Monday, December 22, 2008

samsung

O ano de 2008 – que já não ia famoso – terminou com o Ministro da Cultura, limitado por uma manifesta falta de talento e de orçamento, a demitir-se da tarefa para a qual o Ministério da Cultura, pelo menos desde Manuel Maria Carrilho, tem revelado uma dramática incapacidade, a da gestão dos equipamentos culturais.

A peregrina ideia de entregar o património cultural público à sorte que os privados lhe queiram dar – de que a saia da Samsung que por esta altura veste o Cristo Rei é um lamentável preview – decorre do desencontro, aparentemente insanável, entre estratégia cultural, gestão orçamental e política patrimonial.

As razões de fundo que explicam o desastre na Cultura – quer a política seja nacional, quer (com honrosas excepções) seja local – coincidem com as causas que explicam mais um adiamento relativo à decisão do espaço que irá acolher o Mude – Museu do Design e da Moda.

Em relação ao Mude a história é fácil de resumir: em 2002 o então presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Pedro Santana Lopes, comprou a colecção Francisco Capelo – que no CCB fazia uma media de 40 mil visitantes/ano – por 6,6 milhões de Euros. A Colecção Capelo, sendo desequilibrada enquanto espólio capaz de suportar um Museu do Design na medida em que se circunscreve essencialmente a peças de produto e interiores entre os anos 60 e 80 (e não sendo sequer, como frequentemente se apregoa, uma colecção única em Portugal como sabem aqueles que já viram outras colecções de privados portugueses), parecia representar um investimento de risco controlado, capaz de “actualizar” Lisboa no mapa das capitais europeias que possuem um museu de design. Para Directora a escolha (discutível é certo) recaiu sobre Bárbara Coutinho que passou a dispor de uma colecção com duas mil peças, de algum pessoal técnico, de um modelo (o do Design Museum de Londres) e a aguardar um espaço. É a própria Bárbara Coutinho quem afirma que desde a saída do CCB o Museu tem funcionado na “invisibilidade” e como as coisas que funcionam invisíveis são difíceis de ver, do Mude não se tem visto nada, exigindo-se que, antes de 2010, através do Site ou de colaborações com outras instituições, a programação do Museu ganhe um mínimo de visibilidade.

A CML prevê agora um investimento de 21,7 milhões de Euros para adquirir o belíssimo edifício da antiga Sede do Banco Nacional Ultramarino situado na Rua Augusta para aí instalar o Mude. Claro que conseguimos esperar até 2010, a questão não é a de ser ou não suportável a espera ou serem ou não aceitáveis as suas razões, o que se vai tornando menos suportável, bem entendido, é o deserto cultural que tem avançado sobre Lisboa e o Porto (para falar apenas nas duas maiores cidades) que condena a prazo espaços alternativos (como aconteceu com Casa dos Dias D’Água na Estefânia e ameaça acontecer com o Oásis que é o Espaço Avenida) ao mesmo tempo que espaços públicos se encontram entregues ao abandono e à natural degradação.

Num país onde o exíguo espaço de um Silo de estacionamento de um Centro Comercial, o Nortshoping de Matosinhos, é o único espaço com um programação regular de exposições de design, não se justificará uma urgente e alargada discussão?

Wednesday, December 10, 2008

bpn



QUE DESIGN PERANTE A CRISE?



Os momentos de crise económica são historicamente momentos de evolução do design. Por um lado, porque a crise de um modelo ideológico vigente possibilita o fortalecimento de um modelo ideológico alternativo equilibrando deste modo as relações entre retaguarda e vanguarda; por outro lado, porque em momentos de crise a estratégia de reacção governamental passa, ou pelo menos passou insistentemente ao longo do século XX, por recorrer ao design, não só como processo de mediação e catalisação social – como comunicador de esperança – mas, sobretudo, como processo de racionalização e inovação da produção, A reiterada aposta do “choque tecnológico” por parte do Governo de José Sócrates, que o politiquês associa reiteradamente a palavras como “design”, “inovação”, “competitividade”, mostra que, também no actual contexto português, a aposta no design surge como um contributo para uma possível solução para a crise.

Num artigo intitulado O design de uma política do design, o designer mexicano Julio Peña, historiógrafa sucintamente as ligações entre políticas de design – com o reforço corporativo do design muitas vezes através da sua estatização – e políticas de retoma económica. Curiosamente, o que ressalta é o facto dos momentos de maior envolvimento do design, os momentos em que a agenda do design está mais explicitamente definida correspondem a momentos de “orientação externa” da disciplina, momentos em que, se se quiser, o próprio design – ou pelo menos a sua agenda – é nacionalizada.

Se, no contexto português, alguns sinais dessa nacionalização são evidentes – do marketing do Magalhães à política de comunicação do Governo – mais se destaca o silêncio das associações – tanto faz se nacionais ou portuguesas – de design e do Centro Português de Design, que, das duas uma, ou desconhecem a existência de uma crise ou desconhecem o que o design possa ter a ver com isso.

Num artigo publicado no passado dia 14 no Herald Tribune, Alice Rawsthorn retoma a questão das responsabilidades do design em período de recessão, propondo um “redesign” no modelo vigente de negócio e dos serviços e um maior envolvimento do design na solução de problemas sociais: do crime ao desemprego.

Porém, falar em crise económica não deve branquear a verdadeira origem do problema, a crise política ou, na expressão de Félix Guattari e Toni Negri, no ensaio Les Nouveaux espaces de liberté, a crise do político, cuja natureza não se deixa reconduzir, como frequentemente se quer fazer crer, a simples disfuncionamentos económicos, independentes do politico, mas antes resulta de uma ruptura na capacidade das instituições para se transformarem. A crise do político tem as suas raizes no social. Daí a exigência de uma nova política, a “exigência”, nas palavras de Guattari e Negri, “de uma requalificação das lutas de base com vista à conquista contínua de espaços de liberdade, de democracia e criatividade”.

Que pode o design relativamente a esta luta? Há na tradição histórica do design, em particular na agenda modernista, reforçada na ambição de neutralidade do Estilo Internacional, a promoção da atitude apolitica do design. Em Countering the tradicion of the apolitical designer, Katherine McCoy sumariza esssa tradição apolitica para reforçar a necessidade de um envolvimento projectual na organização das estruturas de funcionamento político: “The question is how can a heterogeneous society develop shared values and yet encourage cultural diversity and personal freedom? Designers and design education are part of the problem, and can be part of the answer. We cannot afford to be passive anymore. Designers must be good citizens and participate in the shapping of our government.”

Autores como Iris Marion Young consideram que a actual crise resulta do esgotamento da democracia deliberativa dominante – uma “forma de democracia que não admite diferença ao falar e escutar” – defendendo uma democracia comunicativa, herdeira das teorias da acção comunicativa de Habermas, um modelo baseado da discussão, “uma acção comunicativa envolvendo reciprocidade assimétrica entre sujeitos.”

O desafio do design perante a crise não passa pelo desenvolvimento de estratégias de união ou unificação, mas pelo desencadear de acções de ruptura capazes de manifestar a diversidade. A única possibilidade de se evoluir a partir da crise passa, em primeiro lugar, pela capacidade de a reconhecer, de “identificar as presentes relações sociais, estruturas de poder e grelhas socioculturais de comunicação que limitam a identidade das partes no diálogo público e que estabelecem a agenda para o que é considerado adequado ou desadequado como questões de debate público” (Seyla Benhabib, Liberal Dialogue versus a Critical Theory of Discursive Legitimacy); em segundo lugar promover um verdadeiro debate – o que implica, desde logo, a recuperação do espaço público – devendo o design contribuir para a integração, no espaço do debate político, dos discursos informais, da linguagem que tem menos recursos linguísticos, mas também dos que têm menos recursos sociais, económicos e políticos, nas estruturas de decisão.

Repensar o político através da procura dos requisitos pragmáticos capazes de articular igualdade social e diversidade cultural parece-me, em síntese, o desafio que se coloca ao design em período de recessão.

Wednesday, December 03, 2008




Encontrei, no meio de um conjunto de jornais colocado de lado para reciclar, uma curiosa entrevista, já com algum tempo, dada por Simon Vukcevic, futebolista profissional da equipa do Sporting. Na entrevista, questionado sobre os seus ídolos no mundo do futebol, Vukcevic afirmava despudoradamente que não tinha quaisquer ídolos ou referências e ia mais longe ao declarar que não via jogos de futebol, não comprava publicações sobre futebol, não conhecia jogadores, treinadores ou tácticas, em suma, não lhe interessava o jogo – em relação ao qual não conhecia a história, as polémicas, os protagonistas - apenas lhe interessava jogar. As declarações, de um futebolista profissional que não se interessa por futebol, embora nos surpreendam, recordam-nos que o futebol e os futebolistas não são a mesma coisa e, embora sejam indissociáveis entre si, os futebolistas não têm de estar empenhados na construção do futebol, além do mais o futebol é construído por diversos agentes –gestores, empresários, treinadores, críticos, jornalistas, professores, sindicalistas, consumidores… - cuja acção raramente é solidária e cujas visões sobre o futebol poucas vezes são coincidentes.

Sabemos também que um determinado agente pode ter uma acção determinante no futebol embora seja inapto como futebolista e que um excelente futebolista não é necessariamente apto para assumir outro tipo de protagonismo no futebol. Disso há vários exemplos: de treinadores de excelência que foram jogadores medíocres (como José Mourinho), de jogadores de excelência que são incapazes de pensar ou gerir o futebol (como Eusébio), de críticos pertinentes que nunca deram “dois toques” numa bola (como Luís de Freitas Lobo), de gestores desportivos que nunca integraram uma equipa de futebol (como Hermínio Loureiro). De resto os futebolistas – a quem é pedido que se limitem a fazer o seu trabalho, ou seja, que joguem futebol – tendem a ser os menores protagonistas na definição da “agenda” do futebol – essencialmente definida pelos patrocinadores, pelos gestores e, em parte, pelos jornalistas. Com os futebolistas profissionais condescendemos e, jamais, lhes exigimos que tenham uma ideia do que deveria ser o futebol e uma estratégia responsável para o concretizar, a eles limitamo-nos a exigir que (reduzindo-se ao seu lugar) joguem à bola, que sejam capazes de “dar espectáculo”. Perante esta exigência não se espera – seria absurdo esperar – que um futebolista profissional reaja, evocando Guy Debord, contra a banalização do futebol dentro de uma sociedade do espectáculo e que defenda uma visão socialmente mais responsável, mais saudável, mais desportiva do futebol.

Bem entendido, o futebol é aqui uma metáfora. Como se percebeu não deixei de pensar em design e em designers.

Monday, December 01, 2008

gato


FAST FORWARD


new

debates/O site de Wolff Olins lançou o debate sobre a importância no novo no design. O, sempre atento, ForoAlfa publicou uma primeira reflexão por Lucas López e agora foi a vez de Aitor Méndez continuar o debate com um artigo - "El Diseño social como perversion" - que vale a pena ler.


anorak_magazine1

publicação/Não há actualmente muitas publicações destinadas a um público juvenil que verdadeiramente me atraiam quer pelos conteúdos quer pelo cuidado gráfico. Uma excepção é a Anorak muito devido à qualidade dos ilustradores que com ela colaboram: Damien Correll, Adrian Johnson, Steven Harrington...



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música/Neon Bible dos Arcade Fire para ver (e voltar a ouvir).



designers

novidades/O começo doDesigner's Review of Booksnão foi arrebatador mas merece o benefício da dúvida; já o Dicionário on-line de Design Gráfico parece-me muito longe do que precisávamos.



noclas_obama

ironia/Shepard Fairey, o criador do Obey Giant, foi a Paris dar uma mão a Nicolas Sarkozy…ou talvez não, no cartaz lê-se “Faire payer les enterprises qui polluent: Yes We Can”.



dino

entrevistas/Duas: com Dino dos Santos no Tipografia em Portugal e com os Adam e Sébastien na Eye.


That's All/PS: o gato de pernas para o ar é a ilustração de capa do n.4 da Le Gun.
O DESIGN SOCIAL EM QUESTÃO: ENTREVISTA COM JOANA BÉRTHOLO


Em Setembro de 2007, o Reactor entrevistou Joana Bértholo na altura responsável pela pesquisa e coordenação do projecto Social Design Site, sediado em Berlim. Formada em Design de Comunicação pelas Belas-Artes de Lisboa, o seu trabalho de final de curso sobre produção gráfica sustentável parece ter-lhe definido o rumo. A causa de um design socialmente mais empenhado é actualmente central no seu trabalho e na sua vida.




REACTOR: No final da década de 90 assistimos ao ressurgir do discurso na sua forma mais comprometida com a acção – o manifesto. A publicação de uma nova versão do Manifesto First Things Firts em 1999 parecia encontrar, nessa viragem do século, espaço de recepção entre designers (teoricamente preparados pelo criticismo norte-americano e crescentemente identificados com os processos de acção directa de estruturas como os Adbusters ou os Cactus Network) impondo uma “agenda social e política” associada ao trabalho dos designers. Que leitura faz desse processo e o que lhe parece ter sido construído a partir daí?

JOANA BÉRTHOLO: No essencial, penso que as coisas não mudaram muito.
A comunidade de designers é ainda qualquer coisa de plural, e é bom que assim seja. Mas julgo que estamos ainda longe de uma unidade no que toca a percepção do nosso papel como agentes sociais. Há ainda uma larga maioria de designers para quem estas questões não são sequer ponderadas. Ou que se sentem de tal forma limitados por uma instituição, um cliente, ou um mercado, que transferem a ideia de uma agenda social e politica permanente, para um plano utópico, ou teórico, muito além da sua zona de actuação.
Se em 64 eram umas quatro centenas de visionários, em 99 seriam só uma pequena elite, mas representando muitos mais; Em 2007 somos já uma rede, altamente activa, altamente motivada, altamente dedicada. Mas, arrisco: ainda em minoria?
A verdade é que ainda se discutem as consequências e competências sociais do design como se fosse qualquer coisa a integrar, a anexar, ao processo. Como se não fosse algo de intrínseco à actividade de qualquer designer: quer ele esteja consciente disso ou não.
Indubitavelmente, esse nível de consciência aumentou, ou generalizou-se. E até a uma velocidade considerável, neste último par de anos, com o surgimento do “verde” e do “sustentável” como algo em moda.
Hoje, fechado ou não num fenómeno de moda, o design social e ambientalmente responsável tornou-se uma tendência tão forte e contagiante, que enfrentamos uma quase-saturação de networks e contactologia, sobretudo promovidas pela net. Todos os dias surgem recursos e plataformas novas ao serviço do designer bem intencionado. A oferta não aumentou só a nível do tamanho dessa (talvez) minoria, como também na sua complexidade. Cada vez mais, os designers a encontram lugar dentro de equipas multidisciplinares, e são chamados a responder problemas de pertinência global, de redesign de atitudes e paradigmas, muito para lá dos objectos e das mensagens.
Na base de qualquer discurso sobre Design Socialmente Responsável tenho de clarificar que não sou adepta da ideia do designer-todo-poderoso que vem salvar o mundo. Acredito que os designers têm de assumir o poder (papel?) que lhes possa caber, como iniciadores, como promotores, como catalistas ou como mediadores, entre uma lógica de consumo e uma lógica de informação. Mas não está só nas nossas mãos. Temos de saber é dar as mãos às pessoas certas…Entenda-se: quero com isto dizer, cooperação, colaboração e multidisciplinaridade.


R: Um célebre editorial de Vicente Jorge Silva no Público classificava, em meados dos anos 90, uma geração de estudantes universitários e pré-universitários portugueses de "geração rasca". O que, então, se questionava era a existência ou não de causas associadas a uma determinada luta. Também no Design, o empenho e a responsabilidade social parece só agora surgir definida depois de oscilar entre um “discurso de oposição” e um “discurso de alternativa”. Ter-se-á evoluído do designer como “agitador” para o designer como “catalizador” social?

J.B.: Tenho algumas reservas em relação a esta ideia de evolução: há aqui alguma avaliação qualitativa do designer como catalisador em relação ao designer como agitador? Não será que na maioria dos casos uma e outra coisa andem de mãos dadas?
Acredito sobretudo na força de uma pluralidade de tipologias, sempre dentro de um entendimento comum do papel social do designer. Há tantos papeis e tantos contextos a preencher, que generalizar seria colocar as largas possibilidades da actividade do design dentro de um compartimento demasiado cerrado.
Nem todos os designers estão interessados em trabalhar à margem de um sistema, ou em oposição a este. A maioria nem acha isso exequível. Nem tudo se reduz a um questionar do “status-quo”, mesmo quando manter o espírito crítico seja condição incontornável.
Fazer perguntas. Pensar fora da caixa. Alternativa, ou oposição…
Dentro de uma ideia maior de design socialmente consciente, há diversas abordagens, do designer como agitador, como reivindicador, mas também do designer como iniciador de novas tendências, como promotor, como facilitador, ou acelerador/catalisador…
Há também um novo espaço de actuação em definição gradual, que pessoalmente acredito irá dominar a actividade do designer em futuros próximos. Esta tem a ver com a ideia do designer como maestro, como aquele que desenha as ferramentas ou lança as estruturas sobre as quais ou com as quais todos os outros podem desenhar também. As ilustrações mais expressivas desta tipologia são todos os tipos de software e jogos “open-source”, ou o Second Life. Através desta lógica, o designer pode tornar-se um agente extremamente importante na criação de formas de participação social, de cidadania, de debate público.
Não acho que haja evolução. Talvez, complexificação ?


R: Parece claro que a acção que não é orientada por um “programa” é tendencialmente estéril. A Exposição Catalysts que o Max Bruinsma comissariou para o CCB (integrada na Experimenta) era, em meu entender, desastrosa porque, retirando os trabalhos ao contexto crítico da sua produção, apresentava aos visitantes simples exercícios formais. Parece-me que os “culture jammers” tiveram o mérito de dar visibilidade mediática à ideia de que o design é uma ferramenta social, política e económica, ideia esta que recebeu a necessária sustentação teórica e programática em obras como o Citizen Designer do Heller e da Vienne . Este enquadramento programático e a sua crescente divulgação – em conferências, revistas e mais recentemente blogs – permitiu o ressurgimento de projectos colectivos com lógicas fortes de aplicação social do design, algo que desaparecera com o fim dos projectos-escola (a Bauhaus, Ulm e finalmente Cranbrook) e que em termos de design estava ausente das preocupações dominantes das ONG’S dos anos 80 e início de 90. Um exemplo, a globalização. Embora encontremos reflexões sobre a globalização e o global design a partir do final dos anos 70 (Papanek; Christopher Lorenz) verdadeiramente só com o Massive Change do Bruce Mau é que o tema encontra centralidade na cultura do design contemporânea…

J.B.: Precisava de perceber primeiro o que se entende aqui por “programa”. Se tem a ver com a ideia de “causa” então, para mim, a esterilidade da acção está muito mais no sujeito, na profundidade dele nessa entrega ou conhecimento do “programa”, do que na ideologia em si. Pode ser mais relevante o abraçar de uma causa, do que a causa em si. Há eterna dicotomia dos meios em relação aos fins, do processo em relação ao resultado. Mas fico sem perceber em que bases a primeira afirmação é feita.

No que concerne a Catalysts, receio discordar. Não a li como uma superficial justaposição de exercícios formais. Bem, até o Muro de Berlim, ao longo do qual pedalo todas as manhãs para chegar ao escritório, se olhar para ele objectivamente, é um troço de cimento com 3 metros de altura. Mas que ideologias (Programas? Causas?) estão subjacentes a estes destroços? Que mudanças de percepção estavam sugeridas em cada um daqueles cartazes no CCB?
Achei a exposição pertinente como iniciadora do discurso. Como ponto de partida, e como ponto de encontro. Até que ponto um trabalho tem de ser contextualizado quando se abordam questões como a fome, a inclusão social, desequilíbrios económicos, ainda hoje tão prementes? Nesse sentido, é interessante explorar uma intemporalidade…
Sim, o Massive Change traz finalmente uma proposta explícita e bem colocada de uma consciência global, holística, interconectada. É feliz em ajudar-nos a ver de uma forma macro, sem esquecer um compromisso especifico a um contexto local. "Good design is good citizenship", lá dizia o Milton Glaser …


R.: Falemos agora do Social Design Site, como caracteriza esta estrutura e como se deu a sua integração no projecto?

J.B.: Integrei o projecto na qualidade de estagiária, pouco depois de me licenciar em Design de Comunicação pelas Belas-Artes de Lisboa. Procurava experiência “de campo” nesta área. Por este projecto passam muitos outros, e foi isso que me atraiu. Acabei por ficar responsável pela criação da nova plataforma, on-line no início de Outubro próximo. O que existe on-line hoje, no momento desta entrevista, desaparecerá em breve. Sobre esta nova fase, é prematuro desenhar conclusões.
O intuito do Social Design Site é primeiramente promover debate em volta do tema. Nesta segunda fase, procurou-se partir de uma participação passiva (a exposição on-line como existe hoje) para uma construção participativa horizontal. Não é uma lógica em si nada original: basta olhar no que está a brotar pela net em todo o lado. Os fenómenos 2.0 todos - mas não uso esse termo porque de repente parece uma carapuça onde se enfia de tudo.
Todos os dias surgem uma panóplia de estruturas próximas, orientadas para o “empreendedor social” – que eu espero que seja um sinónimo de “todos nós” - ou para o designer, redes de networking, partilha de recursos, portais de informação, tudo em volta deste mesmo tema (considerando as variantes, claro, pois até dentro da denominação “Social Design” se encontram coisas em nada relacionadas…).
Posso mencionar WiserEarth, Idealists.org, DesignCanChange, ou Design21 como algumas das melhor conseguidas. Mas sei que a próxima vez que me sentar ao computador surgem mais umas quantas… O Social Design Site pode bem ser só mais um. Ou não. Estou muito curiosa acerca do que vai acontecer depois do re-lançamento do site.
Naturalmente, aprendi já imenso com esta experiência. Construi uma percepção do Design Social bastante diferente daquela com que saí da Faculdade. As coisas estão a acontecer a uma velocidade galopante, e há uma centralização de recursos na net, de tal maneira intensa, que é difícil manter uma macro-visão. Mas há muito movimento. Muito vento, também… muito discurso, muito manifesto – pouca acção. Ou, para ser justa, menos acção do que poderia haver. Idealmente. Mas estamos no bom caminho…


R.: Com a insistência crescente no tema da responsabilidade social do design (sucedem-se os eventos, as exposições e o aparecimento de estruturas desde as mais “pesadas” como o Design21 às unipessoais) não se corre o perigo do “design social” ser um termo que se pode banalizar (tornar-se um slogan) no interior de um contexto “politicamente correcto”, ou seja, não há o risco da “utopia” de transformação social (tendencialmente revolucionária) se tornar numa ideologia consensual (tendencialmente conservadora)?

J.B.: Sim, há. Será isso necessariamente mau?
Sinto que já respondi a esta pergunta em todas as outras anteriores, mas posso reafirmar: Na realidade, não sei. Enquanto estas iniciativas existirem à margem da sociedade não vão realmente gerar uma mudança significativa. Há um nível de “banalização” que é desejável, a nível da consciência comum, ao que eu chamaria eufemisticamente, “mudança de paradigma”. No dia em que a ideia de um Design Socialmente Responsável se tornar de tal forma ubíqua e enraizada em qualquer projecto de design em qualquer sítio do mundo, que falar de Design Socialmente Responsável se torne um pleonasmo, falamos finalmente de Design. Ponto.
Sobre a forma como o sistema (e só esta ideia de sistema como algo alheio a nós já nos conduz a toda uma visão “desempoderante” e desresponsabilizante da situação) tende a assimilar as expressões marginais ou anti-sistema, ou meta-sistema, ou –
Bem, sobre isso admito que não tenho uma opinião linear. De repente, chocam–me coisas como o Tesla Roadster ter sido premiado com 100.000 euros pelo maior prémio internacional de Design Socialmente Responsável (INDEX awards, Copenhaga). Mas por outro lado, o argumento acerca do seu público-alvo especifico, celebridades e milionários, e como estes se tornarão veículos de promoção de um novo estilo de vida – esse argumento é muito válido. Numa sociedade onde extensivamente se emula e reproduzem comportamentos desta minoria famosa, pode até vir a ser um gesto altamente compensador em termos de benefícios e mudança de comportamentos.
Ainda não encontrei um projecto que não estivesse de alguma forma minado por contradições. O que não significa que o nosso nível de exigência deva baixar ou que devamos encolher os ombros perante estes dilemas éticos e morais. E manter o espírito crítico.
Como nota final, não acredito que uma ideologia consensual seja necessariamente conservadora. Nem que a transformação social seja necessariamente revolucionária…


R.: A Joana Bértholo regressou há poucos dias do INDEX, tendo escrito um excelente artigo de opinião sobre o evento, o que destacaria do que viu e em que medida o que viu lhe permite acreditar na capacidade de transformação social do design?

J.B.: Como disse acima, muita contradição. Posso acrescentar, numa nota de optimismo: muita saudável contradição. Indubitavelmente, os critérios de atribuição dos 5 prémios (body, home, play, community, work) deveriam ser mais explícitos. Não podemos continuar a premiar projectos que não sejam eximiamente exigentes consigo mesmos. E este espírito critico, esta capacidade de todos nós levantarmos questões e duvidarmos das coisas, é crucial no que toca aos nossos gestos mais básicos de consumo. Muitos daqueles projectos, para mim, levantavam questões de sustentabilidade e impacto social, que ficaram por responder.
Mas foi incrivelmente inspirador. Sobretudo as conferências. O painel era diverso o suficiente para uma estimulante convergência de pontos de vista, e esteve longe de ser dominado por designers. Diferentemente de outras conferências de design, não existiu em torno de imagens projectadas, em torno de objectos produzidos, mas em torno de ideias. Nesse sentido, foi muito etéreo. Muito motivante.
Realço particularmente a insistência numa mudança de percepção em que se representa o designer vindo dos países mais desenvolvidos e ricos como salvador ou missionário dos países em vias de desenvolvimento, para a percepção de que há imenso a aprender destes países – e de que a palavra chave é cooperação.
Em que medida é que tudo isto me permite acreditar na capacidade de transformação social do design? Bem, eu venho de um projecto que clama “WE CANNOT NOT CHANGE THE WORLD” portanto para mim a questão não se põe, é um dado adquirido. Ou, parafraseando, em que medida isto me permite tomar consciência da incapacidade de não-transformação social através do design?

É a diferença entre: Se pudéssemos, o que faríamos?
e: Agora que podemos, o que vamos fazer?

PERFIL

REACTOR é um blogue sobre cultura do design de José Bártolo (CV). Facebook. e-mail: reactor.blog@gmail.com