illustrator não era fácil desenhar elípses mas havia ajudas (das réguas ao elipsógrafo)



Fig. 5 Régua para desenhar tipos feita pela Haberule


Fig. 6 Compasso Staedtler



Fig.7 Acu Arc, sempre que o compasso não é suficiente.


Fig. 8 Caneta Radiograph, muito útil...


Fig. 9 ...mas é necessário seguir as instruções!


Fig. 10 Os imprescindíveis livros de tipos, como os de Walter Foster por exemplo.


Fig. 11 O X-Acto, claro.


Fig. 12 "Thinner dispenser", difícil passar sem ele mas assustador para os fumadores!


Fig. 13 Escova Iwata, usava-a para acabamentos.


Fig. 14 Fixadores...




Fig. 15/17 ... e uma série de outras coisas.




Fig. 18 e segs. Polaroid para registo e visualização.




Fig. 21 e segs. E muitas outras coisas fundamentais!


Fig. 24 Até que a revolução chegou, em 1985 (o melhor ano da 4AD), eu tinha 13 anos ele tinha 128k de memoria, 8mhz processador e ecrã de 9’’, um espanto!

5 comments:

Papo-seco said...

:)

anauel said...

Muito bom! O mais estranho (para não dizer deprimente) é constatar que muitos e tantos destes utensílios fizeram parte da minha actividade e quotidiano profissionais... nos anos 90! Hoje acho que apenas guardo, logo utilizo, a régua de aço e o x-acto... e a memória dos trabalhos manuais.

pandoracomplexa said...

Só faltava nesta Memorabilia um dos suportes para humedecer as canetas Radiograph, nunca percebi porque é que nunca funcionava a dita coisa.

Helu said...

Muito bom você postar isso aqui. Alguns itens eu não consigo achar foto em lugar algum, mas achei aqui! Adorei o post.

Unknown said...

E ainda: letraset, hachuras, giz de cera + benzina, gilete (para raspar nankin), aranha + réguas normográficas, régua flexível (topografia), penas graphos, ...

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REACTOR é um blogue sobre cultura do design de José Bártolo (CV). Facebook. e-mail: reactor.blog@gmail.com