Tuesday, January 20, 2009

mariomoura


“As interpretações ou juízos de um verdadeiro crítico são simultaneamente imparciais e subjectivos, exige-se-lhes objectividade e simultaneamente o valor de um testemunho pessoal.” José Régio, “Divagação à roda do primeiro salão dos independentes” Presença, 27, Junho-Julho, 1930.


São raríssimos os textos de crítica de design publicados em língua portuguesa. As razões de tal desinteresse nunca foram verdadeiramente debatidas, resolvendo-se o debate com uma resposta seguramente apressada de que a maioria dos designers não sabe escrever e que a maioria dos “teóricos” (entenda-se, pessoas formadas em história ou filosofia por exemplo) não se interessa por design. A verdade é que a figura do crítico, de design como de qualquer outra área, em Portugal sempre foi uma “personagem castigada” (e não digo que às vezes o não merecesse) fosse a sua função valorizada ou desvalorizada. De facto, o fracasso da crítica tanto se evoca para responsabilizar o crítico pela insipiência do meio artístico em Portugal (acusação, frequentemente formulada com má-fé, que cai bem se vier acompanhada com a citação da célebre frase de Óscar Wilde, “onde não há crítica de arte, não há arte.”), como para enfatizar a ideia de não ser o crítico efectivamente um intermediário entre os criadores e o público, seja por incompetência, seja por excesso de competência (utilizando uma linguagem inacessível).

Considero, como defendi já em vários textos, a existência da crítica fundamental. Edgar A. Poe dizia que “the critic occupies the same relation to the work of art that he criticises as the artist does to the visible world.”. Agindo em diferentes planos autorais de criação, que lhes definem diferentes responsabilidades e competências, designer e crítico de design deverão ser protagonistas de um processo de construção de uma autêntica cultura de design.

Mário Moura faz parte desse grupos de personagens raros – raríssimos - e no entanto determinantes que são os críticos de design portugueses. O seu protagonismo dentro da crítica de design contemporânea é, como se sabe decisivo, parecendo-me que (identifiquemos mais ou menos com o universo teórico construído) há actualmente em Portugal uma ideia de crítica – e inclusivamente um estilo de crítica – e um objecto – ou em bom rigor um conjunto de objectos ligados à relação do design com alguns temas políticos e culturais, à prática profissional do design, à educação e à reflexão sobre as politicas de financiamento público – que em grande medida foi sendo definido por Mário Moura, sobretudo desde a criação do blogue The Ressabiator.

Cinco anos volvidos desde a publicação do primeiro texto no The Ressabiator, parece-me também que embora os textos mais recentes sejam em alguns casos mais polémicos ou fracturantes, a reacção que eles suscitam evoluiu da acusação mal-formulada e da reacção ressabiada aproximando-se hoje de uma autêntica (e por vezes bem participada) discussão, reveladora de um consenso mais generalizado acerca das ideias de Mário Moura, consenso resultante de um contraditório semanal sistemática e coerentemente proporcionado pelos textos publicados por Mário Moura ao longo destes anos.

O recente livro (um objecto sedutor que convida à leitura desenhado pelo Pedro Nora e pela Isabel Carvalho) de Mário Moura, Design em Tempos de Crise, é uma antologia de textos, reunidos como testemunhos reflexivos de uma mesma hipótese teórica, a de que “O design, sem se dar conta, serve a ideologia neo-liberal”. O que poderia parecer “uma acusação contraditória, até injusta, porque nunca tantos designers se preocuparam tanto com a politica como nos últimos tempos. Nunca houve tantos projectos que se propusessem resolver, através do design, os problemas sociais e humanitários do mundo – ao ponto de haver quem pergunte (com muito pouca ironia) se os designers não alinharão, naturalmente, à esquerda. No entanto de boas intenções está o inferno cheio, e é precisamente quando o design quer ser mais activamente politico que acaba por servir mais eficazmente a agenda neo-liberal.”

Os textos estão reunidos por quatro temas e organizados cronologicamente:

O discurso politico do design reúne nove textos onde as questões da acção politica do design, da ética e do confronto entre valores do design e valores da cultura neo-liberal são recorrentes. A visão do design que daqui resulta é a de “uma disciplina normativa e, essencialmente, criadora de conformidade. Seria possível afirmar que resolve problemas sem realmente os problematizar. Na realidade, não os resolve mas dissolve-os em soluções supostamente universais”, tornando-se assim um processo light de criação de consensos em vez de um processo critico de questionação de problemas.

Design Depois da Revolução, reúne apenas dois textos ambos de reflexão sobre a vivência actual da revolução 25 Abril e a constatação de que “até a revolução pode ser reduzida a merchandising”.

O Design Enquanto Emprego (talvez o capítulo menos entusiasmante do livro) reflecte sobre a profissionalização do designer e muito do que ela envolve, dos estágios à sensação de desadequação do designer-Bartleby.

Finalmente, Um Emprego Nas Artes, explora as ambiguidades que o trabalho do artista e do designer, seja ele pretensamente alinhado ou desalinhado, envolve num contexto onde “alinhamento” se parece dar independentemente da sua vontade, concluindo Mário Moura que “Ao nível social, o modelo do artista auto-sustentado, auto-subsidiado, que tem um emprego para ganhar dinheiro, mas cuja verdadeira carreira consiste em investir fora de horas esses ganhos na sua própria arte, esbate as distinções entre tempo livre e trabalho, amadorismo e profissionalismo, produção e consumo, sendo o exemplo acabado de subjectividade neo-liberal.”. É no interior desta ambiguidade neo-liberal, contaminado por ela, que a acção do designer é reflectida neste livro de Mário Moura. E contudo este Design em tempos de crise não é um livro negro e pessimista, fazendo um retrato, entre o ácido e o irónico, do design nestes tempos, não nos empurra nunca para um beco, fazendo da capacidade de problematizar um meio de discussão de soluções. Porque se os problemas são identificados – recorrentemente – não deixa de haver espaço para soluções: “Como evitar isto tudo? O antídoto tradicional para os consensos forçados costuma ser a consciência crítica...”

2 comments:

Gonçalo Pena said...

Gostaria muito de ter o livro. Sabes como o posso obter em Lisboa?
Abraço
gonçalo Pena
vê tb. o www.infinitoaoespelho.blogspot.com

REACTOR said...

Penso que o melhor é encomendar junto da editora http://www.bfeditora.net/

abraço

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REACTOR é um blogue sobre cultura do design de José Bártolo (CV). Facebook. e-mail: reactor.blog@gmail.com