Monday, February 15, 2010





FALAR DO OFÍCIO


Os designers hoje não falam do ofício. Bem ou mal essa tarefa foi sendo delegada nos críticos, a quem no entanto não compete “falar por eles” mas “falar sobre eles”. Dos designers, dir-se-á, o trabalho fala por eles, mas seguramente nessa incapacidade ou desinteresse em falar do ofício algo se perde.

Aproveitei um domingo caseiro para voltar a ler Falando do Ofício, livro publicado por ocasião do cinquentenário da Sociedade Tipográfica, em 1986, que motivou a realização de um ciclo de conferencias – intitulado, precisamente, Falando do Ofício – e uma exposição – Ver as Artes Gráficas.

O livro faz o registo, quer das obras expostas, quer das intervenções ocorridas na conferência, possibilitando-nos uma ocasião rara de perceber a forma como uma geração de designers então na plena maturidade pensava a sua prática profissional: Tom (Thomaz de Mello); Fernando Azevedo; Victor Palla; Lima de Freitas; Octávio Clérigo e Sebastião Rodrigues.

Tom nascera no início do Século XX no Rio de Janeiro vindo para Portugal em meados dos anos 1920 integrado na Companhia de teatro Leopoldo Fróis. Na década de 30 frequenta o grupo dos Humoristas, cria com António Pedro a galeria UP e é presença regular nas equipas de “decoradores” do SNI dirigido por António Ferro. Neto de Thomaz de Mello Homem, proprietário em Lisboa da Agência Universal de Anúncios, colaborou largamente com jornais da época, como a Voz, Diário da Manhã ou o Papagaio. Mais tarde funda o Estúdio TOM que mantém uma intensa colaboração com o SNI.

Fernando Azevedo e Lima de Freitas, articularam o trabalho de design gráfico e de pintura com uma destacada actividade crítica e a docência. Lima de Freitas foi, ainda, um destacado capista, à semelhança de Octávio Clérigo (que desenhou belas capas para a Portugália) e dos bem conhecidos Palla (de quem foi recentemente reeditado o clássico Lisboa - Cidade Triste e Alegre) e Sebastião Rodrigues.

Se, por um lado, me agrada que não olhemos para os designers portugueses contemporâneos como Mestres, sinal não de menor qualidade mas de um novo contexto do design, marcado quer por uma intensa assimilação quotidiana, quer por uma mais intensa profissionalização do trabalho do designer, tanto na vertente cultural como comercial, por outro lado, talvez pudesse ser interessante levar a sério a responsabilidade – pedagógica, ética, profissional – que um designer destacado tem em contribuir criticamente para a melhoria da disciplina.

É certo que a esmagadora maioria dos designers com projecção profissional são professores (Henrique Cayatte, Jorge Silva, Artur Rebelo e Lizá Ramalho, António Silveira Gomes, João Faria, Nuno Coelho, João Martino e por aí fora) mas, volto à minha, são raras as oportunidades de os vermos escrever, reflectir e criticar o ofício. É que, na verdade, apesar dos blogues, da profusão de cursos e cursilhos de design, da suposta visibilidade do design português, faltam ocasiões de reflexão e debate.

No Prefácio do livro, Manuel Alencastre Ferreira, afirma que “Quisemos homenagear todos aqueles que deram anos de vida e o melhor dos seus esforços– quantas vezes anonimamente e sem beneficiar do estatuto de artista nem de qualquer reconhecimento público– ao exercício tão belo a que hoje chamam de graphic design. Falta fazer a história das artes gráficas em Portugal.”. Hoje, esse exercício, terá ganho uma expressão aportuguesada, “Design Gráfico”, mas em muitos aspectos permanece uma disciplina sem reconhecimento, marcada pelo anonimato.".

Por fim, dei por mim a pensar como Sebastião Rodrigues: “do futuro receio falar, porque os projectos são muitos, complexos e angustiantes; sem menosprezar direi que interferem de forma negativa na sanidade mental dos que vivem (...) No exercício das artes gráficas a rotina é fatal, porém na minha opinião, moderando as ambições e usando uma certa frieza, é possível ultrapassá-la, para com muito rigor obter qualidade razoável no desenho de um livro, de uma capa, de um título ou de um cartaz. Desígnios mais ambiciosos... «acontecem».”

Por fim, dei por mim a pensar que, passados quase vinte e cinco anos da publicação de Falando do Ofício, permanecem, no design português, as mesmas dúvidas e esperanças, oportunidades e limitações, talvez apenas mais silenciadas por estranho que pareça nesta época de democratização das opiniões. Precisamente por isso, se justifica que se fale do ofício.

2 comments:

Anonymous said...

http://jamtexto.blogspot.com/2008/04/asem-pernas-se-faz-favor.html

Anonymous said...

uma boa escola ajuda tanto nesse ofício.

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REACTOR é um blogue sobre cultura do design de José Bártolo (CV). Facebook. e-mail: reactor.blog@gmail.com