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Wednesday, June 30, 2010




SOMETIMES I WONDER
por John Getz


Habituei-me, há muito, a registar a memória das viagens que faço em cadernos de diferentes tipos e formatos (apesar da preferência pelos folio watercolour da Moleskine) que, com o tempo, fui acumulando em caixas mal organizadas. Serão perto de 200. Um destes dias, encontrei o caderno que regista a visita de duas semanas (na última semana de Setembro e primeira de Outubro) a Portugal feita em 2001. Foram duas semanas estimulantes passadas em Lisboa com visitas breves a Coimbra e Porto.

Se Lisboa é uma cidade branca, luminosa, por vezes feéricamente atlântica, o Porto é uma cidade granítica, densa, que convida a uma descoberta mais lenta através das ruelas, com os seus cafés e tascas da zona baixa e se abre a novas geometrias no encontro com o mar. Cheguei ao Porto a uma quarta-feira – marcada pelo constrangimento de alguns amigos pela morte, nesse mesmo dia, de Sena da Silva figura importante do design português - com uma pequena lista de coisas “a ver”.

Começámos por visitar o Salão Internacional de Banda Desenhada a funcionar num espaço incrível de um antigo mercado, Ferreira Borges. Interessava-me menos ver o trabalho dos convidados internacionais, que na sua maioria conhecia bem, casos de Scott Morse e Ellen Forney cujo trabalho acompanhava através de um dos meus jornais preferidos o “The Stranger” de Seattle, e mais ver o trabalho de autores portugueses que me pareceu interessante mesmo que, em alguns casos, preso a referências estrangeiras. O trabalho que mais me impressionou, e que desconhecia, foi contudo o de Marjane Strapi, uma autora de origem iraniana, cujo Persopolis é hoje justamente famoso mas que vi pela primeira vez no Porto.

No final dessa semana pude conhecer melhor alguns espaços da cidade – uma galeria-bar agradavelmente informal chamada Maus Hábitos, uma estação de caminhos de ferro de grande riqueza arquitectónica São Bento e alguns espaços públicos - através do cartaz de um dinâmico festival de Live Art chamado Brrr. Regressei a Lisboa, com uma paragem por Coimbra, cidade que me despertou pouco interesse (disseram-me que, aquela apatia, é típica dos domingos), a tempo de assistir na Gulbenkian a um concerto dos The Residents que sempre digo ser a minha banda preferida de entre aquelas criadas nos anos 1960 e ainda em actividade.





Em Lisboa tive oportunidade de visitar diversas exposições. Fiquei com a boa sensação da existência de programação em espaços alternativos às grandes instituições – vi uma incrível exposição de fotografia numa casa particular na Rua do Salitre com trabalhos, de que gostei muito, de nomes como Cláudia Fischer e José Luís Neto – e com a má sensação de que a identidade e o design dessas galerias e instituições é, na sua maioria, muito pobre. Também os flyers que fui recolhendo, na sua maioria não mereciam ser guardados. Mesmo eventos de grande dimensão como os do Porto Capital Europeia da Cultura me pareceram pobres e poucos originais. A mesma sensação de desinteresse foi-me suscitada pelos cartazes de rua. Do que guardei ou registei o mais interessante talvez tenha sido o cartaz do “Dia Mundial da Música 2001” evento patrocinado pelo Ministério da Cultura de Portugal.

Um dos exemplos de instituições incapazes de comunicarem decentemente os seus eventos era, por essa altura, o Centro Cultural de Belém, um grande edifício, que me pareceu mal integrado com o espaço de Belém um dos locais da cidade onde melhor se documenta a importância histórica do mar e das viagens marítimas para Portugal.

No Centro Cultural de Belém visitei duas exposições ligadas à Bienal de Design de Lisboa, as dedicas aos designers Dieter Rams e Verner Panton. Duas exposições muito diferentes, não só pela diferença de universos dos autores mas acentuadas pelas opcções dos curadores. A de Panton procurava revelar os objectos com parte de um ambiente que se lhes sobrepunha. Mais do que expor objectos a exposição visava – e no essencial conseguia – sugerir um ambiente ora tangível ora, no limite do intangível, criado por jogos de cor, luz ou volumetrias. Menos conseguida a exposição dedicada a Dieter Rams, expondo os objectos, solitariamente, ao olhar do visitante, anulando-lhes (e por vezes contrariando-lhe) a carga programática tão central no “bom design” ramsiano.

O resto do tempo foi ainda mais autenticamente cultural, o “galão” ao pequeno almoço experimentado, cada manhã, num café diferente, o prazer lânguido de anoitecer numa esplanada bebendo vinho tinto, as conversas com os amigos. Recordo também alguns discos, que levara comigo e que ouvi pela primeira vez em Lisboa – em pausas no quarto do hotel ou em passeios solitários pelas ruas do castelo – alguns que odiei (Gotan Project “La Revancha del Tango”) outros que me foram quase indiferentes (Zero 7 “Simple Things”) e outros que gostei francamente (“Curvatia” dos Spacek). Tenho de voltar a Portugal!

Monday, March 29, 2010




SOMETIMES I WONDER
por John Getz


Ontem à noite, em casa de um amigo, durante uma rápida visita a Vermont, revi a curta metragem de Jo Andres Black Kites realizada em meados dos anos 1990. Trata-se, julgo eu, no único filme protagonizado pela magnifica Mimi Goes.

No final dos anos 80, a minha preferida, devo dizer, era Anna Domino por uma série de razões mais construídas pelas circunstâncias do que pela razão propriamente dita. Claro que gostava muito de Lisa Germano, de Elizabeth Fraser e de Kristin Hersh sobretudo nos tempos das Throwing Muses sobre quem escrevi, lembro-me bem, um texto entusiasmado quando saiu House Tornado.

E claro, havia Mimi Goes, na altura vocalista dos Hugo Largo de quem assisti, numa pequena sala não muito longe daqui, a uma magnifico concerto que depois de um terceiro encore se prolongou por mais uma hora.





Se continuo a saber de Lisa Fraser, de Anna Domino e, sobretudo, de Lisa Germano agora a trabalhar, em óptima casa, com Michael Gira, fui deixando de saber de Mimi Goes. Ontem à noite, quando a revia no alucinante papel que Jo Andres criou para ela, tive saudades dela, tive saudades daquele concerto que se tornou a noite toda. Acho que sinto falta daquele tempo.

Thursday, January 21, 2010




SOMETIMES I WONDER
por John Getz



POSSO AJUDAR?


Acabo de ler o artigo publicado por Frances Anderton no KCRW intitulado Will Design and Architecture Help Haiti Rise Again?

O artigo coloca a cada leitor uma questão que nos confronta com a nossa própria crença no design mas, mais do que isso, e porque o design não é uma questão de fé mas de eficácia, confronta-nos com a nossa compreensão do papel que a disciplina pode desempenhar no mundo actual.

Os esforços, desenvolvidos imediatamente após o tremor de terra, pelos Architecture for Humanity ou pela Article 25 são bem representativos da capacidade de resposta e mobilização de ONG’s constituídas por grupos de designers ou arquitectos. Elas ilustram a importância que o citizen-designer pode ser chamado a desempenhar, mas naquela articulação (cidadão/designer) é mais o cidadão do que o designer a destacar-se.

No site da Aiga, Richard Grefé coloca a (mesma) questão noutros termos: How can designers help Haiti?

O texto terminava evocando a memória de Tibor Kalman (mas não seria a estratégia de Kalman outra, diferente daquela que aqui assistimos? Não seria a resposta do designer Kalman perante esta situação diferente, digamos, da Angelina Jolie?) e reforçando em mim a convicção, o design, confrontado com uma incapacidade que ele próprio coloca, torna-se apenas num conjunto de boas intenções:

"The week before he passed away, Tibor Kalman asked me to make sure that AIGA would remind every designer not to forget the good that he or she can do for humanity through his or her unique talents. Sometimes we can contribute through our creative gifts—though at times such as now, it may be through our common sense of humanity and generosity that we can do the most good."

Tuesday, November 03, 2009




SOMETIMES I WONDER
por John Getz


Passei o último fim de semana a desencaixotar livros que tinham ficado guardados num pequeno apartamento em Lauderdale no Minneapolis.

Algumas dessas caixas guardavam livros de artista comprados nos últimos anos, muitos deles por ocasião de viagens à Europa e visitas a feiras de pequenos editores.

Foi com um imenso prazer que, demoradamente, me dediquei a cada livro que retirava do escuro da caixa de cartão onde estavam depositados. O que começou por uma decisão prática de não adiar a necessária arrumação de um pequeno apartamento há algum tempo desabitado tornou-se, naturalmente, numa espécie de ritual que só pôde ser realizado depois de escolhida a música certa para o acompanhar e de aberto o vinho ideal para a ele se associar. Então sim, pude atentamente folhear o livro sobre Tumarkin publicado pela Har-El, ou o livro sobre Paul Celan editado pela Editions du Capricorne, pude recordar livros que me esquecera que tinha, como o lindo livro de Simon Lewis editado pela Passenger Books, pude reflectir sobre diferentes identidades editoriais através dos livros da Filigranes, da Onamatopee, da Art&Fiction ou da Roma Publications.

No final da noite as caixas de livros estavam vazias, a garrafa de vinho estava vazia, e no chão acumulavam-se pequenas colunas de livros formando interessantes esculturas. A imagem dessas torrezinhas de livros terá sido a última que registei antes de adormecer. Nessa noite sonhei sobretudo com livros. Na verdade, também tive um sonho bizarro onde via David Byrne a passear de bicicleta nas ruas de Lauderdale enquanto nevava. Só um detalhe: os flocos de neve eram pequenos e levíssimos livros.

Monday, October 19, 2009




SOMETIMES I WONDER
por John Getz


Não haverá mais autêntico cartão de visita de Los Angeles do que aqueles enormes placards, colocados no cimo dos prédios, que explodindo de rosa, nos apresentam Angelyne. "O cor-de-rosa torna os homens fracos e as mulheres amorosas" dizia-nos uma Angelyne hot pink fun enquanto conversávamos no bar no Hyatt Hotel do Sunset Boulevard.

Em Los Angeles, hot pink fun é verdadeiramente um estilo, que encontramos no design gráfico, na moda, na música, no cinema, mas sobretudo, numa reunião de referências, num certo life style. Seguramente impossível de recriar e, no entanto, natural entre a paisagem de Los Angeles.

Se todas as cidades têm a sua paisagem , têm igualmente os seus espaços-de-fuga, as suas heterotopias, na expressão de Foucault. Em Los Angeles a proliferação dos espaços heterotópicos praticamente os torna parte integrante da paisagem. No início dos anos 90 um dos espaços incontornáveis da cidade era a antiga fábrica de gelo no Santa Mónica Boulevard convertida por George Murillo numa das melhores discotecas da cidade, a Arena. Por ali podiamos ver Madonna, David Lynch, Thierry Mugler, Sinead O'Connor ou Laura Dern. Como dizia um amigo meu, é de tal forma fácil detestar Los Angeles - os parques de estacionamento, os neons, as palmeiras, um certo ar fake generalizado - que é natural que acabemos por a adorar.


Wednesday, September 02, 2009




SOMETIMES I WONDER
por John Getz

De entre os agora anunciados finalistas para os On-line Journalism Awards 2009 , distinção atribuída pela ONA, gostaria de fazer três destaques.

Primeiro destaque para a Publish2 que considero um bom exemplo do actual Social Journalism. Trata-se de uma rede colaborativa que permite, explorando a participação web, uma permanente edição de notícias e comentários. As edições online dos jornais de referência caminham, a ritmos diferentes, para soluções idênticas ao Publish2 sob o risco das notícias serem editadas nesses jornais sempre tardiamente em relação ao seu anúncio no Twitter ou Facebook.

Um segundo destaque para o Attributor. Alvin Toffler dizia, há anos, que em breve se esbateria a separação entre consumidor e produtor, entrando-se na era do prosumidor. A importância dos processos DIY, da livre edição e a facilidade de construirmos a nossas próprias redes vai impondo, actualmente, alterações nos processos de construção e circulação da informação e, consequentemente, no modo como os modelos sociais se organizam e regulam pela sociedade de informação.

Terceiro destaque para o Design Observer. Há pouco tempo seria ainda improvável que um blog especializado em design tivesse, em número de leitores e em influência (as coisas tendem a andar associadas, embora nem sempre), a importância do Observer. Sintomaticamente, acusando a responsabilidade, o Design Observer vem registando uma evolução, abertura talvez, ao nível dos conteúdos. De um blogue de crítica do design gráfico passou-se gradualmente para um blogue mais diversificado ao nível dos conteúdos. A par dos textos críticos, frequentemente polémicos, sobre questões da actualidade por vezes articuladas com referências à história do design, encontramos agora uma abertura ao campo da arquitectura e urbanismo, dos novos media e de outras extensões sociais e culturais do design. Por outro lado, entrando no Design Observer hoje em dia o menu apresenta-nos uma oferta mais diversificada, com pratos rápidos e fáceis de assimilar pelos olhos (como os portolio) até algumas iguarias mais gourmet destinadas a palatos mais exigentes. As consequências destas alterações são curiosas: o design observer assemelha-se hoje a um jornal online de referencia, com tiques de instituição, tendo perdido grande parte do contraditório suscitado pela discussão e, actualmente, posts sem nenhum comentário começam a surgir com frequência, como se no meio de tamanho festim fossemos dispensando, para o bem e para o mal, tanto as recomendações como as congratulações.

Thursday, June 11, 2009




SOMETIMES I WONDER
por John Getz


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O autor desta belíssima capa da Vanity Fair do ano de 1933 é um dos meus designers gráficos preferidos, o napolitano Paolo Garretto, que nos anos 30 e 40 publicou muitas das suas ilustrações – sobretudo de figuras políticas – em vários periódicos Norte-Americanos.

Recordei-me de Garretto ao ver, recentemente, uma divertida fotomontagem de um jovem artista de Los Angeles que montava algumas caricaturas de políticos desenhadas por Garretto sobre uma fotografia, talvez dos anos 40, de Chávez Ravine.

Cháves Ravine era, até aos anos 50, a maior comunidade mexicana dos subúrbios de Los Angeles. Os terrenos de Chávez Ravine foram, nessa altura, comprados pela câmara de L.A para aí construirem um novo bairro residencial acabando, no entanto, por serem vendidos ao clube Brooklyn Dodgers sendo nesse local que, actualmente, está implantado o estádio dos Los Angeles Dodgers. Da antiga Chávez Ravine nada resta senão as memórias em registo fotográfico nas belas imagens que Don Normark fez do local.



Ry Cooder deu como título Chávez Ravine ao seu óptimo disco publicado em 2005. Em entrevista ao Los Angeles Times, Cooder explicava “Ao fazer este disco estou apenas a dizer que me lembro de LA como era antigamente e que gostava dela assim.”. Tal como eu, Cooder nunca conheceu Chávez Ravine e no entanto lembramo-nos de como era e lembramo-nos de como gostávamos dela assim.

Monday, May 11, 2009




SOMETIMES I WONDER
por John Getz


Acabei de rever Wanda, o superlativo filme realizado em 1970 por Barbara Loden. No início dos anos 80 escrevi, just for fun, um argumento para cinema: a história de um homem que, na sequência de uma queda tirada do Rear Window fica com um amnésia que reduz a suas memorias a flashes de cenas de filmes.

Entre as imagens recorrentes ( de resto a primeira e última imagem): o rosto de Wanda, fortíssimo, inolvidável. Aquele argumento reflectia, na perfeição, a minha cinéfilia, fragmentária e difusa. De muitos filmes, retenho apenas uma sequência, quando não uma imagem, um diálogo ou pormenor, um certo clima sugerido pela fotografia, um movimento de câmara ou corte de montagem. Esse é o meu conhecimento de certos filmes que muito admiro: de You Only Live Once guardo a sequência do lago no velho Motel; de Gun Crazy o trepidar dos corpos, a inexorabilidade do destino; em People Will Talk de Mankiewicz a lição inaugural; no Johnny Guitar aquele diálogo, sempre aquele diálogo:

Vienna: Lie to me (…) Tell me you still love me like I Love You.
Johnny: I Still love you like you love me.

Nesta forma, idiossincrática, de me envolver com os filmes reside, creio, o melhor e o pior da minha cinefilia. Já agora, algo de muito semelhante me sucede enquanto leitor ou ouvinte. Mas isso fica para outro texto. Por agora fiquem com Wanda.


Thursday, April 23, 2009




SOMETIMES I WONDER
por John Getz


Um dos melhores exemplos das possibilidades de transformação política geradas pelos blogues é, na minha opinião, o The Huffington Post. A sua editora, Arianna Huffington, para além de aí manifestar ser um das mais pertinentes analistas políticos da actualidade, tem influenciado, positivamente, o modo como os media tratam a informação política. A razão da qualidade deste “internet newspaper” reside no modo como duas preocupações são articuladas: de um lado a existência de uma “linha” editorial forte, objectiva, parcial e crítica, apoiada no cruzamento – por vezes contraditório – de fontes e análises; de outro lado a existência de uma abertura ao co-design, à construção participativa quer da “notícia” quer da sua possível interpretação.

Um bom exemplo, é o projecto Off the Bus, descrito por Arianna Huffington como “a citizen journalism Project”, que revela a necessária capacidade dos jornalistas se integrarem nos, assim chamados, “novos ciclos emergentes”, tal como a recente campanha presidencial bem demonstrou.

Para concluir, devo acrescentar que os recentes livros de Arianna Huffington, como Fanatics and Fools ou Pigs at the Trough, apresentam-nos o que de mais acutilante e lúcido reflecte um actual certo estado da sociedade americana.

Wednesday, March 25, 2009




SOMETIMES I WONDER
por John Getz


No final do ano de 1990, a revista BUZZ pediu-me para fazer uma lista comentada das neo-novidades de L.A para ser publicada no primeiro número de 1991. Porque L.A. is my city lá avancei, no que não pretendia ser mais do que uma expressão do “the talk of Los Angeles”.

A sensação era a de que tudo estava a acontecer em L.A. – e o que não acontecia ali, estava a acontecer em Atlanta. Nova York parecia-nos então coisa para nova-yorkinos, interessante mas sem nada de novo interesse, ao contrário de L.A onde – tirando Holyfield – tudo estava e tudo acontecia. Mesmo as coisas menos desejáveis, como o Predador 2 à solta, promovido com o infeliz tyser: "He’s in town With a Few Days to Kill”.

Em contrapartida, tínhamos policias de bicicleta patrulhando as zonas East e South-east; tínhamos Lena Olin, mesmo que ela confessasse detestar Los Angeles; Lauren Hutton melhor que nunca; tínhamos a Victoria’s Secret e a Julie Cruise que depois de participar em quase todas as bandas sonoras para filmes de David Lynch lançara finalmente um álbum só dela, o extraordinário Floating into the night. Só em 90, depois de alguns desencontros, consegui assistir a um primeiro concerto de Julie Cruise, numa pequena sala da zona east. Recordo-me que foi uma experiência verdadeiramente extraordinária e tenho ainda bem presente essa sensação de levitar que senti ao ouvir The World Spins – embora estivesse prostrado numa cadeira de veludo, com um copo de mescal na mão.





Creio que aquela lista retratava não apenas o espírito do convite – e da própria revista BUZZ que conseguia, com toda a naturalidade, falar num mesmo número de Carrie Fisher, Marc Reisner e Preston Sturges – mas também o meu próprio espírito e o da cidade: e ali coexistiam o designer trendy Dakota Jackson, referências aos melhores sítios para beber em L.A. o melhor vinho californiano, gravatas garridas e John Updike.

Muito do que ali se falava mudou, alguma coisa desapareceu, mas por vezes sinto que ali consigo voltar, que algures ainda existe aquela cidade – que nunca deixou de ser inventada – e que, afinal, ela precisa tanto de nós como nós dela.

Wednesday, August 13, 2008




SOMETIMES I WONDER
por John Getz


Nascido no Bronx em 1920, Saul Bass foi um dos maiores designers gráficos norte-americanos da segunda metade do Século XX – Paul Rand está acima de todos – e talvez o mais virtuoso criador de motion graphics antes do termo se vulgarizar no contexto pós-analógico. Um amigo meu costuma dizer que tudo o que foi tocado por uma grande criador é digno de interesse. No caso de Saul Bass a sua obra gráfica, cinematográfica, algumas composições musicais e até mesmo a sua casa, projectada por Buff, Straub e Hensaman em 1958, tornaram-se verdadeiros case study.

Tive oportunidade, há poucos dias, de ver Anatomy of Saul Bass, uma animação (de título pouco imaginativo) criada por Paul Scalzo que faz uma interessante montagem de todas as sequências de abertura que Bass fez para o cinema. Algumas delas são melhores do que os filmes, as restantes tão boas como os filmes (e sim, lembro-me de como são bons Vertigo ou The Age of Innocence). Também é sabido que a colaboração de Bass em alguns filmes foi além da criação dos genéricos. Uma das mais célebres sequências da história do cinema (a do assassinato no duche, no Psico de Hitchcock) foi concebida por Bass que fez um detalhado storyboard que Hitchcock respeitou quase na íntegra (ter-lhe-á introduzido dois planos – o da faca a espetar-se no corpo e o do sangue a rodar no ralo).




Entre os filmes realizados por Saul Bass, para mim o mais extraordinário é um filme de ficção científica, realizado em 1974, intitulado Phase IV. Partindo de um argumento “clássico” do cinema Sci-fi de Série B, Bass transforma-o num exercício formal e narrativo belíssimo. Phase IV é um dos grandes filmes de Ficção Científica do anos 70 mas também um fabuloso e alegórico ensaio sobre os limites da linguagem, sobre as formas de comunicação, sobre a própria essência do design gráfico. Vejam a extraordinária sequência da comunicação entre homens e formigas recorrendo a uma linguagem gráfica geométrica como forma de estabelecimento de uma linguagem comum e digam-me se não tenho razão?

Trad. José M. Bártolo

Friday, May 30, 2008



SOMETIMES I WONDER
por John Getz

Vai fazer trinta anos que nasceu o hip-hop com a edição do single Rapper’s Delight dos Sugarhill Gang. A informação não é, como facilmente se percebe, rigorosa mas, efectivamente, Rapper’s Delight evidenciava o protagonismo de uma nova cultura urbana afro-americana, moldada pela memória do Black Power e formado de um novo cocktail político e cultural em que o graffiti, o break dance e o scratch expressavam a marcada distância existente entre o “street corner life” e o “middle-class confort”.



Os europeus absorviam as mensagens públicas do Black Power de uma forma, muitas vezes, romanceada, como se percebe em objectos como o sofá Safari dos Archizoom evocador de um imaginário veiculado pelos filmes Blackexploitation e associados à imagem de Pam Grier.

De entre os protagonistas do Exploitation, uma das minhas actrizes preferidas é Christina Lindberg. Durante vários anos tive no meu espaço de trabalho uma fotografia dela, a descansar no plateau, durante a rodagem de Thriller – A cruel Picture.



Lindberg está lindíssima e a imagem tem uma forte carga onírica que a torna particularmente sedutora.

O filme, também conhecido por They Call Her One Eye, foi realizado por um assistente de Bergman no final dos anos 70 e terá inspirado Tarantino na criação do seu Kill Bill. Por um conjunto de razões, sempre o achei um objecto contemporâneo do Safari dos Archizoom e de tudo aquilo que as novas editoras de hip-hop (a Sugarhill de Sylvia Robinson, a Profile, a Sleeping Bag e a Tommy Boy) iam fazendo.

Quase que conseguia jurar, de resto, que certo dia, durante um concerto dos Afrika Bambaata vi Christina Lindberg no meio do público, de pala do olho esquerdo, devidamente armada. Nada que me pareça improvável.

Tuesday, May 06, 2008



SOMETIMES I WONDER
por John Getz

Entre 1987 e 1990 fiz, de um modo regular, crítica de musica. Vivendo em Los Angeles apenas por uma vez, nesse período, tive oportunidade de visitar Manchester onde, no final da década de 80, uma nova cultura de clubes de dança, magnificamente representada pelo The Hacienda, animada por jovens produtores como Mike Pickering e Simon Topping, lançava uma série de projectos renovadores como os Quando Quando, T-Coy, A Guy Called Gerald, Electronic ou os fantásticos 808 State de Quadrastate.

O maxi-single de estreia dos Electronic (uma reunião de notáveis como Bernard Summer dos New Order, Neil Tennat dos Pet Shop Boys e Johnny Marr), lançado em 1989 pela Factory, intitulava-se a propósito “Getting Away With It” e revelava novos critérios de produção de Tony Wilson. Os Electronic não eram um projecto Manchester-based, não o eram em termos de formação, como o atestava a presença do londrino Neil Tennat, nem em termos sonoros, nem em termos da imagem gráfica do grupo. De resto, a capa “cool and sober” do disco remetia-os para um outro universo, mais cerebral e controladamente comercial, do do puro gozo da invenção de uma nova cultura nocturna que caracterizava os Fortran 5 ou os 808 State.

Por essa altura, nos Estados Unidos, a cultura DJ e os novos produtores de musica de dança, iam explorando as inúmeras possibilidades de misturarem o Acid, o House, o Disco com os Rhythm’n’blues ou o Hard-rock. Tudo aquilo era menos limpo e, por vezes mais desequilibrado do que o que se ouvia em Londres ou Manchester mas parecia-me, também, mais capaz de resistir ao tempo. Nesse final de década, Todd Terry foi o nosso homem, assumindo várias identidades – Swan Lake, Black Riot, Orange Lemon, Todd Terry Project, Royal House – e contribuindo para a criação de novas linguagens sonoras e plásticas. Se o design gráfico norte-americano desse período me parece especialmente curioso, é-o mais na capa dos discos, nos cartazes e no merchandising de projectos como os The 45 King de Mark James do que no design metódico de Cranbrook.



O que me seduzia nessa altura não era, contudo, apenas esta renovação e contaminação de géneros. Era a incrível mistura, que nos permitia numa noite ouvir Sundays e Oranje Lemon e, quando já não o esperávamos, dar de caras com Julee Cruise: Moving near the edge of night, dust is dancing in the space, a dog and bird are far away, the sun comes up and down each day, light and shadow change the walls, Halley’s comet come and gone, the things I touch are made of stone, falling through this night alone.


Wednesday, April 02, 2008



SOMETIMES I WONDER
Por John Getz

O mundo é um palco, é certo, mas diferentes partes do mundo terão diferentes encenações e protagonistas. No início dos anos 70, cruzei-me algumas vezes na esquina da rua 54 com a 6ª avenida de Manhattan, com essa personagem insólita, um ancião cego, com longos cabelos e barbas brancas, meio profeta, meio mendigo, parecendo saído de uma ópera wagneriana.

Não era necessário falarmos com ele para percebermos que, como uma autêntica personagem, estava simultaneamente diante de nós e inelutavelmente distante. Falando com ele, sobre filosofia ou música, história ou pintura, experimentávamos a estranheza de nos sentirmos a aprender mesmo não ficando na posse de nenhum conhecimento, o conhecimento resultava do encontro.



Quando Moondog desapareceu, sem deixar rasto, no final da década de 1970, muitos de nós julgamo-lo morto. Paul Simon, um dos dedicados admiradores daquele ancião que “uivava à lua como ninguém”, chegou a fazer, na televisão, o seu elogio fúnebre.

Afinal, Moondog partira para a Alemanha, a convite da editora Kropf, onde gravaria o encantador “A New Sound of An Old Instrument”.



Ontem imaginei um possível encontro entre Moondog e Maddalena Crippa, imaginei-os a viajarem pelo Idaho, a caminharem junto as margens do Salmon River, ao som de banjos e balafones, Moondog recitando poesia, Maddalena, tombando sobre a relva, brilhando naquele palco. A primeira vez que ouvi Maddalena Crippa foi numa interpretação na ópera Pierrot Lunaire de Arnold Schoenberg numa excelente encenação de Peter Stein. Stein, tomava algumas das deixas do melodrama do Pierrot para construir as suas Brettl-Lieder encadeadas com excertos das transcrições que Schoenberg fizera da Kaiser-Walser e quejandas de Johann Strauss, oferecendo a Crippa a criação de oito fascinantes personagens. Quando surge em palco, corpo encenado pelo figurino de Moidele Bickel, iluminada – poucas vezes ouve luz tão simples e tão bela – por Cláudio Piccirilli uma revelação se dá numa harmoniosa união entre gesto e música, entre corpo-espaço e canto-tempo.



Recentemente, a minha última grande experiência de ligação profunda ao que acontece no palco, foi-me dada por um concerto de Kurt Elling. Assisti ao concerto em Chicago, começado numa quarta-feira fria e terminado numa quente madrugada de quinta-feira. Elling tem a técnica de um John Hendricks, a expressividade beat de um Mark Murphy e, por vezes, parece ter, não o diabo, mas Mrs. Ella Fitzgerald no corpo, o resultado só pode ser bom. Naquela noite foi muito bom.

Hoje, antes de adormecer, vou imaginar o encontro de Kurt com Maddalena, ao som das canções de Moondog, claro.


Nota: As crónicas de John Getz são publicadas mensalmente no Reactor.
Tradução de José Bártolo.

Tuesday, March 18, 2008



SOMETIMES I WONDER
Por John Getz


Há vinte anos atrás gostava de ler umas crónicas publicadas no L.A. Style que me fascinavam por serem tão sedutoramente diletantes, tão assumidamente pós-modernas, conseguindo, numa página, falar do espírito DENY (Disgruntled Ex-New Yorkers) e da vida privada de James Lee Curtis, passando por Van Dyke Parks e terminado com uns versos de Ezra Pound.

Quando aceitei o convite do REACTOR para escrever mensalmente uma crónica literalmente sobre o que me apetecesse, pensei imediatamente nesses artigos da L.A. Style e, claro, logo de seguida pensei numa série de outras coisas, como nestes versos de um canção de Siouxsie and the Banshees: Only at night time/ I see you in darkness/ I fell you./ A bride by my side/ I’m inside many brides. /Sometimes I Wonder...".

No final da década de 1960, Frank Sinatra deu corpo à personagem do detective privado Tony Rome, em três filmes – “Tony Rome” (1967); “Lady in Ciment” (1968) e The Detective (1968) – que sempre me pareceram um requiem sobre o filme negro clássico. O melhor deste tríptico era, porém, o trabalho de fotografia do extraordinário Joseph Biroc que cheguei a conhecer, no final dos anos 80, numa cerimónia em Nova York que terminou numa animada festa ao som do DJ londrino Peter Ford. Na altura, Peter, aliás Baby Ford, era um dos protagonistas do “summer of love” de 88, mostrando uma inegável capacidade para misturar a ideologia hippie, o acid, o disco-sound (ou não fosse Ford um admirador confesso de Barry White) e ainda declarar oficialmente abertas as famosas “portas da percepção”.



O meu entusiasmo estava, contudo, muito longe de ir para Baby Ford, virava-se antes para a deslocação de notáveis actrizes para o campo musical, em aventuras necessariamente fugazes, permitindo invulgares combinações entre texto, música, ruído e imagens. Penso em John Zorn, Steve Beresford e David Toop que em torno da voz, belíssima voz, da actriz francesa Tonnie Marshall faziam a obra-prima “Deadly Weapons”; penso no trabalho de redescoberta das canções dos filmes de Brigitte Bardot feito por Beresford e Kazuko Hohki; penso, na relação de Delphine Seyrig com Steven Brown de onde resultou, para a colecçãoMade to Measure da Crammed, o disco De Doute Et De Grace.



Eu costumava trazer um monte de discos da Crammed, da Les Disques Du Crépuscule, que tinham aquele delicioso slogan “From Brussels With Love”, e de uma série de outras editoras belgas, de cada vez que ia a Bruxelas e ficava em casa do Dimitri Balachoff, responsável pela Meuter Titra, uma laboratório de legendagem de filmes, um tipo que adorava a música de Elmo Hope. Foi com Balachoff que pela primeira vez vi um filme de Manoel de Oliveira. Ainda hoje não dissocio Le Soulier de Satin e grandes quantidades de cerveja conventual.


Nota: As crónicas de John Getz são publicadas mensalmente no Reactor.
Tradução de José Bártolo.

PERFIL

REACTOR é um blogue sobre cultura do design de José Bártolo (CV). Facebook. e-mail: reactor.blog@gmail.com