Friday, March 19, 2010

BOOK ART E BOOK DESIGN: IMPORTAÇÕES E EXPORTAÇÕES

por Francisco Laranjo




Há relativamente pouco tempo, visitei parte da colecção de livros de artista (Book Art), da Tate Britain. A curiosidade era grande, não só pelo meu interesse no formato, mas também pela crescente moda – pelo menos em Inglaterra e E.U.A. – em produzir arte utilizando este meio.

Em cinco grandes mesas estavam mais de uma centena de livros. Estes eram de tamanhos variados, propósitos distintos e acabamentos diferentes. Alguns mais experimentais, outros mais convencionais, mas proporcionando (quase) sempre o prazer de explorar um objecto físico numa altura em que o iPad e o Kindle ganham cada vez mais adeptos e se redefine e reflecte sobre a forma de traduzir ou fazer renascer o formato num ecrã.

A introdução que foi feita pela responsável da colecção ao grupo de alunos que acompanhava, foi no mínimo desconcertante. Para quem estuda design gráfico – como os alunos em seu redor – o discurso que se ouvia era simplista, redutor e demasiado primário. Um livro, dizia a responsável, é um objecto que transporta em si uma relação intrínseca entre espaço e tempo, sendo este último o elemento que mais a fascina na construção de uma narrativa, utilizando vários materiais (papeis principalmente) que podem alterar o conteúdo e brincar (!) com o conteúdo.

Era óbvio que não se tratava de uma especialista, algo que não se esperava numa instituição com a Tate Britain e de um cargo de tamanha responsabilidade. Na demonstração feita aos alunos, o livro que foi por ela escolhido como um dos seus favoritos, foi o Echo da autoria de Ronald King. Este pequeno livro de orientação horizontal tinha apenas quatro páginas. Na capa de papel escuro, espesso e texturado surgia em alto-relevo a palavra “echo” num tipo de letra sem serifa e com os cantos arredondados. Da primeira para a quarta página, a força aplicada no alto-relevo diminuía, ilustrando assim a ideia de eco. Tipograficamente, o livro era simples mas bastante bem cuidado. Tanto este como dois ou três livros de King que estavam pousados numa das mesas, diziam sempre no final “designed by Ron King”.

Entre livros produzidos através de impressão off-set, agrafados ou com encadernação de espirais de plástico, era difícil julgar a qualidade dos objectos de arte. Tudo devido aos preconceitos de um designer gráfico em relação ao conhecimento e controlo tipográfico, coerência e consistência na utilização de materiais, composição, método de impressão ou encadernamento. É realmente difícil ver livros que parecem banais, agrafados, explorando ideias de sequência que já existem há séculos (literalmente), com tratamentos tipográficos grosseiros, entrelinhamentos completamente desajustados; e conseguir olhar para eles de uma forma imparcial, considerando-os como objectos de arte.

Estes julgamentos são ainda mais complicados de fazer, quando se pode ver relativamente perto da Tate Britain, uma selecção extraordinária de design de livros na St. Bride Library e ter o previlégio de ouvir Jost Hochuli (autor do clássico Designing Books – Theory and Practice, Hyphen Press) a falar sobre a curadoria da exposição de livros produzidos em St. Gallen, da história e processos diferentes de produzir um livro.

Na Tate, entre muitos nomes, encontramos na colecção livros de autores como Ed Ruscha, Sol LeWitt ou Dieter Roth. Apesar da imponência e da qualidade do trabalho de nomes como estes, continuava a ser difícil não julgar – de uma forma geral – os trabalhos como meras introduções ao design de livros. Na verdade, a confusão criada pela responsável da colecção e a realidade de uma disciplina ainda relativamente pouco (mas cada vez mais) teorizada e criticada, faziam com que os livros em exposição fossem uma mescla de livros de artista, quasi-catálogos de exposições, pequenas experiências e livros feitos por designers para ou em colaboração com artistas.

O design gráfico continua ainda hoje a lutar pela sua independência da Arte ou como lhe chama o artista inglês David Blamey, design’s fat cousin. Grande parte das disciplinas no campo do design, tiveram a arte como nave-mãe. O design de livros, será por ventura uma das disciplinas que não teve essa origem e um dos raros casos em que uma sub-família do campo da arte, nasceu do design.

O livro de artista nasceu na segunda metade do séc. XX e começou a ter mais atenção a partir dos anos 60, enquanto que o design de livros, disciplina pertencente ao campo da macro-tipografia tem várias centenas de anos de existência. Esta disciplina artística (Book Art), tem então muito a aprender com o design (Book Design).

Pelos livros que pude cuidadosamente observar e folhear, haviam apenas dois tipos de livros de artista que eu considerei de qualidade. Os primeiros eram livros altamente experimentais, fazendo tábua rasa de concepções da forma ou finalidade que um livro deve ter, naturalmente devido ao facto de que um livro era produzido para fazer circular informação com a maior quantidade e qualidade possível. Livros que apenas podem ser concebidos manualmente e que questionam e expandem o próprio formato eram bons exemplos de book art.
Os segundos, eram livros claramente informados por designers ou artistas com formação em design/ tipografia, onde os detalhes eram meticulosamente pensados e os processos alimentados por grande conhecimento de design ou por uma produtiva colaboração. Salvo raras excepções, todos os outros livros eram mais ou menos banais, inconsequentes, prematuros. E, dentro desta banalidade, eram absorvidos pela bola gigante chamada design... ou seria arte de fraca qualidade? Numa altura em que o designer-artista está tão em voga, esta é mais uma vez uma das raras oportunidades que o design tem a escolha de repelir ou excluir. Por outras palavras, se um livro é mediano em conteúdo e sua produção medíocre, será que lhe chamamos arte ou design de principiante? Será que assim que um artista junta um determinado número de folhas com um tipo qualquer de encadernamento, esse livro ganha automaticamente a classificação/ categorização de livro de artista?

Estas são questões que irão naturalmente ter respostas e contextualizações diferentes por parte dos campos da arte e do design, mas o design deve assumir, sem preconceitos ou medo, os seus princípios, história e tradição milenar na exploração de um suporte tão fulcral e determinante na história da humanidade.

Presentemente, o que se pode constatar é um grande aumento de interesse por este formato: desde a emergência de vários cursos de licenciatura e mestrados, passando por numerosas feiras onde é possível ver alunos a formar pequenas editoras, até a uma grande proliferação de publicações sobre livros de artista.

Contudo, as anteriormente mencionadas linhas fronteiriças que delimitam a arte e o design, esboroam-se quando as relações platónicas que a responsável pela colecção de livros da Tate Britain, Jost Hochuli, Tim Guest (Books by Artists, 1981) ou Robert Bringhurst nutrem pelo formato, se tornam evidentes. Inevitavelmente, os seus discursos desaguam numa expressão por todos mencionada e de certa forma conciliadora: o que os une é o gosto pela arte de fazer livros.

3 comments:

Catarina Sobral said...

Quais são os critérios com que define livro de artista, para considerar que é um género que só aparece na segunda metade do séc. XX?
Por exemplo: os livros futuristas russos, dos primeiros anos do século passado, não pertencem à esfera da Book Art, disciplina que existe desde que foi inventada a imprensa no séc. XV.

Francisco Laranjo said...

@Catarina Sobral
Os critérios tem sido teorizados, mas continuam e continuarão em aberto. Sugiro isso mesmo no artigo, sublinhando que os campos da arte e do design se interceptam, logo misturando datas e provocando confusão/ evolução na definição da disciplina(s?).

No entanto, a legitimação feita através de produção crítica e teórica, quer por parte de historiadores e críticos, quer por parte dos próprios artistas (como Ed Ruscha) só acontece no princípio da segunda metade do século passado.

Não me parece que uma análise possa ser feita através de um caso isolado e neste sentido, afirma-se que os livros de artista, enquanto movimento, começaram por volta de 1960.

"Artists' books can be described as those books which have been produced by artists. distinct from other kinds of art publishing in that they're not tied to the conventions of literature or criticism or illustration. The principle theory of artists' books is that instead of being about art they're rather books which are intended as artworks in themselves." (Tim Guest, 1981, p.7)

Este movimento que data da segunda metade do séc. XX, insere-se no contexto da desmaterialização do objecto de arte. Esta contextualização histórica é importante e não pode ser aplicada, na minha opinião, à produção de livros feitos pelos Futuristas Italianos ou Russos.

Os objectivos e pressupostos destes últimos eram os de dessiminar cartazes, panfletos e livros com a maior distribuição possível, e claro, contornar os habituais canais de exposição: galerias, teatros, sessões de poesia, literatura. Naturalmente, estes livros já questionavam a estrutura, forma e materiais de um livro, mas não me parece serem estes os únicos critérios que fazem um livro caír na categoria de livros de artista.

Contudo, a acreditar na Wikipedia e/ ou livros generalistas, pode ser lida muita confusão, datas que oscilam entre mais 50 ou menos 150 anos, descrições pouco informadas e com pouquíssima leitura feita antes de fazer afirmações autoritárias.

O livro existe há muito mais tempo (várias centenas de anos) do que a "jovem" data da invenção da imprensa. Mas, quando se cai na tentação de elevar um livro a objecto de arte, parece-me que será sempre importante atribuír percentagens (ao Design e à Arte) que nos poderão ajudar a definir para que lado a balança deve tender, logo informando uma categorização estudada.

Catarina Sobral said...

Eu concordo que seja muito difícil definir livro de artista, e que é mais fácil dizer o que não é. A questão da tiragem, por exemplo, não me parece ser relevante para excluir alguns exemplos. E concordo com Johanna Drucker quando diz que "If all the elements or activities which contribute to artists' books as a field are described what emerges is a space made by their intersection, one which is a zone of activity, rather than a category into which to place works by evaluating whether they meet or fail to meet certain rigid criteria. There are many of this activities: fine printing, independent publishing, the craft tradition of book arts, conceptual art, painting and other traditional arts, politically motivated art activity and activist production, performance of both traditional and experimental varieties, concrete poetry, experimental music, computer and electronic arts, and last but not least, the tradition of the ilustrated book, the livre d'artiste."(2004:2).
Como tal defende que é a forma de arte por excelência do século XX e mostra alguns bons exemplos do início do século, que a mim me parecem mais próximos da categoria de "primeiros livro de artista" do que "precedentes do livro de artista". Mas claro que cada crítico situará de maneira diferente as fronteiras temporais.

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REACTOR é um blogue sobre cultura do design de José Bártolo (CV). Facebook. e-mail: reactor.blog@gmail.com