Monday, March 29, 2010
SOMETIMES I WONDER
por John Getz
Ontem à noite, em casa de um amigo, durante uma rápida visita a Vermont, revi a curta metragem de Jo Andres Black Kites realizada em meados dos anos 1990. Trata-se, julgo eu, no único filme protagonizado pela magnifica Mimi Goes.
No final dos anos 80, a minha preferida, devo dizer, era Anna Domino por uma série de razões mais construídas pelas circunstâncias do que pela razão propriamente dita. Claro que gostava muito de Lisa Germano, de Elizabeth Fraser e de Kristin Hersh sobretudo nos tempos das Throwing Muses sobre quem escrevi, lembro-me bem, um texto entusiasmado quando saiu House Tornado.
E claro, havia Mimi Goes, na altura vocalista dos Hugo Largo de quem assisti, numa pequena sala não muito longe daqui, a uma magnifico concerto que depois de um terceiro encore se prolongou por mais uma hora.
Se continuo a saber de Lisa Fraser, de Anna Domino e, sobretudo, de Lisa Germano agora a trabalhar, em óptima casa, com Michael Gira, fui deixando de saber de Mimi Goes. Ontem à noite, quando a revia no alucinante papel que Jo Andres criou para ela, tive saudades dela, tive saudades daquele concerto que se tornou a noite toda. Acho que sinto falta daquele tempo.
Sunday, March 28, 2010
GENÉRICOS
Um artigo no New York Times comentava, há algum tempo, que a cerimónia dos Óscares premeia praticamente todos os aspectos envolvidos num filme há excepção de um fundamental: as sequências de abertura. Do ponto de vista do design, aquela breve narrativa reveste-se da maior importância. Tipografia, motion graphics, música, tudo é condensado naquela breve sequência, criada, na maior parte dos casos, por um designer. De Saul Bass a Kyle Cooper, passando, por cá, por Victor Palla muitos designers criaram magnificas sequências de abertura, às quais os curadores e historiadores de design vêm dando uma crescente atenção.
Na exposição, integrada na Experimentadesign 09 que o Museu Berardo acolheu, Quick Quick Slow a curadora Emily King reservou uma sala, na sua visão pessoal da história do design gráfico, para cerca de uma dezena de sequências de abertura.
Há muito que Emily King, cuja tese de mestrado analisava precisamente os genéricos, vêm trabalhando este objecto, constituindo o seu artigo Taking Credit: Film title sequences, publicado na Typotheque uma referência importante. Estranhamente, os estudos fílmicos ignoraram durante bastante tempo os genéricos, como se eles não fizessem parte do filme (e na verdade, muitas vezes, eram um filme autónomo), ao passo que os historiadores de design lhes davam uma atenção diferenciada olhando-os como um objecto gráfico e, novamente, considerando-os numa certa autonomia em relação ao filme.
As sequências de abertura e os intertítulos dos filmes constituem um objecto particularmente interessante para o estudo da tipografia. Ainda hoje. Um artigo recente da Linotype destacava as fonts usadas pelos filmes vencedores da última edição dos Óscares: da Egyptian Bold Extended de Inglorious Basterds à Neue Helvetica de Precious.
Ainda actual, é a polémica gerada pela utilização da Papyrus (font desenhada por Chris Costello) no filme Avatar, que motivou mesmo esta divertida carta de agradecimento a James Cameron.
Num dos filmes da série Regresso ao Futuro vemos a campa de Emmett Brown morto em 1885. Tudo estaria certo, não fossem as tipografias da lápide serem a Helvetica (surgida em 1957) e da Eurostile (surgida em 1962).
Nomeadamente nos filmes de época é um desafio fazer a escolha tipográfica certa. A este propósito leia-se o excelente Typecasting de Mark Simonson.
Algumas famílias tipográficas foram desenhadas a partir da influência do cinema, como a Plan 9 inspirada no delirante filme de Ed Wood Jr.
Um crescente número de sites vem permitindo analisar esta fértil relação entre a tipografia e o cinema. Já conhecíamos a galeria de sequências finais de filmes no flickr , agora há a juntar à lista esta fantástica galeria com inúmeros stills de sequências de abertura.
A lista completa dos stills reproduzidos (clickar para melhor visualizar): Le Voyage dans la lune (1902) Mélies; The Golem (1920) Paul Wegener; Light of Faith (1922) Clarence Brown; The Hunchback of Notre Dame (1923) Wallace Worsley; Aelita (1924) de Yakov Protazanov; The Big Trail (1930) Raoul Walsh; Safe In Hell (1931) William A. Wellman; Das Testament des Dr. Mabuse (1932) Fritz Lang; Deluce (1933) Felix Feist; S.O.S Eisberg (1933) Arnold Fanck; The 39 Steps (1935) Alfred Hitchcock; Gaslight (1940) Thorold Dickinson; Ministry of Fear (1944) Fritz Lang
My Darling Clementine (1946) John Ford; The postman always rings twice (1946) Tay Garnett; Francis (1950) Arthur Lubin; Gone to Earth (1950) Micahel Powell; Orphée (1950) Jeac Cocteau; The Thing (1951) Christian Nyby; The Ladykillers (1955) Alexander Mackendrick; Swamp Women (1955) Roger Corman; Forbidden Planet (1956) Fred Wilcox; Vertigo (1958) Alfred Hitchcock; To Kill A Mockingbird (1962) Robert Mulligan; Help! (1965) Richard Lester; The Hill (1965) Sidney Lumet;
Blow Up (1966) Michelangelo Antonioni; Hitch Hike To Hell (1968) Irvin Berwick; Duel (1971) Steven Spielberg; Straw Dogs (1971) Sam Peckimpah; Trafic (1971) Jacques Tati; Blacula (1972)William Crain; Phase IV (1974) Saul Bass; Shivers (1975) David Cronenberg; Eraserhead (1977) David Lynch; Star Wars (1977) George Lucas; Blade Runner (1982) Ridley Scott; Naked Lunch (1991) David Cronenberg; Fargo (1996) Joel Coen; Panic Room (2002) David Fincher.
Friday, March 19, 2010
BOOK ART E BOOK DESIGN: IMPORTAÇÕES E EXPORTAÇÕES
por Francisco Laranjo
Há relativamente pouco tempo, visitei parte da colecção de livros de artista (Book Art), da Tate Britain. A curiosidade era grande, não só pelo meu interesse no formato, mas também pela crescente moda – pelo menos em Inglaterra e E.U.A. – em produzir arte utilizando este meio.
Em cinco grandes mesas estavam mais de uma centena de livros. Estes eram de tamanhos variados, propósitos distintos e acabamentos diferentes. Alguns mais experimentais, outros mais convencionais, mas proporcionando (quase) sempre o prazer de explorar um objecto físico numa altura em que o iPad e o Kindle ganham cada vez mais adeptos e se redefine e reflecte sobre a forma de traduzir ou fazer renascer o formato num ecrã.
A introdução que foi feita pela responsável da colecção ao grupo de alunos que acompanhava, foi no mínimo desconcertante. Para quem estuda design gráfico – como os alunos em seu redor – o discurso que se ouvia era simplista, redutor e demasiado primário. Um livro, dizia a responsável, é um objecto que transporta em si uma relação intrínseca entre espaço e tempo, sendo este último o elemento que mais a fascina na construção de uma narrativa, utilizando vários materiais (papeis principalmente) que podem alterar o conteúdo e brincar (!) com o conteúdo.
Era óbvio que não se tratava de uma especialista, algo que não se esperava numa instituição com a Tate Britain e de um cargo de tamanha responsabilidade. Na demonstração feita aos alunos, o livro que foi por ela escolhido como um dos seus favoritos, foi o Echo da autoria de Ronald King. Este pequeno livro de orientação horizontal tinha apenas quatro páginas. Na capa de papel escuro, espesso e texturado surgia em alto-relevo a palavra “echo” num tipo de letra sem serifa e com os cantos arredondados. Da primeira para a quarta página, a força aplicada no alto-relevo diminuía, ilustrando assim a ideia de eco. Tipograficamente, o livro era simples mas bastante bem cuidado. Tanto este como dois ou três livros de King que estavam pousados numa das mesas, diziam sempre no final “designed by Ron King”.
Entre livros produzidos através de impressão off-set, agrafados ou com encadernação de espirais de plástico, era difícil julgar a qualidade dos objectos de arte. Tudo devido aos preconceitos de um designer gráfico em relação ao conhecimento e controlo tipográfico, coerência e consistência na utilização de materiais, composição, método de impressão ou encadernamento. É realmente difícil ver livros que parecem banais, agrafados, explorando ideias de sequência que já existem há séculos (literalmente), com tratamentos tipográficos grosseiros, entrelinhamentos completamente desajustados; e conseguir olhar para eles de uma forma imparcial, considerando-os como objectos de arte.
Estes julgamentos são ainda mais complicados de fazer, quando se pode ver relativamente perto da Tate Britain, uma selecção extraordinária de design de livros na St. Bride Library e ter o previlégio de ouvir Jost Hochuli (autor do clássico Designing Books – Theory and Practice, Hyphen Press) a falar sobre a curadoria da exposição de livros produzidos em St. Gallen, da história e processos diferentes de produzir um livro.
Na Tate, entre muitos nomes, encontramos na colecção livros de autores como Ed Ruscha, Sol LeWitt ou Dieter Roth. Apesar da imponência e da qualidade do trabalho de nomes como estes, continuava a ser difícil não julgar – de uma forma geral – os trabalhos como meras introduções ao design de livros. Na verdade, a confusão criada pela responsável da colecção e a realidade de uma disciplina ainda relativamente pouco (mas cada vez mais) teorizada e criticada, faziam com que os livros em exposição fossem uma mescla de livros de artista, quasi-catálogos de exposições, pequenas experiências e livros feitos por designers para ou em colaboração com artistas.
O design gráfico continua ainda hoje a lutar pela sua independência da Arte ou como lhe chama o artista inglês David Blamey, design’s fat cousin. Grande parte das disciplinas no campo do design, tiveram a arte como nave-mãe. O design de livros, será por ventura uma das disciplinas que não teve essa origem e um dos raros casos em que uma sub-família do campo da arte, nasceu do design.
O livro de artista nasceu na segunda metade do séc. XX e começou a ter mais atenção a partir dos anos 60, enquanto que o design de livros, disciplina pertencente ao campo da macro-tipografia tem várias centenas de anos de existência. Esta disciplina artística (Book Art), tem então muito a aprender com o design (Book Design).
Pelos livros que pude cuidadosamente observar e folhear, haviam apenas dois tipos de livros de artista que eu considerei de qualidade. Os primeiros eram livros altamente experimentais, fazendo tábua rasa de concepções da forma ou finalidade que um livro deve ter, naturalmente devido ao facto de que um livro era produzido para fazer circular informação com a maior quantidade e qualidade possível. Livros que apenas podem ser concebidos manualmente e que questionam e expandem o próprio formato eram bons exemplos de book art.
Os segundos, eram livros claramente informados por designers ou artistas com formação em design/ tipografia, onde os detalhes eram meticulosamente pensados e os processos alimentados por grande conhecimento de design ou por uma produtiva colaboração. Salvo raras excepções, todos os outros livros eram mais ou menos banais, inconsequentes, prematuros. E, dentro desta banalidade, eram absorvidos pela bola gigante chamada design... ou seria arte de fraca qualidade? Numa altura em que o designer-artista está tão em voga, esta é mais uma vez uma das raras oportunidades que o design tem a escolha de repelir ou excluir. Por outras palavras, se um livro é mediano em conteúdo e sua produção medíocre, será que lhe chamamos arte ou design de principiante? Será que assim que um artista junta um determinado número de folhas com um tipo qualquer de encadernamento, esse livro ganha automaticamente a classificação/ categorização de livro de artista?
Estas são questões que irão naturalmente ter respostas e contextualizações diferentes por parte dos campos da arte e do design, mas o design deve assumir, sem preconceitos ou medo, os seus princípios, história e tradição milenar na exploração de um suporte tão fulcral e determinante na história da humanidade.
Presentemente, o que se pode constatar é um grande aumento de interesse por este formato: desde a emergência de vários cursos de licenciatura e mestrados, passando por numerosas feiras onde é possível ver alunos a formar pequenas editoras, até a uma grande proliferação de publicações sobre livros de artista.
Contudo, as anteriormente mencionadas linhas fronteiriças que delimitam a arte e o design, esboroam-se quando as relações platónicas que a responsável pela colecção de livros da Tate Britain, Jost Hochuli, Tim Guest (Books by Artists, 1981) ou Robert Bringhurst nutrem pelo formato, se tornam evidentes. Inevitavelmente, os seus discursos desaguam numa expressão por todos mencionada e de certa forma conciliadora: o que os une é o gosto pela arte de fazer livros.
por Francisco Laranjo
Há relativamente pouco tempo, visitei parte da colecção de livros de artista (Book Art), da Tate Britain. A curiosidade era grande, não só pelo meu interesse no formato, mas também pela crescente moda – pelo menos em Inglaterra e E.U.A. – em produzir arte utilizando este meio.
Em cinco grandes mesas estavam mais de uma centena de livros. Estes eram de tamanhos variados, propósitos distintos e acabamentos diferentes. Alguns mais experimentais, outros mais convencionais, mas proporcionando (quase) sempre o prazer de explorar um objecto físico numa altura em que o iPad e o Kindle ganham cada vez mais adeptos e se redefine e reflecte sobre a forma de traduzir ou fazer renascer o formato num ecrã.
A introdução que foi feita pela responsável da colecção ao grupo de alunos que acompanhava, foi no mínimo desconcertante. Para quem estuda design gráfico – como os alunos em seu redor – o discurso que se ouvia era simplista, redutor e demasiado primário. Um livro, dizia a responsável, é um objecto que transporta em si uma relação intrínseca entre espaço e tempo, sendo este último o elemento que mais a fascina na construção de uma narrativa, utilizando vários materiais (papeis principalmente) que podem alterar o conteúdo e brincar (!) com o conteúdo.
Era óbvio que não se tratava de uma especialista, algo que não se esperava numa instituição com a Tate Britain e de um cargo de tamanha responsabilidade. Na demonstração feita aos alunos, o livro que foi por ela escolhido como um dos seus favoritos, foi o Echo da autoria de Ronald King. Este pequeno livro de orientação horizontal tinha apenas quatro páginas. Na capa de papel escuro, espesso e texturado surgia em alto-relevo a palavra “echo” num tipo de letra sem serifa e com os cantos arredondados. Da primeira para a quarta página, a força aplicada no alto-relevo diminuía, ilustrando assim a ideia de eco. Tipograficamente, o livro era simples mas bastante bem cuidado. Tanto este como dois ou três livros de King que estavam pousados numa das mesas, diziam sempre no final “designed by Ron King”.
Entre livros produzidos através de impressão off-set, agrafados ou com encadernação de espirais de plástico, era difícil julgar a qualidade dos objectos de arte. Tudo devido aos preconceitos de um designer gráfico em relação ao conhecimento e controlo tipográfico, coerência e consistência na utilização de materiais, composição, método de impressão ou encadernamento. É realmente difícil ver livros que parecem banais, agrafados, explorando ideias de sequência que já existem há séculos (literalmente), com tratamentos tipográficos grosseiros, entrelinhamentos completamente desajustados; e conseguir olhar para eles de uma forma imparcial, considerando-os como objectos de arte.
Estes julgamentos são ainda mais complicados de fazer, quando se pode ver relativamente perto da Tate Britain, uma selecção extraordinária de design de livros na St. Bride Library e ter o previlégio de ouvir Jost Hochuli (autor do clássico Designing Books – Theory and Practice, Hyphen Press) a falar sobre a curadoria da exposição de livros produzidos em St. Gallen, da história e processos diferentes de produzir um livro.
Na Tate, entre muitos nomes, encontramos na colecção livros de autores como Ed Ruscha, Sol LeWitt ou Dieter Roth. Apesar da imponência e da qualidade do trabalho de nomes como estes, continuava a ser difícil não julgar – de uma forma geral – os trabalhos como meras introduções ao design de livros. Na verdade, a confusão criada pela responsável da colecção e a realidade de uma disciplina ainda relativamente pouco (mas cada vez mais) teorizada e criticada, faziam com que os livros em exposição fossem uma mescla de livros de artista, quasi-catálogos de exposições, pequenas experiências e livros feitos por designers para ou em colaboração com artistas.
O design gráfico continua ainda hoje a lutar pela sua independência da Arte ou como lhe chama o artista inglês David Blamey, design’s fat cousin. Grande parte das disciplinas no campo do design, tiveram a arte como nave-mãe. O design de livros, será por ventura uma das disciplinas que não teve essa origem e um dos raros casos em que uma sub-família do campo da arte, nasceu do design.
O livro de artista nasceu na segunda metade do séc. XX e começou a ter mais atenção a partir dos anos 60, enquanto que o design de livros, disciplina pertencente ao campo da macro-tipografia tem várias centenas de anos de existência. Esta disciplina artística (Book Art), tem então muito a aprender com o design (Book Design).
Pelos livros que pude cuidadosamente observar e folhear, haviam apenas dois tipos de livros de artista que eu considerei de qualidade. Os primeiros eram livros altamente experimentais, fazendo tábua rasa de concepções da forma ou finalidade que um livro deve ter, naturalmente devido ao facto de que um livro era produzido para fazer circular informação com a maior quantidade e qualidade possível. Livros que apenas podem ser concebidos manualmente e que questionam e expandem o próprio formato eram bons exemplos de book art.
Os segundos, eram livros claramente informados por designers ou artistas com formação em design/ tipografia, onde os detalhes eram meticulosamente pensados e os processos alimentados por grande conhecimento de design ou por uma produtiva colaboração. Salvo raras excepções, todos os outros livros eram mais ou menos banais, inconsequentes, prematuros. E, dentro desta banalidade, eram absorvidos pela bola gigante chamada design... ou seria arte de fraca qualidade? Numa altura em que o designer-artista está tão em voga, esta é mais uma vez uma das raras oportunidades que o design tem a escolha de repelir ou excluir. Por outras palavras, se um livro é mediano em conteúdo e sua produção medíocre, será que lhe chamamos arte ou design de principiante? Será que assim que um artista junta um determinado número de folhas com um tipo qualquer de encadernamento, esse livro ganha automaticamente a classificação/ categorização de livro de artista?
Estas são questões que irão naturalmente ter respostas e contextualizações diferentes por parte dos campos da arte e do design, mas o design deve assumir, sem preconceitos ou medo, os seus princípios, história e tradição milenar na exploração de um suporte tão fulcral e determinante na história da humanidade.
Presentemente, o que se pode constatar é um grande aumento de interesse por este formato: desde a emergência de vários cursos de licenciatura e mestrados, passando por numerosas feiras onde é possível ver alunos a formar pequenas editoras, até a uma grande proliferação de publicações sobre livros de artista.
Contudo, as anteriormente mencionadas linhas fronteiriças que delimitam a arte e o design, esboroam-se quando as relações platónicas que a responsável pela colecção de livros da Tate Britain, Jost Hochuli, Tim Guest (Books by Artists, 1981) ou Robert Bringhurst nutrem pelo formato, se tornam evidentes. Inevitavelmente, os seus discursos desaguam numa expressão por todos mencionada e de certa forma conciliadora: o que os une é o gosto pela arte de fazer livros.
Sunday, March 14, 2010
EM PROGRESSO
Sempre coloquei alguma desconfiança relativamente a esse lugar comum que afirma que tudo está ligado a tudo. Entretanto, admito que as afinidades entre as coisas estão, muitas vezes, longe de ser óbvias.
Encontro-me a trabalhar em dois textos que inicialmente me pareciam ter pontos de vistas diferentes: um dos textos, que deverá ter como título “O designer enquanto performer” analisava a nova pragmática narrativa no design contemporâneo e o modo como ela se expressa através de uma dimensão frequentemente performativa. A obra de Fiona Banner é um entre vários exemplos disso; outro dos textos parte da exposição de livros de artista reunidos por Ulisses Carrión que a Biblioteca do Museu de Serralves acolhe para pensar a questão do arquivo da contemporaneidade.
Recentemente, Margarida Medeiros na apresentação de O Olhar Moderno destacava a centralidade da temática do arquivo na cultura contemporânea e, dias antes, Bo Bergstrom aludia a esta performativa do design contemporâneo. Pela minha parte, comecei a descobrir ligações, mais profundas e pertinentes do que julgava, entre os dois temas.
Deparando-me com estes cruzamentos numa altura em que preparava a aula/conferência que, a convite do Prof. Jaime Ceia, irei dar na próxima terça-feira, às 18h30, no Doutoramento da Faculdade de Belas Artes na Universidade de Lisboa, reestruturei a apresentação que tinha já preparado com o título de Tomadas de Posição: Manifestos e Design, e sobre a qual fiz uma introdução há uns tempos na ESAD, para nela integrar novas referências e novas ligações: como vou aproximar as acções dos Art Workers’ Coalition às situações desenvolvidas por Amy Feneck é uma possível questão-convite para que se juntem à sessão do próximo dia 16.
Sempre coloquei alguma desconfiança relativamente a esse lugar comum que afirma que tudo está ligado a tudo. Entretanto, admito que as afinidades entre as coisas estão, muitas vezes, longe de ser óbvias.
Encontro-me a trabalhar em dois textos que inicialmente me pareciam ter pontos de vistas diferentes: um dos textos, que deverá ter como título “O designer enquanto performer” analisava a nova pragmática narrativa no design contemporâneo e o modo como ela se expressa através de uma dimensão frequentemente performativa. A obra de Fiona Banner é um entre vários exemplos disso; outro dos textos parte da exposição de livros de artista reunidos por Ulisses Carrión que a Biblioteca do Museu de Serralves acolhe para pensar a questão do arquivo da contemporaneidade.
Recentemente, Margarida Medeiros na apresentação de O Olhar Moderno destacava a centralidade da temática do arquivo na cultura contemporânea e, dias antes, Bo Bergstrom aludia a esta performativa do design contemporâneo. Pela minha parte, comecei a descobrir ligações, mais profundas e pertinentes do que julgava, entre os dois temas.
Deparando-me com estes cruzamentos numa altura em que preparava a aula/conferência que, a convite do Prof. Jaime Ceia, irei dar na próxima terça-feira, às 18h30, no Doutoramento da Faculdade de Belas Artes na Universidade de Lisboa, reestruturei a apresentação que tinha já preparado com o título de Tomadas de Posição: Manifestos e Design, e sobre a qual fiz uma introdução há uns tempos na ESAD, para nela integrar novas referências e novas ligações: como vou aproximar as acções dos Art Workers’ Coalition às situações desenvolvidas por Amy Feneck é uma possível questão-convite para que se juntem à sessão do próximo dia 16.
Friday, March 12, 2010
MANIFESTO PELO CINEMA PORTUGUÊS
Nunca como nos últimos vinte anos teve o cinema português uma tão grande circulação internacional e uma tão grande vitalidade criativa. E nunca como hoje ele esteve tão ameaçado.
No mesmo ano em que um filme português ganhou em Cannes a Palma de Ouro da curta-metragem e tantos e tantos filmes portugueses foram vistos e premiados um pouco por todo o mundo, o cinema português continua a viver sob a ameaça de paralisação e asfixia financeira.
Desde há dez anos que os fundos investidos no cinema não cessaram de diminuir: a produção e a divulgação do cinema português vivem tempos cada vez mais difíceis.
E a criação de um Fundo de Investimento (e a promessa de um grande aumento de financiamentos), revelou-se uma enorme encenação que na generalidade só serviu para legitimar o oportunismo de uns tantos.
O cinema português vive hoje uma situação de catástrofe iminente e necessita de uma intervenção de emergência por parte dos poderes públicos e em particular da senhora Ministra da Cultura.
O cinema português – o seu Instituto – ao contrário do que é repetido vezes sem conta, é financiado por uma taxa (3,2%) sobre a publicidade na televisão, e não pelo Orçamento de Estado.
O financiamento do cinema português desceu na última década mais de 30% e a produção de filmes, documentários e curtas-metragens, não tem parado de diminuir.
O Fundo de Investimento no cinema, que era suposto trazer à produção 80 milhões de euros em cinco anos, está paralisado e manietado pelos canais de televisão e a Zon Lusomundo, e não só não investiu quase nada, como muito do pouco que investiu foi-o em coisas sem sentido.
Por isso se torna imperioso e urgente
a) normalizar o funcionamento desse Fundo e multiplicar as verbas disponíveis para investimento na produção de cinema, nomeadamente multiplicando as receitas do Instituto de Cinema, e tornando as suas regras de funcionamento transparentes e indiscutíveis;
b) normalizar a relação da RTP (serviço público de televisão) com o cinema português, fazendo-a respeitar a Lei e o Contrato de Serviço Público, assinado com o Estado Português;
c) aumentar de forma significativa o número de filmes, de primeiras-obras, de documentários, de curtas-metragens, produzidos em Portugal;
d) e actuar de forma decidida em todos os sectores – não apenas na produção, mas também na distribuição, na exibição, nas televisões (e em particular no serviço público), e na difusão internacional do cinema português.
Depois de mais de seis anos de inoperância e desleixo dos sucessivos Ministros da Cultura, que conduziram o cinema português à beira da catástrofe, impõe-se:
1. Normalizar o funcionamento do FICA (Fundo de Investimento para o Cinema e Audiovisual) reconduzindo-o à sua natureza original: um fundo de iniciativa pública, tendo como objectivo o aumento dos montantes de financiamento do cinema e da ficção audiovisual original em língua portuguesa e o fortalecimento do tecido produtivo e das pequenas empresas de produção de cinema. E fazer entrar nos seus participantes e contribuintes os novos canais e plataformas de televisão por cabo (meo, Clix, Cabovisão, etc), que inexplicavelmente têm sido deixados fora da lei;
2. Multiplicar as fontes de financiamento do cinema português, nomeadamente junto da actividade cinematográfica, recorrendo às receitas da edição DVD (a taxa cobrada pela IGAC, cuja utilização é desconhecida, e que na última década significou dezenas de milhões de euros); à taxa de distribuição de filmes (que há décadas não é actualizada) e à taxa de exibição. As receitas das taxas que o Estado cobra ao funcionamento da actividade cinematográfica devem ser integralmente reinvestidas na produção e na divulgação do cinema português (produção, distribuição, edição DVD, circulação internacional);
3. Aumentar as fontes de financiamento do Instituto de Cinema, para aumentar o número, a diversidade, a quantidade e a qualidade, dos filmes produzidos. Filmes, primeiras-obras, documentários, curtas-metragens, etc.
4. Apoiar os distribuidores e exibidores independentes, e estimular o aparecimento de novas empresas nesta actividade, de forma a que o cinema português, o cinema europeu e o cinema independente em geral, possam chegar junto do seu público. E apoiar os cineclubes, as associações culturais e autárquicas, os festivais e mostras de cinema, que um pouco por todo o país fazem já esse trabalho;
5. Fazer cumprir o Contrato de Serviço Público de Televisão por parte da RTP, que o assinou com o Estado Português, e que está muito longe de o respeitar e às suas obrigações, na produção e na exibição de cinema português, europeu e independente em geral. E contratualizar com os canais privados e as plataformas de distribuição de televisão por cabo, as suas obrigações para com a difusão de cinema português.
O cinema português, que vale a pena, tem hoje em dia, apesar da paralisia, quando não da hostilidade, dos poderes públicos, um indiscutível prestígio internacional. Os seus realizadores, actores, técnicos, produtores, não deixaram de trabalhar apesar de tudo o que se tem vindo a passar. Está na altura de os poderes públicos assumirem as suas responsabilidades.
É necessária uma nova Lei do Cinema, mas é urgente uma intervenção de emergência no cinema português.
Em Petição Pública.
Nunca como nos últimos vinte anos teve o cinema português uma tão grande circulação internacional e uma tão grande vitalidade criativa. E nunca como hoje ele esteve tão ameaçado.
No mesmo ano em que um filme português ganhou em Cannes a Palma de Ouro da curta-metragem e tantos e tantos filmes portugueses foram vistos e premiados um pouco por todo o mundo, o cinema português continua a viver sob a ameaça de paralisação e asfixia financeira.
Desde há dez anos que os fundos investidos no cinema não cessaram de diminuir: a produção e a divulgação do cinema português vivem tempos cada vez mais difíceis.
E a criação de um Fundo de Investimento (e a promessa de um grande aumento de financiamentos), revelou-se uma enorme encenação que na generalidade só serviu para legitimar o oportunismo de uns tantos.
O cinema português vive hoje uma situação de catástrofe iminente e necessita de uma intervenção de emergência por parte dos poderes públicos e em particular da senhora Ministra da Cultura.
O cinema português – o seu Instituto – ao contrário do que é repetido vezes sem conta, é financiado por uma taxa (3,2%) sobre a publicidade na televisão, e não pelo Orçamento de Estado.
O financiamento do cinema português desceu na última década mais de 30% e a produção de filmes, documentários e curtas-metragens, não tem parado de diminuir.
O Fundo de Investimento no cinema, que era suposto trazer à produção 80 milhões de euros em cinco anos, está paralisado e manietado pelos canais de televisão e a Zon Lusomundo, e não só não investiu quase nada, como muito do pouco que investiu foi-o em coisas sem sentido.
Por isso se torna imperioso e urgente
a) normalizar o funcionamento desse Fundo e multiplicar as verbas disponíveis para investimento na produção de cinema, nomeadamente multiplicando as receitas do Instituto de Cinema, e tornando as suas regras de funcionamento transparentes e indiscutíveis;
b) normalizar a relação da RTP (serviço público de televisão) com o cinema português, fazendo-a respeitar a Lei e o Contrato de Serviço Público, assinado com o Estado Português;
c) aumentar de forma significativa o número de filmes, de primeiras-obras, de documentários, de curtas-metragens, produzidos em Portugal;
d) e actuar de forma decidida em todos os sectores – não apenas na produção, mas também na distribuição, na exibição, nas televisões (e em particular no serviço público), e na difusão internacional do cinema português.
Depois de mais de seis anos de inoperância e desleixo dos sucessivos Ministros da Cultura, que conduziram o cinema português à beira da catástrofe, impõe-se:
1. Normalizar o funcionamento do FICA (Fundo de Investimento para o Cinema e Audiovisual) reconduzindo-o à sua natureza original: um fundo de iniciativa pública, tendo como objectivo o aumento dos montantes de financiamento do cinema e da ficção audiovisual original em língua portuguesa e o fortalecimento do tecido produtivo e das pequenas empresas de produção de cinema. E fazer entrar nos seus participantes e contribuintes os novos canais e plataformas de televisão por cabo (meo, Clix, Cabovisão, etc), que inexplicavelmente têm sido deixados fora da lei;
2. Multiplicar as fontes de financiamento do cinema português, nomeadamente junto da actividade cinematográfica, recorrendo às receitas da edição DVD (a taxa cobrada pela IGAC, cuja utilização é desconhecida, e que na última década significou dezenas de milhões de euros); à taxa de distribuição de filmes (que há décadas não é actualizada) e à taxa de exibição. As receitas das taxas que o Estado cobra ao funcionamento da actividade cinematográfica devem ser integralmente reinvestidas na produção e na divulgação do cinema português (produção, distribuição, edição DVD, circulação internacional);
3. Aumentar as fontes de financiamento do Instituto de Cinema, para aumentar o número, a diversidade, a quantidade e a qualidade, dos filmes produzidos. Filmes, primeiras-obras, documentários, curtas-metragens, etc.
4. Apoiar os distribuidores e exibidores independentes, e estimular o aparecimento de novas empresas nesta actividade, de forma a que o cinema português, o cinema europeu e o cinema independente em geral, possam chegar junto do seu público. E apoiar os cineclubes, as associações culturais e autárquicas, os festivais e mostras de cinema, que um pouco por todo o país fazem já esse trabalho;
5. Fazer cumprir o Contrato de Serviço Público de Televisão por parte da RTP, que o assinou com o Estado Português, e que está muito longe de o respeitar e às suas obrigações, na produção e na exibição de cinema português, europeu e independente em geral. E contratualizar com os canais privados e as plataformas de distribuição de televisão por cabo, as suas obrigações para com a difusão de cinema português.
O cinema português, que vale a pena, tem hoje em dia, apesar da paralisia, quando não da hostilidade, dos poderes públicos, um indiscutível prestígio internacional. Os seus realizadores, actores, técnicos, produtores, não deixaram de trabalhar apesar de tudo o que se tem vindo a passar. Está na altura de os poderes públicos assumirem as suas responsabilidades.
É necessária uma nova Lei do Cinema, mas é urgente uma intervenção de emergência no cinema português.
Em Petição Pública.
Thursday, March 11, 2010
OFERECE-SE ESTÁGIO!
Alguns alunos meus estão nesta altura a desenvolver trabalhos de design pro bono. Nada de mais louvável, permitindo-lhes usar a sua criatividade e energia em prol de causas em que acreditam.
Se esta orientação é por mim estimulada, procuro igualmente chamar-lhes a atenção para a importância de protegerem o seu trabalho, de garantirem que o seu envolvimento é creditado e que as suas ideias não serão, por outros, apropriadas e subvertidas.
Fazer design pro bono exige, sempre, pelo menos duas condições: convicção no que se faz e liberdade para o poder fazer daquela forma. E, obviamente, o design pro bono não deve ser visto como um passatempo destinado a estudantes de design, mas como uma possibilidade séria de se ser, usando a expressão de Milton Glaser, um cidadão-designer empenhado.
Ora, pela sua própria natureza o design pro bono é uma vertente do trabalho de um designer que ele pode, se assim o desejar, articular com o seu trabalho remunerado.
Sinto que, actualmente, grassam equívocos no meio profissional do design. À minha escola chovem diariamente ofertas de estágios não remunerados. A menos que alguém, por um qualquer estado alterado de consciência, acredite que um designer em início de carreira deseja, mais do que tudo, fazer design pro bono numa bem sucedida agência de publicidade, numa instituição bancária ou numa empresa do ramo hoteleiro, haverá nesta forma de explorar o mercado – e o crescente desemprego entre os licenciados em design – uma evidente falta de ética.
O Carga de Trabalhos tomou, há algum tempo, a opcção, mais do que justificável de não divulgar estágios não remunerados. De facto, num cada vez maior número de casos, o "estágio" é uma figura que permite ao empregador ter mão de obra qualificada sem quaisquer custos. O estágio é, a maior parte das vezes, puramente virtual já que não só a relação coordenador/estagiário tende a não existir como, em termos de responsabilidade e horário, a diferença entre o estagiário e o não-estagiário é inexistente.
Às escolas de design compete hoje, também, o desafio de assumirem uma acção pedagógica perante o mercado. A forma mais imediata de o fazer passa, sem dúvida, por dotar os seus alunos de capacidade crítica para saberem dizer “não” e dizer “sim” – e, se possível, dar-lhes condições para que esse posicionamento crítico se torne sustentável. E, também, aqui a educação deve vir pelo exemplo, e também às Escolas compete mostrarem essa capacidade crítica para, justificadamente, tornar claro que há situações às quais se deve dizer "Sim" e outras às quais se deve dizer "Não".
Alguns alunos meus estão nesta altura a desenvolver trabalhos de design pro bono. Nada de mais louvável, permitindo-lhes usar a sua criatividade e energia em prol de causas em que acreditam.
Se esta orientação é por mim estimulada, procuro igualmente chamar-lhes a atenção para a importância de protegerem o seu trabalho, de garantirem que o seu envolvimento é creditado e que as suas ideias não serão, por outros, apropriadas e subvertidas.
Fazer design pro bono exige, sempre, pelo menos duas condições: convicção no que se faz e liberdade para o poder fazer daquela forma. E, obviamente, o design pro bono não deve ser visto como um passatempo destinado a estudantes de design, mas como uma possibilidade séria de se ser, usando a expressão de Milton Glaser, um cidadão-designer empenhado.
Ora, pela sua própria natureza o design pro bono é uma vertente do trabalho de um designer que ele pode, se assim o desejar, articular com o seu trabalho remunerado.
Sinto que, actualmente, grassam equívocos no meio profissional do design. À minha escola chovem diariamente ofertas de estágios não remunerados. A menos que alguém, por um qualquer estado alterado de consciência, acredite que um designer em início de carreira deseja, mais do que tudo, fazer design pro bono numa bem sucedida agência de publicidade, numa instituição bancária ou numa empresa do ramo hoteleiro, haverá nesta forma de explorar o mercado – e o crescente desemprego entre os licenciados em design – uma evidente falta de ética.
O Carga de Trabalhos tomou, há algum tempo, a opcção, mais do que justificável de não divulgar estágios não remunerados. De facto, num cada vez maior número de casos, o "estágio" é uma figura que permite ao empregador ter mão de obra qualificada sem quaisquer custos. O estágio é, a maior parte das vezes, puramente virtual já que não só a relação coordenador/estagiário tende a não existir como, em termos de responsabilidade e horário, a diferença entre o estagiário e o não-estagiário é inexistente.
Às escolas de design compete hoje, também, o desafio de assumirem uma acção pedagógica perante o mercado. A forma mais imediata de o fazer passa, sem dúvida, por dotar os seus alunos de capacidade crítica para saberem dizer “não” e dizer “sim” – e, se possível, dar-lhes condições para que esse posicionamento crítico se torne sustentável. E, também, aqui a educação deve vir pelo exemplo, e também às Escolas compete mostrarem essa capacidade crítica para, justificadamente, tornar claro que há situações às quais se deve dizer "Sim" e outras às quais se deve dizer "Não".
Wednesday, March 10, 2010
SENSAÇÃO ESTRANHA: UMA REFLEXÃO SOBRE A CRÍTICA A PARTIR DA VISÃO DE PAULA SCHER
Vivemos uma época estranha. Uma época em que existirão provavelmente tantas pessoas (designers, críticos, professores, estudantes de design, clientes) a dizer que o design que se faz é mau, como pessoas (designers, estudantes de design, auto-didactas com jeito) a fazerem mau design.
Na verdade, nada de novo. Ao longo de toda a história do design foi sempre relativamente nítida essa cisão entre uma orientação mainstream e uma orientação de cariz mais revolucionário. O que, actualmente, nos causará estranheza é o facto dessa cisão permanecer (e permanecer, como nos anos 1930, em termos de bom e mau design) num momento em que nos faltam critérios evidentes que permitam diferenciar o que possa ser mainstream e o que possa ser underground – expressões que perderam o seu sentido pragmático e tornaram-se jargões anacrónicos (e por isso justamente em desuso) e inconsequentes.
Ao longo da década de 1990, reagindo à ressaca da pós-modernidade e ao fantasma da globalização, uma geração de novos críticos, com Poynor e Heller à cabeça, construíram uma espécie de mainstream alternativo que operou uma intensa leitura ideológica do design. A reedição do manifesto First Things First, o esquecido texto escrito pelo esquecido designer britânico Ken Garland nos anos 1960, foi um marco simbólico de uma nova orientação politizada (ligada a um pensamento socialista ora mais ora menos liberal) do design. O controlo de alguns meios (revistas e, mais tarde, blogues), instituições (como a AIGA) e escolas, garantiu o sucesso deste mainstream alternativo que impôs uma nova definição (gradualmente tornada slogan) do design enquanto acção socialmente eficaz.
Sara Goldchmit, publicou recentemente no seu Design Diário uma tradução da entrevista dada por Paula Scher ao pr*tty sh*tty.
Na entrevista Paula Scher revela uma profunda lucidez, diz-nos ela (e, com a devida vénia, seguimos a tradução de Sara Goldchmit):
“Eu acho que esse foi um ano ruim para o design em geral e não estou muito certa do que tenho visto ultimamente. Na maior parte das vezes, eu sinto como se estivesse testemunhando o total abandono do design gráfico. É como se toda a indústria estivesse gritando:
SOMOS POBRES
ESTAMOS COM MEDO e
SOMOS IDIOTAS.”
E mais à frente, “Muitos jovens designers talentosos abandonaram seu papel em melhorar o ambiente visual geral. Muitos só querem trabalhar em projetos culturais, ou sem fins lucrativos, ou em projetos que eles entendem que são “bons para a sociedade”. Isso pode ser valorizado dentro da comunidade dos designers, mas de fato não atinge as pessoas comuns. Esses designers tem medo de se envolver nas áreas dominantes de design de embalagem, design promocional ou corporativo. Eles esquecem que esses são os produtos e mensagens com as quais a maior parte das pessoas realmente se defronta no cotidiano, que esses produtos e serviços estão no coração da América e que há a responsabilidade para nós, como designers, de sempre aumentar a expectativa do que o design pode ser. Nós somos responsáveis por essa experiência cotidiana. Esses designers intelectuais deixam a tarefa para outros (agências de publicidade, micreiros, etc) que estão trabalhando somente pelo dinheiro e frequentemente não se importam com o resultado.”
Quem são os responsáveis por este estado de coisas? A comunidade de design sempre revelou uma tendência para identificar inimigos exteriores, na maior parte das vezes diabolizando o cliente ou, em abstracto, qual dirigente de clube de futebol, queixando-se do sistema. Em boa verdade, a nova geração de críticos surgidos dos anos 90 tiveram o mérito de procurar identificar causas para determinadas situações negativas no interior da comunidade de design mas, em diversos casos, distanciando-se dessa comunidade e culpabilizando os designers. Desenvolvia-se assim um discurso que assumia uma certa autoridade pedagógica e que foi circulando nos meios escolares, culturais e científicos mais esclarecidos que reconhecia e denunciava a pobreza do design produzido e a falta de ética que parecia fazer lei estimulando, ocultamente ou às claras, o clientelismo e uma orientação economicista e burocratizada do design.
Quem são os responsáveis por este estado de coisas? Para Paula Scher “foi a comunidade de designers que causou isso. O manifesto “First Things First” inspirou muitos jovens a afastarem-se dos projetos corporativos de branding, publicidade, design promocional, design de embalagem (com exceção de livros e revistas, como se fossem de alguma forma mais nobres). Se esses designers conscientes, que se importam com a sociedade e com o meio ambiente, se recusam a trabalhar nas áreas de branding, publicidade, design promocional e design de embalagens, então imagine, quem o fará? Essa corrente de design-thinking está sendo perpetuada em tantas escolas de design, programas de pós-graduação e também pela AIGA e outras organizações de designers. É fácil inspirar jovens designers desse jeito, criando uma verdadeira missão para eles: “abaixo as corporações da América”, etc. Mas, no fim das contas, cria uma sociedade de designers na qual se aceita que eles abandonem a maior parte da comunicação visual americana. Meu deus!
O problema está colocado: muitos designers distanciam-se de projetos mundanos, como design de embalagens, seja pelo difícil acesso ao mundo dos gigantes corporativos, seja pelo desinteresse dos próprios designers em tentar superar as diferenças culturais que dificultam o diálogo com esses clientes. Ao mesmo tempo, a “nobre” área cultural é um refúgio que, infelizmente, atinge apenas uma pequena parcela da sociedade.”
Que o problema tem de ser resolvido a partir de dentro, envolvendo a comunidade de design, parece-me natural. O problema, antes disso, é ninguém saber o que é, a que corresponde, quem integra essa putativa comunidade de design. Creio que, actualmente, é urgente construir algum consenso para, a partir dele, desenvolver a polémica: unir, para possibilitar a diversidade.
Vivemos uma época estranha. Uma época em que existirão provavelmente tantas pessoas (designers, críticos, professores, estudantes de design, clientes) a dizer que o design que se faz é mau, como pessoas (designers, estudantes de design, auto-didactas com jeito) a fazerem mau design.
Na verdade, nada de novo. Ao longo de toda a história do design foi sempre relativamente nítida essa cisão entre uma orientação mainstream e uma orientação de cariz mais revolucionário. O que, actualmente, nos causará estranheza é o facto dessa cisão permanecer (e permanecer, como nos anos 1930, em termos de bom e mau design) num momento em que nos faltam critérios evidentes que permitam diferenciar o que possa ser mainstream e o que possa ser underground – expressões que perderam o seu sentido pragmático e tornaram-se jargões anacrónicos (e por isso justamente em desuso) e inconsequentes.
Ao longo da década de 1990, reagindo à ressaca da pós-modernidade e ao fantasma da globalização, uma geração de novos críticos, com Poynor e Heller à cabeça, construíram uma espécie de mainstream alternativo que operou uma intensa leitura ideológica do design. A reedição do manifesto First Things First, o esquecido texto escrito pelo esquecido designer britânico Ken Garland nos anos 1960, foi um marco simbólico de uma nova orientação politizada (ligada a um pensamento socialista ora mais ora menos liberal) do design. O controlo de alguns meios (revistas e, mais tarde, blogues), instituições (como a AIGA) e escolas, garantiu o sucesso deste mainstream alternativo que impôs uma nova definição (gradualmente tornada slogan) do design enquanto acção socialmente eficaz.
Sara Goldchmit, publicou recentemente no seu Design Diário uma tradução da entrevista dada por Paula Scher ao pr*tty sh*tty.
Na entrevista Paula Scher revela uma profunda lucidez, diz-nos ela (e, com a devida vénia, seguimos a tradução de Sara Goldchmit):
“Eu acho que esse foi um ano ruim para o design em geral e não estou muito certa do que tenho visto ultimamente. Na maior parte das vezes, eu sinto como se estivesse testemunhando o total abandono do design gráfico. É como se toda a indústria estivesse gritando:
SOMOS POBRES
ESTAMOS COM MEDO e
SOMOS IDIOTAS.”
E mais à frente, “Muitos jovens designers talentosos abandonaram seu papel em melhorar o ambiente visual geral. Muitos só querem trabalhar em projetos culturais, ou sem fins lucrativos, ou em projetos que eles entendem que são “bons para a sociedade”. Isso pode ser valorizado dentro da comunidade dos designers, mas de fato não atinge as pessoas comuns. Esses designers tem medo de se envolver nas áreas dominantes de design de embalagem, design promocional ou corporativo. Eles esquecem que esses são os produtos e mensagens com as quais a maior parte das pessoas realmente se defronta no cotidiano, que esses produtos e serviços estão no coração da América e que há a responsabilidade para nós, como designers, de sempre aumentar a expectativa do que o design pode ser. Nós somos responsáveis por essa experiência cotidiana. Esses designers intelectuais deixam a tarefa para outros (agências de publicidade, micreiros, etc) que estão trabalhando somente pelo dinheiro e frequentemente não se importam com o resultado.”
Quem são os responsáveis por este estado de coisas? A comunidade de design sempre revelou uma tendência para identificar inimigos exteriores, na maior parte das vezes diabolizando o cliente ou, em abstracto, qual dirigente de clube de futebol, queixando-se do sistema. Em boa verdade, a nova geração de críticos surgidos dos anos 90 tiveram o mérito de procurar identificar causas para determinadas situações negativas no interior da comunidade de design mas, em diversos casos, distanciando-se dessa comunidade e culpabilizando os designers. Desenvolvia-se assim um discurso que assumia uma certa autoridade pedagógica e que foi circulando nos meios escolares, culturais e científicos mais esclarecidos que reconhecia e denunciava a pobreza do design produzido e a falta de ética que parecia fazer lei estimulando, ocultamente ou às claras, o clientelismo e uma orientação economicista e burocratizada do design.
Quem são os responsáveis por este estado de coisas? Para Paula Scher “foi a comunidade de designers que causou isso. O manifesto “First Things First” inspirou muitos jovens a afastarem-se dos projetos corporativos de branding, publicidade, design promocional, design de embalagem (com exceção de livros e revistas, como se fossem de alguma forma mais nobres). Se esses designers conscientes, que se importam com a sociedade e com o meio ambiente, se recusam a trabalhar nas áreas de branding, publicidade, design promocional e design de embalagens, então imagine, quem o fará? Essa corrente de design-thinking está sendo perpetuada em tantas escolas de design, programas de pós-graduação e também pela AIGA e outras organizações de designers. É fácil inspirar jovens designers desse jeito, criando uma verdadeira missão para eles: “abaixo as corporações da América”, etc. Mas, no fim das contas, cria uma sociedade de designers na qual se aceita que eles abandonem a maior parte da comunicação visual americana. Meu deus!
O problema está colocado: muitos designers distanciam-se de projetos mundanos, como design de embalagens, seja pelo difícil acesso ao mundo dos gigantes corporativos, seja pelo desinteresse dos próprios designers em tentar superar as diferenças culturais que dificultam o diálogo com esses clientes. Ao mesmo tempo, a “nobre” área cultural é um refúgio que, infelizmente, atinge apenas uma pequena parcela da sociedade.”
Que o problema tem de ser resolvido a partir de dentro, envolvendo a comunidade de design, parece-me natural. O problema, antes disso, é ninguém saber o que é, a que corresponde, quem integra essa putativa comunidade de design. Creio que, actualmente, é urgente construir algum consenso para, a partir dele, desenvolver a polémica: unir, para possibilitar a diversidade.
Sunday, March 07, 2010
REVISTAS
Ao ler Merz to Emigre and Beyond: Avant-Garde Magazine Design of the Twentieth Century de Steven Heller, é impossível não nos apercebermos da importância que as publicações periódicas assumem na história do design gráfico.
Também por cá, (e é pena que o livro de Heller não inclua nenhuma revista portuguesa), publicações como a Contemporanea, Orpheu, Civilização, Panorama, Almanaque ou Belém materializam linguagens gráficas e projectos editoriais que, de uma forma ou de outra, estão ligados a vontades de vanguarda.
Numa conferência recente na ESAD, alguém confessava que não encontrava actualmente nenhuma revista de design com a influência que, no final do século passado, a Emigre exerceu.
Indefectível leitor de revistas que contínuo a ser, fui levado a olhar com mais atenção para as revistas que actualmente tento não perder.
Não vou falar das revistas, passadas, que contínuo a reler ou a rever; essas são muitas, entre as que vou comprando em alfarrabistas e aquelas que conservo e às quais gosto de voltar: numa semana posso pegar nas Ícon que Jorge Silva desenhava para O Independente, rever os três números da Elipse, melhor no conteúdo do que na forma, e recuar aos anos 1960 e à Ao Largo cujas capas foram dos mais estimulantes laboratórios de tipografia em Portugal e noutra semana posso reler as paginas dactilografadas da Raiz e Utopia e divertir-me com as experiências iconoclastas da Politika ou da K Capa.
Não vou falar, igualmente, daquelas revistas que, com o tempo, me foram desinteressando. Há casos, como a Domus, que apenas vejo com atenção números antigos, por exemplo para reler alguns dos textos de Andrea Branzi, tendo pouco interesse pelos números mais recentes.
E, por fim, não vou falar de revistas que me chamaram a atenção mas que conheço muito mal, como a Conditions, a Pear ou a Corridor 8, esta última cujo primeiro número tem coisas interessantes (a começar pelo editorial de Roger McKinley) mas, à excepção das duas páginas centrais, não conseguiu tirar partido do formato. Sobre estas revistas espero, no entanto, acompanhar a sua evolução.
Continuo a gostar da Cabinet, da Oase , e da Log que compro esporadicamente, tal como a Baseline e, por vezes, a Grafik, e embora há muito não compre a Eye ou a Dot, Dot, Dot procuro-as inevitavelmente na biblioteca da minha escola.
As minhas preferidas, por esta altura, são a Volume, a minha revista de arquitectura favorita, a Open Manifesto e a F.R. David, projecto parente da Dot, Dot, Dot e da Metropolis M, sobre a qual Mário Moura, há uns tempos, dedicou um texto.
Para além destas, há outras, Vou falar um bocadinho dessas. Começando pela Rosebud. Dela, podemos começar por dizer que é feita na Austria e usa Comic Sans. O projecto foi iniciado há 10 anos pelo designer alemão Ralf Herms que apenas conheço da Rosebud. Cada número é um objecto gráfico autónomo, desafiante e sedutor. Há uns 10 anos comprava a Mutabor que, sendo no conteúdo muito diferente da Rosebud, tinha também essa capacidade de mutação de número para número. Mas aqui, o resultado é mais interessante. Nos primeiros números havia um maior equilíbrio entre conteúdos verbais (pessoalmente sentia, apenas, falta dos textos em inglês) e conteúdos gráficos. A partir do nº 4 a revista tornou-se mais visual, por vezes com soluções mais previsíveis, mas mantendo qualidade. Aguardo receber o nº 7 Rosebud Very Funny!
Acabado de ler está o último número da A Prior. Se a Rosebud é sobretudo para ver, a A Aprior é para ler, sendo que a qualidade gráfica assegura a melhor das leituras. É feita pelo estúdio de design Belga Établissement d’en face projects. Nos 11 capítulos do mais recente número (e eu gosto de uma revista que se organiza por capítulos) há coisas como: Chapter V: Literature, drama, performance, grammar, aesthetics ou Chapter VIII: Gymnastics, occultism, theology, philosophy, suicide. Todos os números que conheço são bons e vários (como o #3-4 ou o #15) são muito, muito bons.
Confesso, que por vezes sabe-me bem ler uma boa revista numa outra língua que não o inglês. A Nada, óptima nos conteúdos e no design, oferece-me essa possibilidade em língua portuguesa, a nova Artes&Leilões também promete faze-lo e, num registo mais académico, para além de colaborador (como escritor e editor) continuo a ser leitor da Revista de Comunicação e Linguagens embora reconheça que a sua solução gráfica é desagradável. Em espanhol, gosto de ler a Atypica, graficamente interessante, com conteúdos que me permitem também perceber o que se vai fazendo na América do sul, embora não a assine e, por isso, dos trinta e tal números tenha meia dúzia é sempre com agrado que a leio.
Gostava que a Cannon fosse uma revista trimestral que me chegasse à caixa de correio. Mas, de facto, não sei sequer se é uma revista e qual a sua periodicidade. É um projecto parente da Dot Dot Dot ou da FR David, porventura mais radical do que aquelas publicações. Editada por Phil Baber, cujas cumplicidades com Will Holder são evidentes. As páginas daquele que penso ser o único número publicado foram sendo produzidas e publicadas autonomamente (a primeira foi feita 6 meses antes da última) antes de serem reunidas num objecto acabado (?). No editorial pode ler-se: “In this first issue we will be feeling our way; blind, uncertain, clutching onto what we can find, running with it, tripping up. Starting again. There is no Grand Plan. We will explore the past where it seems fecund, and hail the future when we can conjure it, but all this is with the aim of establishing our position within the continuous present—working out where to stick our flag.”. É caso para seguir como muita atenção.
Das revistas que vou comprando, a Back Cover é daquelas que parece adivinhar o que eu quero ler. Na altura em que andava a trabalhar os colaborativistas (Eatock, Paul Elliman, Abake, Metahaven) lá vem a Back Cover com um número particularmente interessante com um diálogo entre Richard Hollis e Abake, trabalhos de Metahaven, Didier Semin e Robin Kinross. Óptimo!
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