Wednesday, June 24, 2009

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Desde 1929, ano da criação da Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, que o Ministério do Comercio e das Comunicações, vai desenvolvendo uma sistemática política propagandística que antecipa a acção, em todo o caso mais consertada, que a partir de 1932 será desenvolvida pelo Secretariado de Propaganda Nacional dirigido por António Ferro em articulação com o Ministério, doravante designado Ministério das Obras Públicas e Comunicações, tutelado pelo, anteriormente presidente da Câmara Municipal de Lisboa e ex-Ministro da Instrução Pública, Ministro Duarte Pacheco.

No escasso espaço de dois anos, entre a tomada do poder por Salazar em 1932 e a organização do I Congresso da União Nacional em 1934 é visível uma arregimentação dos “artistas gráficos” portugueses e uma continuada aposta na contratação de designers estrangeiros (alemães, suíços e franceses) que, no sector público como no privado (tome-se como exemplo o trabalho de Cassandre para a Sociedade de Vinho do Porto Borges) se tornara recorrente desde os anos 1920. O enquadramento institucional da produção gráfica era, agora, indissociável do Ministério de Duarte Pacheco, do SPN e do Conselho Superior de Belas Artes. Integrada na programação do I Congresso da União Nacional, é organizada uma grande exposição documentaria no Palácio de Exposições do Parque Eduardo VII. A equipa mobilizada por Ferro integra o arquitecto Paulino Montês, que havia projectado o pavilhão para o I salão de Outono de Elegância Feminina e Artes Decorativas promovido pela revista Vogue na Sociedade Nacional de Belas Artes. O cartaz da exposição foi desenhado por José Rocha e os restantes elementos gráficos e decorativos trabalhados por um conjunto de designers nos quais Ferro identificava sinais de modernização das artes gráficas portuguesas: o suíço Fred Kradolfer, chegado a Portugal em 1927, Carlos Botelho, Bernardo Marques, Paulo Ferreira e Almada.

As encomendas institucionais públicas, intensificadas desde o início dos anos 1930, encorajam a criação dos primeiros ateliers de design e publicidade casos do Atelier Arta de Artur Soares e Jorge Barradas, do Atelier Íbis de Bernardo e Ofélia Marques e Sarah Afonso, da agencia ETP de José Rocha, do Estúdio MR de Manuel Rodrigues, para além da publicidade desenhada por revistas periódicas (ABC, Civilização) e assinada em nome individual (Kradolfer, Emmerico, Tom etc.).

A “viragem gráfica” nacional sentia-se, pelo menos, desde 1930 data no célebre I Salão dos Independentes onde são introduzidas as secções “arquitectura e decoração” e “artes decorativas” e apresentados cartazes de Carlos Coelho, Fred Kradolfer e fotografias de Mários Novais, Edmundo Bettencourt e Branquinho da Fonseca evidenciando uma maior qualidade na exposição deste meio que conhecerá o seu próprio enquadramento politico com a criação do Grémio português de Fotografia (1931) como secção da Sociedade de Propaganda de Portugal.

Se é verdade que a partir da segunda metade da década de 1930 o modernismo de Ferro vai sendo contrariado pelas hostes mais conservadoras da União Nacional, que defendem o “aportuguesamento” dos projectos e o abandono de linguagens importadas, como o “horrível estílo de Courbusier” (como lhe chamava Júlio Dantas), ainda assim António Ferro consegue levar uma mostra do chamado estilo “português modernizado” às Quinzenas de Arte Popular de Londres (36) e Genebra (37) bem como, nesse mesmo ano, aos Jogos Olímpicos de Berlim e à Exposição de Paris de 1937.

As “embaixadas artísticas” portuguesas, constituídas essencialmente por arquitectos e “decoradores”, ou seja, designers, são fundamentais para a circulação de conhecimento e a introdução em Portugal de novas soluções formais, gráficas e tipográficas, exploradas por Cassandre (que colabora com a empresa Borges no final dos anos 1920) ou Jean Carlu, bem como o “colonialismo”, muito do agrado na União Nacional, de Adrian Allison que, por cá, Kradolfer reinterpretará.

Interessante é, também, notar como a estrutura de propaganda nacional se apresenta integradora e orientadora dos seus “operadores”. Isso ajuda a perceber a existência de um “núcleo duro” de criadores que encontramos a assinar a realização de um filme – desde 1927, ano em que se fixa a obrigatoriedade de em todos os espectáculos cinematográficos se exibir um filme português com um mínimo de 100 metros – e a assegurar a direcção artística de um livro encomendado pelo regime ou, um fotógrafo, responsável pela fotografia cinematográfica e pela fotografia de uma brochura turística.

Em Paris, os portugueses que, em representação oficial, se cruzam com Alvar Aalto, Iofan, Speer, Sert ou Picasso são o grupo criado em 1934 para a “Exposição Documentaria” (Kradolfer, Bernardo Marques, José Rocha, Carlos Botelho e Paulo Ferreira) aos quais se juntam Tom e Emmerico Nunes para alem de uma longa lista de colaboradores, sendo Jorge Segurado o delegado técnico da delegação portuguesa.

Em declarações ao Diário de Notícias (24/12/1936) António Ferro expressava a vontade de fabricar “um cartaz de Portugal bem visível nas margens do Sena”. Pretendia-se, pois, um cartaz, com a simbologia que o cartaz ganhara na produção gráfica dos anos 20, mas exigia-se que ele fosse símbolo de identidade, evidenciando um lugar – uma pátria e uma cultura – lugar mitificado pela propaganda de Ferro e Salazar: Portugal.

A presença portuguesa na Exposição de Paris saldar-se-ia por um inquestionável sucesso para o regime com o reconhecimento e valorização de muitos dos criadores envolvidos, passando, a partir dai, alguns nomes, como Paulo Ferreira a ter outra capacidade de circulação internacional. A título de exemplo, recorde-se que Paulo Ferreira, depois do reconhecimento em Paris, trabalha com Daragnès e com a tipografia Draeger, participa na Exposição do Livro Moderno de Nova York (1946), faz figurinos para o Grand Ballet de Mont Carlo e para a Companhia Russa de Basil e vê a sua obra publicada nas revista Graphis e Modern Publicity.

Entre os prémios conferidos a Portugal, divulgados em 1939, contam-se o “Grand Prix” atribuído a António Soares (pintura), a Canto da Maia (escultura), a Dalila Braga (artigos de fantasia) a a Bernardo Marques, Fred Kradolfer, Tom, Carlos Botelho, Emmerico, José Rocha e Paulo Ferreira (decoração).

Esta forte aposta estatal nas representações portuguesas prossegue com a participação nas Exposições de Nova York e Chicago em 1939, onde a recriação da, ideologicamente valorizada, “arte popular portuguesa” é largamente trabalhada e, novamente, valorizada internacionalmente, como o demonstra, o destaque dado pela publicação norte-americana Art and Industry (Outubro de 1939), num número dedicado aos pioneiros da publicidade ao trabalho de Bernardo Marques, Kradolfer, Tom, Emmerico, José Rocha e Maria Keil. Este grupo, independentemente do seu trabalho particular, constituía, no final dos anos 1930 a equipa do “studio S.P.N” cujo trabalho, independentemente do lobbyng politico sobre ele desenvolvido, atingiu, diversas vezes uma qualidade notável. E se é profundamente duvidoso que aqueles trabalhos sejam uma expressão fidedigna de um “estilo português” ou de uma sofisticação da nossa arte popular, já não restam dúvidas que eles evidenciam a autonomia da linguagem gráfica do “studio S.P.N” expressão formal máxima do contraditório projecto de António Ferro desenvolvido num período, ele próprio, contraditório da historia portuguesa.

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REACTOR é um blogue sobre cultura do design de José Bártolo (CV). Facebook. e-mail: reactor.blog@gmail.com