Wednesday, January 28, 2009

DEMASIADOS LIVROS?


O facto de ser, em absoluto, um bloguer amador sempre me deu tranquilidade para escrever em função da necessidade e da disponibilidade. Embora me sinta um bloguer rápido – muitos textos são escritos directamente na página do Blogger e editados à primeira versão – não consigo evitar que, em alguns períodos, me torne um bloguer lento, perante a inexistência de tempo para a escrita bloguistica. São várias as ocupações que me tomam esse tempo e entre elas, razão de ser deste texto, uma que tende a prevalecer sobre a escrita: a leitura. Há muito que me impus a disciplina de ser mais leitor do que escritor, daí que quando o tempo escasseia a escrita se ressinta inevitavelmente mais do que a leitura.

Li ontem o livro de Gabriel Zaid, recentemente publicado na Temas e Debates numa tradução de Miguel Graça Moura e com uma paginação e capa desagradáveis, Livros De Mais: Ler e Publicar na era da abundância, que se inicia com uma interessante chamada de atenção ao leitor impenitente: “A leitura de livros cresce aritmeticamente; a escrita de livros cresce exponencialmente. Se a nossa paixão pela escrita não for controlada, num futuro próximo haverá mais gente a escrever livros do que a lê-los. “ sendo esta disseminação do objecto escrito intensificada no actual contexto do que Zaid chama de “reprodução e distribuição sem armazenagem” da edição web e do printing on demand.

A minha leitura do livro de Gabiel Zaid coincidiu com a escrita de um ensaio sobre as transformações modernas da escrita e da leitura, a partir do Século XVII período em que o quadro epistémico da escrita e da leitura se altera profundamente: Desenvolvimento da imprensa, do mercado editorial, das oficinas tipográficas, do desenho das fontes tipográficas - graças à influência de Claude Garamond ou dos Setecentistas Caslon, Baskerville ou Didot – dos media associados ao processo de escrita e de leitura, do valor de mercado do objecto impresso e da sua “invenção” como objecto de comunicação pública massificada – que coincide com o surgimento de uma nova disciplina: o Design -, transformação dos hábitos de leitura – que, com a Modernidade, se torna silenciosa, privada, critica -, criação das grandes bibliotecas públicas e multiplicação das Bibliotecas privadas e do impulso bibliófilo – que o burguês desenvolve, por vezes, ostensivamente -, proliferação de novos objectos impressos – jornais, cartazes, anúncios, catálogos, panorâmas, meios de propaganda -, desenvolvimento de sistemas de sinalética e novas linguagens cartográficas – que acompanham o crescimento das cidades -, aparecimento de objectos impressos de comunicação efémera e meios de merchandising, tudo isto ocorre em simultâneo com o desenvolvimento de uma nova maquinaria da representação, de novas práticas discursivas, do surgimento, enfim, de uma nova cultura visual – verbal e não verbal – de uma nova cultura política – um biopoder – de uma nova economia do saber, do fazer e do poder, que se impõe sobre o homem moderno.

É a evolução dessa economia do saber, hoje disseminada e intensificada, regulada por uma lógica neo-liberal, que tende a definir os procedimentos de leitura (ou recepção) e de escrita (ou produção). O elogio da produção, há muito, leva-nos a produzir mais do que somos capazes de consumir. Ora este princípio da produção insustentável generalizou-se. Encontramo-lo nas Universidades e Centros de Investigação – os académicos são verdadeiramente condicionados a escreverem muito e a lerem pouco – encontramo-lo nos gabinetes de design – estando os designers a tornarem-se emissores hiperactivos e, na correspondente medida, frágeis receptores.

Foi também na sequência da leitura do livro de Zaid que ontem decidi que o próximo texto para o Reactor seria um texto sobre leitura que, agora simplifico, tornando-o um texto sobre leituras, as leituras presentes.

Depois de lido, com o prazer que espero ter expressado no meu texto anterior, o livro do Mário Moura, Design em Tempos de Crise e pequenos ensaios sobre e entrevistas com o fantástico designer iraniano Reza Abedini numa das “Visions of Design” da IndexBook. Estou agora a reler – com um cuidado que não havia colocado na primeira leitura – o livro Ética I – Estrutura da Moralidade, de Sottomayor Cardia de quem fui aluno. As próximas leituras serão aliás releituras: da entrevista, de que gosto muito, de Godard com Serge Daney, publicada na edição da Cinemateca Godard 1985-1999; da entrevista de Bruce Mau com Steven Heller publicada no “velho” número 38 da Eye, número excelente no qual não resistirei, seguramente a reler os artigos de Jessica Helfand e o de Andrew Howard “Design beyond commodification”.

Para o fim da semana, se a leitura das muitas frequências dos meus alunos me deixarem ainda forças, vou ler o Poço e o Pêndulo de Edgar Allan Poe editado, na elegante colecção literatura portátil, da Alma Azul.

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REACTOR é um blogue sobre cultura do design de José Bártolo (CV). Facebook. e-mail: reactor.blog@gmail.com