Thursday, February 04, 2010

O DESIGNER COMO INTELECTUAL



Tive esta semana oportunidade de ler um livro que aguardava, há algum tempo, ser lido: Che cos’è un intellectuale? de Tomás Maldonado. Sublinhe-se que Tomás Maldonado (argentino de formação alemã e experiência italiana) é para mim, desde os tempos de Meio Ambiente e Ideologia, um dos pensadores mais lúcidos e acutilantes que conheço.

Todo o livro é particularmente notável, mas retive, sobretudo, um subtíl distinção proposta por Maldonado para nos ajudar a pensar a velha questão da relação entre a teoria e a prática do design. Maldonado distingue o pensiero operante do pensiero discorrente; com isto sublinha (já o havia feito, diga-se, muito antes da onda dos design thinking) a dimensão crítica (epistemológica) do design. Fazer design – seja teoria, seja prática – é, antes de mais, pensar. O designer desenvolve um “pensamento operante”, no domínio da produção social e comunicativa; o teórico um “pensamento discorrente”, no domínio do discurso social e da prática do “político”.

Tomás Maldonado sugere que quer o designer quer o teórico do design devem ser vistos como “intelectuais”, ainda que de tipo diferente mas, sublinha, em ambos os casos estamos perante alguém que deve assumir a sua condição de “intelectual”, capaz de criticar, confrontar e transformar a realidade social que o envolve.

Numa conferência apresentada na Jan van Eyck Academy em 1997, intitulada “Design – the blind spor of theory or Theory – the blind spot of design”, Gui Bonsiepe evoca o texto de Maldonado e apresenta, precisamente, esta reflexão sobre o papel intelectual do design.

A palavra “intelectual” parece ter sido atirada para o baú da história, sendo progressivamente desvalorizada, banalizada e caricaturada. O “intelectual de esquerda” tornou-se, entre nós, uma caricatura datada e pouco considerada. Em tempos de crise, justifica-se recuperar o seu sentido forte e através dele sublinhar a responsabilidade do designer, que decorre da forma como se lhe exige que pense e actue em sociedade.

5 comments:

Anonymous said...

por estas e por outras é que cada vez gosto mais de Foucault, que sempre recusou o epítoto de intelectual.

luisinha

REACTOR said...

Em Foucault o que está em causa não é aceitar ou recusar o epíteto de "intelectual" mas, em coerência com o seu pensamento, tornar claro que o "o discurso e o saber do intelectual" são produto de um sistema de poder.

Em vez da defesa da acção individual do intelectual defende-se a sua "adesão à luta operária".

A este propósito vale a pena ler ou reler o diálogo entre Deleuze e Foucault "Os Intelectuais e o Poder". É aliás uma boa leitura propedêutica para o livro de Maldonado.

Anonymous said...

Foucault não se entende como intelectual, recusa o epíteto enquanto representante. não é superior, é sensível. apela sobretudo à distinção, aos factos que não correspondem a nenhuma forma de intelectualismo, consciência de, verdade socializante ou outra. resumindo, não necessitamos dos designers, ou se quiser, dos intelectuais, e da sua consciência manifesto para pensar criticamente, para poder.
a sua operacionalidade tem, aliás, sido sentida como sistema de poder, na redução da autonomia dos indivíduos.
mas a entrevista, foucault e deleuze, é, como bem disse, esclarecedora.

luisinha

Anonymous said...

ainda mais esclarecedor é o posicionamento de foucault em relação à figura do intelectual sacramentada por sartre.

luisinha

Daniel Paradinha said...

O foucault recusou o epítoto de intelectual? Talvez tivesse uma noção diferente da palavra e o contexto em que vivia.

Eu acho piada é quando se insiste com os alunos, por parte de uns poucos professores de design, refiro-me aos mais “elitistas” que até aconselham à leitura e compreensão de Foucault, para que estes sejam mais conscientes, sensiveis e consequentemente críticos, mas são poucos os que levam a coisa em diante, porque, aparentemente, e para agradar ao seu “guru”, levam a sério durante o curso mas depois deitam fora todo aquela vontade e coragem de serem designers intelectuais de esquerda e passam a publicitários a favor dos valores do consumismo.. ehehe tem a sua piada, porque afinal “não andamos a brincar, andamos a trabalhar.”

Ora, quando a luisinha diz que não precisamos dos intelectuais para atingir um estado consciente, respondo que, com toda a certeza, precisamos dos designers e dos intelectuais pelo menos para nos dar um “empurrão”, para nos acordar, não para que o intelectual tire proveito do seu estado de consciência superior (embora isso aconteça), pois não acredito que uma só pessoa, “superior” ou “inferior”, consiga despertar sozinha para tudo, aí se justificam as especificidades e especificações das áreas de estudo. Precisamos uns dos outros, precisamos de nos tocar, partilhar informação útil e transparente.

De facto, como diz a luisinha, sem sensibilidade a crítica perde todo o sentido, por isso é que os governos perdem o controlo e cometem erro atrás de erros, casmurros e orgulhosos. Como alguém dizia, só é possível um governo servir bem o povo se este o conhecer e vice-versa, logo, é tarefa impossível, pois não temos qualquer conhecimento mais intimo, digamos, mais profundo de amizade ou profissional com os políticos, isto porque simplesmente não convivemos com os membros de um partido, e depois vamos orgulhosamente dar um VOTO de confiança num partio, porque temos o poder de o fazer com perfeita noção (isto é para rir). Fazer as coisas sem saber que as fazemos como os outros querem que as façamos.

Houvessem mais designers interventivos e menos acomodados..

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REACTOR é um blogue sobre cultura do design de José Bártolo (CV). Facebook. e-mail: reactor.blog@gmail.com