Friday, June 27, 2008




VISÕES DO DESIGN NAS SÉRIES NORTE-AMERICANAS

Já sabiamos que a personagem de Jack Bauer era uma representação alegórica do designer contemporâneo. O típico profissional que por ter sempre o telemóvel ligado acaba por ser com frequência enrascado, alguém para quem não há feriados nem fim-de-semana.

Mas não é só em 24 que encontramos subtis retratos do design contemporâneo. Deixo quatro exemplos de entre vários possíveis.


HEROES



Heróis é uma imensa alegoria sobre o design contemporâneo. Hiro Nakamura, a personagem principal, encontra numa estação de Metro esta enigmática frase: “Save the cheerleader, save the world”. O comum dos mortais passaria ao lado da urgente pertinência da frase, mas não um designer, não um designer crítico e socialmente responsável como Hiro Nakamura. Um designer está sempre pronto a salvar o mundo ou, pelo menos, a salvar a cheerleader (bem entendido, trata-se de uma bela metáfora da ecologia, sustentabilidade e o que mais se quiser).
A mensagem que a NBC transmite com esta série é pois de esperança num design empenhado e com causas. E quem consegue dizer que salvar a cheerleader não é uma causa nobre?



DEXTER



Dexter é uma das mais impressionantes utopias sobre o design contemporâneo. O que o Canal+ nos mostra é a representação do designer ideal, através daquela personagem que é capaz de, meticulosamente, combater o mal do mundo, sem exibicionismos e sob a capa do profissional lowprofile. O que há aqui de mais sedutor é o pragmatismo e o optimismo da mensagem: um designer não tem de se sentir limitado por trabalhar 8 horas por dia numa agência de publicidade, pode sempre reservar parte do seu tempo livre para fazer, voluntariamente, trabalho social nos Designer for the world ou no Design 21. Importa ter um código de conduta, algo próximo do “código Harry” pelo qual Dexter se rege. Claro que isso envolve perigos, haverá sempre quem irá apontar o dedo, invejas enfim, mas cabe ao designer estar acima de tudo isso e encontrar “soluções” à altura dos “problemas”.



JERICHO



Entre as séries-alegorias sobre design, Jericho é das minhas preferidas. Claro que me podem dizer que quase nada ali faz sentido e que aquela narrativa resulta, afinal, de um cocktail de referências: uma comunidade isolada como em Lost; paranóia galopante como em 24; pequenos dramas sociais como em Donas de Casa Desesperadas. Ora bem, este cruzamento de referências é intencional e se, por um lado, ele questiona a originalidade dos discursos projectuais contemporâneos, por outro lado, afirma a sua identidade como resultando da multiculturalidade e reutilização de referências já existentes.

Jericho é quase um manifesto de design pós-moderno mas como se passa no Kansas deve ser outra coisa, seguramente mais interessante.


WEEDS



Erva é a história da encantadora e peculiar Nancy Botwin. Trata-se de uma personagem alegórica que não representa outra coisa senão um designer. Deve interpretar-se assim: “jovem mãe que fica viúva” igual a “jovem designer que fica desempregado”, “vender marijuana” igual a “trabalho freelancer” ve por aí adiante. As personagens que rodeiam Nancy, dos familiares, aos amigos (Doug, Celia, Heyla James), passando pelos amigos-clientes (uma inevitabilidade para um freelancer), pelos clientes-amigos e por um ou outro inimigo, são afinal figuras típicas que rodeiam um jovem designer.

Que o Design é quase amoral embora envolva uma série de conflitos e contradições sociais (éticas, económicas, religiosas, raciais) é afinal a proposta crítica lançada pelo Canal+. Vale a pena ver e tirar apontamentos.

Thursday, June 26, 2008



QUANDO VALE UM LIVRO?
NOTAS SOBRE O MERCADO GRÁFICO EM PORTUGAL




Mesmo que se dê pouco por ele, existe um mercado de produção gráfica (livros, revistas, cartazes, catálogos, brochuras, fotografias) em Portugal. Trata-se de um mercado pequeno e de contornos algo indefinidos, que pontualmente se agita, com o leilão de lotes comercialmente interessantes ou com o movimento de investidores particularmente atentos (vide a aquisição recente pela Fundação Berardo de um interessante lote de fotografias, levadas a leilão pela P4, de Victor Palla).

Se algumas obras ganharam já um valor de mercado virtual, na medida em que não estão no mercado e, se por lá aparecerem, valem o que por elas se quiser pedir dando lugar às mais delirantes especulações, consegue-se, no entanto, perceber uma caracterização deste mercado e, mesmo que em contornos largos, definir dois níveis de oferta cujo valor, cultural e comercial, é relevante.

Num primeiro nível encontramos (com sorte e atenta procura) obras como os cinco volumes do deslumbrante Alguns aspectos da Viagem Presidencial às Colónias 1938-39, o Mundo Português – imagens de uma exposição histórica (SNI, 1945), o Lisboa, Cidade Triste e Alegre de Costa Martins e Victor Palla (1956-59) ou os crescentemente valorizados dois volumes da Arquitectura Popular em Portugal de 1961. Num patamar inferior deste primeiro nível, incluímos alguns catálogos da segunda metade do século XX (a começar pelo catálogo geral da Exposição Nacional de Artes Gráficas) e alguns periódicos como a Orpheu ou, sobretudo após a exposição do CCB, a KWY. Neste patamar podemos ainda incluir uma miscelânea de objectos, desde esquiços de arquitectura de Raul Lino a cartazes de Kradolfer ou Bernardo Marques. Muitas destas obras são tão difíceis de adquirir como de localizar, estarão na posse de coleccionadores particulares (na maioria estrangeiros) e são invisíveis nos nossos museus de arte contemporânea e de design. É sabido que grandes instituições, como a Gulbenkian ou a Fundação Berardo, possuem um considerável espólio de produção gráfica portuguesa do século XX mas por diversas razões a sua exibição tem sido muito escassa. Também essa escassez de exibição, explica um considerável deficit cultural que faz com que estudantes de design e designers desconheçam as capas de livros de Raul Lino ou os trabalhos gráficos de Paulo Ferreira.

O segundo nível (e desculpem-me se omito outros pelo meio) parece-me verdadeiramente interessante. Por se tratarem de obras ainda possíveis de adquirir, quer do ponto de vista da sua disponibilidade quer de razoabilidade de preços, mas também por serem obras mais recentes, que integram o acervo gráfico contemporâneo português. Um bom exemplo, são os catálogos da segunda metade dos anos 80 e início de 90. Destaco três casos, os catálogos da Atlântica, do Porto, enquanto dirigida por José Mário Brandão e aconselhada por Alexandre Melo (penso, entre outros, nos óptimos catálogos do final dos anos 80 dedicados a Julião Sarmento, Rui Chafes, Pedro Portugal ou Rui Sanches), a Fluxos, também, do Porto e a Éther, de António Sena, em Lisboa, que usando exemplarmente subsídios institucionais soube produzir dezenas de catálogos de irrepreensível qualidade. As edições, verdadeiramente quase-reedições, pela Éther do Imagens Fugazes – A viagem presidencial às colónias, 1938-39 ou do Lisboa, Cidade Triste e Alegre, são bons exemplos, dessa produção dos anos 80, de pequena tiragem, cujo valor cultural e comercial vai sendo cada vez maior.

Comecei este texto por afirmar que existe um mercado de produção gráfica em Portugal. Ele existe, repito-o, apesar das limitações que o caracterizam. Sinal dessas limitações, é o quase absoluto esquecimento comercial relativamente à produção gráfica mais particular (cartazes, flyers, catálogos de baixa tiragem) e recente. A grande produção gráfica do PREC e das décadas de 70 e 80 aparentemente ainda não tem lugar dos alfarrabistas, em todo o caso inexistentes do ponto de vista da especialização em design, e não encontram, uma vez mais face às limitações do mercado, outro espaço de exibição ou comercialização. Daí que, o que aparece, aparece por acaso e a preços que nem sempre se revelam razoáveis. Dou um exemplo: vi o catálogo da exposição Depois do Modernismo (Lisboa, 1983) em dois alfarrabistas, num o catálogo custava 80 euros, noutro custava 20. Comprei-o no segundo e, por 25 euros, trouxe para casa o referido catálogo e ainda o Anteu de João de Barros, marcado com o sinete do autor, com capa de Raul Lino.

Saturday, June 21, 2008




Termina hoje em Barcelona a edição deste ano do Sonar, por lá passaram Goldfrapp, Dubfire, Miss Kittin ou os "velhos" Yazoo.



Mas ao fim de 15 anos, fica um historial que vai para além de bons concertos e de boas exposições, fica sobretudo um historial de boas campanhas promocionais, com os seus ícones improváveis: de Maradona, em 2002, à Pajarracada, nesta edição de 2008.

Fica a galeria de imagens.





Thursday, June 19, 2008




A nossa realidade, vista tanto global como sectorialmente, é o resultado do que Vico tinha definido como “a capacidade de fazer”, quer dizer o que liga o verum e o factum. Mesmo não sendo lícito identificar a “capacidade de fazer” com o que se poderia chamar a “capacidade de projectar”, devemos pelo menos admitir que estas duas expressões pertencem ao mesmo discurso, ao universo do discurso operativo do homem.

Fazer e projectar, é evidente, não se pressupõe necessariamente um ao outro, mas estas duas actividades só excepcionalmente são independentes uma da outra e só excepcionalmente podem não participar da mesma modalidade volitiva e factual da acção sobre a realidade.

Existe por exemplo, o típico fazer sem projecto, o fazer que habitualmente escapa a qualquer plano racional formulado a priori: o jogo. Também existe o típico projecto sem acção, o projecto cuja finalidade fundamental não é a realização imediata: a utopia.

(...) A utopia, tal como E. Bloch a considerou, possui uma componente que falta no jogo: na maior parte dos casos, o móbil original da utopia é a esperança. E é inegável que neste sentido a actividade utópica positiva – não falamos da actividade negativa, de Samul Butler a Arno Schmidt – implica o reconhecimento de que o mundo, apesar de imperfeito, é aperfeiçoável. Trata-se, portanto, de uma forma muito subtil de projecção concreta; forma que não é real mas seguramente virtual.

(...) Quando temos esperança em qualquer coisa, também temos qualquer coisa a dizer; do mesmo modo, o design torna-se inútil quando não temos esperança em nada nem nada a dizer.

Assim como a esperança sem projectação é uma forma muito particular de comportamento alienado, o design sem esperança seria, pelo contrario, a forma mais típica. Efectivamente, não há comportamento alienado mais típico do que o do designer que projecta sem crer nem na necessidade, nem na utilidade do seu trabalho, que realiza sem qualquer convicção, apenas para dar uma resposta rotineira às exigências igualmente rotineiras da sua tarefa. Em suma, um designer desprovido de qualquer motivação ou – o que ainda é pior – desprovido de desejos. É o que acontece, sobretudo, ao designer que trabalha no interior da sociedade capitalista: Sísifo moderno, obrigado a viver permanentemente, como assinalava C. Wright Mills, “no maior mau-estar e maior frustração paralisante”.

TOMÁS MALDONADO, LA SPERANZA PROGETTUALE. AMBIENTE E SOCIETÀ, EINAUDI, TURIM, 1970.
Tradução e adaptação de José Bártolo

Wednesday, June 18, 2008



DESIGN PARA A CIDADE


Um dos mais interessantes projectos, de entre os desenvolvidos pelo Centro Português de Design, chamou-se Design para a Cidade: exposição de situações, artefactos e ideias e consistia num percurso de instalação criado ao longo do Jardim de Serralves.

A instalação esteve em Serralves entre 25 de Julho e 22 de Setembro de 1991 e a sua natureza e preocupações reflectiam bem o espírito do então presidente do CPD Sena da Silva. Para alguém que (à semelhança de Daciano da Costa) desenvolveu em Portugal uma ideia (muito pertinente quer do ponto de vista projectual, quer do ponto de vista teórico) de “design em contexto”, a exposição Design para a Cidade não podia deixar de surpreender pelo carácter intencionalmente descontextualizado que marcava a exposição de objectos de mobiliário, transportes, sinais de trânsito, fotografias e desenhos. Esta descontextualização dos objectos que nos apareciam diante de nós, à medida que íamos percorrendo os Jardins de Serralves, obrigavam-nos a repensá-los, perdido o enquadramento que quotidianamente os torna habituais e, por isso, quase invisíveis, aqueles objectos apareciam-nos não só visíveis mas problemáticos, requisitando a nossa atenção, na fronteira do objecto de arte e do objecto de design, mas sempre eficazes enquanto objectos de comunicação. A descontextualização envolvia assim um convite à construção de um novo contexto de compreensão e uso dos objectos.

O título da exposição era, já no início dos anos 90, um título desconcertante. Os três conceitos reforçados na exposição – “situações”; “artefactos” e “ideias” – embora sendo, qualquer deles, pertinente e poético, eram conceitos “antiquados” e em “desuso”. De facto, na linguagem do design português do início da década de 1990 falar em “artefacto” ou em “situação”, era usar uma terminologia pouco cara ao mundo burocrático do “design e da inovação”, numa tendência que creio ainda se mantém.

Um dos aspectos fascinantes da Exposição era o modo como convocava (e os encenava no insuspeito espaço expositivo de um jardim) presente e passado, factualidade e memória, testemunho e registo e, assim, se encontravam num mesmo percurso marcos de correio e antigas viaturas dos bombeiros, vidrões e banda desenhada, cabinas telefónicas para diversas situações, dois núcleos de fotografias e, ao longo de todo o espaço, uma série de “intervenções” da autoria de Sam. Se ao longo do percurso nos apercebíamos que “em questão” estava o equipamento urbano, as novas formas de equipar e habitar o espaço público, a própria ideia de “hábito” agora associada (ou dissociada) à ideia de “trânsito”, também sentíamos, que a inteligência da instalação nos permitia um contacto como aqueles objectos de design, simultaneamente, crítico e lúdico. Não deixa, aliás, de ser interessante recordar que Design para a Cidade inaugurou poucas semanas depois de, em Lisboa, terem aparecido as primeiras intervenções do projecto Arte Pública (incluído nas Festas de Lisboa) que envolveu diversas obras (de Cerveira Pinto, Leonel Moura, Pedro Portugal, Xana, Henrique Cayatte e José de Guimarães, entre outros), nas quais as dimensões “pública” e “política” da arte eram exploradas através de uma sistemática esteticização do objecto utilitário e de uma “instrumentalização utilitária” do objecto artístico, criando muitas vezes jogos de interpretação entre as pré-existências do lugar e a intervenção site-specific (pense-se por exemplo no diálogo entre a intervenção de Leonel Moura nas Amoreiras e o Complexo projectado pelo Arquitecto Tomás Taveira).

Depois de Design Para a Cidade, não me recordo de nenhuma exposição de design português que me tenha entusiasmado tanto, apesar do entusiasmo que o projecto Marvila Capital do Nada, coordenado pelo Mário Caeiro, dez anos mais tarde, ainda me despertou. Curiosamente, os dois projectos (ou os três se quisermos incluir ainda o Arte Pública ao qual fizemos breve referência) partilhavam vários objectos de reflexão (a identidade urbana; as novas formas de equipar e habitar a cidade; a globalização) e processos de questionação, como os, em ambos os casos excelentes, catálogos o demonstram.

Recordando Design Para a Cidade, fico também mais convicto de que, por diversas razões mas seguramente muito por mérito pessoal, o papel desempenhado pelo CPD nunca foi tão válido como durante a presidência de Sena da Silva. Por esta, e outras razões, qualquer história do design português, por mais breve que seja, tem de destacar o seu nome.

Thursday, June 12, 2008





365 Dias



Está para breve a publicação de 365 Days o novo livro da extraordinária ilustradora canadiana Julie Doucet a autora de Dirty Plotte.



A sociedade desejável



The School for Designing a Society é um projecto colectivo, envolvendo professores, designers e activistas sociais, criado em 1991 como uma plataforma de discussão do papel da escola e do design em termos sociais. A mais recente questão, discutida directamente com as comunidades, colocada pelos designing society é a seguinte: “What would I considerer a desirable society?”.




The Oporto Show



O The Oporto Show arranca hoje e está aberto ao público até ao próximo dia 15 no Edifício da Alfândega do Porto. Esta mostra de Design e Arquitectura, apresenta-se como um manifesto internacional (no que me parece uma desinteressante banalização da ideia de manifesto) nas áreas do design e arquitectura de interiores.



O discreto chrame da tecnologia



Também hoje inaugura no MEIAC de Badajoz a exposição El discreto encanto de la tecnologia envolvendo mais de uma centena de obras de 65 artistas. Comissariada por Claudia Giannetti, António Franco e Peter Weibel, a exposição organiza-se a partir de cinco módulos temáticos: "Operar sobre el código formal"; "Operar sobre el código visual"; "Operar sobre el código sensorial"; "Operar sobre la interfaz del cuerpo"; "Operar sobre la interfaz de la realidad". A ver até ao final de Agosto, no Meiac, quase em Portugal.



Encontramo-nos no café



Chama-se Conversation Café e é um projecto inspirado no velho espírito de tertúlia que marcou a história de muitos cafés, sobretudo europeus. Mas Conversation Café é também uma interessante forma de reflexão e de resistência sobre a transformação, senão mesmo a crise, do diálogo, da partilha e da participação pessoal que, como sabemos, envolve sempre, uma crise da existência democrática.



The Girl Effect



É mais do que um cuidado exercício de tipografia para ecrã; é mais do que um video eficaz do ponto de vista da comunicação; é mais do que um projecto bem intencionado. É the girl effect.



O design que nos rodeia



Entre os inúmeros Classics of everyday design (e são já cerca de meia centena) que Jonathan Glancey tem revelado no Guardian há algumas pérolas que valem bem a pena serem lidas e que possibilitam um olhar renovado sobre a cultura material que nos rodeia.




Bond Is Back!



O editor britânico da Penguin Books decidiu, em boa hora, reeditar a colecção Penguin 007: 007 com as suas capas, bondescas e psicadélicas, assinadas por Michael Gillette. Parece-me um bom investimento de Verão.











Wednesday, June 11, 2008



Sempre desconfiei dos que assumem que o design não é arte. Encobertos pela disponibilização dos seus serviços, alguns lá se vão convencendo que o que fazem é simplesmente economia, comércio, adequação de vontades, cumprimento de pedidos, respeito pelos budgets, deadlines, know-how, targets, mock-ups... Para mim esta descrição de vendedor compõe a figura do designer incompetente, aquele que não tendo visão, compreensão e capacidade para gerar e criar novos objectos visuais, decide refugiar-se no seguro caminho das catalogações, estereótipos, templates e demais reduções da prática, do processo e do tempo.

Design não é arte por não ser pintura ou escultura ou instalação? O designer não pode (ou não deve?) criar por si próprio, devido à imposição de uma encomenda, à presença de um cliente, necessitando obrigatoriamente de objectividade? Mas então e as encomendas feitas a artistas, muitas das vezes com o tema e o estilo já escolhido? Ou mesmo projectos transversais apresentados hoje, inclusive em Portugal e que são mais pensados pelos comissários do que pelos próprios artistas? Não haverá espaço para a utilidade na arte?

Seja qual for a posição assumida e a escolha profissional de cada um, no mínimo a presença da arte no design é algo indubitável. O que muitas das vezes os aficionados do comércio, das vendas, do marketing se esquecem, é que a génese da actividade encontra-se precisamente na integração da arte na indústria. É o papel inicial do artista no controlo do processo e resultado industrial que determina a existência de uma prática actual.

Hoje, a arte no design sofre um retrocesso. Se no inicio o propósito era colocar a Arte à disposição do trabalho efectuado pela máquina, e portanto próximo de um público mais generalizado e não elitista, agora absorve a tecnologia e molda-se a ela. Uma consequência ou ramificação decadente deste entendimento é a standardização dos objectos. Neste sentido, os produtos da indústria fazem-se como se supõe ou como se impõe, seguindo exemplos e modelos, regras cuja criação se desconhece mas circulam e cujos benefícios são mal previstos. Aqui a arte não serve nenhum propósito, ela é antes decoro e elemento de uma fórmula.

Feita a análise ou observação dos objectos pertencentes à nossa cultura material, sobra pouco de artístico neles, pois é gradual a diminuição do papel intelectual e criador do designer, em detrimento de uma suposta segurança comercial - ideia abstracta e nunca devidamente fundamentada. É inconcebível que a colocação dos títulos centrados se venda melhor do que alinhados à esquerda, que com uma sombra este seja mais apelativo, que se for maior no tamanho é também em legibilidade. Conclusões retiradas de um mercado constituído por quem acha sempre qualquer coisa sobre todo o assunto e nunca se baseia em estudos ou apreciações objectivas e científicas.

Esta standardização é então uma "pedra no sapato" na medida em que inibe o desenvolvimento e a fertilização de ideias, a germinação de novas opções, o elemento de surpresa e por isso mesmo, a capacidade económica e a regeneração industrial. Transforma também qualquer nova situação e aproximação ao solucionar de problemas como exclusiva alimentação das elites, rotulável e por vezes "desprezada".

Alimenta inclusive a certeza de uma população que se pensa evoluída, em considerar opiniões do foro estético e subjectivo, quando na realidade se encontra a anos-luz de produzir um corpo de conhecimento ou emissão de opinião pertinente, actualizada e considerável sobre qualquer objecto em questão.

Designer X 20.01.2005

Wednesday, June 04, 2008

DE REGRESSO AO MEU ESTÚDIO DE DESIGN DOS ANOS 80

Tudo mudou, para nós, em Abril de 1974. Por esses dias, estava Sebastião Rodrigues empenhado nos seus trabalhos para o Banco de Fomento Nacional, quando se ouviu Paulo de Carvalho a cantar E Depois do Adeus, e uma canção, belissimamente orquestrada, lembrando Gainsbourg, desencadeava uma revolução política e cultural.



Um ano antes, por ocasião da 2ª Exposição do Design Português (FIL, 10-22 Março), organizada por Sena da Silva, havia-se reclamado para o Design “a responsabilidade de dar resposta a problemas sociais sérios”, numa espécie de manifesto informal que envolvia, assumidamente, uma tomada de posição política.

Embora os anos de 1960 e início de 1970 tenham permitido o desenvolvimento de trabalho de design de vanguarda em Portugal (penso em Roberto Nobre, Manuel Rodrigues, Sebastião Rodrigues ou Victor Palla), claramente condicionaram e, em grande medida, adiaram um debate cultural que apenas se fez após 74 (ou se fez episodicamente nas páginas da Colóquio e de um ou outro jornal, ou se fez no estrangeiro como a KWY bem exemplifica).

Em surdina, uma verdadeira revolução cultural, nas artes e no design português, ia ganhando forma, sobretudo a partir do final de 1972 na sequência do impacto gerado pela 5ª Documenta de Kassel, cuja recensão em Portugal (Ernesto de Sousa, E.M. Castro, Rui Mário Gonçalves, José Augusto França) foi considerável. Creio que o grande debate - que envolvia nomeadamente: a questão dos limites da modernidade e a reflexão sobre as novas práticas contemporâneas redefinidoras da produção e da recepção cultural; o debate sobre a “alta” e a “baixa” cultura, o confronto entre a erudição e o “saber popular”; o trabalho hermenêutico sobre as linhas de transformação da actividade artística e projectual em Portugal; as questões da forma e da linguagem na transformação da actividade cultural; a criação “consciente das situações”, ou seja, o debate sobre o carácter politico e social da intervenção artística; enfim, o debate sobre a “experimentação” e os “media” – se inicia efectivamente em 1972 (um ano antes, na 1ª Exposição de Design Português a questão dominante, provincianamente colocada, era a da “utilidade”) e que culmina em dois acontecimentos marcantes: Alternativa Zero de 1977 (design da exposição e cartaz de Carlos Gentil-Homem e estudo gráfico para o catálogo de João Melo) onde participaram Helena Almeida, E.M. de Mello e Castro, Robin Fior, Ernesto de Sousa, Sena da Silva, Ana Hatherly, entre muitos outros; Depois do Modernismo de 1982, organizado por Cerveira Pinto, Leonel Moura, Carlos Zíngaro, Michel Pereira e Nuno Carinhas.

Depois do Modernismo assumia-se como o formulário de “cinco pertinentes questões”: Saber até onde a “modernidade” esgotou, ou não, a sua energia avassaladora e se resume hoje a um conceito vazio de conteúdo, pronto a ser utilizado para significar tudo e nada; Saber se em Portugal têm lugar formas de expressão artística que possam integrar a amplitude e ambiguidade de uma noção como é a pós-modernidade; Saber se é possível estabelecer pontes de entendimento entre campos diversos, frequentemente afastados entre si, por acção dos mais diversos mecanismos sociais, partindo do pressuposto de que tanto o alinhamento académico como a inovação a todo o custo não constituem parâmetros aceitáveis para nenhuma das artes em presença; Saber se os fragmentos daí reunidos poderão ajudar a delinear, não uma tendência geral, mas um estado de espírito particular; Enfim, saber onde podemos estar quando tudo leva a crer que já não estamos em parte alguma.

Nesse mesmo ano de 82, a Associação Portuguesa de Designers, dirigida pelo esclarecido Sena da Silva, promovia a exposição Design & Circunstância, creio que o melhor da exposição acabou por ser o cartaz desenhado por Sebastião Rodrigues que nesse mesmo ano apresenta o livro Cozinha Tradicional Portuguesa de Maria de Lourdes Modesto e o interessante desdobrável O Lugar do Design para a APD.

Se num certo sentido no contexto do Portugal democrático, o design renasce, enfrentando consequentemente várias fases até chegar à maturidade, e se sob esta perspectiva há inclusivamente alguns retrocessos em termos de cultura do design português relativamente aos anos 40 da APA (Bernardo Marques, Kradolfer, Manuel Lapa, Paulo Ferreira, Maria Keil, José Rocha, Jorge Matos Chaves), também é verdade que, deste renascimento, surge uma nova linguagem formal associada a uma nova compreensão cultural que perpassa pelas obras de Espiga Pinto, Tomás de Figueiredo, Dario Alves, Jorge Afonso, Aurelindo Ceia, Robin Fior, João Machado, João Nunes e Henrique Cayatte.

Dez anos é tempo suficiente para, de qualquer década, se puder dizer que nada ficou como dantes. No final de 1981, os anos 80 já haviam levado Jean-Paul Sartre, John Lennon, Marshall McLuhan, Oskar Kokochka e Marcel Breur e trazido a disquete e o CD, o primeiro Apple e o MS-DOS, a SIDA e a MTV, Reagan na presidência dos EUA e o início do movimento polaco Solidariedade, liderado por Lech Walesa (o logo for a desenhado por Jerry Janiszewski). Do que se seguiu é difícil fazer resenha breve: Tomás Taveira projecta o complexo das Amoreiras (1980), Neville Brody torna-se director artístico da Face (81), é criada a Memphis (81), Wozencroft cria a Touch (82), Sebastião Rodrigues publica trabalhos no Who’s Who in Graphic Arts no mesmo ano em que Manuel Reis da Loja da Atalaia abre o Frágil e renova a vida cultural do Bairro Alto (82), Paul Rand redesenha o logo da IBM (82), Ridley Scott realiza Blade Runner (82), Vaughan Oliver começa a trabalhar para a 4AD (83), a revista Time nomeia o Computador como Man of The Year de 83, nasce a Émigré no mesmo ano em que Bob Geldof promove o Live Aid (84), muita coisa, como se vê, e ainda não se chegamos a meio dos anos 80.



Os anos 80 – esse tempo que “nunca mais acaba de começar” – terminaram, pelo menos no calendário, há dezoito anos. Retrospectivamente, consigo reconhecer que as causas que motivaram em mim algumas transformações individuais motivaram, igualmente, uma série de transformações colectivas e disciplinares: vivemos a contas com a herança deixada pelos anos 80 mesmo que essa não seja a única herança a contas com a qual vivemos.

Foi também por herança, esta familiar, que no início dos anos 80 tive a primeira experiência do que é um estúdio de design. Terá sido a forte impressão que esse espaço e o que nele habitava – objectos, cheiros, sons – causou sobre mim que me levou a pensá-lo, decorrência natural do “estar atento” à particular coreografia que , então, se encenava num estúdio (ou pelo menos “naquele” estúdio) de design.

Há uma compreensão das coisas que parece exigir o nosso afastamento em relação a elas; precisei de sair dos anos 80 para deles ganhar outra forma de reconhecimento, distanciado, fornecido essencialmente pela leitura de reflexões sobre os 80 denunciando neles o neo-barroquismo, o protagonismo do simulacro (uma certa “realidade da ilusão”), o apogeu da visibilidade, a tentação de uma comunicação imediata e sensível. Não tenho dúvidas que as “razões” que me levaram a valorizar o conhecimento indirecto dos anos 80 sobre o conhecimento que efectivamente deles tive, são “razões” que caracterizam a própria época.

Para mim, que entrei na década com menos de 10 anos, os anos 80 foram o tempo da descoberta de três “linguagens” que se assumiram, desde logo, como três formas de paixão: a dança – descoberta da extraordinária “linguagem do corpo” através de Pina Bausch, de Anne Teresa de Keersmaeker, Jean Claude Gallota e o Teatro-Dança europeu que, mais a norte, era Teatro-Físico como o D.V.8 bem o representavam); a música – descoberta do poder do som e do silêncio, do ruído e dos harmónicos, do prazer, adolescentemente melómano, de descobrir, de comprar, de ouvir; e finalmente, o design – a descoberta da comunicação enquanto acção e do não-verbal como meio de construção de uma ordem que nos integra e define.

O que havia afinal nesse estúdio de design dos anos 80? Vou-me limitar aquilo que vos posso contar (como em qualquer “memória” o que se torna público é apenas uma parte).

No estúdio de design dos anos 80, o dia começava fazendo-se três gestos: ligar o gira-discos , ligar a Waxer e, finalmente, fazer café.


Fig. 1 A Velha Waxer.


A velha Waxer “demorava a aquecer” mas era imprescindível, a música tornava-se, com frequência, “silenciosa”, embrenhados no trabalhos dela não nos apercebiamos até que, subreptícia, se tornava presente quando dela mais precisávamos; do café (que não bebia) recordo o cheiro misturado com o do tabáco (que não fumava), em particular, o aroma perfumado de uns cigarros de cravinho absolutamente fabulosos.

Noutra ocasião, gostaria de falar do “método” de trabalho e das “visões” do design a partir deste mesmo estúdio dos anos 80. Por agora, nostalgicamente, recordo os instrumentos fundamentais do estúdio:





Fig. 2/4 Antes do Illustrator não era fácil desenhar elípses mas havia ajudas (das réguas ao elipsógrafo).

Fig. 5 Régua para desenhar tipos feita pela Haberule.


Fig. 6 Compasso Staedtler.


Fig.7 Acu Arc, sempre que o compasso não é suficiente.


Fig. 8 Caneta Radiograph, muito útil...


Fig. 9 ...mas é necessário seguir as instruções!

Fig. 10 Os imprescindíveis livros de tipos, como os de Walter Foster por exemplo.

Fig. 11 O X-Acto, claro.


Fig. 12 "Thinner dispenser", difícil passar sem ele mas assustador para os fumadores!


Fig. 13 Escova Iwata, usava-a para acabamentos.

Fig. 14 Fixadores...






Fig. 15/17 ... e uma série de outras coisas.






Fig. 18 e segs. Polaroid para registo e visualização.






Fig. 21 e segs. E muitas outras coisas fundamentais!


Fig. 24 Até que a revolução chegou, em 1985 (o melhor ano da 4AD), eu tinha 13 anos ele tinha 128k de memoria, 8mhz processador e ecrã de 9’’, um espanto!

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REACTOR é um blogue sobre cultura do design de José Bártolo (CV). Facebook. e-mail: reactor.blog@gmail.com