Wednesday, June 30, 2010




SOMETIMES I WONDER
por John Getz


Habituei-me, há muito, a registar a memória das viagens que faço em cadernos de diferentes tipos e formatos (apesar da preferência pelos folio watercolour da Moleskine) que, com o tempo, fui acumulando em caixas mal organizadas. Serão perto de 200. Um destes dias, encontrei o caderno que regista a visita de duas semanas (na última semana de Setembro e primeira de Outubro) a Portugal feita em 2001. Foram duas semanas estimulantes passadas em Lisboa com visitas breves a Coimbra e Porto.

Se Lisboa é uma cidade branca, luminosa, por vezes feéricamente atlântica, o Porto é uma cidade granítica, densa, que convida a uma descoberta mais lenta através das ruelas, com os seus cafés e tascas da zona baixa e se abre a novas geometrias no encontro com o mar. Cheguei ao Porto a uma quarta-feira – marcada pelo constrangimento de alguns amigos pela morte, nesse mesmo dia, de Sena da Silva figura importante do design português - com uma pequena lista de coisas “a ver”.

Começámos por visitar o Salão Internacional de Banda Desenhada a funcionar num espaço incrível de um antigo mercado, Ferreira Borges. Interessava-me menos ver o trabalho dos convidados internacionais, que na sua maioria conhecia bem, casos de Scott Morse e Ellen Forney cujo trabalho acompanhava através de um dos meus jornais preferidos o “The Stranger” de Seattle, e mais ver o trabalho de autores portugueses que me pareceu interessante mesmo que, em alguns casos, preso a referências estrangeiras. O trabalho que mais me impressionou, e que desconhecia, foi contudo o de Marjane Strapi, uma autora de origem iraniana, cujo Persopolis é hoje justamente famoso mas que vi pela primeira vez no Porto.

No final dessa semana pude conhecer melhor alguns espaços da cidade – uma galeria-bar agradavelmente informal chamada Maus Hábitos, uma estação de caminhos de ferro de grande riqueza arquitectónica São Bento e alguns espaços públicos - através do cartaz de um dinâmico festival de Live Art chamado Brrr. Regressei a Lisboa, com uma paragem por Coimbra, cidade que me despertou pouco interesse (disseram-me que, aquela apatia, é típica dos domingos), a tempo de assistir na Gulbenkian a um concerto dos The Residents que sempre digo ser a minha banda preferida de entre aquelas criadas nos anos 1960 e ainda em actividade.





Em Lisboa tive oportunidade de visitar diversas exposições. Fiquei com a boa sensação da existência de programação em espaços alternativos às grandes instituições – vi uma incrível exposição de fotografia numa casa particular na Rua do Salitre com trabalhos, de que gostei muito, de nomes como Cláudia Fischer e José Luís Neto – e com a má sensação de que a identidade e o design dessas galerias e instituições é, na sua maioria, muito pobre. Também os flyers que fui recolhendo, na sua maioria não mereciam ser guardados. Mesmo eventos de grande dimensão como os do Porto Capital Europeia da Cultura me pareceram pobres e poucos originais. A mesma sensação de desinteresse foi-me suscitada pelos cartazes de rua. Do que guardei ou registei o mais interessante talvez tenha sido o cartaz do “Dia Mundial da Música 2001” evento patrocinado pelo Ministério da Cultura de Portugal.

Um dos exemplos de instituições incapazes de comunicarem decentemente os seus eventos era, por essa altura, o Centro Cultural de Belém, um grande edifício, que me pareceu mal integrado com o espaço de Belém um dos locais da cidade onde melhor se documenta a importância histórica do mar e das viagens marítimas para Portugal.

No Centro Cultural de Belém visitei duas exposições ligadas à Bienal de Design de Lisboa, as dedicas aos designers Dieter Rams e Verner Panton. Duas exposições muito diferentes, não só pela diferença de universos dos autores mas acentuadas pelas opcções dos curadores. A de Panton procurava revelar os objectos com parte de um ambiente que se lhes sobrepunha. Mais do que expor objectos a exposição visava – e no essencial conseguia – sugerir um ambiente ora tangível ora, no limite do intangível, criado por jogos de cor, luz ou volumetrias. Menos conseguida a exposição dedicada a Dieter Rams, expondo os objectos, solitariamente, ao olhar do visitante, anulando-lhes (e por vezes contrariando-lhe) a carga programática tão central no “bom design” ramsiano.

O resto do tempo foi ainda mais autenticamente cultural, o “galão” ao pequeno almoço experimentado, cada manhã, num café diferente, o prazer lânguido de anoitecer numa esplanada bebendo vinho tinto, as conversas com os amigos. Recordo também alguns discos, que levara comigo e que ouvi pela primeira vez em Lisboa – em pausas no quarto do hotel ou em passeios solitários pelas ruas do castelo – alguns que odiei (Gotan Project “La Revancha del Tango”) outros que me foram quase indiferentes (Zero 7 “Simple Things”) e outros que gostei francamente (“Curvatia” dos Spacek). Tenho de voltar a Portugal!

Tuesday, June 22, 2010

ENTREVISTA À EFEMÉRIDE


A Efeméride, boletim cultural editado pela Ermida de Belém, publica no seu último número (dedicado ao centenário da república) uma breve entrevista que Catarina Cruz me fez e onde se fala da evolução do design em Portugal nestes últimos cem anos.




1 – A partir de quando é que podemos começar a falar de design em Portugal?


Se pensarmos na existência de uma “consciência” relativamente ao design – entendido como união entre arte e indústria visando a produção de artefactos capazes de gerar inovação social – ela surge cedo entre nós, basta ver a polémica gerada em torno da representação de Portugal na Exposição Universal de Paris de 1889. A representação foi entregue à Associação Industrial de Lisboa mas era um anacronismo falar de indústria em Portugal nessa altura. Mesmo os sectores mais importantes como as conservas ou os vinhos não estavam industrializados. Sem indústria, o pavilhão português fazia a valorização de um Portugal rural, pitoresco e colonial, se nessa mesma exposição se apresentam inúmeras inovações industriais exibidas na Galerie des Machines, Portugal mostra carros de vacas do Barroso contendo artesanato regional. A exposição de Paris mostra que não há design em Portugal – a excepção seriam as faianças artísticas da fábrica de Bordalo Pinheiro – mas suscita igualmente em alguns núcleos um desejo

reformador do ensino e da indústria. Contudo, este desejo reformador fazia-se, frequentemente, acompanhar da defesa da preservação do “estilo português” (algo que nem os próprios defensores saberiam exactamente o que era) e de pontuais acessos de grandeza bem expressos no balanço da Exposição da Indústria Nacional realizada em Lisboa em 1849 feito por António de Oliveira Marreca e onde ele afirma que a realidade nacional no campo das “artes úteis” em nada fica a dever ao panorama internacional.


Do ponto de vista gráfico, a distância relativamente ao que é feito em Inglaterra, em França ou na Alemanha era, no início do Séc. XX, um pouco menor. Há uma rica e contemporânea produção no campo da ilustração caricatural (com destaque para Leal da Câmara e Bordalo Pinheiro), alguma publicidade e, embora em pequeno número, qualidade no campo editorial, por exemplo na publicação de tratados com uma linguagem moderna, bem paginados, usando fontes Baskerville o que revelava a actualização dos tipógrafos de casas com a Imprensa Moderna no Porto.


O primeiro ateliê de design é criado em 1915 por António Soares e Jorge Barradas. No entanto, o mercado de design em Portugal era quase inexistente e o ateliê rapidamente fechou. Só nos anos 1930 com o desenvolvimento da cidade de Lisboa a norte, graças à dinâmica das Avenidas Novas, com o surgimento de casas de decoração, como a Barbosa & Costa ou a Jalco, com a chegada ao poder de António Ferro e consequente crescimento das encomendas públicas é que se começa a sentir a existência de um mercado de design. Surgem, então, diversos ateliês de design e publicidade, sucedendo ao Atelier Arta de Soares e Barradas, como o Íbis de Bernardo e Ofélia Marques, a ETP de José Rocha, o Estúdio MR de Manuel Rodrigues, para além de publicidade desenhada por revistas periódicas (ABC, Civilização) e assinada em nome individual (Kradolfer, Emmerico, Tom etc.). De uma forma mais consensual, é então, nos anos 1930, que podemos falar de uma cultura do design em Portugal embora não exista ensino, nem indústria, nem crítica, nem democracia...




2 – O design em Portugal surgiu mais tarde do que em outros países? Quais as influências e condicionantes do contextos histórico?


No início do Século XX não se fala em Portugal em Design mas o que chamaríamos hoje design era então designado de “Artes Decorativas” cá como no estrangeiro. O que havia em Inglaterra, na Alemanha ou nos Estados Unidos era uma visão revolucionária da ligação entre arte, técnica e indústria, que em Portugal não seria possível de implementar por não haver indústria e por outro lado por uma visão algo ingénua do que podia ser o envolvimento político do artista.


Se pensarmos na acção de António Ferro, que referi na resposta anterior, ela contribuiu para o que, em linguagem actual, diríamos ter sido o crescimento das indústrias criativas mas não para o desenvolvimento do design industrial.


A ideia central do design moderno, enquanto ideia disciplinar, de uma lógica que pode juntar o engenheiro, o pintor, o decorador, expressa pelo principio da “adequação ao propósito”, essa só será verdadeiramente valorizada em Portugal após a criação do Instituto Nacional de Investigação Industrial, em 1959, que nos anos 70, com o envolvimento de Margarida D’Orey, Sena da Silva ou Madalena Figueiredo, realiza as duas exposições de design português com trabalhos de António Garcia, Eduardo Anahory, Daciano da Costa, da Cooperativa Praxis, do Gabinete de Design D. I., entre muitos outros.





3 – O design surgiu, inicialmente, muito ligado à produção industrial, segundo li num artigo que escreveu. Em que é que isso se traduz?



Sim, o design nasce no contexto da revolução industrial associado ao pensamento utilitarista. Através da união entre arte e indústria o que se procura construir é um novo programa disciplinar capaz de racionalizar a produção industrial em nome de um projecto social e politico modernos. Apesar das diferenças entre eles, é este desígnio que aproxima William Morris, Henry Ford ou Walter Gropius. A exposição do MoMA de 1934, intitulada “Machine Art” evidenciava bem uma nova lógica de produção funcional, que corresponde à visão triunfante do design moderno.



4 – Este ano comemoramos o centenário da República. Existe alguma relação entre a instauração da República e o design?



Os Humoristas do final do séc. XIX e primeira década do séc. XX (Rafael Bordalo Pinheiro, Leal da Câmara, Francisco Valença, Cristiano Cruz, Emmerico ou Jorge Barradas) onde podemos identificar a primeira geração de designers portugueses foram, na sua maioria, antes da implementação da República críticos da Monarquia e depois da instauração do regime republicano críticos da República. O Papagaio Real, dirigido por Almada Negreiros e onde colaboram Stuart Carvalhais ou Jorge Barradas, ataca acidamente os chefes políticos da República. Da mesma forma, como é sabido, o Modernismo português (Almada, Pessoa, Mário de Sá Carneiro, José Pacheko) e as suas principais publicações como a Orpheu, a Contemporânea ou a Águia não são pro-republicanas. Mas é inegável que é após a instauração da República que se dá uma dinamização da cultura portuguesa – com o surgimento de movimentos como o Modernismo, o Futurismo, o Saudosismo ou a Renascença portuguesa. Neste último movimento, é evidente o desejo de aproveitar a mudança de regime para renovar a sociedade portuguesa ultrapassando as insuficiências que se reconhecia terem marcado os últimos tempos da monarquia constitucional.




5 – Quem foram os pioneiros do design em Portugal?



O contexto do design português foi e é peculiar. Não tem uma história linear. Talvez por isso, os pioneiros (no sentido daquele que desbrava um território inóspito e frequentemente hostil) não estão circunscritos a um momento histórico. Ao longo do tempo vamos encontrando pioneiros: Bordalo Pinheiro, Raul Lino, José Pacheko, Bernardo Marques, Sebastião Rodrigues, Daciano Costa. Mas também no design contemporâneo encontramos pioneiros. Guta Moura Guedes é pioneira na curadoria, em Portugal, de um evento de design de larga repercussão internacional como é a Experimentadesign; o Mário Moura e eu próprio somos pioneiros na exploração de novos meios para a produção de crítica do design; o Dino dos Santos é pioneiro na aceleração de tempos de resposta na criação de famílias tipográficas; o João Faria é pioneiro na conquista de espaço de criação e experimentação, em trabalhos para um grande cliente institucional, como os seus cartazes para o TNSJ comprovam; a Boca do Lobo é pioneira na bem sucedida comercialização de objectos de luxo num contexto de forte recessão económica. Por não possuirmos uma cultura de design desenvolvida, fazer design em Portugal sempre envolveu alguma forma de pioneirismo, isto é, de inovação e persistência.

Thursday, June 17, 2010

DESIGN RELACIONAL: ALGUMAS NOTAS


É sabido que, na sequência da publicação em 1998 da Esthétique Relationnelle de Nicolas Bourriaud fomos assistindo à rápida e disseminada afirmação de uma lógica de criação baseada no relacional, geralmente associada a uma valorização do processo (Bruce Mau afirma, de resto, no seu Incomplete Manifesto que “process is more important than outcome” ), do contexto, da obra aberta, da autoria colectiva (agora designada de co-design ) e de uma certa tensão identitária entre design-arte, obra em movimento e acontecimento social.

Antes de Bourriaud, autores como Kathy Acker, ligados ao campo da teoria crítica, haviam definido as bases de uma teoria legitimadora das práticas de vanguarda do design contemporâneo agora associadas a diversas linguagens disruptivas: “the languages of flux”; “the languages of wonder materiality and play”; “the sexual and emotives languages”; “languages of intensity”; “language that forgets itself”, etc. (Kathy Acker, Bodies of Work: Essays, London, Serpent’s Tail, 1997, págs. 91-92.)

Este projecto discursivo, no sentido de Acker, este projecto relacional, no sentido de Bourriaud, tende a ser trabalhado como um medium processual operador da passagem de uma relação de contemplação para uma relação de utilização (política, social, científica etc.) das obras; o projecto relacional é assim lugar de afirmação de uma acção política (no sentido da “política directa” ou “sub-política” de Ulrich Beck) na medida em que se considera que “having reflections and critical thoughts is to get active, posing questions is to come to life.” (Claire Bishop, “Antagonism and Relational Aesthetics”, in October, 110, Fall 2004, p. 51.)

Autores como Bojana Kunst vêem neste instaurar de novas formas de discursividade social (tal como elas nos aparecem, sob formas diferentes, nos trabalhos dos Stalker, Abake, Superflex, Daniel Eatock, Bruit du Frigo ou de Metahaven) a expressão de um novo materialismo da relação: “not a materialistic awareness of historical and ideological discourses, but rather a constant physical connecting of collaborative protocols of knowledge production, bodily experiences and inhabitations.”.


Veja-se o exemplo do recente projecto de Dexter Sinister “Only an Attitude of Orientation”. Por ocasião da exposição “An Invitation to an Infiltration”, apresentado na Contemporary Art Gallery de Vancouver, Stuart Bailey concebeu um evento que consiste em cinco acontecimentos desenvolvidos ao longo de cinco dias (entre 26 e 30 de Janeiro); informação sobre cada evento foi fornecida apenas na véspera através da mailing list da Dexter Sinister. A orientação face ao projecto, por parte de cada espectador, deve resultar de uma atitude face ao projecto, de uma disponibilidade para nele participar aceitando-lhe as regras - de imediatismo, efemeridade, contingência, especificidade, etc. – que o caracterizam.

Num interessante artigo, Rick Poynor explora a noção de “design relacional” para sugerir a forma como os parâmetros do design se estendem, actualmente, para lá do objecto estético ou funcional passando a incluir uma modalidade mais vasta de envolvimento na vida pública. A característica principal deste “design relacional” não é exclusivamente visível na presença material do design, não se circunscrevendo apenas a uma tipologia de produção, sendo antes o processo de construção do diálogo entre as percepções, as reacções e as intervenções dos diferentes actores de uma mesma prática social.


Embora o texto de Poynor se assuma como uma reacção a um artigo escrito pouco antes por Andrew Blauvelt no Design Observer , que publicámos no nosso último post, entre os dois artigos são mais as afinidades do que as diferenças. Blauvelt considera que actualmente experienciamos um terceiro paradigma do design: “The third wave of design began in the mid-1990s and explores design’s performative dimension: its effects on users, its pragmatic and programmatic constraints, its rhetorical impact, and its ability to facilitate social interactions. Like many things that emerged in the 1990s, it was tightly linked to digital technologies, even inspired by its metaphors (e.g., social networking, open source collaboration, interactivity), but not limited only to the world of zeroes and ones. This phase both follows and departs from twentieth-century experiments in form and content, which have traditionally defined the spheres of avant-garde practice. However, the new practices of relational design include performative, pragmatic, programmatic, process-oriented, open-ended, experiential and participatory elements. This new phase is preoccupied with design’s effects — extending beyond the design object and even its connotations and cultural symbolism.” .

Uma arqueologia do uso conceptual do “relacional” por parte da teoria do design contemporânea levar-nos-ia a um artigo publicado por Limited Language no número 74 da revista Eye . Na leitura de Limited Language, o conceito de estética relacional aplicar-se-ia à cultura visual contemporânea como identificação de um processo no qual as “relações sociais espontâneas” tendem a ser esmagadas pelos mecanismos massificados da informação: “For Bourriaud, spontaneous social relations are vanishing in the information age as communication becomes restricted to particular áreas of consuption: coffe shops, pubs and bars, art galleries and soo n. This is a world littered with the artefacts of graphic design.”

Dentro deste contexto, o relacional surgia como uma possível orientação crítica de um design empenhado em mediar activamente processos sociais, de activar “zonas de comunicação”, de gerar “microtopias”, de criar, enfim, através do design, novas formas de discursificação cultural, assumindo-se o designer como semionauta: “Here, the designer is not the starting or end point of a finished product but, to use Bourriaud’s term, a “semionaut” who connects new spaces, new narratives. For him, “The Semionaut” imagines the links, the likely relations between disparate sites.”.

Num artigo anterior, “Towards a Complex Simplicity”, publicado em 2000, Andrew Blauvelt considerava que “There are signs of different forms of design taking hold, projects and solutions that embrace reductive not additive working methods, explicit rather than implicit structures of organisation, a preference for the literal over the ambiguous, and where the ordinary and the quotidian, not the exoticised subcultures of the vernacular, are sources of inspiration. At their best such projects are a critical encounter with problems of representation, both verbal and visual, rather than the next round of stylistic permutations.” . O design de vanguarda contemporâneo avançaria, segundo Blauvelt, rumo a uma complexa simplicidade , a uma forma de design tendencialmente mais participatória e menos prescritiva.

Um dos exemplos dados por Blauvelt é o de um cartaz desenhado por Paul Elliman para uma conferência sobre a obra de Lautréamont, placas brancas foram colocadas entre as palavras “image”, “Maldoror” e “text”, convidando os participantes na conferência a construírem as suas possíveis combinações a partir das palavras dadas e, eventualmente, de outras a inscrever sobre os espaços em branco. O discurso participativo visava, deste modo, a geração de novas formas de discursividade mas, também, a produção de novas formas de sentido. O que o designer responsável pela identidade gráfica da conferência procurava proporcionar era, afinal, no contexto da conferência, a produção de conhecimento não circunscrita aos “especialistas” mas tornada extensível ao público participante.

Na sequência do texto de Blauvelt, o programa do design relacional é, de forma determinante, afirmado no importante ensaio de 2002 “Notes around the Doppler Effect and Other Moods of Modernism” publicado por Robert Somol e Sarah Whiting no nº33 da revista Perspecta . Os autores demarcam-se do que designam por critical Project (ligado ao indexical, dialéctivo e à representação quente) e propõem o que designam por projective “linked to the diagrammatic, the atmospheric and cool performance” , a partir daqui afirma-se um novo programa de design, territorializado a partir das seguintes afirmações/demarcações: “from índex to diagram”; “from dialectics to doppler”; “from hot to cool”. A nova forma de projectar pode ser apresentada como um processo de cooling down: “Overall, one might characterize the shift from critical to projective modes of disciplinarity as a processo f cooling down or, in Marshall McLuhan’s terms, of moving from hot to a cool version of discipline.”

No interior destas práticas atentas “aos efeitos do design – para além do próprio objecto de design” (eis uma possível interpretação deste cooling down), o designer é menos um produtor de conteúdos e mais um modificador de contextos. De acordo com Max Bruinsma, “este entendimento tem profundas consequências para o design. Altera a noção de design como organizador de factos para a de design como gerador de ocorrências. Por outras palavras, o design já não pode ser visto como algo de “objectivo” ou “neutro”, deve ser entendido como “o sedimento das acumulações”. Utilizo aqui o termo “sedimento” para evocar o olhar que o geólogo lança a uma formação rochosa antiga. Para nós, é um velho penhasco, mas o geólogo vê nele o resultado de milhares e milhares de anos de processos físicos, de uma dinâmica específica da natureza.” (Max Bruinsma, “A rebelião das mobs: A cultura do envolvimento”, In Catalysts!, N. 1, Setembro 2005, p. 42.).

No interior das prática sociais, o designer deve ser capaz de operar com esses “ciclos de acumulação”, funcionando, na expressão de Willem van Weelden como um “editor” capaz de se posicionar com a sua “objectividade forte” perante os processos sociais. (Willem van Weelden, “Ser Redactor: A cultura da informação”, In Catalysts!, n. 1, Setembro 2005, p. 26).

Weelden considera que a prática do político de hoje assemelha-se à do designer de informação, pelo menos num ponto: a rotina diária de criar um compromisso viável.

Eis um desafio que, longe de ser menor, caracteriza bem a actual tendência relacional no design: a rotina diária de criar um compromisso social viável.

Saturday, June 12, 2010





PARA UM DESIGN RELACIONAL

de ANDREW BLAUVELT




Haverá alguma filosofia que englobe e ligue projectos pertencentes a campos tão diversos quanto a arquitectura e o design gráfico e de produto? Ou teremos já ultrapassado essa fase? Poderemos esperar até que narrativas tão grandiosas ainda existam?

O campo do design gráfico é aquele sobre o qual me tenho debruçado mais. Nesta disciplina é extremamente difícil definir conjuntos coerentes de ideias ou crenças que tenham guiado os trabalhos mais recentes — decididamente, não há nada de tão definitivo como nas décadas anteriores, quer se trate dos maneirismos da chamada grunge typography, o brilho de um termo como o Pós-Modernismo ou, inclusivamente, como o rótulo reaccionário de Neo-Modernismo. Ao observar uma série de projectos nos diversos campos do design e abordar o tema em conferências, surgiram novos padrões. Parte dos trabalhos mais interessantes levados a cabo hoje em dia não é passível de ser reduzido à simples polémica da forma e contra-forma, acção e reacção, que se tornou a base previsível da maioria dos debates que decorrem há décadas. Estamos perante uma mudança de paradigma muito maior e que abrange todas as disciplinas do design, desigual na sua evolução, mas que possui um maior potencial transformador do que os ismos que a antecederam ou as tendências micro-históricas dariam a entender. Para ser mais preciso, creio que nos encontramos na terceira grande fase da história do design moderno: uma era de design relacional e contextual.

A primeira fase do design moderno, nascida no início do século xx, era a busca de uma linguagem formal plástica ou mutável, uma sintaxe visual passível de ser aprendida e, consequentemente, divulgada racional e, potencialmente, universalmente. Esta fase testemunhou uma sucessão de «ismos» — Suprematismo, Futurismo, Construtivismo, de Stijl, ad infinitum — que fundiram inevitavelmente a noção de vanguarda como sinónimo da própria inovação formal. Com efeito, é graças a esta herança do Modernismo que podemos hoje falar de uma «linguagem visual» de design. Os valores da simplificação, redução e essencialismo determinam a direcção da maioria das linguagens abstractas e formais do design. Esta evolução remonta à crença por parte dos primeiros construtivistas russos numa linguagem universal da forma que transcendesse as diferenças sociais e de classe (cultura livresca contra cultura oral), e estende-se aos logótipos abstractos das décadas de 1960 e 1970 que poderiam contribuir para reduzir os fossos culturais das grandes empresas transnacionais: do poster «Beat the Whites with the Red Wedge», de El Lissitzsky, à perfeita união formal sintáctica e semântica no logótipo do alvo da Target.

A segunda vaga do design, que tece o seu início na década de 1960, centrou-se no potencial de criação de sentido do design, no seu valor simbólico, na sua dimensão semântica e no seu potencial narrativo, assim, como no seu conteúdo essencial. Esta vaga continuou sob diversas formas durante décadas, tendo atingido o seu apogeu no design gráfico na década de 1980 e no início da de 1990, com a afirmação máxima da «autoria» por parte dos designers (controlando, deste modo, o conteúdo e, por conseguinte, a forma), e as teorias relacionadas com a semântica do produto, que procuravam incorporar nas suas formas o simbolismo funcional e cultural dos objectos e das suas formas.
(...)

Se, durante a primeira fase, a forma gerava a forma, na segunda, a injecção de conteúdo nesta equação conduziu à produção de novas formas. Ou, como afirmou o filósofo Henri Lefebvre, «Há decerto um momento em que o formalismo se esgota, em que apenas uma nova injecção de conteúdo na forma poderá destruí-lo, abrindo, assim, caminho à inovação.» Parafraseando Lefebvre, só uma nova injecção de conteúdo na equação forma-conteúdo poderia destruí-lo, abrindo, assim, novos caminhos para a inovação.

A terceira vaga do design começou em meados da década de 1990 e explorou a dimensão performativa do design — os seus efeitos nos utilizadores, as suas restrições pragmáticas e programáticas, o seu impacto retórico e o seu potencial facilitador de interacções sociais. Como muitas outras coisas surgidas na década de 1990, estava estreitamente ligada às tecnologias digitais; embora fosse inspirada nas suas metáforas (redes sociais, colaboração open source ou interactividade, por exemplo), não estava limitada ao mundo dos zeros e uns.

Esta fase simultaneamente continuou e teve como ponto de partida as experiências sobre forma e conteúdo levadas a cabo no século xx que tradicionalmente definiram as esferas da prática vanguardista. Porém, as novas práticas de design relacional incluem elementos performativos, pragmáticos, programáticos, abertos, experienciais, participatórios e orientados para o processo. Esta nova fase preocupou-se com os efeitos do design, que vão para além do objecto do design, e até mesmo com as suas conotações e o seu simbolismo cultural.

Em termos linguísticos, poderíamos traçar o movimento destas três fases do design como dirigindo-se da forma para o contexto, passando pelo conteúdo; ou, na linguagem semiótica, da sintaxe à pragmática, passando pela semântica. Como ondas num lago, esta expansão centrípeta das ideias parte da lógica formal do objecto desenhado para a lógica simbólica ou cultural dos sentidos evocados por essas formas e, finalmente, para a lógica programática da produção do design e dos locais onde é consumido — a realidade complexa do seu derradeiro contexto.

Devido aos seus intuitos funcionais, o design teve sempre uma dimensão relacional. Por outras palavras, todas as formas de design produzem efeitos, pequenos ou grandes. O que é diferente nesta fase do design é o papel principal conferido a áreas que dantes pareciam estar para além da esfera da equação forma-conteúdo do design. O público imaginado, e frequentemente idealizado, por exemplo, torna-se num utilizador real — o chamado «mercado individual» prometido pela massificação personalizada [mass customization] e a impressão a pedido; o «consumidor final» pode até tornar-se o próprio designer, mediante projectos «faça-você-mesmo», o hacking criativo de designs existentes, ou crowdsourcing, produzindo juntamente com os seus pares de modo a resolver problemas cuja resolução se revelava demasiado complexa ou dispendiosa pelos meios convencionais. Foi esta a promessa feita pela revista Time ao nomeá-lo a si (em jeito de eu majestático) pessoa do ano em 2006, mesmo se evocava o domínio emergente de sítios como o MySpace, Facebook, Wikipedia, Ebay, Amazon, Flickr e YouTube, ou antecipava o modelo de negócio do Threadless. A participação do utilizador na criação do design pode ser observada em inúmeros projectos «faça-você-mesmo» em revistas como a Craft, a Make e a Readymade, mas também nos formatos genéricos para anúncios e cartões postais de Daniel Eatock.

(...)

O facto de a própria natureza do design e os papéis tradicionais do designer e do consumidor terem mudado radicalmente não é uma surpresa. Na década de 1980, a revolução do desktop publishing ameaçou fazer de cada utilizador de um computador um designer; na realidade, serviu para alargar o papel do designer como autor e editor. A verdadeira «ameaça» ocorreu com o advento da Web 2.0 e os sítios de redes sociais e colaborativas que foram subsequentemente criados. Assim como o papel do utilizador se expandiu, chegando, por vezes, mesmo a incluir o papel do designer tradicional (ao estilo do profético «prosumidor» do futurista Alvin Toffler), também a própria natureza do design passou de dar forma a objectos discretos à criação de sistemas e a enquadramentos visando compromissos mais abertos: designs para a criação de designs. O designer de outrora estava intimamente ligado à visão de comando e controlo do engenheiro; o de hoje encontra-se mais próximo da abordagem de condição-acção [if-then] do programador. É esta lógica programática ou social que domina no design relacional, eclipsando a lógica cultural e simbólica do design baseado no conteúdo e a lógica estética e formal da fase inicial do Modernismo. O design relacional vive obcecado com os processos e sistemas de criação de designs, que não seguem a mesma lógica linear e cibernética de outrora. A lógica tipográfica da família de tipos Univers, por exemplo, estabeleceu um sistema profético e fechado de diversos pesos de tipos gráficos. Por outro lado, uma aplicação baseada na Web para o Twin, um tipo gráfico da Letterror, pode alterar substancialmente o seu aspecto com base em factores tão arbitrários como a temperatura do ar ou a velocidade do vento. Num design recente para um novo museu do design gráfico na Holanda, Lust criou uma «posterwall» digital automatizada, alimentada por fluxos de informação oriundos de diversas fontes da Internet e regida por algoritmos, concebida para produzir 600 posters por dia.
A melhor maneira de ilustrar este movimento para um design relacional será, porventura, o prosaico aspirador. No reino do sintáctico e do formal, temos o Dirt Devil Kone, desenhado por Karim Rashid, um objecto cónico e liso com tão boa aparência que «pode ficar à vista». Enquanto os designs de aspiradores de James Dyson se baseiam numa abordagem funcionalista clássica, os seus próprios designs personificam o significado da função, ao recorrer a uma segmentação das diferentes partes que os compõem segundo um código de cores e, inclusivamente, ao simbolismo expressivo de uma bola que rodopia para conotar uma abordagem de alta tecnologia à limpeza doméstica. Por outro lado, o Roomba, um aspirador robótico, usa vários sensores e programação para estabelecer a sua relação física com a divisão que se encontra a limpar, renunciando a qualquer contacto continuado com os seus utilizadores humanos, com excepção do encontro ocasional com um animal doméstico. No entanto, numa demonstração de desenvolvimento de produtos avançado, o fabricante do Roomba tem à disposição um kit básico que pode ser modificado por entusiastas dos robôs de inúmeros e inesperados modos, colocando, assim, o design nas mãos dos seus clientes.
A primeira fase do design deu-nos formas infinitas; a segunda, interpretações variáveis — a injecção de conteúdo de modo a criar novas formas. A terceira apresenta inúmeras soluções eventuais ou condicionais: sistemas abertos, em vez de fechados; as limitações do mundo real e contextos em vez de utopias idealizadas; ligações relacionais ao invés de imbricação reflexiva; no lugar do designer abandonado, a possibilidade de muitos designers; o desaparecimento de designs altamente controlados e determinados e a ascensão de sistemas facilitadores ou generativos; o fim dos objectos discretos e dos sentidos herméticos e o dealbar de ecologias conectadas.

Decorridos cem anos de experiências em matéria de forma e conteúdo, o design explora agora o reino do contexto em todas as suas manifestações — sociais, culturais, politicas, geográficas, tecnológicas, filosóficas, informáticas, etc. Uma vez que os resultados desta acção não convergem para um debate formal unificado, e porque desafiam os modelos e processos convencionais, não é líquido que a diversidade de formas e de práticas desencadeada possa determinar a trajectória do design no próximo século.

Andrew Blauvelt, Towards Relational Design Design Observer, 11.03.08

Nota: uma tradução portuguesa integral deste artigo, feita por José Manuel Godinho, será publicada no número 41 da Revista de Comunicação e Linguagens, "Design" (Org. José Bártolo), Relógio d'Água, Lisboa (no prelo).

Tuesday, June 01, 2010








1. Há umas semanas, a jornalista do Público Raquel Ribeiro referenciava o Destination Portugal da loja do MoMA (uma parceria com a loja de Serralves que proporcionou que uma série de objectos de autor que encontramos à venda no Porto pudessem ser expostos em N.Y.) com o título O que é nacional é bom e está à venda em Nova Iorque, a peça combinava boas intenções, com tiques de provincianismo e um indisfarçável desconhecimento da realidade do design (português) contemporâneo. Nada de invulgar, portanto, em relação ao que vai sendo típico nestas notas de impressa travestidas de artigos jornalísticos que, ocasionalmente, vão aparecendo nos nossos jornais de referência.

Há na forma como o design é alvo de tratamento jornalístico, num bom número de casos por estagiários diligentes, uma contradição insanável. Se por um lado, há a consciência de que o design pode interessar a um público mais vasto do que, por exemplo, a dança contemporânea, por outro lado, sustentam-se (felizmente!) rubricas regulares de crítica de dança contemporânea, enquanto o design é remetido para um campo indiferenciado, algures entre o destaque a uma loja gourmet, a última conquista de Paris Hilton e o mais recente “destino de sonho”.

2. Foi com expectativa que comprei o último número da Communication Arts motivado pelo artigo de Robert L. Peters "Design in Portugal: an overview of visual communication". Depois de o ler, fiquei profundamente decepcionado: após uma longa síntese da história de Portugal, Peters dedica poucas e superficiais linhas ao design português com uma total ausência de pensamento crítico (apoiando-se simplesmente em alguns depoimentos que recolheu). O artigo acaba por valer pela forma como está ilustrado, mas sabe a pouco!

3. Através do empenho de Artur Rebelo e Lizá Ramalho, a cidade do Porto vai receber o Congresso de 2010 da Alliance Graphique Internationale, na Casa da Música a 11 de Outubro, no programa encontramos os nomes de Marian Bantjes, Pierre Bernard, Michael Bierut, Stefan Sagmeister, Paula Scher e Niklaus Troxler entre outros. Após o fim dos Personal Views, esta é uma oportunidade excelente de discutir ideias sobre o design gráfico contemporâneo.

Pouco tempo antes, no final de Setembro, Lisboa recebe a Design Battle com destaque para a presença de Deborah Szebeko dos Think Public.

São, apenas, balões de oxigénio, bem sei, mas sempre nos permitem ganhar um novo fôlego para continuar a reagir, a resistir.

PERFIL

REACTOR é um blogue sobre cultura do design de José Bártolo (CV). Facebook. e-mail: reactor.blog@gmail.com