Tuesday, September 30, 2008




Numa conferência proferida na delegação de Hammersmith da Liga Socialista em Novembro de 1887, William Morris defendia a passagem do programa funcionalista do plano da utopia (o plano da “professia”) para o plano da ideologia (o plano da “acção”) afirmando: «A extinção das incapacidades de um sistema de produção que está exausto não destruirá, estamos convencidos, os benefícios já alcançados; pelo contrário colocará esses benefícios ao alcance de todas a população, em vez de limitar o seu usufruto a alguns. Em suma, chegámos à conclusão que a função dos reformadores é agora a acção, mais do que a professia. Compete-nos usar os meios ao nosso alcance para remediar os males imediatos que nos oprimem; deixamos a tarefa de salvaguardar e usar a liberdade conquistada pelo nosso esforço às gerações vindouras.» (1).

É conhecida a intenção do funcionalismo socialista em utilizar o mesmo sistema técnico, que se reconhece operar no sentido da alienação, com o objectivo de operar a libertação humana.

A estranheza, pelo menos aparente, reside no facto, de, quer do território capitalista, quer do território socialista, se partilhar a mesma esperança em torno das possibilidades que um sistema técnico utilitário pode gerar.

De facto, independentemente, do território ideológico, a máquina (desde a máquina técnica à máquina social) é pensada a partir do modelo conceptual da máquina-utilitária. De qualquer modo, a máquina-utilitária encerra em si os critérios internos da estrutura industrial:

1. Automatismo : automação dos movimentos e das relações.

2. Normalização: normalização das partes activas da máquina; normalização do operário e do operar; normalização dos produtos (conversão do produto em mercadoria).


3. Adaptação: baseada no controlo numérico quer manual quer automático.

4. Integração: integração e complementaridade das operações que não estão associadas por simples adição mas por uma unidade sistemática.


5. Multifuncionalidade: pressupondo uma sistematicidade de todas as funções co-operantes.


Quer a máquina técnica quer a máquina social contemporâneas podem ser pensadas como uma actualização destas características da máquina industrial:

1. Evolução do nível de automação com a passagem do mecânico para o analógico e do analógico para o digital; a máquina passa a possuir memória e iniciativa.

2. A normalização torna-se total; um objecto só pode funcionar dentro de um sistema se normalizado ao sistema; os sistemas passam a possuir circuitos internos de verificação que asseguram, por exemplo, que a informação transmitida à máquina é, de facto, utilizada, anulando, deste modo a entropia.


3. O controlo numérico passa a estar associado a um código simples e eficaz, inscrito, efectivamente, na lógica do funcionamento interno da máquina; as máquinas electrónicas manifestam, precisamente, a redução das operações a formas lógicas simples que sejam fisicamente realizáveis: transístores, imagens de síntese e sistemas binários.

4. A complementaridade das funções conduz à constituição de um sistema global, no interior do qual a actividade humana é integrada.

A máquina de produção é sempre uma máquina de produção semiótica; o processo produtivo, sabemo-lo, pelo menos desde Reuleaux, é sempre um processo de significação que codifica objectos, operações, operadores, espaços e tempos de operação, por relação a um código universal que é o próprio código produtivo. A linguagem produtiva é uma linguagem da qual vamos tento, de cada vez e sempre, índices, índices materiais e concretos a saber: os objectos, as operações e os operadores integrados no sistema de produção. Afinal, “tudo é activo e agido, reagindo no sistema; está tudo em utilização e em função”(2).

Dissemos que a máquina social pressupõe uma máquina semiótica que gera os códigos de produção. Esta linguagem não é feita para os operários mas pelos operários. Os diversos significantes quer associados à máquina – roldanas, tornos, motores, mas também as máquinas totais – quer associados ao operário – fatos, mãos, pernas, pulmões, o corpo todo – quer ao espaço de produção são integrados numa semiótica que fixa os seus significados. A linguagem semiótica, sobrecodifica uma outra, que podemos de designar de linguagem ergonómica. Produzem-se assim duas codificações complementares que designam sentidos, operações, funções, relações no interior de uma meta-máquina que é o sistema de produção social.

Esta meta-máquina torna-se produtora de formas de trabalho e de formas de lazer, produz identidades, relações, territórios, codificando os fluidos (orgânicos, materiais, funcionais, informativos) que percorrem esses territórios organizando uma semiótica sem resto que tudo agencia.

Simondon explica que quanto mais eficaz é uma estrutura técnica mais eficazes são as suas aberturas, isto é, a capacidade de integrar novos fluidos, de os codificar e funcionalizar, preservando e reforçando a sua autonomia. As meta-máquinas cibernéticas contemporâneas são literalmente marcadas por aberturas mas sem exterior, produtoras de integrações excluindo a entropia. Em rigor, esta meta-máquina já não pode ser identificada no plano da técnica mas no plano da tecnologia que integra, codifica, organiza o plano técnico em relação com o plano humano.

A identificação do plano tecnológico permite-nos as seguintes identificações:

1- Mega-máquina (Mumford) população de máquinas (Naville): as máquinas com crescente autonomia, funcionam como uma sociedade na sociedade, definindo novas estruturas de existência humana (mega-máquinas, mega-polis, etc.), constituem-se como unidades fechadas, do ponto de vista do seu funcionamento, mas abertas, do ponto de vista da sua a afectação sobre a realidade.

2. Trabalho integrado, trabalho morto (Naville), trabalho em migalhas (Friedman); a actividade produtora humana não está ligada a um fim que seja consciente ou perceptível, a relação dos meios e dos fins torna-se reversível, o homem mais não faz do que auxiliar a máquina tornando-se peça do sistema ergonómico.

3. A ciência torna-se um meio de produção e uma prática auxiliar da tecnologia.

4. A Organização ganha o relevo da produção, as máquinas não são utilizadas apenas pela sua função económica, antes a função económica é determinada a priori pela lógica da economia politica a partir de um processo de planificação ou projecção; a máquina tende a desmaterializar-se do ponto de vista funcional utilitário para envolver um excesso, uma sobrecodificação que marca o seu valor no interior da meta-máquina.

5. Os sistemas de informação, os media, produzem uma linguagem crescentemente auto-referencial, gerando significantes automatizados que se significam e se funcionalizam a partir de relações entre si, a partir de regras de correspondência que escapam quer ao locutor quer ao receptor.

Na análise da tecnologia que é desenvolvida por autores não necessariamente coincidentes como Heidegger, Marcuse, Gailbraith ou Simondon, parece haver esse denominador comum que passa pelo reconhecimento de que a tecnologia é na sua essência imaterial, enquanto a técnica é na sua essência material; a tecnologia é o dispositivo operativo e lógico no interior do qual a técnica é agenciada politicamente.

Na sua análise dos objectos técnicos, Simondon mostra que não é a produção industrial que define o objecto técnico, mas é, antes, um certo estado do objecto técnico que determina a produção industrial e exemplifica: “ Ce n’est pás le travail à la chaîne qui produit la standardisation instrinsèque qui permet au travail à la chaîne d’exister. Un effort pour découvrir, dans le passage de la prodution artisanale à la prodution industrielle, la raison de la formation des types spécifiques d’objects techniques prendrait la conséquence pour la condition... »(3).

Não nos esqueçamos que Simondon, de uma forma próxima, por exemplo de Heidegger, analisa os modos de existência dos objectos. Falar em objecto técnico, em objecto tecnológico ou em objecto científico é falar em modificações que se dão no objecto, isto é, significa identificar agenciamentos que são reversivos: o objecto agenciado gera materializações do poder que o agenciou fixando-se, assim, um dispositivo. A operação que se dá é, afinal, a operação de conversão de qualquer coisa num objecto determinado, operação que pressupõe sempre um dispositivo onde essa conversão se produz, isto é, um mundo de substituição na expressão de Husserl. Aquilo que se identifica do ponto de vista da tecnologia é um mundo de substituição que se torna activo, operante e eficaz do ponto de vista social na medida em que converte a própria vida social num objecto seu. O objecto técnico ganha assim, ainda na expressão de Simondon, “o poder de modelar uma civilização”(4).

______________________

Notas:

1. William Morris, As artes menores, Pág. 88.

2. A obra decisiva para compreender o programa funcionalista, a sua inserção fundamental no interior da cultura industrial (e a partir dela da “Cultura do Projecto” ou “Cultura do Design”) e a sua aplicação no domínio social é a obra de S. Giedon, Mechanization takes command, publicada em 1948 [e da qual seguimos a tradução francesa de P. Guivarch: S. Giedon, La mécanisation au pouvoir: contribution à l’histoire anonyme, Paris, Centre Georges-Pompidou, 1980]; Giedon tem participação particularmente activa junto de W. Gropius e outros na programação do movimento “funcionalista” que visa uma definição do Design (isto é da concepção e produção de objectos) como disciplina de organização do espaço social -opondo-se explicitamente ao formalismo (styling) - tal como ele é desenvolvido na Bauhaus de Gropius e na Escola de Chicago (e futuramente de uma forma não menos radical na Escola de ULM sob a vigência de Tomas Maldonado e Gui Bonsiepe); é a visão socialista que orienat o funcionalismo que fará nascer o programa de constituição de um “Design Total” expressão, porventura, bem menos inocente do que a formula de uma “arte popular” ou de um “Design para todos” poderia deixar entender, e com a constituição de um “Design Total” o funcionalismo gera um território ambíguo do qual não se consegue retirar; são essas ambiguidades que perpassam a obra de Giedion, e que poderíamos sintetizar assim: o Funcionalismo, pensado como disciplina ao serviço da cultura industrial, torna-se numa disciplina promotora de um mecanismo sócio-cultural fortíssimo; a mecanização ocupa o poder não apenas da produção da arquitectura e do Design Industrial, o Design Total significa a extensão do principio do projecto industrial, da mecanização, aos corpos e às mentalidades; a obra de Guideon situa-se no centro desta ambiguidade funcionalista e apesar do seu esforço em se referir constantemente à “organicidade” e as “condições naturais e vitais da existência humana” esta ambiguidade permanece insuperável.

3. Simondon, Du mode d’existence des objects techniques, Aubier-Montaigne, Paris, 1958, Pág. 24.

4. Idem, Ibidem

Monday, September 29, 2008




(...) Um pouco por todo o lado começa a imperar o princípio de que «tudo é design, o design é tudo», dando consistência à afirmação de Vilém Flusser de que «Everything depends on Design». O designer americano Paul Rand fala mesmo de um «dilúvio de design», que se expressa em logos e brandings de todo o género, pela moda do projecto, em objectos stylish, etc.

Tudo isto é sintoma de uma mutação mais vasta. Basta constatar a pressão para o design genético, quer de animais quer de humanos, as novas próteses e implantes tecnológicos que penetram, rodeiam e mobilizam os corpos, os novos robots, o design ambiental e ecológico, para se intuir imediatamente que sob o glamour do design algo de mais radical está em curso.

Ainda recentemente Hal Foster procurou dar uma explicação para este facto, considerando que se instalou uma nova «political economy of design», que teria origem numa mudança nos objectos, que deixam de ser produzidos em massa, dotados de poder de atracção, para que Marx chamara já a atenção, para incluir crescentemente os compradores no seu âmbito; não menos importante é o facto dos produtos tenderem a desaparecer, transformando-se em «imagem», sendo muitas vezes a imagem todo o produto que existe. Foster destaca ainda a incessante mediatização e digitalização da economia, em que tudo é infinitamente reciclado e hibridizado. Nesta nova economia a monetarização é crescentemente mediada pelo design. Vilém Flusser chamou a atenção para este aspecto. Como ele diz, se aceitarmos que o «valor» de um objecto era baseado no trabalho que continha e no material de que era feito, à medida que os materiais embaratecem e o trabalho se automatiza então apenas o «design confere valor».

A ideia de uma nova economia generalizada, onde a imagem ou o design têm um papel crucial é, de facto, pertinente. Bem vistas as coisas não estamos muito longe das ideias de Debord sobre a sociedade do espectáculo, cujo modelo oculto era o cinema, como agora é o design. Sendo isto verdade, nem por isso é menos evidente que a transformação dos materiais, e dos processos de produção, se deve basicamente a alterações induzidas pela técnica no momento em que assume a forma do design. (...)


José A. Bragança de Miranda
O design como problema

Saturday, September 27, 2008

PAUL RAND




Conversations with Paul Rand
Preston McLanahan, 1996.

Monday, September 22, 2008

DESIGN NO CÂMARA CLARA

O programa de ontem, na RTP 2, Câmara Clara foi dedicado ao design, tendo como convidados Guta Moura Guedes, Directora da ExperimentaDesign e Luís Santiago Baptista director da revista arq./a.





Falou-se da relação entre design e arquitectura; de diluição de fronteiras disciplinares; de Peter Zumthor e Miguel Vieira Baptista; do clip e do tempo.

Foi meia-hora de conversa ligeira, animada por um trio seguro e sedutor. As intervenções de Guta Moura Guedes e de Luís Santiago Baptista não nos ofereceram nenhuma ideia forte; o diálogo entre eles, civilizadíssimo, não nos ofereceu “ponta” de contraditório. Guta insistiu na preocupação da ExperimentaDesign “fazer algo novo” preocupação aliás, de superfície na forma e de tendência no tempo, que me parece, desde sempre, impedir que a ExperimentaDesign vá para além de um dinâmico e sedutor evento lúdico de design. Entretanto, o seu a seu dono, dentro desta orientação, a ExperimentaDesign é um evento incontornável em termos internacionais e Lisboa só ganhará em a acolher em 2009.

Qunado o programa terminou, ficámos com "sabor a pouco". Sendo tão raras as oportunidades de, em Televisão, se ouvir falar (pensar, discutir) de design em Portugal, de cada vez que a oportunidade surge esperamos que se possa ir um pouco mais longe, pelo menos um pouco mais longe do que na oportunidade anterior.

Sunday, September 21, 2008



Relendo o ensaio clássico La deshumanización del arte, escrito em 1925 por Ortega y Gasset, questionei-me sobre o actual estado de desumanização do design.

Saul Bass afirmava que “um dos maiores desafios criativos que se colocam ao designer é o de se relacionar com as coisas que conhecemos melhor, vendo-as e mostrando-as de tal modo que nos permita conhece-las de novo.”. A atenção ao que é banal, ao que é quotidiano, ao que é habitual deveria estar no centro do trabalho de um designer.

Sinto concretamente que o design português é marcadamente desumanizado, na medida em que parece existir dentro de um "mundo paralelo" alheio ao que faz o quotidiano do nosso mundo real: os preços da gasolina, o desemprego, o silêncio de quem devia fazer oposição ao governo, a desorientação da nossa política cultural, enfim o mundo em que vivemos. Sinto que raras vezes o design português faz crítica, o que significa que a maioria dos designers na maior parte do tempo se acomoda e se contenta em fazer o trabalhozinho para o cliente, reduzindo a ideia de design pro bono à "perninha" que é dada para ajudar um amigo. Fazer crítica é estar atento. Vivemos num país de designers desatentos. Com isto não defendo que os designers devam "desatar" a escrever textos e manifestos, não entro sequer nessa discussão saloia da teoria e da pratica. Defendo isso sim a importância fundamental de através dos meios que se quiser escolher (o cartaz ou video, a cadeira ou acção directa, o texto ou flyer) o design português ter alguma coisa a dizer sobre o que o rodeia. Para que não estejamos rodeados de designers Manuela Ferreira Leite.

Milton Glaser reforça esta ideia ao comentar que “os melhores trabalhos nascem da observação de que há uma realidade que existe independentemente de cada um de nós. O designer opera conexões; o design constrói uma forma de unificar o que estava separado e constrói uma experiência na qual esta nova unidade proporciona uma nova forma de ver. O acto crucial de um projecto de design é o de compreender as ligações e mostrar, no que julgávamos desligado, um certo sentido de unidade.” A ideia não é nova. Kant chama-lhe de sensus communis ao qual devemos estar atentos por uma espécie de impulso ético que ele designa de humaniora. É esse sentido de humanidade que Ortega y Gasset dizia estar ausente do mundo da arte e que me parece ser frequentemente esquecido no mundo do design.

Entretanto recordei-me de outro livro que, também por estes dias, reli o extraordinário A morte de Virgílio de H. Broch. Não era Virgílio quem, no final da sua vida, se sente impelido a queimar a sua valiosa obra por se ter dado conta da sua irremediável fragilidade? No fim dos seus dias, Virgílio é assaltado por essa dúvida: teria sido mais importante não ter escrito a Eneida e ter ajudado um amigo?

Wednesday, September 17, 2008






Depois de quatro edições em Lisboa, a ExperimentaDesign arranca amanhã a primeira edição em Amsterdam com uma intensa semana inaugural. Na edição de hoje do jornal Público, um artigo de Joana Amaral Cardoso faz uma interessante apresentação da exposição Flexibility comissariada por Guta Moura Guedes para Turim – Capital Mundial do Design e envolvendo diversas colaborações portuguesas (Pedro Gadanho, Fernando Brízio, Lidija Kolovrat).




Regressada de férias, A Barriga de Um Arquitecto comenta (e bem ) a recente entrevista de Souto de Moura ao Expresso .




Augusto M. Seabra não dá tréguas, depois de ter caído em cima de Alexandre Melo, pega agora no exemplo da instrumentalização do trabalho de Joana Vasconcelos para continuar a sua reflexão sobre questões de gosto e de poder.




De forma pertinente (mesmo que por vezes demagógica) Keith Olbermann prova-nos, em 9/11 Branding, o que todos já suspeitávamos, como o 11 de Setembro se tornou num slogan politico e comercial.




Tem o estranho nome de Typography for Lawyers, é o novo site de Matthew Butterick e merece uma visita atenta.




No Guardian saiu há pouco tempo mais um texto do sempre interessante Paul Rennie. Este é sobre a extraordinária tradição do design gráfico polaco.





A análise dos processos de comunicação em massa no contexto de um conflito militar resultou na criação do projecto Labor Camp; partindo sobretudo dos “leaflets” distribuídos no Iraque, Piotr Szyhalski desenvolve um projecto notável.




Já são conhecidos os cartazes de vencedores de Chaumont 2008. Para ver aqui.




No blog da Creative Review um bom artigo sobre o livro Posters of Cold War que o museu V&A publicou coincidindo com a inauguração (no próximo dia 25 de Setembro) da exposição Cold War Modern .




Nicole Swengley entrevista no Financial Times John Sorrel o Director do London Design Festival que acaba de arrancar.




A Hammer foi uma das grandes produtoras de cinema britânicas, sobretudo na década de 50, e os filmes de terror um dos seus géneros por excelência. Hammer Horror Poster é um site dedicado a essa delirante produção gráfica associada aos (igualmente delirantes)filmes da Hammer.




Por último, proponho a (re)leitura do inteligente artigo de Paulo Querido, publicado no Público no passado Sábado) intitulado Jornalismo: a profissão mutante, proponho ainda que ao longo de todo o texto (onde ele defende que a prática da profissão tende a ser mais freelance que o emprego com garantias e salário fixo; onde reflecte sobre o jornalista como pequeno editor (através dos blogues por exemplo); onde analisa as lógicas que orientam despedimentos e contratações etc.) onde se lê “jornalista” se leia “designer”. Depois digam-me o que vos parece.

Monday, September 15, 2008



MITOS DO DESIGN (E O DESIGN DOS MITOS)

Num texto publicado na revista Iconographic, em 1975, Victor Papanek enunciou, com notável acuidade, dez mitos que envolvem o design. Esses mitos persistem e, em alguns casos, nas últimas décadas, reforçaram-se.

Por isso, julgo ser pertinente retomá-los questionando-os à luz da actualidade. O que se segue é essencialmente uma tradução livre do texto de Papanek. A tradução dos títulos é fiel ao original, o texto que os desenvolve afasta-se por vezes do artigo de Papanek integrando várias considerações minhas. Qualquer dos mitos presta-se à discussão, é sobretudo essa discussão que eu aqui proponho.


1. O mito de que o design é uma profissão

Tenho dúvidas que o design seja necessário e eficaz para as pessoas a ponto da sua profissionalização, mas estou bastante convicto de que o design será tão mais eficaz na medida em que se torne participativo, o que implica uma progressiva anulação dos papeis de “profissional” e “cliente”. Este mito é particularmente difundido pelas associações profissionais de design que muitas vezes não são mais do que “clubes de amigos” dedicados à evasão legal de impostos e a outras estratégias idênticas de auto-ajuda.


2. O mito de que os designers têm bom gosto

Oficialmente, parece certo que os designers têm bom gosto (seja lá o que for que isso queira dizer), bom gosto que é sobretudo reconhecido pelos próprios designers. Os estudantes de design são educados a ter bom gosto, sendo expostos ao “formalismo da função”, aos “conteúdos radicais”, ao “primitivismo romântico”, ao “realismo socialista” e várias outras fontes possíveis do bom gosto.

O resultado tende a ser o desencontro entre os designers e os não-designers, afinal o preço a pagar por se ter “bom gosto”.


3. O mito de que o design é uma mercadoria

Uma mercadoria existe para ser consumida. Quanto mais transformarmos o design numa mercadoria, mais ele se consumirá, se comerá, se devorará. Excelente! dizem alguns (agitando a carteira), mas com isso a ideia original de “projecto” tende a extinguir-se e o design ficará reduzido a um campo do mercado onde estilos, modas, excentricidades se sucedem ao sabor da manipulação comercial.


4. O mito de que o design é para ser produzido

Agora que se perdeu grande parte do equilíbrio, podemos perguntar: produção massiva ou produção a cargo das massas? Num contexto em que as formas de produção se pluralizaram, talvez faça sentido bater menos na tecla do designer como produtor e tocar, na tecla bem menos escutada, do designer como colaborador (ou mediador).


5. O mito de que o design é para as pessoas

O design é feito principalmente para os designers. A tarefa seguinte é convencer o cliente ou sector de marketing da nossa empresa a aceitar o projecto, o que nem sempre é fácil pois (ver mito n. 2)

Se o design fosse, de facto, para as pessoas, criar-se-iam condições para que os projectos fossem muito mais participativos e colaborativos.


6. O mito de que o design soluciona problemas

Assim é, mas na maioria dos casos quando se tratam de problemas criados pelo próprio design. Um designer gráfico “soluciona o problema” de publicitar o metro afirmando que é um meio de transporte ecologicamente preferível ao automóvel, fá-lo no entanto omitindo quaisquer referencias às caminhadas ou ao uso da bicicleta, diminuindo assim as opções de escolha do público.


7. O mito de que os designers têm competências especiais que se adquirem ao longo de quatro anos de ensino superior

O que a Licenciatura em design oferece é essencialmente a oportunidade de, repetidas vezes, dizer coisas (através do cartaz, do desenho técnico, do vídeo, da animação, do protótipo) num contexto desejavelmente estimulante. Durante uma licenciatura aprendem-se coisas inegavelmente válidas para a formação cultural do designer outras provavelmente inválidas e outras ainda ficam por apreender sendo adquiridas mais tarde na prática profissional.


8. O mito de que o design é criativo

Na verdade, as escolas de design (que têm muitas vezes no seu plano de estudos disciplinas onde se ensina criatividade) inculcam nos alunos modelos de pensamento, não dando muito espaço à criatividade senão dentro dos parâmetros e limites institucionais. A maioria do ensino (e as escolas de design nem sempre são excepção) prepara consumidores idóneos e competitivos em vez de cidadãos autónomos e criativos.


9. O mito de que o design satisfaz necessidades

É verdade que o design satisfaz necessidades, mas na sua maioria as necessidades satisfeitas são inventadas.


10. O mito de que o design é efémero

Grande parte do projectos têm a ver com a criação da obsolescência artificial. Porém, a obsolescência tende a gerar desvalorização, que conduz à alienação que, por sua vez, gera angústia existencial.

Quando o design tem preocupações de permanência, já nos contentamos em ver desenhada um equipamento que possa durar cinco anos, isto embora um bom equipamento deve-se durar tanto quanto o seu utilizador.

O design é uma prática básica de suporte à auto-realização autónoma. A maioria dos designers e dos professores de design dedicam-se a anular esta possibilidade às pessoas, mitigando o design e os designers. De resto, talvez seja uma tarefa que se exige a nós designers, a de desmitificar e desprofissionalizar quem somos e o que fazemos.

Saturday, September 13, 2008




ISLÃO: BIBLIOGRAFIA SELECTIVA


Em Abril passado escrevi um post dedicado ao design gráfico iraniano. Mais recentemente o livro Area_2 da Phaidon destava o trabalho de Íman Raad (um dos designers referidos no nosso post) dele escrevendo Saki Mafundikwa : "... Iman Raad's work, as the artist comes from such traditional crafts as calligraphy, pottry, weaving, architecture, talismans, religious flags, and posters. He cites a desire by contemporary Iranian designers to create a Persian aesthetic by connecting the ancient world with today-a feat made easier by the amicable coexistence of the traditional and the modern, and the ready acceptance of this hybrid culture by Iranian youths. Furthermore, his decorative "style" is driven by his admiration for functional art, especially the tradition of making tools and ordinary objects more beautiful...".



Em Maio foi a vez da revista Design 360, num destaque intitulado “Iranian Design is Rising” promover a excelente obra de Onish Aminelahi. E ainda mais recentemente foi com espanto que recebemos a nova Intellectual Lifestyle Magazine, cujo director de arte julgo ser Muiz Anwar.



Respondendo às solicitações de alguns leitores, deixo neste post uma bibliografia selectiva para quem se interessa pelo design gráfico islâmico e pela tradição caligráfica onde ele ancora, começando obviamente com o livro de Abedini publicado há dois anos pela holandesa BIS e a partir do qual, para muitos, o design do Médio Oriente foi descoberto.


1. New Visual Culture of Modern Iran. Graphic Design,illustration, Photography, Reza Abedini / Hans Wolbers, BIS Publishers, 2006.


2. Tarikh-fann-al-tiba`a fi al-mashreq (História da arte de imprimir no Médio Oriente), Luwis Shaykhu / Dar al-Mashriq, Beirut, 1995.



الببليوجرافيا التحليلة3.

دراسة في أوائل المطبوتعات العربية
جيهان محمود السيد
٢ ٠٠٠الإسكندرية: دار الثقافة العلمية،

(Bibliografia Analítica. Um estudo sobre as primeiras publicações impressas Árabes) Gihane Mahmood, Al-Sayyid, Dar Al-Thaqafah, Alexandria, 2000.


4. Young Asian Graphic Designers, AAVV, daab, 2008.


5. Arabesque. Graphic Design from the Arab World and Persia, Ben Wittner / Sascha Thoma, Die Gestalten Verlag, 2008.


6. Arabic Type Specimen Book Cover, Edo Smitshujzen, 2008.


7. Arabic Typography, a comprehensive sourcebook, Huda Smitshuijzen AbiFares, Saqi Books, 2008.

Tuesday, September 09, 2008




Rick Grefe pediu-me que falasse um pouco sobre o valor da continuidade na nossa profissão. Evidentemente poderia começar referindo-me à curta história do design, começando talvez com Peter Behrens, a quem se atribui a invenção dos programas de identidade e a coordenação de actividades de design gráfico e design industrial. Ou podia considerar o inicio da nossa história com as primeiras pinturas rupestres.

Prefiro a visão mais ampla, que relaciona a nossa actividade com as necessidades fundamentais da espécie humana: uma espécie cuja característica distintiva é a de fazer as coisas com um propósito; o que resulta numa boa descrição do que fazemos enquanto designers.

Qualquer arrogância ou orgulho que esta descrição possa despertar sobre o que é a nossa actividade, rapidamente se frustra ao descobrirmos que numa turma de alunos de design só 30% dos alunos tem alguma ideia de quem é Paul Rand e, a maioria, não conseguem identificar Eric Nitsche ou Lester Beall; sem mencionar Joseph Hoffman, Edward Penfield ou Gustav Jensen. Curiosamente, Jensen foi mentor de Paul Rand e, Cassandre à parte, provavelmente o criador que Rand mais admirava; no entanto não me surpreendia demasiado se a maioria dos que estão aqui presentes não tivessem qualquer ideia de quem ele foi.

Sempre acreditei que há uma diferença psicológica e ética entre os que fazem coisas e os que controlam as coisas. Se criar formas é intrínseco ao ser humano e possui um valor social, então podemos pensar no “bem” que reside no “bom design”, numa perspectiva que vai muito além do seu valor formal ou estilístico. Vincular beleza e propósito pode criar uma sensação de consenso comunitário capaz de reduzir a sensação de desordem e incoerência que a nossa vida quotidiana produz.

O designer comprometido com a moda e o marketing tem muito pouco interesse em conhecer e compreender a nossa história. Analisar o que sucedeu nos últimos vinte anos parece dar informação mais que suficiente para cobrir os requisitos profissionais. Porém, se ambicionamos que o nosso trabalho possua um significado e seja digno de respeito então não nos podemos contentar em conhecer as coisas “pela rama”.

Há umas semanas senti uma forte dor que me levou a consultar um medico especialista em mãos que me disse que provavelmente havia tido um ataque de “gota”. Quando estava no consultório médico reparei num documento pendurado na parede intitulado “O que um Cirurgião Deve Ser”, escrito no Século XIV. Alterei umas palavras e o resultado parece-me um bom conselho para a nossa profissão:

O que um designer deve ser

Que o designer seja firme perante as suas convicções e temeroso perante as incertezas; que evite toda a prática não fiável. Deve ser amável com o cliente, respeitoso com os seus colegas, sensato nos seus prognósticos. Que seja humilde, digno, educado e piedoso; que não seja ganancioso com o dinheiro; que a seja remunerado de acordo com o seu trabalho, os meios do cliente, a complexidade do caso e a sua própria dignidade.


MILTON GLASER, O QUE UM DESIGNER DEVE SER
Comunicação apresentada no encontro Design Legends, organizado pela AIGA Outubro de 2004.
Tradução e Adaptação J.Bártolo

Sunday, September 07, 2008




DORINDO CARVALHO


Nascido em Lisboa em 1937, Dorindo Carvalho estudou na Escola de Artes Decorativas António Arroio antes de ser mobilizado para Angola no início dos anos 60. As primeiras exposições e os primeiros prémios surgem durante a activa estada, entre 1961 e 1963, em Luanda durante a qual fez fotografia, pintura, desenho e figuração para o Teatro Experimental de Luanda. Quando em 1964 ganha a Bolsa de Estudo da Fundação Calouste Gulbenkian a expressividade neo-realista de Dorindo e as suas preocupações sociais e políticas estavam já bem definidas.



A partir do final dos anos 60 torna-se mais prolifera a sua produção gráfica e a sua intensa actividade de designer reparte-se entre a produção editorial (nomeadamente para a Europa-América, a Prelo Editores, os Livros do Brasil e a Assírio & Alvim), a criação de identidades gráficas, a ilustração e o ensino.



Dorindo Carvalho faz parte de uma extraordinária geração de designers gráficos portugueses cujo talento se torna particularmente evidente, porque livremente expresso, a partir de Abril de 1974. Sucedendo a uma geração que fez a transição entre o design da SNI (Bernardo Marques, Paulo Ferreira, Manuel Lapa) e o novo design português, ou seja sucedendo à geração de Sebastião Rodrigues, Victor Palla e Lima de Freitas, Dorindo Carvalho é um dos maiores expoentes deste novo design português. Não sendo um cartazista de excepção como Aurelindo José Ceia, João Machado ou Carlos Gentil-Homem, não sendo um ilustrador politico como João Abel Manta, Dorindo é seguramente um dos mais notáveis designers editoriais da sua geração (que é também a desse outro extraordinário criador de capas de livros que foi João da Câmara Leme) e creio que não há, no design português dos anos 70, melhores logótipos do que aqueles que Dorindo Carvalho criou.





Em algumas das inúmeras e belíssimas capas de livros desenhadas por Dorindo destaca-se o uso rigoroso de uma grelha de composição criada para reforçar a identidade gráfica da Editora, são disso claros exemplos as capas da Assírio & Alvim e dos livros de bolso da Europa-América. Aí há uma grelha geométrica, moderna, com os títulos em caixa baixa e a bold dentro de uma ordem de composição que integra sempre o desenho (de um realismo poético os das Assírio & Alvim; de um realismo expressionista dos da Europa-América) constituindo o plano superior de composição e num plano inferior a presença forte do logo. Os desenhos de Dorindo são, como a eles se referiu Urbano Tavares Rodrigues, “espessos” por vezes “granulosos” o que dá aos seus trabalhos uma dimensão táctil muitíssimo expressiva. Esta expressividade é, alias, reforçada pelo uso sempre intenso da cor.




Antes de partir para a Venezuela no início dos anos 80, Dorindo Carvalho exerceu ainda funções de planificador gráfico na RTP e grande parte da imagem televisiva desse período tem a sua marca. Na Venezuela, onde esteve até 1992, continuou a sua actividade como pintor, designer gráfico e professor, tendo ainda exercído um papel preponderante na divulgação da cultura portuguesa sendo membro fundador e director do Instituto Português de Cultura em Caracas.

Nos últimos anos tem colaborado activamente com as Edições do Instituto Piaget.

Friday, September 05, 2008




DESIGN E MAL-ESTAR?


No seu conhecido ensaio Design e Mal-Estar, Daciano da Costa escrevia que “Ao pensar no Design coloca-se imediatamente a questão do desassossego ou mal-estar com alguns indícios de infelicidade. Indícios que quanto mais tentamos compreender e interpretar mais se aprofunda esse mal-estar. Designers inquietos, teóricos e críticos desatentos, produtores (industriais) reticentes e público atónito, são o quadro do mal-estar no e no design.”

Mais do que o reconhecimento do desassossego no Design português, era a defesa do desassossego que Daciano, com pouco eco, fazia há quase vinte anos criticando a desorientação dos designers, a desatenção dos críticos e a reticência dos produtores.

Por essa altura o Design em Portugal conhecia um novo impulso dado pela criação de novas escolas de design (a ESTGAD das Caldas da Rainha em 88; a ESAD de Matosinhos em 89; a ESAD da Fundação Ricardo Espírito Santo em 90; a criação do primeiro mestrado em Design no IDUP em 92), pela esperança associada à criação do Centro Português de Design (em 90), pelo apoio do ICEP ao Design (nomeadamente com a realização desde 86 do Jovem Designer), pela realização de alguns eventos (coma Europália ou o Design Lisboa) e o anunciar de outros (como a Expo). Este contexto contribuiu, sobretudo, para criar mais designers e para desenvolver uma superficial, senão mesmo ilusória, presença disseminada do design, associado cada vez mais a uma esfera de tendência pouco consequente.

A desorientação dos designers (reconhecível quer nos epifenómenos directamente ligados ao suposto milagre económico do cavaquismo como a Novodesign ou a Protodesign, quer na procura delirante de acompanhar o que “está a dar” face à incapacidade de construir uma intenção própria) sendo natural num país onde não há cultura de design e onde o pequeno espaço de produção/divulgação foi rapidamente controlado e centralizado, fez gerar em alguns bem sucedidas estratégias de sobrevivência.

Quanto à desatenção dos críticos, referida por Daciano, a questão é curiosa. A este respeito, há dois eventos que merecem ser considerados: Depois do Modernismo e Experimentadesign. A exposição Depois do Modernismo, organizada em 1983 e envolvendo, entre outros, António Cerveira Pinto (na altura activo crítico em “O Independente” ou Leonel Moura, foi organizada com o objectivo explícito de contestar um sistema crítico dominante (encarnado por José Augusto França), este objectivo de ruptura foi parcialmente alcançado com a afirmação de novos teóricos e nos artistas (Julião Sarmento, Leonel Moura, Cabrita Reis, Ricardo Pais, José Manuel Fernandes), tendo sido elaborados statements em diversas áreas (arte; arquitectura; música; moda; teatro, dança) o design não foi considerado; nas Caldas da Rainha uma galeria (Art Attack), informalmente associada a uma Escola (ESTGAD) desenvolveu uma acção renovadora (apenas comparável à ZDB em Lisboa) das artes visuais e sonoras, muito em torno da acção de João Paulo Feliciano. Feliciano estará também envolvido (em 93) na exposição “Imagens para os anos 90” que à semelhança de “Depois do Modernismo” impõe uma vontade de ruptura com a crítica conotada com os “anos 80” (Alexandre Pomar, José Luís Porfírio, João Pinharanda) impondo também o seu “sistema” e os seus representantes (Carlos Vidal, Miguel Palma, Paulo Mendes, João Louro, João Paulo Feliciano), estranhamente o Design volta a não ser considerado. Em 1999, acontece então a primeira Experimentadesign, dirigida por Marco Sousa Santos (na altura na Protodesign) e Guta Moura Guedes (na altura no atelier Elementos Combinados) e contando com uma equipa de colaboradores que representavam o “novo design” numa perspectiva centralizada em Lisboa (Mário Feliciano, José Viana, Henrique Ralheta, Mário Caeiro, Levina Valentim). O evento revelou uma dinâmica e muito capaz gestora cultural de design portuguesa (Guta Moura Guedes) e tornou evidente a existência de público para exposições, workshops e debates sobre design, mas terá tido pouco impacto ao nível da consolidação de um pensamento crítico sobre design ou na revelação de novos críticos de design (Andrew Howard ou Mário Moura, por exemplo, não estiveram envolvidos na EXD’99).

Sejamos claros, o que surpreende nas palavras de Daciano da Costa não é a caracterização dos críticos como “desatentos” mas o facto dessa caracterização pressupor a existência de críticos de design em Portugal. Honestamente, se eles existiam no início da década de 1990 eu nunca os vi nem os li. É evidente que não há crítica sem objecto, nesta medida ao falar em “críticos desatentos” Daciano evidenciava a existência de objecto sobre o qual um crítico de design poderia escrever; mas também é evidente que não há crítica sem “espaço público de produção”, sem jornais ou revistas onde se possa publicar, sem exposições e sem conferências. Quando a democratização mediática surgiu, cedo começámos a poder ler textos críticos sobre design na blogosfera. O Design Observer inicia-se em Fevereiro de 2003 e, no contexto português, um ano depois surge o Designer X (o primeiro post intitulado “Que fenómeno” é de 20 de Fevereiro) e o The Ressabiator (o primeiro post é de 29 de Março) com o seu primeiro e exemplar parágrafo: “Há pessoas que acham que só vale a pena falar do que corre bem (deve ser por isso que não se fala do design gráfico em Portugal).”

Se nas décadas de 80 ou 90 existia pensamento crítico no Design português (basta pensar nas “esculturas funcionais” do Francisco Rocha) mas não existia crítica (podíamos falar na Page que era uma revista de divulgação sem problematização teórica de certa forma próxima do que é hoje a Blue Design e na Belém que era um objecto de design interessante mas que não tinha conteúdos sobre design), actualmente existe produção crítica (ainda que escassa e confinada quase na totalidade à blogosfera) que pode ser questionada, questionação que é, aliás, tarefa crítica essencial. É estimulante constatar que, nos últimos tempos têm havido projectos (como o da “imagem” da Casa da Música), prémios (como o recentemente conquistado pelo Dino Santos), exposições (como a Gateways) e conferências (como os Personal Views) que foram objecto de recensão crítica. Podemos ainda acrescentar os textos do Frederico Duarte no Público (infelizmente descontinuados) suscitaram alguma reacção (mesmo que, lamentavelmente na sua maioria em surdina), a produção crítica regular do Mário Moura ( e a forma como regularmente suscita comentários - ainda que em menor número do que a pertinência dos textos justificaria - vivos) ou mesmo os textos dispersos (mas sempre inteligentes) do Eduardo Côrte-Real. Para que este contexto crítico se fortaleça era desejável uma maior continuidade da publicação dos textos do Luís Inácio, da Joana Bértholo, da Ana Rainha, da Cristiana Santos ou do Francisco Laranjo cuja reflexão sobre o design é meritória.

Num inteligentíssimo e profundamente irónico ensaio, intitulado “Propedêutica da Humildade”, Abel Barros Baptista escrevia que “uma das causas da extrema permeabilidade da profissão de crítico é a ausência de provas mínimas de acesso. Nem exame, nem estágio, nem orientação por mentor qualificado.” A questão da legitimação do exercício da crítica faz algum sentido. Faz sobretudo sentido questioná-la como procedimento propedêutico a própria definição do exercício da crítica. Fazer crítica significa produzir teoria sobre um determinado objecto em análise e “produzir teoria” significa problematizá-lo no sentido de o clarificar, de o tornar na prática (sim, a teoria é prática) compreensível.

Há actualmente uma tendência para a formalização e doutrinação da actividade crítica. Algum criticismo contemporâneo, procurando impor uma crítica doutrinária, conduz a um resultado, cheio de tiques, potencialmente inócuo e vazio, a que Perniola chama, com acuidade, de “crítica sem teoria”. Não contesto, pelo contrário defendo, que a crítica possa ser ensinada (ou pelo menos estimulada e exercitada pedagogicamente) e que deva ser remunerada e premiada, mas assusta-me quando assisto a um clara “gramatização” da actividade crítica. Arrepia-me, também, a ideia cada vez mais generalizada do crítico como alguém que emite opinião sobre as coisas. É alias tarefa crítica desmontar a doxocracia que habitamos.

Termos todos opinião não só não contribui para uma suposta condição crítica contemporânea como torna mais necessária e exigente a tarefa do crítico: esse que numa época em que é fácil seguir, seja com leal reverência ou com indisfarçada dissimulação, uma ideia existente é capaz de arriscar a construção de uma ideia nova, que resistindo à facilidade da opinião é capaz de um esforço competente de reflexão e, depois, de partilha e discussão. Na teoria como na prática do design é determinante tomar o risco – e claro, saber tomá-lo.

Tuesday, September 02, 2008



Aqui ficam os primeiros destaques de Setembro, como sempre em fast forward:


O inacreditável aconteceu: a escolha da Comic Sans pareceu-nos bem.


Os 11 episódios da excelente série documental Dreamspaces, produzida pela BBC Three, estão agora dísponiveis para download.


Entrevista com Syd Mead conhecido pelas suas colaborações nos filmes Tron, Blade Runner e nos Aliens.


Lamentavelmente ainda não havia deixado este link. E agora escolha o seu designer favorito.


Soube há poucos dias da morte de Vittorio Fiorucci, no passado dia 30 de Julho, aos 75 anos. Embora tenha nascido em Itália, Fiorucci foi um dos maiores ilustradores e designers (fabulosos os seus cartazes) canadianos da segunda metade do Século XX.


Dino Santos continua a ganhar prémios. O mais recente (mas sendo o prémio de Julho nunca se sabe) o foi o Type Director Club pela Ventura.


E finalmente, a resposta à pergunta que nos inquietou todo o mês de Agosto: Pode o design salvar a democracia?

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REACTOR é um blogue sobre cultura do design de José Bártolo (CV). Facebook. e-mail: reactor.blog@gmail.com