Sunday, May 09, 2010

DESIGN PORTUGUÊS? O QUE É ISSO?


Amanhã vou ao Dia D organizado pelo IPCA falar sobre identidade no design português. A questão da identidade, tem sido, na última década, objecto de crescente reflexão, ao ponto da portugalidade ser hoje alvo de várias abordagens: da reflexão filosófica (de Eduardo Lourenço ou José Gil), ao estudo sociológico (Miguel Esteves Cardoso ou António Barreto), passando pela exploração comercial (na última década ligada à explosão do retro-brandign). Também no campo do design esse questionamento tem vindo a ser feito (Joana Baptista Costa e Marina Leão dedicaram-lhe recentemente um interessante trabalho): há uma identidade no design português? O que a caracteriza? O que nos diferencia e como esse, eventual, diferencial promove o design português internacionalmente?

Durante o último mês de Fevereiro, a Kiosk em Nova York teve à venda uma selecção de produtos portugueses, que segundo os organizadores Alisa Grifo e Marco Romeny, reflectem a identidade de Portugal: das pandeiretas do Bom Jesus de Braga, às embalagens de creme Benamôr e conservas Tricana, pelo meio os cadernos da Serrote e a brochura do Bussaco com design original do Estúdio TOM.

É claro que aquela visão etnográfica e retro-chich, do Portugal da bolacha Maria, que transpôs para a Spring St. de Nova York o ambiente d’ A Vida Portuguesa, evidenciando este renovado interesse, em tempos de globalização e de reflexão pós-colonial, pela cultura popular, estava longe de apresentar o design português contemporâneo, como um nova yorkino atento pode constatar ao ver uma ilustração de André Carrilho ou de Jorge Colombo na The New Yorker, uma capa da Book Review do The New York Times criada por Cristiana Couceiro (é da sua autoria uma dos mais sedutores blogues do momento) ou ao perceber que a tipografia do The New York Times Magazine é a nova Nyte desenhada por Dino dos Santos.


Mas se esta internacionalização do design português é hoje uma realidade (Barbara Says e Change Is Good surgem-nos no último AREA da Phaidon; R2 e Drop na publicação Small Studios; os jornais franceses Libération e Fígaro foram redesenhados com a ajuda da Dstype; a Creativity Magazine aponta Manuel Lima como uma das 50 mentes mais criativas de 2009...) , por outro lado, é notória a falta de agenciamento e de apoio institucional (já há muito é passado o investimento feito pelo ICEP e o CPD é hoje inoperante) ao design português. Para mais, a marca ligada ao design português de maior projecção internacional, que é a experimentadesign, não tem feito um significativo investimento da projecção de críticos, curadores e designers portugueses, ao ponto de Emily Campbell, da RSA, na sua análise da última edição da experimentadesign (onde refere, entre outros, os nomes de Paola Antonelli, Neri Oxman, Alison Maloney, Emily King e Peter Saville) não ser capaz de nomear um único nome português para além da comissária geral Guta Moura Guedes.

Para encontrarmos um número de uma revista internacional dedicando largo destaque ao design português temos de viajar no tempo mais de vinte anos.

Em Junho de 1988, a revista Gráfica dedicava o seu número 20/21 ao design gráfico português, num destaque que começava logo pela capa desenhada por João Machado, que passava pelo editorial de Manuel Peres e se materializava na apresentação de portfolios de cerca de 30 autores agrupados por categorias que iam do cartaz à ilustração, da identidade ao design editorial.

Ao ver-se a selecção diversificada de trabalhos de João Machado, José Brandão, Vasco, Victor Paiva, Manuela Bacelar, J. Carlos da Rocha, Robin Fior, Henrique Cayatte ou Novodesign facilmente se percebia que ela não caracterizava o design gráfico português – não permitindo reconhecer formas de identidade - mas, antes, a produção gráfica feita em Portugal. E se era verdade, em grande medida continua a sê-lo, que “aqui os contextos são regionais”, como referia Manuel Peres no Editorial, também esse regionalismo localizava o espaço de produção e, por vezes, de valorização de um criador mas muito menos a identidade do seu trabalho.

Na entrada da década de 1990, a cultura visual portuguesa parecia dar sinais de uma alargada renovação: do cinema (com José Álvaro Morais ou César Monteiro) ao vídeo (em 1989 é criada a produtora Latina Europa que será responsável pelo programa Lusitânia Expresso para a RTP), da ilustração ao design editorial. Revistas como a K Capa, cujo primeiro número se pública em Outubro de 1990, representam essa suposição de existência de público para uma publicação, de grande tiragem, de carácter alternativo, visualmente forte (da responsabilidade de João Botelho e Luís Miguel Castro) que juntava um conjunto alargado de ilustradores (Ana Vidigal, Ivo, Filipe Meireles, Manuel João Vieira, Pedro Calapez, Pedro Casqueiro, entre outros) e apostando na imagem fotográfica assinada por Inês Gonçalves. Pouco depois hão-de surgir revistas especializadas, mas de vida curta, como a Porto&Risco ou Portugal Design antecipando uma experiência maior que foi, a partir de 1997, a Belém, consolidando linguagens formais (sobreposição de layers, experimentação tipográfica, composição cinemática) e critérios editoriais (nomeadamente o cruzamento entre alta e baixa cultura) então explorados em diversas zines.

A nova geração de designers que, nos anos 90, sucede ou co-existe com a geração anterior é, então, responsável por uma indiscutível evolução da cultura do design em Portugal, sabendo aproveitar ventos economica e culturalmente interessantes ou, pelo menos, esperançosos.


No entanto, também se nota que esta geração dos anos 1990 é menos herdeira de uma história do design português do que criativamente receptora de influências externas. Não desenvolverei aqui essa reflexão, mas faço notar que uma história do design português revela gerações de designers com pouca ligação inter-geracional. Isso nota-se, particularmente, ao nível do design de produto: os objectos desenhados por Manuel Pina, José Espinho (nomeadamente para a Olaio), Margarida Miguel, José Pulido Valente ou Daciano Costa, Cristóvão Maçara e Carlos Costa não exercem particular influência nos objectos (mais influenciados pela estética Droog e pelo design quente italiano) da geração de Fernando Brizio, Filipe Alarcão, Raul Cunca, Marco Sousa Santos e Miguel Vieira Baptista e estes por sua vez não são continuados pela geração new craft dos Pedrita, Krv Kurva, Boca do Lobo ou SAAL.

Se procurarmos, nos anos 1990, uma mostra de design português no estrangeiro (coisa hoje e sempre raríssima) apenas encontramos a exposição Lusitânia – Cultura Portuguesa Actual, que a SEC leva a Madrid em 1992, tendo como responsáveis Margarida Veiga e Fernando Calhau (comissários da exposição de artes plásticas), Delfim Sardo (comissário da exposição de design), Teresa Siza e José Manuel Fernandes (comissários da exposição de fotografia) e Nuno Júdice ( a quem coube a responsabilidade pelo encontro de escritores), o evento, que pretendia mostrar numa panorâmica geral as tendências que circulavam em Portugal enfatizadas pelos pregões de uma revolução cultural urbana que agitara os anos 80.


O curador convidado a organizar a exposição de design foi Delfim Sardo. A escolha, não sendo consensual, também não se revestia de particular polémica numa altura em que o espaço da curadoria em design era praticamente nulo.

Delfim Sardo não era um crítico ou curador de design mas o argumento, inatacado mas não inatacável, era o de que verdadeiramente não havia em Portugal efectivamente críticos ou curadores de design. A escolha de Delfim Sardo, para comissariar a exposição de Design na “Lusitânia”, era então a escolha de um “intelectual” mais próximo da cultura urbana do Bairro Alto do que, propriamente, do Centro Português de Design, o que traduzia, aliás, a muito relativa crença do Estado nos seus próprios organismos. Como polémica não gerou a escolha (tão discutível na altura como discutível hoje) dos autores representados: Álvaro Siza Vieira, Filipe Alarcão, José Manuel Carvalho Araújo, Pedro Silva Dias, Nuno Lacerda Lopes, Pedro Mendes, António Modesto, Eduardo Souto Moura, Margarida Grácio Nunes, Pedro Ramalho, Francisco Rocha, Fernando Salvador, José Mário Santos e Marco Sousa Santos. A selecção, creio eu, decorria mais da escolha dos empresários (da Loja da Atalaya, da Carvalho Araújo, da Difusão Internacional de Design de Siza, da Elementar e da Proto) do que da escolha do comissário, daí que a exposição “Design Português” ignorasse nomes como João Machado, João Nunes, Francisco Providência, Henrique Cayatte ou o colectivo Infracções, bem como uma nova geração de designers e ilustradores então a afirmar-se. Em todo o caso, também naquela mostra de design português, dificilmente se conseguia caracterizar uma eventual identidade do nosso design (Siza Vieira representaria a identidade da Escola de Arquitectura do Porto, mas uma certa indiferenciação entre Arquitectura e Design era apenas um, entre vários, equívocos da exposição).

Fosse a partir do número de 1988 da Gráfica, fosse a partir da exposição de design português de 1991, era difícil responder à questão: o que caracteriza o design português? O que nos distingue? A dificuldade da resposta resultaria, desde logo, da raridade da pergunta. Efectivamente, a atenção à história e a reflexão teórica sobre o design português só começou a surgir nos últimos anos da década passada. E se na nossa produção gráfica sempre foram visíveis influências do exterior e formas subtis de as receber e reinterpretar (de Leal da Câmara a Henrique Cayatte, de Sebastião Rodrigues a Ricardo Mealha) essa produção não era objecto de análise e reflexão.

Se entre as décadas de 1930 e 1950 assistimos a um esforço do estado, protagonizado por António Ferro, em afirmar, através da cultura visual, uma identidade nacional que culmina na obra maior que é a Vida e Arte do Povo Português encomendada, em 1940, a Paulo Ferreira, a questão da identidade dilui-se no regime de Marcelo Caetano e no pós-25 de Abril.

Ao olharmos para Vida e Arte do Povo Português conseguimos encontrar uma série de características que de forma subtil mas recorrente marcam a produção gráfica de vários designers portugueses: o recurso à ilustração, a exploração de uma iconoplastia etnográfica (a geometrização dos elementos figurativos em Sebastião Rodrigues, Tom e João Machado, a sua gradual abstracção em Cayatte ou o seu uso mais literal como nas sardinhas de Jorge Silva para as Festas da Cidade), a dimensão narrativa, o uso de soluções caligráficas e de tipos não tipográficos (como as letras bordadas dos lenços dos namorados exploradas por Ferreira ou as diversas experiências com lettering testadas pela Silva!Designers para o S. Luiz e sobretudo pela Drop de João Faria nos trabalhos para o TNSJ) características que, pese as diferenças, são exploradas por Sebastião Rodrigues, José Brandão, João machado, Henrique Cayatte, Jorge Silva ou João Faria.

Mas mais do que uma identidade colectiva, o que me parece evidenciar-se hoje no design gráfico português é uma forte identidade individual, o carácter autoral que contribui para uma dinâmica colectiva. Os campos da ilustração e da tipografia provam-no bem.

Se, na sua grande maioria, estes trabalhos tem visibilidade internacional, se inclusivamente os portfolios de muitos jovens designers e estudantes de design foram ganhando, graças às plataformas web, expressão global, um outro aspecto a destacar é o do elevado número de designers portugueses a trabalhar, com sucesso, no estrangeiro. Alguns exemplos: Susana Carvalho trabalha com Kai Bernau no Atelier Carvalho Bernau em Haia com um trabalho excelente de design gráfico, editorial e typedesign; José Albergaria está em França com o muito activo Atelier Change Is Good; Diogo Valério tem um trabalho destacado no Scandinavian Design Group em Oslo; destaque idêntico têm Dina Cereja no TakkStudio em Londres, Gustavo Moita nos Why Not Associates ou Hugo D’Alte na Finlândia, Nuno Vargas e Joana Areal em Barcelona, Nuno da Luz em Berlim, Isabel Lucena e Marco Balesteros na Holanda ou o, incontornável, Manuel Lima a trabalhar na Nokia em Londres.

Os designers portugueses e o seu trabalho circulam internacionalmente e ganharam expressão no mercado apesar do escassíssimo apoio institucional. Talvez essa falta de apoios explique o facto dos designers portugueses se manterem à parte de algumas tendências contemporâneas: os projectos curatoriais, o design relacional, o design-arte determinadas abordagens mais performativas ou políticas. Mas também aqui, lentamente, parecem surgir indícios de mudança...

No design português, a comunidade que vem (no sentido de Agamben) parece ainda indefinida. Talvez esta indefinição seja, aliás, parte do que nos define. Mais do que uma linguagem formal ou dado contextual, o design português caracteriza-se por um conjunto de esforços individuais, dentro de um contexto social, cultural e económico adverso, que contrariando as previsões conseguem ser bem sucedidos. É difícil prever, o que poderia ser o trabalho dos nossos designers, críticos e curadores dentro de um contexto mais sustentável, mas também esse exercício especulativo, o “e se” que tanto nos acompanha, parece fazer parte do que é matéria e estímulo da portugalidade.

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REACTOR é um blogue sobre cultura do design de José Bártolo (CV). Facebook. e-mail: reactor.blog@gmail.com