Wednesday, February 22, 2012

O DESIGN NO VIRAR DA DÉCADA



1. O Design Pós-11 de Setembro

 A cultura do design da primeira década do Século XXI caracterizou-se pela substituição do modelo do design como estética da produção pelo modelo do design como prática de mediação, actualizando através dos recursos contemporâneos, estratégias e valores que haviam marcado o campo artístico e o seu envolvimento cultural nos anos 1970: participação, comunidade, performance, mobilização, envolvimento sócio-político.

 A tendência para uma crescente politização e responsabilização social do design, sentida desde o final dos anos 1990, sobretudo após a publicação do manifesto First Things First 2000, conheceu uma reorientação após o abalo global gerado pelo 11 de Setembro. A ideia de design crítico, que até então era frequentemente associada a estratégias de subversão e guerrilha, típicas de colectivos como os Adbusters, próximas de movimentos activistas ambientalistas ou anti-globalização, deu lugar a um paradigma mais integrado e solidário de design, que entretanto havia substituído o No Logo de Naomi Klein pelo Relational Aesthetics de Bourriaud como cartilha orientadora.

Uma das reflexões que marcam essa mudança, foi publicada por Stefan Sagmeister, na Typotheque, pouco tempo depois do ataque às Torres Gémeas com o título How Good Is Good?.

Sagmeister considerava que “Em Setembro o design sentiu-se impotente e frívolo. Não há nada inerente à nossa profissão que nos obrigue a defender boas causas, a promover boas acções, a evitar a poluição visual. Haverá eventualmente tal responsabilidade em algumas pessoas. Em Agosto, quando reflectia sobre o sentido da minha vida, as razões que justificavam levantar-me todas as manhãs, eu teria apontado as seguintes: 

1. Strive for happiness
2. Don’t hurt anybody
3. Help, other achieve the same

Agora altero essas prioridades:

1. Help Others
2. Don’t hurt anybody
3. Strive for happiness


Esta alteração de prioridades e as decorrentes alterações de estratégia, procedimentos e resultados do trabalho em design foram evidentes ao longo da década que agora termina, a década da altermodernidade, diria Bourriaud e subscreveriam muitos designers cujo trabalho marcou os últimos anos – Dexter Sinister, Abake, Superflex, Project Projects, Daniel Eatock, Will Holder para citar alguns, ligados ao campo do design gráfico, de uma extensa lista.

Com este novo paradigma alterou-se o modus e o locus do design. O novo modus impôs conceitos como: relacional, colaborativo, generativo, pós-digital; o novo locus orientou o design para novos espaços: as redes socais e as galerias. Ao hibridismo de inovação tecnológica dos anos 1990 sucedeu o hibridismo de inovação social dos anos 2000, impondo uma nomenclatura que remete para a ideia de mediação, negociação ou fusão: prosumidor, catalisador, superprodutor.

Peer to Peer torna-se – na década das homepages, blogues e comunidades online – uma maneira antiquada de descrever um fenómeno novo: o facto de todas as pessoas serem o potencial par de todas as outras, de estarem ligadas intersubjectivamente em vez de estarem ligadas hierarquicamente através das redes de mediação institucionalizadas tradicionais, como Max Bruinsma afirmava neste contexto “o design já não pode ser visto como algo de ‘objectivo’, deve ser entendido como o ‘sedimento das interpretações’”.


2. Obama enquanto design


Também o design conheceu o seu efeito Obama. Em cima da eleição de Barack Obama para presidente, o primeiro afro-americano da história, dos Estados Unidos da América, Umair Haque, Director do Havas Media Lab da Harvard Business School, o principal guru do chamado Marketing 2.0, publicou um artigo intitulado “As Sete Lições de Obama para os Inovadores Radicais”.

Obama surgia como modelo da ideia, largamente teorizada por Haque, da inovação radical baseada em princípios de participação, co-design e espírito comunitário. Se de Obama designers e maketeers recolheram ensinamentos, também Barak Obama lhe pode estar grato pelo modo como Sheppard Fairey e outros designers contribuíram para a criação de uma identidade icónica de Obama; no final a eleição e a celebração da eleição tinha menos a ver com o homem  eleito e mais a ver com aquilo que ela, real ou virtualmente, representa e, por isso, no fim percebia-se que afinal Obama fora sempre, também, um projecto de design. Um projecto de design que podia ser caracterizado com muitas das palavras-chave da década: DIY (Design It Yourself); Mobs (Mobilizador de Massas); relacional, social e político.

3. Tendências para a próxima década

No design, como em muitas outras áreas, os tempos estão de feição para que em relação a qualquer previsão de tendências uma certeza se possa, previamente, ter: tudo o que se preveja realizar-se-á mas não exactamente do modo previsto.

Os próximos anos irão seguramente comprovar a crescente importância, no campo do design, do museu e da figura do curador.  Curadores como Paola Antonelli, Steven Heller ou Andrew Blauvelt assumem actualmente um crescente protagonismo na definição de tendências projectuais. Algumas instituições de ensino já se aperceberam disso, a Kingston University oferece, desde 2002, uma MA em Curating Contemporary Design, outras se lhe seguirão.

A colaboração entre instituições de ensino e museus e galerias talvez seja capaz de gerar, nos próximos anos, uma nova identidade do trabalho em design e contribuirá para a renovação do próprio ensino projectual. Neste sentido, uma das curiosidades em relação aos próximos anos passa por perceber de que forma, em Portugal, as grandes instituições culturais (Fundação de Serralves, Fundação Calouste Gulbenkian, Culturgest, Museu Berardo, Museu do Chiado, Museu do Neo-Realismo entre outras) vão reforçar a sua aposta (timidamente iniciada na última década pela Culturgest através dos esforços de Miguel Wandschneider) no design, de que forma o MUDE – Museu do Design e da Moda terá capacidade para impor uma estratégia curatorial forte, de que forma a Experimentadesign terá criatividade para renovar o seu papel catalisador da cultura do design portuguesa, de que forma, enfim, estas instituições poderão criar novos conteúdos, públicos e visões para o design.

São igualmente previsíveis uma série de contra-tendências relativamente ao que dominou, pelo menos em parte, esta primeira década do Século: a crise dos blogues e o regresso do papel, da self-production e do universo zine; o ressurgimento de formas de mediação institucional e o regresso de uma conflitualidade que resulta, por um lado do que esgotamento de utopias que dominam a última década (crescente comercialização e banalização dos valores sociais, ecológicos etc.) e, por outro lado, da necessidade de um novo design industrial, mais estrutural, capaz de suceder a uma realidade mais difusa imposta pela explosão das indústrias criativas. Se se quiser, o regresso à velha indústria, depois destes anos de gozo e choro sobre a nova realidade pós-industrial.

Acredito, enfim, que o design enfrentará, nos próximos anos, mais um starting from zero, que não sendo verdadeiramente um começo nem sendo propriamente a partir do zero, contribuirá para a renovação do design. Se nos primeiros anos da próxima década, é previsível que a identidade dos projectos se faça por uma demarcação em relação à herança anterior (ouviremos falar de pós-digital, pós-relacional, pós-crítico, pós-social, pós-local), será apenas uma questão de tempo para que as práticas (e as teorias que as apresentam) assumam identidade própria, ouviremos, então, falar em design resiliente, universalidade popular; processos de design paralelo; sindicância, beta perpétuo e noutras tantas noções que aguardam ainda o seu dia de invenção.

Nota: Artigo inicialmente publicado na revista Artes&Leilões, nº25, Março/Abril de 2010.

 

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REACTOR é um blogue sobre cultura do design de José Bártolo (CV). Facebook. e-mail: reactor.blog@gmail.com