Monday, September 15, 2008



MITOS DO DESIGN (E O DESIGN DOS MITOS)

Num texto publicado na revista Iconographic, em 1975, Victor Papanek enunciou, com notável acuidade, dez mitos que envolvem o design. Esses mitos persistem e, em alguns casos, nas últimas décadas, reforçaram-se.

Por isso, julgo ser pertinente retomá-los questionando-os à luz da actualidade. O que se segue é essencialmente uma tradução livre do texto de Papanek. A tradução dos títulos é fiel ao original, o texto que os desenvolve afasta-se por vezes do artigo de Papanek integrando várias considerações minhas. Qualquer dos mitos presta-se à discussão, é sobretudo essa discussão que eu aqui proponho.


1. O mito de que o design é uma profissão

Tenho dúvidas que o design seja necessário e eficaz para as pessoas a ponto da sua profissionalização, mas estou bastante convicto de que o design será tão mais eficaz na medida em que se torne participativo, o que implica uma progressiva anulação dos papeis de “profissional” e “cliente”. Este mito é particularmente difundido pelas associações profissionais de design que muitas vezes não são mais do que “clubes de amigos” dedicados à evasão legal de impostos e a outras estratégias idênticas de auto-ajuda.


2. O mito de que os designers têm bom gosto

Oficialmente, parece certo que os designers têm bom gosto (seja lá o que for que isso queira dizer), bom gosto que é sobretudo reconhecido pelos próprios designers. Os estudantes de design são educados a ter bom gosto, sendo expostos ao “formalismo da função”, aos “conteúdos radicais”, ao “primitivismo romântico”, ao “realismo socialista” e várias outras fontes possíveis do bom gosto.

O resultado tende a ser o desencontro entre os designers e os não-designers, afinal o preço a pagar por se ter “bom gosto”.


3. O mito de que o design é uma mercadoria

Uma mercadoria existe para ser consumida. Quanto mais transformarmos o design numa mercadoria, mais ele se consumirá, se comerá, se devorará. Excelente! dizem alguns (agitando a carteira), mas com isso a ideia original de “projecto” tende a extinguir-se e o design ficará reduzido a um campo do mercado onde estilos, modas, excentricidades se sucedem ao sabor da manipulação comercial.


4. O mito de que o design é para ser produzido

Agora que se perdeu grande parte do equilíbrio, podemos perguntar: produção massiva ou produção a cargo das massas? Num contexto em que as formas de produção se pluralizaram, talvez faça sentido bater menos na tecla do designer como produtor e tocar, na tecla bem menos escutada, do designer como colaborador (ou mediador).


5. O mito de que o design é para as pessoas

O design é feito principalmente para os designers. A tarefa seguinte é convencer o cliente ou sector de marketing da nossa empresa a aceitar o projecto, o que nem sempre é fácil pois (ver mito n. 2)

Se o design fosse, de facto, para as pessoas, criar-se-iam condições para que os projectos fossem muito mais participativos e colaborativos.


6. O mito de que o design soluciona problemas

Assim é, mas na maioria dos casos quando se tratam de problemas criados pelo próprio design. Um designer gráfico “soluciona o problema” de publicitar o metro afirmando que é um meio de transporte ecologicamente preferível ao automóvel, fá-lo no entanto omitindo quaisquer referencias às caminhadas ou ao uso da bicicleta, diminuindo assim as opções de escolha do público.


7. O mito de que os designers têm competências especiais que se adquirem ao longo de quatro anos de ensino superior

O que a Licenciatura em design oferece é essencialmente a oportunidade de, repetidas vezes, dizer coisas (através do cartaz, do desenho técnico, do vídeo, da animação, do protótipo) num contexto desejavelmente estimulante. Durante uma licenciatura aprendem-se coisas inegavelmente válidas para a formação cultural do designer outras provavelmente inválidas e outras ainda ficam por apreender sendo adquiridas mais tarde na prática profissional.


8. O mito de que o design é criativo

Na verdade, as escolas de design (que têm muitas vezes no seu plano de estudos disciplinas onde se ensina criatividade) inculcam nos alunos modelos de pensamento, não dando muito espaço à criatividade senão dentro dos parâmetros e limites institucionais. A maioria do ensino (e as escolas de design nem sempre são excepção) prepara consumidores idóneos e competitivos em vez de cidadãos autónomos e criativos.


9. O mito de que o design satisfaz necessidades

É verdade que o design satisfaz necessidades, mas na sua maioria as necessidades satisfeitas são inventadas.


10. O mito de que o design é efémero

Grande parte do projectos têm a ver com a criação da obsolescência artificial. Porém, a obsolescência tende a gerar desvalorização, que conduz à alienação que, por sua vez, gera angústia existencial.

Quando o design tem preocupações de permanência, já nos contentamos em ver desenhada um equipamento que possa durar cinco anos, isto embora um bom equipamento deve-se durar tanto quanto o seu utilizador.

O design é uma prática básica de suporte à auto-realização autónoma. A maioria dos designers e dos professores de design dedicam-se a anular esta possibilidade às pessoas, mitigando o design e os designers. De resto, talvez seja uma tarefa que se exige a nós designers, a de desmitificar e desprofissionalizar quem somos e o que fazemos.

No comments:

ARQUIVO

PERFIL

REACTOR é um blogue sobre cultura do design de José Bártolo (CV). Facebook. e-mail: reactor.blog@gmail.com