SENSAÇÃO ESTRANHA: UMA REFLEXÃO SOBRE A CRÍTICA A PARTIR DA VISÃO DE PAULA SCHER
Vivemos uma época estranha. Uma época em que existirão provavelmente tantas pessoas (designers, críticos, professores, estudantes de design, clientes) a dizer que o design que se faz é mau, como pessoas (designers, estudantes de design, auto-didactas com jeito) a fazerem mau design.
Na verdade, nada de novo. Ao longo de toda a história do design foi sempre relativamente nítida essa cisão entre uma orientação mainstream e uma orientação de cariz mais revolucionário. O que, actualmente, nos causará estranheza é o facto dessa cisão permanecer (e permanecer, como nos anos 1930, em termos de bom e mau design) num momento em que nos faltam critérios evidentes que permitam diferenciar o que possa ser mainstream e o que possa ser underground – expressões que perderam o seu sentido pragmático e tornaram-se jargões anacrónicos (e por isso justamente em desuso) e inconsequentes.
Ao longo da década de 1990, reagindo à ressaca da pós-modernidade e ao fantasma da globalização, uma geração de novos críticos, com Poynor e Heller à cabeça, construíram uma espécie de mainstream alternativo que operou uma intensa leitura ideológica do design. A reedição do manifesto First Things First, o esquecido texto escrito pelo esquecido designer britânico Ken Garland nos anos 1960, foi um marco simbólico de uma nova orientação politizada (ligada a um pensamento socialista ora mais ora menos liberal) do design. O controlo de alguns meios (revistas e, mais tarde, blogues), instituições (como a AIGA) e escolas, garantiu o sucesso deste mainstream alternativo que impôs uma nova definição (gradualmente tornada slogan) do design enquanto acção socialmente eficaz.
Sara Goldchmit, publicou recentemente no seu Design Diário uma tradução da entrevista dada por Paula Scher ao pr*tty sh*tty.
Na entrevista Paula Scher revela uma profunda lucidez, diz-nos ela (e, com a devida vénia, seguimos a tradução de Sara Goldchmit):
“Eu acho que esse foi um ano ruim para o design em geral e não estou muito certa do que tenho visto ultimamente. Na maior parte das vezes, eu sinto como se estivesse testemunhando o total abandono do design gráfico. É como se toda a indústria estivesse gritando:
SOMOS POBRES
ESTAMOS COM MEDO e
SOMOS IDIOTAS.”
E mais à frente, “Muitos jovens designers talentosos abandonaram seu papel em melhorar o ambiente visual geral. Muitos só querem trabalhar em projetos culturais, ou sem fins lucrativos, ou em projetos que eles entendem que são “bons para a sociedade”. Isso pode ser valorizado dentro da comunidade dos designers, mas de fato não atinge as pessoas comuns. Esses designers tem medo de se envolver nas áreas dominantes de design de embalagem, design promocional ou corporativo. Eles esquecem que esses são os produtos e mensagens com as quais a maior parte das pessoas realmente se defronta no cotidiano, que esses produtos e serviços estão no coração da América e que há a responsabilidade para nós, como designers, de sempre aumentar a expectativa do que o design pode ser. Nós somos responsáveis por essa experiência cotidiana. Esses designers intelectuais deixam a tarefa para outros (agências de publicidade, micreiros, etc) que estão trabalhando somente pelo dinheiro e frequentemente não se importam com o resultado.”
Quem são os responsáveis por este estado de coisas? A comunidade de design sempre revelou uma tendência para identificar inimigos exteriores, na maior parte das vezes diabolizando o cliente ou, em abstracto, qual dirigente de clube de futebol, queixando-se do sistema. Em boa verdade, a nova geração de críticos surgidos dos anos 90 tiveram o mérito de procurar identificar causas para determinadas situações negativas no interior da comunidade de design mas, em diversos casos, distanciando-se dessa comunidade e culpabilizando os designers. Desenvolvia-se assim um discurso que assumia uma certa autoridade pedagógica e que foi circulando nos meios escolares, culturais e científicos mais esclarecidos que reconhecia e denunciava a pobreza do design produzido e a falta de ética que parecia fazer lei estimulando, ocultamente ou às claras, o clientelismo e uma orientação economicista e burocratizada do design.
Quem são os responsáveis por este estado de coisas? Para Paula Scher “foi a comunidade de designers que causou isso. O manifesto “First Things First” inspirou muitos jovens a afastarem-se dos projetos corporativos de branding, publicidade, design promocional, design de embalagem (com exceção de livros e revistas, como se fossem de alguma forma mais nobres). Se esses designers conscientes, que se importam com a sociedade e com o meio ambiente, se recusam a trabalhar nas áreas de branding, publicidade, design promocional e design de embalagens, então imagine, quem o fará? Essa corrente de design-thinking está sendo perpetuada em tantas escolas de design, programas de pós-graduação e também pela AIGA e outras organizações de designers. É fácil inspirar jovens designers desse jeito, criando uma verdadeira missão para eles: “abaixo as corporações da América”, etc. Mas, no fim das contas, cria uma sociedade de designers na qual se aceita que eles abandonem a maior parte da comunicação visual americana. Meu deus!
O problema está colocado: muitos designers distanciam-se de projetos mundanos, como design de embalagens, seja pelo difícil acesso ao mundo dos gigantes corporativos, seja pelo desinteresse dos próprios designers em tentar superar as diferenças culturais que dificultam o diálogo com esses clientes. Ao mesmo tempo, a “nobre” área cultural é um refúgio que, infelizmente, atinge apenas uma pequena parcela da sociedade.”
Que o problema tem de ser resolvido a partir de dentro, envolvendo a comunidade de design, parece-me natural. O problema, antes disso, é ninguém saber o que é, a que corresponde, quem integra essa putativa comunidade de design. Creio que, actualmente, é urgente construir algum consenso para, a partir dele, desenvolver a polémica: unir, para possibilitar a diversidade.
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PERFIL
- REACTOR
- REACTOR é um blogue sobre cultura do design de José Bártolo (CV). Facebook. e-mail: reactor.blog@gmail.com
4 comments:
design mainstream e design revolucionário. deus e o diabo, a ordem é arbitrária. a ausência de pensamento é palavrosa. lucidez, nem por isso.
jp
Precisamente como diz, os termos (retaguarda/vanguarda) tornaram-se reversíveis, indistintos (daí a "tal" ordem ser arbitrária). Sobre isto, um texto "clássico" de Andrea Branzi (eventualmente "palavroso" mas nada ausente de pensamento): From Historical Avant-Gardes to Permanent Avant-gardes, Domus, 783, 1996.
É possivel fazer bom design seja para a cultura ou para uma simples caixa de detergente da loiça ou um sco de raçãopara animais. eu pessoalmente prefiro desenhar uma embalagem que um cartaz. eu em 2 anos ja desenhei cerca de 134 embalagens só para uma empresa de cosmeticos. É para um mercado vasto é para pessoas desde de médicos até esteticistas e acredite é muito nobre. Nósdesigners não trabalhamos só em função de agradar mas também tornar legivel e funcional um determinado meio de comunicação visual para um publico geral da cultura, politicos, medicos, designers, trolhas, trabalhadores, e cada um tem uma forma de ver as coisas diferente. Aí é que a força do design e do designer possiblita a todos, à comunidade o acesso a informação visual.Nãodigo que seja fácil,mas é possivel,mesmo num grafismo que não corra como se deseja que este fique devido a factores de gosto, decisão do cliente, etc, mais rabuscado ou feio do nosso ponto de vista, o importante é torna-lo com as mesmas condições mais atractivo e funcional na informação. Acho que todas as pessoas têm o direito de receber directamente ou de forma inconsciente o melhor grafismo possivel desde um cartaz de um teatro ate a uma simples lata de sardinhas no supermercado.
Será que foram os jovens designers que se afastaram disso ou foram os directores de marketing que se encarregaram de contratar agências de publicidade? A maior parte das empresas produtivas, que transformam produtos e têm marca própria, contrata ou agências publicitárias ou um designer para trabalhar a tempo inteiro.
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