1. O Design Pós-11 de Setembro
A cultura do design da primeira década do Século XXI caracterizou-se pela substituição do modelo do design como estética da produção pelo modelo do design como prática de mediação, actualizando através dos recursos contemporâneos, estratégias e valores que haviam marcado o campo artístico e o seu envolvimento cultural nos anos 1970: participação, comunidade, performance, mobilização, envolvimento sócio-político.
A tendência para uma crescente politização e responsabilização social do design, sentida desde o final dos anos 1990, sobretudo após a publicação do manifesto First Things First 2000, conheceu uma reorientação após o abalo global gerado pelo 11 de Setembro. A ideia de design crítico, que até então era frequentemente associada a estratégias de subversão e guerrilha, típicas de colectivos como os Adbusters, próximas de movimentos activistas ambientalistas ou anti-globalização, deu lugar a um paradigma mais integrado e solidário de design, que entretanto havia substituído o No Logo de Naomi Klein pelo Relational Aesthetics de Bourriaud como cartilha orientadora.
Uma das reflexões que marcam essa mudança, foi publicada por Stefan Sagmeister, na Typotheque, pouco tempo depois do ataque às Torres Gémeas com o título How Good Is Good?.
Sagmeister considerava que “Em Setembro o design sentiu-se impotente e frívolo. Não há nada inerente à nossa profissão que nos obrigue a defender boas causas, a promover boas acções, a evitar a poluição visual. Haverá eventualmente tal responsabilidade em algumas pessoas. Em Agosto, quando reflectia sobre o sentido da minha vida, as razões que justificavam levantar-me todas as manhãs, eu teria apontado as seguintes:
1. Strive for happiness
2. Don’t hurt anybody
3. Help, other achieve the same
Agora altero essas prioridades:
1. Help Others
2. Don’t hurt anybody
3. Strive for happiness
Esta alteração de
prioridades e as decorrentes alterações de estratégia, procedimentos e
resultados do trabalho em design foram evidentes ao longo da década que agora
termina, a década da altermodernidade,
diria Bourriaud e subscreveriam muitos designers cujo trabalho marcou os
últimos anos – Dexter Sinister, Abake, Superflex, Project Projects, Daniel
Eatock, Will Holder para citar alguns, ligados ao campo do design gráfico, de
uma extensa lista.
Com este novo
paradigma alterou-se o modus e o locus do design. O novo modus impôs conceitos como: relacional,
colaborativo, generativo, pós-digital; o novo locus orientou o design para novos espaços: as redes socais e as
galerias. Ao hibridismo de inovação tecnológica dos anos 1990 sucedeu o
hibridismo de inovação social dos anos 2000, impondo uma nomenclatura que
remete para a ideia de mediação, negociação ou fusão: prosumidor, catalisador,
superprodutor.
Peer to Peer torna-se – na década das homepages, blogues e
comunidades online – uma maneira antiquada de descrever um fenómeno novo: o
facto de todas as pessoas serem o potencial par de todas as outras, de estarem
ligadas intersubjectivamente em vez de estarem ligadas hierarquicamente através
das redes de mediação institucionalizadas tradicionais, como Max Bruinsma
afirmava neste contexto “o design já não pode ser visto como algo de
‘objectivo’, deve ser entendido como o ‘sedimento das interpretações’”.
2. Obama enquanto design
Também o design
conheceu o seu efeito Obama. Em cima da eleição de Barack Obama para
presidente, o primeiro afro-americano da história, dos Estados Unidos da
América, Umair Haque, Director do Havas Media Lab da Harvard Business School, o
principal guru do chamado Marketing 2.0, publicou um artigo intitulado “As Sete
Lições de Obama para os Inovadores Radicais”.
Obama surgia como
modelo da ideia, largamente teorizada por Haque, da inovação radical baseada em
princípios de participação, co-design e espírito comunitário. Se de Obama
designers e maketeers recolheram ensinamentos, também Barak Obama lhe pode
estar grato pelo modo como Sheppard Fairey e outros designers contribuíram para
a criação de uma identidade icónica de Obama; no final a eleição e a celebração
da eleição tinha menos a ver com o homem
eleito e mais a ver com aquilo que ela, real ou virtualmente, representa
e, por isso, no fim percebia-se que afinal Obama fora sempre, também, um
projecto de design. Um projecto de design que podia ser caracterizado com
muitas das palavras-chave da década: DIY
(Design It Yourself); Mobs
(Mobilizador de Massas); relacional, social e político.
3. Tendências para a próxima década
No design, como
em muitas outras áreas, os tempos estão de feição para que em relação a
qualquer previsão de tendências uma certeza se possa, previamente, ter: tudo o
que se preveja realizar-se-á mas não exactamente do modo previsto.
Os próximos anos
irão seguramente comprovar a crescente importância, no campo do design, do
museu e da figura do curador. Curadores
como Paola Antonelli, Steven Heller ou Andrew Blauvelt assumem actualmente um
crescente protagonismo na definição de tendências projectuais. Algumas instituições
de ensino já se aperceberam disso, a Kingston University oferece, desde 2002,
uma MA em Curating Contemporary Design, outras se lhe seguirão.
São igualmente
previsíveis uma série de contra-tendências relativamente ao que dominou, pelo
menos em parte, esta primeira década do Século: a crise dos blogues e o
regresso do papel, da self-production
e do universo zine; o ressurgimento de formas de mediação institucional e o
regresso de uma conflitualidade que resulta, por um lado do que esgotamento de
utopias que dominam a última década (crescente comercialização e banalização
dos valores sociais, ecológicos etc.) e, por outro lado, da necessidade de um
novo design industrial, mais estrutural, capaz de suceder a uma realidade mais
difusa imposta pela explosão das indústrias criativas. Se se quiser, o regresso
à velha indústria, depois destes anos de gozo e choro sobre a nova realidade
pós-industrial.
Acredito, enfim,
que o design enfrentará, nos próximos anos, mais um starting from zero, que não sendo verdadeiramente um começo nem
sendo propriamente a partir do zero, contribuirá para a renovação do design. Se
nos primeiros anos da próxima década, é previsível que a identidade dos
projectos se faça por uma demarcação em relação à herança anterior (ouviremos
falar de pós-digital, pós-relacional, pós-crítico, pós-social, pós-local), será
apenas uma questão de tempo para que as práticas (e as teorias que as
apresentam) assumam identidade própria, ouviremos, então, falar em design
resiliente, universalidade popular; processos de design paralelo; sindicância,
beta perpétuo e noutras tantas noções que aguardam ainda o seu dia de invenção.
Nota: Artigo inicialmente publicado na revista Artes&Leilões, nº25, Março/Abril de 2010.
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