Monday, April 28, 2008



IMPRESSÕES FORTES

O burocrático dever de informar*
Frederico Duarte


São seis da tarde. Dentro do autocarro estão cerca de 80 pessoas, muitas delas de pé. Para além da cidade a chover lá fora, a única coisa fora do normal no interior do veículo é um cartaz, pequeno para a moldura de cartazes ocasionais que a Carris fornece, que nos informa sobre o referendo de 11 de Fevereiro. Todos sabemos do que se trata, todos assistimos na TV aos lançamentos de livros, blogs e inflamados debates, todos vimos os cartazes, os panfletos que nos chegaram às mãos com Agora Sim! e Não Obrigada. Já nada nos surpreende: estamos habituados ao "circo mediático" que caracteriza cada acto eleitoral em Portugal. No entanto, este cartaz apenas nos diz que "votar é um direito e um dever cívico". Disso ninguém duvida, mas é este cartaz, com o seu hipotético sol nascente e céu azul, que nos vai convencer a expressar a nossa opinião, a responder "sim", ou "não", à pergunta que encontraremos nos boletins de voto?


O Estado Português, representado neste referendo pelo Secretariado Técnico dos Assuntos para o Processo Eleitoral (STAPE) do Ministério da Administração Interna, apela ao nosso voto através de, entre outros meios, um "cartaz anunciador do referendo" (termo oficial), que se encontra afixado em locais e transportes públicos por todo o país. No entanto, estará o Estado, com este discreto cartaz, a cumprir de facto com a sua parte do processo eleitoral? Não deverá um "cartaz anunciador de referendo" ter como objectivos fundamentais não só informar, mas sobretudo cativar e mobilizar a opinião pública - nós, os cidadãos de pé em hora de ponta que até temos mais do que pensar - para o acto eleitoral a que se refere? Não deverão os deveres e o direitos que invoca estar presentes de uma forma mais incisiva na própria mensagem e no discurso que veicula?



Este discurso, construído num cartaz a partir de elementos ortográficos (palavras/tipografia) e iconográficos (imagens/elementos gráficos), deve chamar a atenção dos passageiros e de outros cidadãos, e fazê-los pensar tanto nas suas convicções, como nas suas futuras escolhas. Infelizmente, o cartaz em causa não corresponde de todo aos objectivos propostos: a sua organização formal é no mínimo insípida, a escolha e composição tipográficas são débeis e mal resolvidas em termos de espacejamento e alinhamento, o uso de gradientes cromáticos e do subtil morph - transformação de uma forma para outra feita progressivamente - é despropositado e inconsequente. Este cartaz, da autoria do "técnico de artes gráficas" residente do STAPE (autor de outros cartazes alusivos a recentes actos eleitorais, visíveis em stape.pt) é, na melhor das hipóteses, uma oportunidade perdida.


Em Portugal existem milhares de profissionais - designers de comunicação - que através do seu poder de observação, conhecimento, criatividade e talento veiculam mensagens e discursos de todo o tipo, nos mais variados meios. São estas as pessoas que dão forma a grande parte da nossa paisagem visual - dentro e fora do chuvoso autocarro - e como tal o seu trabalho merece ser reconhecido por todos os portugueses, e não só. Mas mais do que reconhecê-lo, todos nós deveremos ser ainda mais exigentes com o que nos rodeia, com o que nos é comunicado todos os dias. Um exemplo dessa exigência é a iniciativa "Get Out the Vote" da AIGA (associação profissional dos designers de comunicação americanos), que começou após o escândalo dos boletins de voto da Flórida na eleição presidencial de 2000. Sob o lema "Good design makes choices clear" (O bom design esclarece as escolhas), vários dos seus associados conceberam cartazes com um único objectivo: apelar ao voto. Num deles, de um atelier do Maryland, podemos ver, e ler, três palavras e um ponto de exclamação, um único tipo de letra, e quatro cores. Mais nada. A composição é tão clara quanto a sua mensagem, a urgência tão presente quanto necessária.



Que o cartaz do Maryland (todos os cartazes estão disponíveis para download em aiga.org) é graficamente melhor do que o cartaz do STAPE não tenho a mínima dúvida. Mas talvez o mais importante deste cartaz é que é proposto, tanto na forma, como no conteúdo, pelos próprios membros da sociedade civil - designers conscientes dos seus direitos e deveres cívicos - supostamente responsáveis pela comunicação do Estado, com o qual estão insatisfeitos. Tal como nós devemos estar, quando olhamos para o pobre cartaz no interior do veículo que nos leva para casa: se a imagem e a comunicação são formas de legitimação de um Estado, a qualidade daquelas deve estar à altura dos desígnios deste, e não deverão ser entendidas como um mero trâmite burocrático. Além disso, o Estado, e todas as suas instituições, devem ter um papel activo e contribuir significativa e duradouramente para a elevação da cultura visual dos seus cidadãos: devem ser os primeiros a ter essa exigência, e procurar os profissionais certos para a satisfazer.


Para a também norte-americana designer e teórica Katherine McCoy "o design nunca deve estar acima do seu conteúdo". No caso do cartaz anunciador deste referendo, a situação é perversamente inversa: O acto maior da democracia - o acto de votar - não conseguiu, mais uma vez, ver eleito um interlocutor à sua altura, por parte de quem tinha a responsabilidade de o fazer: o próprio Estado. Se tal tivesse acontecido, talvez tivéssemos saído do autocarro com a sensação de que tínhamos visto algo de significativo.

*Publicado originalmente no jornal Público de 04.02.2007

IMPRESSÕES FORTES é um novo espaço de opinião do Reactor. Frederico Duarte é um dos convidados a escrever regularmente neste espaço.

Friday, April 25, 2008






A mais recente Brief Message é da autoria de Paul Ford o editor da Harper’s Magazine, tem por título No Resistance Is Futile, uma boa leitura neste dia 25 de Abril.



A Apple fez 32 anos e o designer argentino Norberto Baruch, editor da publicação online Hotel Visual criou esta infografia que representa a "mandala" de Steve Jobs o criador da empresa.



Intitula-se THINGS I HAVE LEARNED IN MY LIFE SO FAR é um interessante filme de Hillman Curtis sobre Stefan Sagmeister (mas incluindo depoimentos de Milton Glaser, Bob Gill e Debbie Millman) e o seu recente Deitch Project.




O Museu Cooper Hewitt vem apresentando, como é sabido, algumas das melhores exposições de design do mundo. Para quem não pode viajar até aos Estados Unidos, o Cooper Hewitt tem felizmente um óptimo site onde as exposições são bem apresentadas e documentadas. De tudo isto temos mais um exemplo na recente e fantástica exposiçãoRococo-The Continuing Curve 1730-2008 que inaugurou no dia 07 de Março e vai estar aberta ao público até dia 6 de Julho.

Entre as obras expostas, percorrendo as influências Rococo em quatro séculos diferentes, está este cartaz, desenhado para o The Seduction Synposium, por Michael Bierut e Marian Bantjes.




Ainda falando de exposições, inaugura dia 24 de Maio a 19ª edição do Festival International de l’Affiche et du Graphisme de Chaumont , entre as várias exposições destaque para uma retrospectiva da obra de Josef Muller-Brockman.



Terminamos com uma sugestão musical e estes insinuantes Porno Soundtracks dos anos 70.

Monday, April 21, 2008





SUPERFÍCIES E PROFUNDIDADES: UMA REFLEXÃO SOBRE O CORPO E A JÓIA


Torna-se difícil desenvolver uma reflexão sobre a jóia que não envolva uma reflexão sobre o corpo. A razão é muito clara: a existência de um corpo é a condição de possibilidade da existência de uma jóia, o corpo é o espaço onde a jóia se concretiza ao ser revestida de um valor simbólico particular que, embora possa ser culturalmente codificado, se inter-dá junto à pele.

A pele é o lugar do encontro, se ela protege e guarda o corpo – ter pele significa, antes de mais, não se estar totalmente exposto, como se a nudez radical corresponde-se ao horror da carne viva – é, também, a pele que permite o contacto, que garante a mediação, que impede a mistura, que assim instaura uma dimensão de procura/descoberta autonomizando os dois e, ao mesmo tempo, possibilitando um processo de devir-uno.

No contacto, há algo do outro que passa para nós e há algo de nós que passa para o outro, a pele constitui-se como uma “zona de trocas”, de transferências, físicas e simbólicas, emocionais e comunicacionais. Esta inter-constituição dialéctica gerada pelo contacto está, também, presente na relação entre o corpo e a jóia. A jóia é, aliás, o lugar simbólico do contacto, o seu simulacro, na medida em que apresenta o corpo sem que seja necessário o toque. Através da jóia, o corpo ganha uma capacidade comunicativa nova, funcionando a pele ou a carne como suporte de objectos que transportam, codificados através da sua forma ou do material de que são feitos, determinados significados que determinam quem os usa.

No seu ensaio, “Semantics of the word jewell”, Manuel Vilhena diz-nos que: “the word "Jewel" stands for any object which primary function is: to be worn by the human body” , ou seja, a jóia é, na sua relação com o corpo, pensada, antes de mais, a partir da sua usabilidade o que não sendo incorrecto é, claramente, redutor na medida em que a jóia se define não tanto pela sua usabilidade (conceito determinante de um objecto de design) mas pela sua disponibilidade. De facto, uma jóia não vale tanto pela sua função de uso mas pela sua dimensão simbólica. Como todo o símbolo, a jóia é a presença de uma ausência, algo que está no “lugar de”, uma evocação de qualquer coisa que não está presente, um contracto civil ou um sentimento, a pertença a uma linhagem ou uma memória, um desejo, um clamor, um suplício. Daí que a jóia represente, também, o modo como o nosso corpo é apossado, como o próprio, o outro, a comunidade ou a sociedade o tomam como espaço de inscrição simbólica, o usam, e nesta medida o corpo é usado pela jóia que o performa e pré-forma. No entanto, a jóia não é um corpo-vivo, a sua existência depende da sobrevivência de um discurso simbólico que lhe define uma funcionalidade estranha, uma funcionalidade que está para além da relação entre o corpo-vivo e esse corpo-morto que se vivifica à flor da pele e que faz brilhar o próprio corpo celebrando o maravilhoso do seu estar-aí.



Jóia e corpo tendem a partilhar o mesmo destino, tendem a ser alvo de idênticas interpretações, usos e agenciamentos sociais. Assim, não nos deve surpreender que as transformações (e as suas causas) que fazem a história contemporânea do corpo sejam, em muitos aspectos coincidentes com as transformações que marcam a história recente da joalharia.

Nesta história partilhada dois processos se destacam. O primeiro processo, podemo-lo situar na passagem da década de 1960 para a década de 1970, designamo-lo de ideológico, o segundo processo impõe-se a partir da década de 1990 e designamo-lo de tecnológico. Como as designações o explicitam, no primeiro processo dá-se a “ideologização” e no segundo a “tecnologização” do corpo e da jóia.




De facto, a partir dos anos 60, a joalharia vai sendo atravessada por movimentos que procuram desconstruir a prática clássica da joalharia, o estatuto da jóia enquanto objecto de luxo, o seu elitismo simbólico, a sua rigidez formal e material, reivindicando para a jóia uma nova dimensão social e politica ao mesmo tempo que a própria definição de jóia e a sua tradutibilidade em termos de escala, de relação forma/função e constituição material vai sendo posta em causa.

A exposição “When attitudes become form”, organizada em 1969 por Harald Szeemann para a Kunsthalle de Berna, ilustrava bem uma nova concepção da joalharia menos preocupada como o “objecto” do que com o “processo”, menos preocupada como a “forma” do que com a “atitude”, reflexo claro de novos diálogos entre áreas criativas (joalharia, design, escultura, pintura, performance) cujas fronteiras são esbatidas pelos agenciamentos criativos que as atravessam: da Arte Povera à Arte Conceptual, da Body Art ao Anti-Design.

Neste contexto cultural ficamos órfãos de um nome que possamos, com segurança, chamar às coisas. Assim, encontramos nos objectos das instalações de Lucas Samaras ou Edward Kienholz “jóias” através das quais se faz a experiência de pensar o espaço como corpo (expressão, aliás, das intensas relações entre Land Art e Body Art) ou nos objectos performativos de Rebecca Horn “jóias” que se tornam agora, de certa forma, operadores discursivos, excessivamente cenográficos, que fazem do corpo uma espécie de palco. É, ainda, nesta mesma dimensão interventiva e expressiva de uma certa contaminação disciplinar que se situam as peças desenvolvidas por Gijs Bakker e por Emmy Van Leersum, a partir de meados dos anos 60, que funcionando como “statements” contra uma concepção tradicional da joalharia, associada a materiais preciosos e a um conservadorismo formal e performativo, desenvolvem novas formas de diálogo entre o corpo e objecto, diálogo através do qual as posições parecem, muitas vezes, permutáveis.

Como sublinham Peter Dormer e R. Turner, a joalharia contemporânea é indissociável deste intenção de tornar a jóia numa interface comunicativa, performativa, dinâmica, que se dá, não apenas a ser usada (e pressupondo, em relação à joalharia tradicional novas formas de uso) mas, sobretudo, a ser sentida e pensada.





Após este processo de transformação ideológica que afecta o corpo e a jóia e que se dilui, nos anos 80, com a banalização dos discursos de vanguarda, como a integração das rupturas e das reivindicações sócio-politicas dentro do mainstream de um novo mercado cultural, um segundo processo se destaca, a partir dos anos 1990 e que se traduz na tecnologização do corpo e da jóia, na naturalização da tecnologia e na sua integração progressiva.

Se na joalharia, à semelhança do que acontece no design ou certas disciplinas artísticas, os anos 80 originam esse processo de um underground goes mainstream, a consequência mais imediata é a da necessária reinterpretação e reintegração cultural de objectos que assumindo ainda características formais e funcionais que explicitam o corte com uma tradição moderna perderam a força crítica e o radicalismo conceptual. Como pensar, então, objectos que já não valem pela sua função de uso mas que, também, já não valem pela sua função ideológica ? A emotional turn que marca o design dos anos 80 parece dar a resposta. O valor das peças de joalharia, tal como dos objectos de design, passa agora a ser determinado pela produção de sentido de um indústria cultural orientada para um consumo progressivamente desmaterializado, lúdico-simbólico e, todavia, crescentemente identitário. Se, como mostra Baudrillard, o consumo é um processo de significação e comunicação – uma “máquina semiótica” – e um processo de classificação e de diferenciação social – uma identidade afirmada por “integração” e por “diferença” – o que se torna nítido nos anos 80 é a integração no design e na joalharia de códigos de expressão, a integração dos seus objectos no interior de sistemas que determinam o seu valor como signos disponíveis a serem consumidos.


Por outro lado, o desenvolvimento tecnológico e a, progressiva, desmaterialização e naturalização das tecnologias vai gerando um contexto cultural crescentemente contaminado e hibridizado. A desconstrução da forma e da função no design e na joalharia, a crescente exploração da dimensão simbólica dos objectos, associadas às novas possibilidades de interacção e de integração do objecto proporcionadas pela miniaturização e interactividade dos componentes digitais, tendem a impor lógicas projectuais híbridas das quais resultam peças que se encontram na fronteira entre a joalharia, o design industrial e a multimédia, tal como as peças de joalharia electrónica da IBM ou da IDEO bem o exemplificam.

Está hoje em vigor uma nova economia de aproveitamento e de reciclagem dos produtos do corpo como matéria de construção do próprio corpo. Para esta tendência contribui, também, a joalharia como se confirma através da análise dos projectos de biojoalharia. Aparentemente, a joalharia não escapa a esta lógica de retroacção, a lógica cibernética por excelência, que acaba sempre por se traduzir ao nível das práticas do corpo e dos discursos do corpo.

Que cabe, a quem projecta, não apenas a concepção de objectos mas, através deles, a concepção de linguagens e modalidades de relação entre nós e a coisas, parece-nos evidente. Ao joalheiro cabe, além do mais, em sorte, projectar formas de preformação do corpo, lógicas de estabelecimento do contacto, modalidades interpretativas a partir das quais, em parte, passa também o nosso reconhecimento e nosso “darmo-nos a conhecer”.

Certo é, também, que aquilo que toma contacto como o corpo é, por ele, corporizado e, assim, aquela peça que nos adorna o pulso, que se suspende envolvendo-nos o pescoço ou que nos penetra a carne já não é, a partir desse contacto, um corpo-estranho mas algo que celebrando o corpo-vivo é nele vivificado.

Sunday, April 20, 2008





Há duas fotografias de Igor Stravinsky de que gosto particularmente. Uma delas é uma fotografia tardia, outonal, em que a câmara paralisa, de costas, uma lenta caminhada de Stravinsky em direcção ao comboio; a outra é este retrato, muito gráfico, em que Stravinsky parece apoiar-se a um piano-escultura que, ao olhar de um tipógrafo, parece desenhar uma letra.



Stravinsky nasceu em 1882 em Oranienbaum, na mesma cidade e no mesmo ano do arquitecto e, sobretudo, designer gráfico de nome Igor Kirilenko, que não este, de quem foi amigo. Foi através de Kirilenko que Stravinsky chegou a conhecer Max Burchartz e um dos seus alunos, vinte anos mais novo, Anton Stankowski.





Consta que Burchartz aprendera a gostar da música de Stravinsky através de Nelly van Moorsel, a terceira mulher de Theo van Doesburg, de quem havia sido amante.



Nesta fotografia, datada de 1922, vemos Antony Kok, Nelly van Moorsel e Theo van Doesburg, na praia.

Se o nome de Doesburg é caro a um designer, o de Kok não dirá grande coisa. Antony Kok foi durante anos chefe dos caminhos de ferro em Tilburg e o grande amigo, e em momentos de crise financiador, de Van Doesburg.

A história, provavelmente romanceada, conta que a amizade entre os dois começara quando Doesburg se encantou pela música de piano, seria Stravinsky, que saía de uma janela aberta da casa de Kok. Certo é, que Doesburg chegou a declarar que aquele chefe dos caminhos de ferro fora uma figura essencial na existência do De Stijl.



No final dos anos 30, pouco antes de partir para os Estados Unidos da América, o que acontecerá em 1940, Stravinsky sofre a morte da sua mãe, da sua mulher e de duas filhas, cujos últimos anos de vida, são passados num sanatório na Suiça.



Esta é a deixa para falarmos de design gráfico suíço no próximo BOXING*.



*BOXING é um projecto de folia gráfica sobre narrativa histórica romanceada da autoria de José Bártolo e Margarida Rosa Lima.

Saturday, April 19, 2008



Se a ética da acção era inseparável da "história" em curso, a ascenção irresistível da ética da responsabilidade no século XX vem testemunhar a situação pós-histórica no palácio de cristal. Nesta ética encontramos uma ilusão moral do utilizador, ilusão praticamente inssolúvel e que faz crer aos indivíduos que poderiam ser responsáveis não só pelo seu comportamento imediato, mas também pelos efeitos secundários das acções locais, por mais longe que se façam sentir. A existência no grande interior favorece os modos de pensamento telecasuais e telepáticos nos quais se associam as acções locais com os efeitos à distância.
O conceito de responsabilidade lisonjeia assim todos os que gostam de acreditar que, apesar da evidente nulidade dos indivíduos na maior parte dos assuntos, tudo depende, apesar de tudo, sempre e em todos os casos dos seus próprios gestos e feitos; ao mesmo tempo ajuda os inúmeros frustados pelo andamento das coisas a exigir que se responsabilizem os irresponsáveis.

PETER SLOTERDIJK, "PALÁCIO DE CRISTAL. PARA UMA TEORIA FILOSÓFICA DA GLOBALIZAÇÃO", 2006.

Sunday, April 13, 2008



Ontem, ao fim da manhã, encontrei Jessica Helfand a passear na Rua das Flores, na baixa do Porto. Creio que o resto do tempo que durou a minha deambulação por aquelas ruas cinzentas, misturadas de antigo e novo, numa manhã de chuva, foi passado a imaginar o olhar - sobre cada montra, cada vestido suspenso num velho manequim, cada livro abandonado nas lojas de alfarrabistas - de alguém que vive em Falls Village, no interior do Connecticut, sobre a cidade do Porto.

Os dois videos que aqui recordamos foram mostrados na conferência de sexta-feira, em relação ao que se lá disse em breve será publicado no Reactor um comentário.


Thursday, April 10, 2008



Eis os destaques em fast forward desta semana:




Uma das, por mim, mais aguardadas Personal Views é amanhã com a presença de Jessica Helfand (já entrevistada pelo Reactor) e William Drentell. Para ver amanhã na ESAD e para ler Sábado no Reactor.




Stuart Bailey esteve recentemente em Portugal para duas apresentações, na ESAD de Matosinhos e na Culturgest em Lisboa, onde teve oportunidade de mostrar o trabalho desenvolvido pela Dexter Sinister, projecto sediado na baixa East Side de N.Y. Para quem quiser conhecer melhor o projento aconselha-se a leitura da interessante entrevista dada à Bomb Magazine pelos Dexter Sinister’s David Reinfurt, Stuart Bailey e Sarah Crowner.




Foi recentemente publicada no Core 77 uma entrevista conduzida por Allan Chochinov a Valerie Casey, a fundadora do movimento The Designers Accord. A entrevista revisita velhas reflexões sobre prioridades, valores e dilemas ligados à prática do design, ou o manifesto First Things First actualizado à luz dos valores do design sustentável.




O século XXI iniciou-se com um retorno ao discurso mais comprometido com a acção: o manifesto. Dos princípios de Hanover declarados em 1992 à versão de 2000 do FTF, da declaração de Seoul de 2001 ao Designer’s Accord de 2007, vários são os manifestos de design revistos num recente artigo no Design Activism.




Foi você que falou em Geração Otaku?.




Os Pedrita e Frederico Duarte apresentam, no próximo Sábado às 17h, na Fábrica Braço de Prata o livro "Fabrico Próprio - O Design da Pastelaria Semi-Industrial Portuguesa". Não está lá a pastelaria do meu bairro mas o livro oferece uma interessante sofisticação do imaginário, habitualmente banal, da pastelaria semi-industrial com as suas Bolas de Berlim, Bolos de Arroz e afins. Creio que, desde criança, que não não olhava para um bolo desta maneira.




Design Matters é um “internet talk radio show”, conduzido por Debbie Millman. Milton Glaser, Veronique Vienne e Steven Heller, Sagmeister ou John Maeda já ali deixaram os seus pontos de vista sobre design, o último convidado foi Abbott Miller, o arquivo podcast é pois valioso.



Já esta disponível o número 11 do @issue Journal, uma referência no que toca ào estudo das relações entre design e gestão estratégica.




O lado informe do mundo da informação - mapas que desorientam, sinaléticas que não informam - analisado pela sempre atenta Alice Rawsthorn.




Esta semana andei pelo Red Labor, espreitei as colagens de James Gallagher e voltei ao período Spectrum com o Retro Sabotage. E claro, passei pelo Typogenerator como se comprova pelo "label" do Fast Forward desta semana. Desculpem o mau exemplo.

Tuesday, April 08, 2008




REINVENTAR A CALIGRAFIA: O NOVO DESIGN GRÁFICO IRANIANO

Penso que nunca o cortejo fúnebre de um designer gráfico mobilizou tantas pessoas, associando honras de estado e emoção popular, como o de Morteza Momayez em 2005.



Não conheço, tão bem quanto gostaria, o trabalho de Momayez, mas creio que, em certa medida, ele representa um lugar de identidade da pátria iraniana, para a qual confluem diversas tradições, Árabe e Persa, ancestral e moderna, erudita e popular, autoral e pública, que, em uníssono, se expressam na escrita Farsi. Importa recordar que o Irão é um território habitado por dezenas de diferentes grupos étnicos que falam diferentes línguas e dialectos, que possuem diferentes origens e tradições mas que escrevem num único alfabeto, o Farsi.

Pintura caligráfica de Mohammed Ehsaei.

Ainda antes de Reza Abedini, não só um dos mais importantes designers gráficos da actualidade mas um decisivo divulgador do design iraniano, ter editado o seu New Visual Culture of Modern Iran, interessava-me já pela força extraordinária do design iraniano; não compreender a língua, não me parecia, face a extraordinária eloquência visual, uma limitação para entender aqueles trabalhos fortemente tipográficos, expressivamente cromáticos que, aos olhos de um ocidental, despertavam fantasiosas narrativas.

Logótipo do Museu Reza Abassi.

A nova cultura visual iraniana, que Abedini apresenta no seu livro, nasce na década de 1960 e conhecerá três períodos distintos. O primeiro período caracteriza-se por uma das mais extraordinárias revoluções do design gráfico da segunda metade do século XX, contemporânea da renovação holandesa (promovida por Wim Crouwel ou Pieter Brattinga) e da renovação japonesa (desenvolvida por Masuda Tadashi, Yusaku Kamekura, Tadanori Yokoo ou Shigeo Fukuda) mas menos conhecida (mesmo um historiador atento como Meggs ignora-a), que se estende entre 1960 e 1979, período marcado por uma forte questionação da identidade visual iraniana acompanhada de uma intensa recuperação e reinterpretação de toda uma tradição visual, muito assente na tradição caligráfica. A produção gráfica deste período, que termina com a revolução iraniana de 79, é indissociável de Momayez.

Cartaz de Majid Abbsi.

Cartaz de Mehdi Saeedi.

À extraordinária fertilidade deste período, segue-se uma década de estagnação marcada pela Guerra Irão-Iraque e consequentes fecho de fronteiras, embargo económico, corte de relações com a UE e os EUA. A produção gráfica desse período é quase exclusivamente de propaganda e não se apresenta particularmente interessante.

Uma nova geração de designers iranianos, desponta no pós-guerra. Alguns deles, como Saed Meshki ou Reza Abedini, formam-se ainda antes do pós-guerra mas outros, como Farhad Fozouni ou Iman Raad nascem já após a revolução iraniana e formam-se no pós-guerra.

Cartaz de Iman Raad.

A razão da “identidade” e da maturidade do trabalho destes jovens designers talvez resida da combinação de referências e influências. São designers que admiram a tradição da caligrafia Persa, que se deixam influenciar pelos mestres calígrafos e por Morteza Momayez mas que também que se relacionam também com a influência de Reza Abedini e Neville Brody, que combinam referências da tapeçaria persa e da nova tipografia digital.

A “terceira vida” do design gráfico iraniano contemporâneo não pode ser desligada da acção do colectivo 5th Color é criado em 2001 e envolvendo alguns dos mais importantes designers iranianos procurou, por exemplos em exposições como Bouf-e Kour (2002) e Self-Portrait (2004) voltar a afirmar uma especificidade da linguagem visual iraniana, numa espécie de retorno aos objectivos perseguidos por Momayez meio século antes, que visavam lançar um olhar contemporâneo sobre as herança caligráfica iraniana. A nova geração aprendeu com mestres calígrafos como Mohammad Ehsaei o criador do logótipo do Museu Reza Abassi ele próprio um herdeiro de mestres como Mirza Gholamreza ou Mir Hossein, no final do século XIX, exploraram novas possibilidades visuais de utilização da língua Farsi.



Crescentemente reconhecido no ocidente, o design gráfico iraniano apresenta-se hoje muitíssimo activo, possuindo boas escolas, uma invejável Associação de Design Gráfico e um largo número de talentosos designers, prolongando esse riquíssimo encontro entre tradição e inovação visual.





Cartazes de Reza Abedini (n. 1967).






Cartazes de Mehdi Saedi.



Cartazes de Farhad Fouzoni (n. 1979).

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PERFIL

REACTOR é um blogue sobre cultura do design de José Bártolo (CV). Facebook. e-mail: reactor.blog@gmail.com