Tuesday, June 22, 2010

ENTREVISTA À EFEMÉRIDE


A Efeméride, boletim cultural editado pela Ermida de Belém, publica no seu último número (dedicado ao centenário da república) uma breve entrevista que Catarina Cruz me fez e onde se fala da evolução do design em Portugal nestes últimos cem anos.




1 – A partir de quando é que podemos começar a falar de design em Portugal?


Se pensarmos na existência de uma “consciência” relativamente ao design – entendido como união entre arte e indústria visando a produção de artefactos capazes de gerar inovação social – ela surge cedo entre nós, basta ver a polémica gerada em torno da representação de Portugal na Exposição Universal de Paris de 1889. A representação foi entregue à Associação Industrial de Lisboa mas era um anacronismo falar de indústria em Portugal nessa altura. Mesmo os sectores mais importantes como as conservas ou os vinhos não estavam industrializados. Sem indústria, o pavilhão português fazia a valorização de um Portugal rural, pitoresco e colonial, se nessa mesma exposição se apresentam inúmeras inovações industriais exibidas na Galerie des Machines, Portugal mostra carros de vacas do Barroso contendo artesanato regional. A exposição de Paris mostra que não há design em Portugal – a excepção seriam as faianças artísticas da fábrica de Bordalo Pinheiro – mas suscita igualmente em alguns núcleos um desejo

reformador do ensino e da indústria. Contudo, este desejo reformador fazia-se, frequentemente, acompanhar da defesa da preservação do “estilo português” (algo que nem os próprios defensores saberiam exactamente o que era) e de pontuais acessos de grandeza bem expressos no balanço da Exposição da Indústria Nacional realizada em Lisboa em 1849 feito por António de Oliveira Marreca e onde ele afirma que a realidade nacional no campo das “artes úteis” em nada fica a dever ao panorama internacional.


Do ponto de vista gráfico, a distância relativamente ao que é feito em Inglaterra, em França ou na Alemanha era, no início do Séc. XX, um pouco menor. Há uma rica e contemporânea produção no campo da ilustração caricatural (com destaque para Leal da Câmara e Bordalo Pinheiro), alguma publicidade e, embora em pequeno número, qualidade no campo editorial, por exemplo na publicação de tratados com uma linguagem moderna, bem paginados, usando fontes Baskerville o que revelava a actualização dos tipógrafos de casas com a Imprensa Moderna no Porto.


O primeiro ateliê de design é criado em 1915 por António Soares e Jorge Barradas. No entanto, o mercado de design em Portugal era quase inexistente e o ateliê rapidamente fechou. Só nos anos 1930 com o desenvolvimento da cidade de Lisboa a norte, graças à dinâmica das Avenidas Novas, com o surgimento de casas de decoração, como a Barbosa & Costa ou a Jalco, com a chegada ao poder de António Ferro e consequente crescimento das encomendas públicas é que se começa a sentir a existência de um mercado de design. Surgem, então, diversos ateliês de design e publicidade, sucedendo ao Atelier Arta de Soares e Barradas, como o Íbis de Bernardo e Ofélia Marques, a ETP de José Rocha, o Estúdio MR de Manuel Rodrigues, para além de publicidade desenhada por revistas periódicas (ABC, Civilização) e assinada em nome individual (Kradolfer, Emmerico, Tom etc.). De uma forma mais consensual, é então, nos anos 1930, que podemos falar de uma cultura do design em Portugal embora não exista ensino, nem indústria, nem crítica, nem democracia...




2 – O design em Portugal surgiu mais tarde do que em outros países? Quais as influências e condicionantes do contextos histórico?


No início do Século XX não se fala em Portugal em Design mas o que chamaríamos hoje design era então designado de “Artes Decorativas” cá como no estrangeiro. O que havia em Inglaterra, na Alemanha ou nos Estados Unidos era uma visão revolucionária da ligação entre arte, técnica e indústria, que em Portugal não seria possível de implementar por não haver indústria e por outro lado por uma visão algo ingénua do que podia ser o envolvimento político do artista.


Se pensarmos na acção de António Ferro, que referi na resposta anterior, ela contribuiu para o que, em linguagem actual, diríamos ter sido o crescimento das indústrias criativas mas não para o desenvolvimento do design industrial.


A ideia central do design moderno, enquanto ideia disciplinar, de uma lógica que pode juntar o engenheiro, o pintor, o decorador, expressa pelo principio da “adequação ao propósito”, essa só será verdadeiramente valorizada em Portugal após a criação do Instituto Nacional de Investigação Industrial, em 1959, que nos anos 70, com o envolvimento de Margarida D’Orey, Sena da Silva ou Madalena Figueiredo, realiza as duas exposições de design português com trabalhos de António Garcia, Eduardo Anahory, Daciano da Costa, da Cooperativa Praxis, do Gabinete de Design D. I., entre muitos outros.





3 – O design surgiu, inicialmente, muito ligado à produção industrial, segundo li num artigo que escreveu. Em que é que isso se traduz?



Sim, o design nasce no contexto da revolução industrial associado ao pensamento utilitarista. Através da união entre arte e indústria o que se procura construir é um novo programa disciplinar capaz de racionalizar a produção industrial em nome de um projecto social e politico modernos. Apesar das diferenças entre eles, é este desígnio que aproxima William Morris, Henry Ford ou Walter Gropius. A exposição do MoMA de 1934, intitulada “Machine Art” evidenciava bem uma nova lógica de produção funcional, que corresponde à visão triunfante do design moderno.



4 – Este ano comemoramos o centenário da República. Existe alguma relação entre a instauração da República e o design?



Os Humoristas do final do séc. XIX e primeira década do séc. XX (Rafael Bordalo Pinheiro, Leal da Câmara, Francisco Valença, Cristiano Cruz, Emmerico ou Jorge Barradas) onde podemos identificar a primeira geração de designers portugueses foram, na sua maioria, antes da implementação da República críticos da Monarquia e depois da instauração do regime republicano críticos da República. O Papagaio Real, dirigido por Almada Negreiros e onde colaboram Stuart Carvalhais ou Jorge Barradas, ataca acidamente os chefes políticos da República. Da mesma forma, como é sabido, o Modernismo português (Almada, Pessoa, Mário de Sá Carneiro, José Pacheko) e as suas principais publicações como a Orpheu, a Contemporânea ou a Águia não são pro-republicanas. Mas é inegável que é após a instauração da República que se dá uma dinamização da cultura portuguesa – com o surgimento de movimentos como o Modernismo, o Futurismo, o Saudosismo ou a Renascença portuguesa. Neste último movimento, é evidente o desejo de aproveitar a mudança de regime para renovar a sociedade portuguesa ultrapassando as insuficiências que se reconhecia terem marcado os últimos tempos da monarquia constitucional.




5 – Quem foram os pioneiros do design em Portugal?



O contexto do design português foi e é peculiar. Não tem uma história linear. Talvez por isso, os pioneiros (no sentido daquele que desbrava um território inóspito e frequentemente hostil) não estão circunscritos a um momento histórico. Ao longo do tempo vamos encontrando pioneiros: Bordalo Pinheiro, Raul Lino, José Pacheko, Bernardo Marques, Sebastião Rodrigues, Daciano Costa. Mas também no design contemporâneo encontramos pioneiros. Guta Moura Guedes é pioneira na curadoria, em Portugal, de um evento de design de larga repercussão internacional como é a Experimentadesign; o Mário Moura e eu próprio somos pioneiros na exploração de novos meios para a produção de crítica do design; o Dino dos Santos é pioneiro na aceleração de tempos de resposta na criação de famílias tipográficas; o João Faria é pioneiro na conquista de espaço de criação e experimentação, em trabalhos para um grande cliente institucional, como os seus cartazes para o TNSJ comprovam; a Boca do Lobo é pioneira na bem sucedida comercialização de objectos de luxo num contexto de forte recessão económica. Por não possuirmos uma cultura de design desenvolvida, fazer design em Portugal sempre envolveu alguma forma de pioneirismo, isto é, de inovação e persistência.

5 comments:

Anonymous said...

só para ficarmos na cidade,
o João Nunes nunca existiu no TNSJ?
ou não será suficientemente criativo e experimental?
o mais certo é não cumprir o calendário da actualidade desejada, já não é a cor da estação.
não nos faltam pioneiros da desinformação ...

REACTOR said...

E antes do João Nunes existiu o José Brandão no TNSJ e a lista não se resume a três...
Estou pouco preocupado com as cores da estação, tal como estou pouco preocupado com as sensibilidades tocadas pela menção de um nome ou a falta dela...
A entrevista reflecte, aliás, meia hora de conversa despreocupada.

Ricardo Moura said...

Então? São apenas exemplos! Valha-me Deus, não é preciso fazer uma lista exaustiva de designers. Acho que a Drop, dirigida pelo João Faria, com os designers que o acompanham no Estúdio, são um bom exemplo do design em Portugal, sobretudo no Porto. Esta cidade, no que respeita ao design gráfico para as instituições, e não só, está embrutecida, parola e profundamente decadente, graças à "cultura" desta Câmara Municipal. O João Faria é uma lufada de ar fresco no design. É novo, é certo, mas é um designer que não sofre da sede de protagonismo e é um excelente educador para as novas e futuras gerações do design. Alias, para quem o conhece, faz sempre questão de afirmar que o design não é só dele, mas sim da equipa a que ele pertence. Isto diz muito. O mesmo digo do Estúdio do Martino e da Jaña, que trabalham em conjunto com talentos que vão dar que falar no futuro.

REACTOR said...

Já agora, estamos na véspera da inauguração da Bienal de Design de Brno, trata-se da 24 edição de um evento, hoje em dia, plenamente consolidado. Entre as exposições o destaque vai, naturalmente, para a exposição dos R2 vencedores na competição em 2006. Lizá Ramalho fará parte do Júri. Não vou estar na inauguração mas conto conseguir ir ver.

Anonymous said...

Penso que a Guta se coloca mais na categoria de alpinista social às custas do dezaine

PERFIL

REACTOR é um blogue sobre cultura do design de José Bártolo (CV). Facebook. e-mail: reactor.blog@gmail.com