Tuesday, August 26, 2008




QUESTÃO DE ESTILO


Quando, na década de 1910, Theo van Doesburg, falava em estilo pressupunha-se uma linguagem formal que expressava um determinado movimento colectivo. Era bem claro, então, que falar em “estilo individual” representava uma contradição entre termos.

Progressivamente, o estilo foi passando a significar menos uma expressão de dimensão colectiva e mais de dimensão pessoal e autoral. Se expressões como “estilo próprio” ou “estilo pessoal” são frequentemente usadas, a verdade é que o estilo funciona como operador que nos permite estabelecer relações de proximidade, identidade ou diferença.

Como sublinha Zygmunt Bauman, “a questão da identidade só se coloca perante a existência de comunidades”. A identidade ou o estilo não são elementos susceptíveis de autonomizar o autor, como uma espécie de “inventor” de uma linguagem idiolectal, mas antes elementos que nos permitem pensar as “relações” entre diferentes linguagens formais, lógicas de aplicação e intenções usadas pelos diferentes criadores.

Num artigo recente, Mário Moura, a propósito da aplicação do sistema gráfico da Casa da Música desenvolvido por Sagmeister, confrontava os estilos do “sistema neo-suíço” do designer austriaco ao da “escola do Porto” de André Cruz ou Sara West. Há no texto de Mário Moura uma estimulante sugestão de análise do estilo de alguma produção gráfica portuguesa e da influência que os ateliers ou as Escolas têm na educação desses estilos.

Há seguramente em Portugal designers de comunicação com uma produção gráfica que, pela sua consistência (ao nível de regularidade de produção, de coerência formal e intencional, de recorrência de recursos de composição e aplicação gráfica, etc.) impõem um estilo facilmente reconhecível. Os casos de João Faria ou de José Albergaria são evidentes. Podemos igualmente reconhecer comunidades que partilham, e dessa forma os renovam, identidades, estilos e influências (pense-se, a título de exemplo, em João Faria, André Cruz, João Guedes, Alexandre Rola como designers que partilham uma comunidade).

O que há de mais interessante no sistema criado por Sagmeister para a Casa da Música, é a sua aplicação dinâmica, o modo como aquele sistema (espécie de metalinguagem) será concretizado por diferentes designers. André Cruz tornou-o mais “plástico” e tipográfico, José Albergaria, creio, teria igualmente sublinhado esta plasticidade, através de uma utilização mais física da tipografia, Diogo Valério teria, provavelmente, respeitado mais a grelha original. As diferentes aplicações do sistema permitem-nos, evidentemente, reconhecer diferentes estilos. Não me parece que estes estilos sejam criados por um estúdio ou escola (a Escola do Porto não pode ser, sem mais, associada à ESAD por exemplo) mas resultam de partilhas e diálogos que formam comunidades que são, todavia, demasiado “liquidas” para as conseguirmos com rigor localizar - embora talvez seja inevitável que para as identificarmos as localizemos - mesmo que as consigamos com rigor caracterizar.

O texto de Mário Moura, ao avançar com uma correcta caracterização das soluções formais usadas por alguns designers portugueses chamou, afinal, à atenção para a existência de estilos e comunidades no design português, existência cuja análise mais sistemática me parece agora determinante.

Monday, August 18, 2008




O MERCADO DA ARTE


Gosto de levar livros como companheiros de viagem e gosto de viagens que me permitem o encontro com novos livros. A bibliofilia levou-me a aprender a conhecer as cidades que visito pelas livrarias onde entro. Actualmente alguns sítios na internet facilitam-nos a viagem.

Mesmo que não compre nada – mas quase sempre há um livro que, despertando da dormência da estante, cativa a minha atenção – não vou a Bruxelas sem visitar a Posada ou a Amesterdão sem passar pela Athenaeum Boekhandel. Há livrarias que visito como quem visita um museu, é o caso da Lello no Porto ou da Artes&Letras em Lisboa; outras há que continuo a visitar, como quem cumpre um ritual, mesmo que não me deslumbrem como faziam há quinze anos, são os casos da Buchholz, da Leitura ou da Martins em Leiria.

Gosto de em Lisboa viajar para a Berlim dos anos 70 cada vez que visito a Fábrica de Braço de Prata; gosto de encontrar na Book for Cooks em Londres o cheiro a bolos ingleses e especiarias antecipando o cheiro a livros; e em Veneza, numa discreta rua no Dorsoduro, gosto de me esconder na fabulosa Toletta Studio onde posso comprar bons livros a peso.

Neste universo de livros os alfarrabistas ocupam um espaço particular. Não são apenas lojas que vendem livros, são lares onde, por tempo indeterminado, livros cansados repousam em ambiente familiar – na companhia de velhas fotografias ou até mesmo de um preguiçoso gato – aguardando que um novo o leitor liberte o brilho que neles ainda repousa.

Há uns tempos dedicámos já um post ao mercado gráfico em Portugal. Quase em complemento a esse post ficam agora alguns destaques de livros à venda em Alfarrabistas portugueses. Acrescentaram-se algumas publicações estrangeiras raras e alguns livros disponíveis fora da esfera dos alfarrabistas (que podemos encontrar por exemplo na Amazon). Os preços indicados são preços aproximados (por vezes a diferença entre dois vendedores é significativa). Boas leituras!




Mundo Português – Imagens de uma exposição histórica (1956)

Coordenação: Francisco D’Avillez, Design: Manuel Lapa, Fotografia de Mário Novais, Amadeu Ferrari, Horácio Novais entre outros; SNI – Secretariado Nacional de Informação, Lisboa, 1956, 242 pp.; Preço: 800 Euros.





Arte de Furtar (1969)

Ilustrações de João Abel Manta; Lisboa, Estúdio Cor, 1969, 245 pp.; Preço: 60 Euros.





Gorod Stikhi (1920)

de Alexander Roubakine; desenhos de Natalia Gontcharova, Paris, Edição de Autor, 1920, 55 pp.; Preço: 5. 000 Euros.





Diagrams: A visual survey of graphs, maps, charts and diagrams for the graphic designer (1969)

de Arthur Lockwood, Watson-Guptill, 1969, 144 pp.; Preço: 10 Euros.





Arquivo Gráfico da Vida Portuguesa 1903-1918

Direcção de Joshua Benoliel, 5 números, Bertrand-Irmãos Lda; Preço: 200 Euros.





Design para a Cidade (1991)

Direcção Sena da Silva; Textos de Martins Barata e Sena da Silva; Centro Potuguês de Design, Lisboa, 1991, 43 pp.; Preço: 100 Euros.





Graphics Handbook (1966)

de Ken Garland, Studio Vista, Reinhold, 1966, 96 pp.; Preço: 18 Euros.





Portugal Romântico (1955)

de Frederic Marjay; fotografias de Alvão, Horácio Novais, Otto Auer entre outros; Edição de Autor, Lisboa, 1955, 68 pp.; Preço: 300 Euros.





Utopia (1921)

de Bruno Adler; Bauhaus, Weimar, Utopia Verlag, 1921, 86 pp; Preço: 5000 Euros.





As 4 estações (1949)

Coordenação de Maria Lamas; Ilustrações de Lima de Fretas, Estrela Faria, Fernando Carlos, Estrela Faria; 4 Números, Actualis, Lisboa, 1949, 144/160 pp.; Preço: 60 Euros.





Word + Image: Swiss Poster design 1955 – 1997 (1998)

de Franc Nunoo-Quarcoo, University of Maryland, Baltimore Country, 1998, 93 pp.; Preço: 200 Euros.





Panorama (I Série)

Revista Portuguesa de Arte e Turismo; Direcção de Bernardo Marques, colaborações de Maria Keil do Amaral, Ofélia Marques, Paulo Ferreira, Joshua Benoliel, Tom entre outros; I Série; Preço: 15 Euros.





Some People Can’t Surf, The Graphic Design of Art Chantry (2001)

de Julie Lasky, Chronicle Books, 2001, 144 pp.; Preço: 20 Euros.





Raul Lino (1970)

Catálogo da Exposição retrospectiva, Fundação Calouste Gulbenkian, 1970, 236 pp.; Preço: 80 Euros.






Dada (1920)

Recueil littéraire et artistique, Director Tristan Yzara, n. 7 Dadaphone,design da capa de Picabia; Paris, Au Sans Pareil, Março 1920, 8 pp.; Preço: 3.500 Euros.





History of the Poster (reedição 2004)

de Josef Muller-Brockmann e Shizuko Muller-Brockmann; Phaidon Press, 2004, 244 pp.; Preço: 15 Euros.

Wednesday, August 13, 2008




SOMETIMES I WONDER
por John Getz


Nascido no Bronx em 1920, Saul Bass foi um dos maiores designers gráficos norte-americanos da segunda metade do Século XX – Paul Rand está acima de todos – e talvez o mais virtuoso criador de motion graphics antes do termo se vulgarizar no contexto pós-analógico. Um amigo meu costuma dizer que tudo o que foi tocado por uma grande criador é digno de interesse. No caso de Saul Bass a sua obra gráfica, cinematográfica, algumas composições musicais e até mesmo a sua casa, projectada por Buff, Straub e Hensaman em 1958, tornaram-se verdadeiros case study.

Tive oportunidade, há poucos dias, de ver Anatomy of Saul Bass, uma animação (de título pouco imaginativo) criada por Paul Scalzo que faz uma interessante montagem de todas as sequências de abertura que Bass fez para o cinema. Algumas delas são melhores do que os filmes, as restantes tão boas como os filmes (e sim, lembro-me de como são bons Vertigo ou The Age of Innocence). Também é sabido que a colaboração de Bass em alguns filmes foi além da criação dos genéricos. Uma das mais célebres sequências da história do cinema (a do assassinato no duche, no Psico de Hitchcock) foi concebida por Bass que fez um detalhado storyboard que Hitchcock respeitou quase na íntegra (ter-lhe-á introduzido dois planos – o da faca a espetar-se no corpo e o do sangue a rodar no ralo).




Entre os filmes realizados por Saul Bass, para mim o mais extraordinário é um filme de ficção científica, realizado em 1974, intitulado Phase IV. Partindo de um argumento “clássico” do cinema Sci-fi de Série B, Bass transforma-o num exercício formal e narrativo belíssimo. Phase IV é um dos grandes filmes de Ficção Científica do anos 70 mas também um fabuloso e alegórico ensaio sobre os limites da linguagem, sobre as formas de comunicação, sobre a própria essência do design gráfico. Vejam a extraordinária sequência da comunicação entre homens e formigas recorrendo a uma linguagem gráfica geométrica como forma de estabelecimento de uma linguagem comum e digam-me se não tenho razão?

Trad. José M. Bártolo

Thursday, August 07, 2008




O design gráfico não é uma declaração inspirada pelas musas de um indivíduo em diálogo com outros artistas, críticos, museus e curadores. O design gráfico é a colaboração entre um designer e um cliente para criar uma peça de publicidade ou material promocional. O que um designer gráfico cria é um pedaço de propaganda promocional, uma peça de arte popular para consumo de uma cultura tecnológica commercial, uma declaração functional para promover um produto, um candidato ou um evento. Uma vez terminada esta função – o produto descontinuado, o candidato esquecido e o evento terminado – então para que serve? Não é arte, é um anúncio antigo. Eu digo que é um artefacto cultural. Os designers gráficos não produzem arte, produzem artefactos.

ART CHANTRY (2006), In Alice Twemlow (ed.), What Is Graphic Design For?.

Sunday, August 03, 2008





O MEU ANO: 1959 POR PEDRO CABRAL DIAS*


Nasci em 1959 o mesmo ano de À bout de Souffle de Godard e como ele já levado pelos ventos de uma nova vaga que se faziam sentir desde meados na década de 1950.

Em Portugal consumada a execução do I Plano de Fomento (1953-1958) começava-se a sentir uma lenta abertura ao exterior com a adesão, nesse ano de 59, do país à Associação Europeia de Comércio Livre/EFTA. A relativa abertura económica era acompanhada de uma muito ténue abertura cultural. O Fundo de Fomento de Exportação permitiu a vários designers do SNI apresentarem o seu trabalho nas exposições internacionais de Bruxelas, Hamburgo, Munique e Estocolmo (1958/59), como foram os casos de Manuel Lapa, Tom, Manuel Rodrigues, Sebastião Rodrigues, Roberto Araújo ou Fred Kradolfer.

Também a realização da Feira das Indústrias Portuguesas e da Exposição Evocativa das Obras da Rainha D. Leonor, mesmo parecendo exposições de um outro século se comparadas com o À bout de souffle, possibilitaram, nesse ano de 59, a excelentes designers como Manuel Rodrigues ou Eduardo Anahory actualizarem uma nova linguagem gráfica e “decorativa” aplicada na produção dos materiais gráficos e dos stands.

A obra mais emblemática desse ano de 59 foi provavelmente a conclusão do luxuoso Bloco das Águas Livres nas Amoreiras no qual estiveram envolvidos Nuno Teotónio Pereira e Bartolomeu Costa Cabral que, com os seus colaboradores, desenvolveram não apenas o projecto de Arquitectura e Interiores mas também equipamentos, lettering e sinalética.

Sim, nascer em 1959 recorda-me que já não caminho para novo através dos mais diversos detalhes. Dizer que nascemos no mesmo ano em que o Microship foi inventado é meio caminho andado para nos transformarmos em curiosidade histórica. Creio que seja qual for o ano em que se nasceu sempre é possível juntar uma lista de curiosidades, o pormenor aqui é tratarem-se de curiosidades tiradas do baú da história. Exemplos? Neste ano apareceu pela primeira vez a boneca Barbie; Charles de Gaulle tornou-se Presidente de França e Fidel Castro Primeiro Ministro de Cuba; Frank Lloyd Wright projecta o Museu Guggenheim; o meu tio Ernesto parte para Paris causando grande tristeza pelo menos numa parte da família.

Giselle, cartaz de Armin Hofmann.

Nasci em 1959 o mesmo ano de Bruce Mau e Bruce Mau não podia nascer num ano mau para o Design, por outro lado neste mesmo ano morreu Frank Lloyd Wright e creio que Lloyd Wright não podia morrer num ano bom. Foi, pelo menos, um ano cheio: Dick Coyne cria a Communication Arts; Herb Lubalin publica o ensaio “What is New American Typography?”; Saul Bass desenha a sequência de abertura do filme de Preminger Anatomy of a Murder.




E claro, desse ano ficaram cartazes, dezenas de brilhantes cartazes, do Giselle do suiço Armin Hofman ao cartaz publicitário do medicamento Pyrexal da autoria de Herman Rastorfer.

Cartaz de Ryuchi Yamashiro/Kiyoshi Awazu (1959).

Cartaz de Giovanni Pintori para a Olivetti (1959).

Cartaz de Hans Thoni para os Caminhos de Ferro suiços (1959).

Cartaz de propaganda médica de H. Rastorfer (1959).

1959 foi um ano importante. Para mim, para o Bruce Mau, para o Tio Eduardo mas não só. E para os que dizem que o melhor de 1959 foi ter dado lugar aos anos 60, eu respondo sempre: sem dúvida, mas com alicerces de 50!

* Os "convidados" de O Meu Ano são personagens de ficção. Texto da autoria de José M. Bártolo.

PERFIL

REACTOR é um blogue sobre cultura do design de José Bártolo (CV). Facebook. e-mail: reactor.blog@gmail.com