Sunday, December 06, 2009




CRÍTICA DE DESIGN E EQUÍVOCOS CULTURAIS

ANTÓNIO SENA DA SILVA



Meia-duzia de considerações - perversas ou ingénuas - que justifiquem os mais desoladores exercícios de incompetência e de falta de imaginação.

Em relação à "crítica de design", o assunto é mais delicado. Aparentemente, poderia haver um número considerável de referências concretas para avaliar aspectos qualitativos da maioria dos artefactos de uso comum. Factores ergonómicos, coerência do processo de concepção, adequação do artefacto projectado às condições previsíveis de produção e uso, relações custo/eficiência a diversos níveis e até a análise elementar de alguns aspectos menos objectivos inerentes à "presença" dos artefactos das cercanias de cada um (...).

Essa crítica de design, não só não está instituída, como se dilui e enrola num número incontável de preconceitos, eufemismos e terrores inconfessáveis, que impedem os eventuais críticos de emitir qualquer julgamento de valor claramnete assumido.

O design dos anos 80 é caracterizado por uma preocupação obcessiva de "inovação". À falta de melhor, há um mergulho nas águas turbulentas de alguns revivalismos (e revivalismos de revivalismos) e uma procura desesperada de afirmação através de várias espécies de anti-valores, em que emergem, por exemplo, o "bad-design" e ferozes exercícios "desconstrutivistas", reveladores de carências culturais preocupantes.

O drama começa nas escolas de arte e design, com tradições académicas menosprezadas e mestres pouco seguros das suas competências. O terror de não estar em sintonia com a última provocação produzida pelas vedetas do design milanês os parisiense acaba por dominar a Escola inteira.

Cada professor vive aterrorizado perante a ameaça permanente de ser julgado ignorante, reaccionário ou, pelo menos, mal informado. Ninguém se atreve a exigir a exploração disciplinada das referências académicas tradicionais. (...)

Neste contexto preocupante, resta-nos fazer apelo aos críticos e aos mestres, no sentido de vencerem o medo de ter opiniões sobre o belo e o horrível, procurando distinguir a exploração inteligente da mistificação.

O mestre ou o crítico pode ser admirado ou odiado, precursor, conservador ou até ferozmente reaccionário, mas não pode ter medo de fantasmas nem - comodistamente - deixar que o ignorem!

SENA DA SILVA, CRÍTICA DE DESIGN E EQUÍVOCOS CULTURAIS
In Cadernos de Design, Lisboa, CPD, ano III, 1994, nº9/10, pág. 93.

5 comments:

Anonymous said...

Relativamente à crítica de design seria interessante saber o que pensa o professor acerca da qualidade do trabalho da senhora Lidia Guedes (http://lidiaguedes-designer-cv.blogspot.com/), professora no Instituto Politécnico do Porto. Creio que é um bom ponto de partida para o debate: o ensino do design em Portugal.

REACTOR said...

A questão do ensino do design em Portugal é, seguramente, fundamental. No entanto, não creio que a questão possa ser analisada a partir da avaliação do desempenho deste ou daquele professor. Nos piores sistemas de ensino existem excelente professores e nos melhores sistemas de ensino existem fracos professores. A questão (que merecerá uma reflexão para breve aqui no reactor) é a da adequação do actual ensino do design em Portugal (mas não só).

Em relação à designer Lídia Guedes, fui seu orientador de Mestrado. Infelizmente não a conheço como professora mas apenas como dedicada e inteligente aluna, com preocupações (das quais também partilho) sobre o design português.

Lídia Guedes said...

Estava de passagem pelo seu blog que muito admiro e me tem ajudado na minha evolução enquanto docente e doutoranda em design e reparei nesta referência ao meu trabalho.

Em primeiro lugar queria agradecer ao Prof. José Bártolo o seu elogio relativamente à minha postura enquando sua orientanda no mestrado em design industrial.

Relativamente à qualidade do meu trabalho a que o(a) sr.(a) Anonymous se refere... não sei se será relativo à dissertação de Mestrado ou enquanto Docente... fiquei com algumas dúvidas, e como vejo as críticas como uma forma de evolução, desde que sejam construtivas, fiquei com curiosidade de saber a que se refere concretamente...

Liliana Soares said...
This comment has been removed by the author.
Liliana Soares said...

Gosto muito da escrita do Bártolo, por isso venho aqui sempre que posso. Desta vez, procurava o meu mestre Snea da Silva, porém encontrei algo que me preocupou: não sei quem é o anónimo, mas se é um designer ou futuro licenciado em design, porque é o primeiro a atirar pedras? Será que a nossa classe não compreende que a nossa força terá qualidade, só e apenas se o cruzamento da força das partes for de qualidade. A Lídia foi minha aluna, e nessa qualidade quero expressar que foi uma aluna muito trabalhadora, persistente e atenta.

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REACTOR é um blogue sobre cultura do design de José Bártolo (CV). Facebook. e-mail: reactor.blog@gmail.com