Wednesday, June 18, 2008



DESIGN PARA A CIDADE


Um dos mais interessantes projectos, de entre os desenvolvidos pelo Centro Português de Design, chamou-se Design para a Cidade: exposição de situações, artefactos e ideias e consistia num percurso de instalação criado ao longo do Jardim de Serralves.

A instalação esteve em Serralves entre 25 de Julho e 22 de Setembro de 1991 e a sua natureza e preocupações reflectiam bem o espírito do então presidente do CPD Sena da Silva. Para alguém que (à semelhança de Daciano da Costa) desenvolveu em Portugal uma ideia (muito pertinente quer do ponto de vista projectual, quer do ponto de vista teórico) de “design em contexto”, a exposição Design para a Cidade não podia deixar de surpreender pelo carácter intencionalmente descontextualizado que marcava a exposição de objectos de mobiliário, transportes, sinais de trânsito, fotografias e desenhos. Esta descontextualização dos objectos que nos apareciam diante de nós, à medida que íamos percorrendo os Jardins de Serralves, obrigavam-nos a repensá-los, perdido o enquadramento que quotidianamente os torna habituais e, por isso, quase invisíveis, aqueles objectos apareciam-nos não só visíveis mas problemáticos, requisitando a nossa atenção, na fronteira do objecto de arte e do objecto de design, mas sempre eficazes enquanto objectos de comunicação. A descontextualização envolvia assim um convite à construção de um novo contexto de compreensão e uso dos objectos.

O título da exposição era, já no início dos anos 90, um título desconcertante. Os três conceitos reforçados na exposição – “situações”; “artefactos” e “ideias” – embora sendo, qualquer deles, pertinente e poético, eram conceitos “antiquados” e em “desuso”. De facto, na linguagem do design português do início da década de 1990 falar em “artefacto” ou em “situação”, era usar uma terminologia pouco cara ao mundo burocrático do “design e da inovação”, numa tendência que creio ainda se mantém.

Um dos aspectos fascinantes da Exposição era o modo como convocava (e os encenava no insuspeito espaço expositivo de um jardim) presente e passado, factualidade e memória, testemunho e registo e, assim, se encontravam num mesmo percurso marcos de correio e antigas viaturas dos bombeiros, vidrões e banda desenhada, cabinas telefónicas para diversas situações, dois núcleos de fotografias e, ao longo de todo o espaço, uma série de “intervenções” da autoria de Sam. Se ao longo do percurso nos apercebíamos que “em questão” estava o equipamento urbano, as novas formas de equipar e habitar o espaço público, a própria ideia de “hábito” agora associada (ou dissociada) à ideia de “trânsito”, também sentíamos, que a inteligência da instalação nos permitia um contacto como aqueles objectos de design, simultaneamente, crítico e lúdico. Não deixa, aliás, de ser interessante recordar que Design para a Cidade inaugurou poucas semanas depois de, em Lisboa, terem aparecido as primeiras intervenções do projecto Arte Pública (incluído nas Festas de Lisboa) que envolveu diversas obras (de Cerveira Pinto, Leonel Moura, Pedro Portugal, Xana, Henrique Cayatte e José de Guimarães, entre outros), nas quais as dimensões “pública” e “política” da arte eram exploradas através de uma sistemática esteticização do objecto utilitário e de uma “instrumentalização utilitária” do objecto artístico, criando muitas vezes jogos de interpretação entre as pré-existências do lugar e a intervenção site-specific (pense-se por exemplo no diálogo entre a intervenção de Leonel Moura nas Amoreiras e o Complexo projectado pelo Arquitecto Tomás Taveira).

Depois de Design Para a Cidade, não me recordo de nenhuma exposição de design português que me tenha entusiasmado tanto, apesar do entusiasmo que o projecto Marvila Capital do Nada, coordenado pelo Mário Caeiro, dez anos mais tarde, ainda me despertou. Curiosamente, os dois projectos (ou os três se quisermos incluir ainda o Arte Pública ao qual fizemos breve referência) partilhavam vários objectos de reflexão (a identidade urbana; as novas formas de equipar e habitar a cidade; a globalização) e processos de questionação, como os, em ambos os casos excelentes, catálogos o demonstram.

Recordando Design Para a Cidade, fico também mais convicto de que, por diversas razões mas seguramente muito por mérito pessoal, o papel desempenhado pelo CPD nunca foi tão válido como durante a presidência de Sena da Silva. Por esta, e outras razões, qualquer história do design português, por mais breve que seja, tem de destacar o seu nome.

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REACTOR é um blogue sobre cultura do design de José Bártolo (CV). Facebook. e-mail: reactor.blog@gmail.com