Thursday, June 17, 2010

DESIGN RELACIONAL: ALGUMAS NOTAS


É sabido que, na sequência da publicação em 1998 da Esthétique Relationnelle de Nicolas Bourriaud fomos assistindo à rápida e disseminada afirmação de uma lógica de criação baseada no relacional, geralmente associada a uma valorização do processo (Bruce Mau afirma, de resto, no seu Incomplete Manifesto que “process is more important than outcome” ), do contexto, da obra aberta, da autoria colectiva (agora designada de co-design ) e de uma certa tensão identitária entre design-arte, obra em movimento e acontecimento social.

Antes de Bourriaud, autores como Kathy Acker, ligados ao campo da teoria crítica, haviam definido as bases de uma teoria legitimadora das práticas de vanguarda do design contemporâneo agora associadas a diversas linguagens disruptivas: “the languages of flux”; “the languages of wonder materiality and play”; “the sexual and emotives languages”; “languages of intensity”; “language that forgets itself”, etc. (Kathy Acker, Bodies of Work: Essays, London, Serpent’s Tail, 1997, págs. 91-92.)

Este projecto discursivo, no sentido de Acker, este projecto relacional, no sentido de Bourriaud, tende a ser trabalhado como um medium processual operador da passagem de uma relação de contemplação para uma relação de utilização (política, social, científica etc.) das obras; o projecto relacional é assim lugar de afirmação de uma acção política (no sentido da “política directa” ou “sub-política” de Ulrich Beck) na medida em que se considera que “having reflections and critical thoughts is to get active, posing questions is to come to life.” (Claire Bishop, “Antagonism and Relational Aesthetics”, in October, 110, Fall 2004, p. 51.)

Autores como Bojana Kunst vêem neste instaurar de novas formas de discursividade social (tal como elas nos aparecem, sob formas diferentes, nos trabalhos dos Stalker, Abake, Superflex, Daniel Eatock, Bruit du Frigo ou de Metahaven) a expressão de um novo materialismo da relação: “not a materialistic awareness of historical and ideological discourses, but rather a constant physical connecting of collaborative protocols of knowledge production, bodily experiences and inhabitations.”.


Veja-se o exemplo do recente projecto de Dexter Sinister “Only an Attitude of Orientation”. Por ocasião da exposição “An Invitation to an Infiltration”, apresentado na Contemporary Art Gallery de Vancouver, Stuart Bailey concebeu um evento que consiste em cinco acontecimentos desenvolvidos ao longo de cinco dias (entre 26 e 30 de Janeiro); informação sobre cada evento foi fornecida apenas na véspera através da mailing list da Dexter Sinister. A orientação face ao projecto, por parte de cada espectador, deve resultar de uma atitude face ao projecto, de uma disponibilidade para nele participar aceitando-lhe as regras - de imediatismo, efemeridade, contingência, especificidade, etc. – que o caracterizam.

Num interessante artigo, Rick Poynor explora a noção de “design relacional” para sugerir a forma como os parâmetros do design se estendem, actualmente, para lá do objecto estético ou funcional passando a incluir uma modalidade mais vasta de envolvimento na vida pública. A característica principal deste “design relacional” não é exclusivamente visível na presença material do design, não se circunscrevendo apenas a uma tipologia de produção, sendo antes o processo de construção do diálogo entre as percepções, as reacções e as intervenções dos diferentes actores de uma mesma prática social.


Embora o texto de Poynor se assuma como uma reacção a um artigo escrito pouco antes por Andrew Blauvelt no Design Observer , que publicámos no nosso último post, entre os dois artigos são mais as afinidades do que as diferenças. Blauvelt considera que actualmente experienciamos um terceiro paradigma do design: “The third wave of design began in the mid-1990s and explores design’s performative dimension: its effects on users, its pragmatic and programmatic constraints, its rhetorical impact, and its ability to facilitate social interactions. Like many things that emerged in the 1990s, it was tightly linked to digital technologies, even inspired by its metaphors (e.g., social networking, open source collaboration, interactivity), but not limited only to the world of zeroes and ones. This phase both follows and departs from twentieth-century experiments in form and content, which have traditionally defined the spheres of avant-garde practice. However, the new practices of relational design include performative, pragmatic, programmatic, process-oriented, open-ended, experiential and participatory elements. This new phase is preoccupied with design’s effects — extending beyond the design object and even its connotations and cultural symbolism.” .

Uma arqueologia do uso conceptual do “relacional” por parte da teoria do design contemporânea levar-nos-ia a um artigo publicado por Limited Language no número 74 da revista Eye . Na leitura de Limited Language, o conceito de estética relacional aplicar-se-ia à cultura visual contemporânea como identificação de um processo no qual as “relações sociais espontâneas” tendem a ser esmagadas pelos mecanismos massificados da informação: “For Bourriaud, spontaneous social relations are vanishing in the information age as communication becomes restricted to particular áreas of consuption: coffe shops, pubs and bars, art galleries and soo n. This is a world littered with the artefacts of graphic design.”

Dentro deste contexto, o relacional surgia como uma possível orientação crítica de um design empenhado em mediar activamente processos sociais, de activar “zonas de comunicação”, de gerar “microtopias”, de criar, enfim, através do design, novas formas de discursificação cultural, assumindo-se o designer como semionauta: “Here, the designer is not the starting or end point of a finished product but, to use Bourriaud’s term, a “semionaut” who connects new spaces, new narratives. For him, “The Semionaut” imagines the links, the likely relations between disparate sites.”.

Num artigo anterior, “Towards a Complex Simplicity”, publicado em 2000, Andrew Blauvelt considerava que “There are signs of different forms of design taking hold, projects and solutions that embrace reductive not additive working methods, explicit rather than implicit structures of organisation, a preference for the literal over the ambiguous, and where the ordinary and the quotidian, not the exoticised subcultures of the vernacular, are sources of inspiration. At their best such projects are a critical encounter with problems of representation, both verbal and visual, rather than the next round of stylistic permutations.” . O design de vanguarda contemporâneo avançaria, segundo Blauvelt, rumo a uma complexa simplicidade , a uma forma de design tendencialmente mais participatória e menos prescritiva.

Um dos exemplos dados por Blauvelt é o de um cartaz desenhado por Paul Elliman para uma conferência sobre a obra de Lautréamont, placas brancas foram colocadas entre as palavras “image”, “Maldoror” e “text”, convidando os participantes na conferência a construírem as suas possíveis combinações a partir das palavras dadas e, eventualmente, de outras a inscrever sobre os espaços em branco. O discurso participativo visava, deste modo, a geração de novas formas de discursividade mas, também, a produção de novas formas de sentido. O que o designer responsável pela identidade gráfica da conferência procurava proporcionar era, afinal, no contexto da conferência, a produção de conhecimento não circunscrita aos “especialistas” mas tornada extensível ao público participante.

Na sequência do texto de Blauvelt, o programa do design relacional é, de forma determinante, afirmado no importante ensaio de 2002 “Notes around the Doppler Effect and Other Moods of Modernism” publicado por Robert Somol e Sarah Whiting no nº33 da revista Perspecta . Os autores demarcam-se do que designam por critical Project (ligado ao indexical, dialéctivo e à representação quente) e propõem o que designam por projective “linked to the diagrammatic, the atmospheric and cool performance” , a partir daqui afirma-se um novo programa de design, territorializado a partir das seguintes afirmações/demarcações: “from índex to diagram”; “from dialectics to doppler”; “from hot to cool”. A nova forma de projectar pode ser apresentada como um processo de cooling down: “Overall, one might characterize the shift from critical to projective modes of disciplinarity as a processo f cooling down or, in Marshall McLuhan’s terms, of moving from hot to a cool version of discipline.”

No interior destas práticas atentas “aos efeitos do design – para além do próprio objecto de design” (eis uma possível interpretação deste cooling down), o designer é menos um produtor de conteúdos e mais um modificador de contextos. De acordo com Max Bruinsma, “este entendimento tem profundas consequências para o design. Altera a noção de design como organizador de factos para a de design como gerador de ocorrências. Por outras palavras, o design já não pode ser visto como algo de “objectivo” ou “neutro”, deve ser entendido como “o sedimento das acumulações”. Utilizo aqui o termo “sedimento” para evocar o olhar que o geólogo lança a uma formação rochosa antiga. Para nós, é um velho penhasco, mas o geólogo vê nele o resultado de milhares e milhares de anos de processos físicos, de uma dinâmica específica da natureza.” (Max Bruinsma, “A rebelião das mobs: A cultura do envolvimento”, In Catalysts!, N. 1, Setembro 2005, p. 42.).

No interior das prática sociais, o designer deve ser capaz de operar com esses “ciclos de acumulação”, funcionando, na expressão de Willem van Weelden como um “editor” capaz de se posicionar com a sua “objectividade forte” perante os processos sociais. (Willem van Weelden, “Ser Redactor: A cultura da informação”, In Catalysts!, n. 1, Setembro 2005, p. 26).

Weelden considera que a prática do político de hoje assemelha-se à do designer de informação, pelo menos num ponto: a rotina diária de criar um compromisso viável.

Eis um desafio que, longe de ser menor, caracteriza bem a actual tendência relacional no design: a rotina diária de criar um compromisso social viável.

No comments:

PERFIL

REACTOR é um blogue sobre cultura do design de José Bártolo (CV). Facebook. e-mail: reactor.blog@gmail.com