Wednesday, October 29, 2008




REACTOR ENTREVISTA AURELINDO JAIME CEIA



Reactor: O Aurelindo Ceia faz parte de uma geração que eu designo por “Novo Design português” (juntamente com o Dorindo Carvalho, João Machado, Jorge Afonso, Carlos Gentil-Homem) que sucede (em termos cronológicos mas, sobretudo, em termos de opções e intenções formais e sociais) quer à “geração SNI” (Bernardo Marques, Kradolfer, Paulo Ferreira, Manuel Lapa), quer à geração de “transição” (Victor Palla, Sebastião Rodrigues, Sena da Silva). Fale-nos dos seus anos de formação e início de carreira e de como se relacionou com esta herança gráfica portuguesa.

AURELINDO JAIME CEIA: A minha formação é uma coisa um pouco peculiar, onde cabem várias passagens, desde uma deambulação por arquitectura durante um ano e meio, uma viagem a diversas casernas militares com despacho para África durante quase quatro anos, depois artes plásticas nas Belas-Artes, um ano de psicologia no ISPA, até, finalmente, aterrar em Design de Comunicação em 1975 (já um homenzinho, portanto), curso que acabei cinco anos e muitas folhas de Letraset depois.

Como digo algures, o curso na ESBAL dava os primeiros passos e íamos todos, professores e alunos, navegando em ondas improváveis de mares nem sempre conhecidos. Fomos fazendo o curso em conjunto, com as mesmas aflições e as mesmas alegrias, numa relação na altura muito produtiva entre o design, as outras grandes artes e as teorizações exuberantes que a liberdade recente (Abril) nos pedia (agora está tudo muito trancado nos seus quartinhos tristes de Bolonha…).
Em Portalegre, onde nasci, chegavam-nos ecos, distantes mas concretos, de outros mundos. Pelos quinze, dezasseis anos ia integrando imagens complacentes da história da pintura, do cinema (cineclubismo), da arquitectura, dos livros. Comprei os “Almanaques” todos (Sebastião), tinha peneiras com a cultura (um intelectual amargo, em certa medida um cliché anti-salazarista), o que dava um certo jeito à minha introversão natural. José Régio foi meu professor, com 17 anos comprava o Herberto, a cidade encravava-se entre os penhascos de S. Mamede e a distância das searas…

De qualquer modo, mais tarde, já em 75, alguns dos mestres que tive na ESBAL (falo, por exemplo, do Jorge Pinheiro, do Zé Brandão, do Rogério Ribeiro, do Lagoa…) abriram-me para a novidade e para a inquietação dos processos da comunicação e da sua possível dinâmica poética e social. O mundo do design vai-se-me formando como um desejo e, em certa medida, uma utopia.
O conhecimento da “geração SNI” faz-se por caminhos diferentes. No entanto, olhei sempre para aquilo como história envernizadora do Estado Novo. A estética das exposições, do folclore estilizado e dos cartazes turísticos tocava-me pouco. Mas as linguagens da pintura, do cartaz, do desenho, da própria arquitectura vão ganhando densidade, no confronto com os modernos mais inquietos – Sebastião Rodrigues e Victor Palla à frente – como o Sena, o Daciano, o Portas e também, por via destes, toda a Bauhaus e outros estrangeiros (Rand, Lustig, Glaser, Bass, Corbusier, Aalto…), sempre caldeados com as expressões pictóricas contemporâneas, mas tudo através de coisas reproduzidas, livralhada – um bocado “museu imaginário” à la Malraux. Uma razoável caldeirada bastante típica.

A “carreira” como designer é que não é nada típica. Comecei a fazer umas coisas para a área cultural ainda como aluno na ESBAL. Quando acabei o curso vim para aqui dar aulas (até hoje) e estive uns meses no atelier do Zé Brandão, com quem fui aprendendo as agruras da produção. Depois, sozinho, fui arranjando uns clientes patuscos, gente que acreditava que o design gráfico podia salvar o mundo e que era porreiro ser eu a tentar fazê-lo à borla! Safei-me depois numa série de trabalhos para a área da arqueologia (profissionais com quem dá gosto trabalhar, devo dizer), IPPAR, Museu de Arqueologia, para além de algum trabalho para autarquias (uns sujeitos sempre com muito pouco tempo para pensar as coisas por dentro).


R. : Foi um dos primeiros alunos do Curso de Design das Belas Artes de Lisboa. Que memória guarda desse início do ensino do Design em Portugal?

A.J.C. : O início do ensino do design em Portugal, pelo menos na ESBAL, foi, para mim, uma coisa muito estimulante. Talvez pelos meus atavismos, estimulante porque um bocado instável, agarrada a uma diversidade de linguagens plásticas, numa procura inquieta, às vezes bem disposta, outras contraída. O design como problemática, como ensino, era absolutamente urgente em Portugal. Claro que o governo via a coisa, tal como hoje, como um mero catalizador dos negócios, mas a verdade é que se discutia então nos jornais e em um ou outro forum não só esta sua dimensão, mas também o design como a possibilidade de uma linguagem digamos artística. Com o 25 de Abril a oportunidade da criação das licenciaturas é agarrada pelos cabelos na ESBAL (eu andava por lá, pelas artistices).

Aquilo baseava-se vagamente nuns modelos de algumas escolas estrangeiras, uma de Cuba, a velha Bauhaus, alguns princípios racionalistas de Ulm – e a coisa era de tal ordem que, dos 5 anos, o primeiro era comum aos quatro cursos (pintura, escultura, comunicação e equipamento), no segundo ano escolhia-se uma de duas vertentes, artes plásticas ou design, e só no terceiro ano é que nos instalávamos então com armas e bagagens na área específica de licenciatura. Podias sair, no final do terceiro ano, com o bacharelato. Parecia curto… A verdade é que estes três anos eram decisivos na criação de uma cultura e de uma prática integradas, que nos dois anos finais, constituíam um bom lastro.

Por outro lado, o 25 de Abril de 74 vem provocar uma quebra no caminho do design, nomeadamente do industrial, porque enquanto no curto consulado de Caetano alguma cultura da necessidade se instalara em relação ao desenho e à produção, Abril leva os cartolas a mandar parar as máquinas, dá-se a descapitalização de muitas empresas e mesmo a fuga de capitais e o boicote deliberado a um certo “desenvolvimento”. Os patriotas! Mas é neste ambiente (que, por outro lado, convocava à festa e à expressão por vezes comovente das energias até então amordaçadas), que se desenvolve o ensino. Os próprios professores estão muitas vezes à rasca e daí nascia, digamos, uma cumplicidade. As fragilidades davam-nos força e eu, digo com convicção, fartei-me de aprender coisas novas, às quais me dediquei com entusiasmo. Só um bocado mais tarde é que aparece o arraial das privadas e aí o ensino do design entra mesmo numa crise de identidade que está a dar cabo disto.


R. : Num dos seus textos evoca Steiner e a importância de saber “ler os antigos”. Quais são as suas principais referências e, sabendo que elas não se limitam ao campo do design gráfico, como é que referências de outras áreas criativas (da literatura ou do cinema) encontram “tradução” no seu trabalho de design?

A.J.C. :Referências, digamos (sem querer recuar à infância) que elas têm dimensões relativas mas, já agora, não posso deixar de mencionar a de um antigo professor de desenho, no Liceu de Portalegre, João Tavares – sujeito exemplar nas suas aulas e um dos incentivadores da Manufactura de Tapeçarias de Portalegre (hoje, estupidamente entregue a uma miserável degradação por falta de encomendas). Não sei se interessa muito carregar para aqui uma série de nomes, isto é tudo relativo, e as coisas podem ter sido decisivas para mim por razões conjunturais… Façam o que quiserem com isto, não é importante, mas talvez se encontrem algumas marcas relacionadas com o meu trabalho. Assim, à balda, na livralhada, Boris Vian, Mark Twain, Abelaira, Maria Judite de Carvalho (grande pancada), Camus, Pavese, o Steinbeck de “A um deus desconhecido”, depois o Herberto, Luísa Neto Jorge, Fernando Assis Pacheco, Eugénio de Andrade, Nemésio, está bem, o Steiner, Almada, sei lá, no cinema é o Antonioni, assunto arrumado que as outras dezenas não cabem aqui, vá lá ainda o Tati das férias, o David Lean e o Dreyer.

Como é que tudo isto toca o meu trabalho de designer, caramba, não sei responder. Alguém
que esteja para se chatear com isso, mas talvez uma pequena intensidade poética que eu vejo como uma emoção insegura, uma procura, uma imponderabilidade, mas sempre na preocupação do “dia claro”. Como quem diz sim, façam lá um esforço para apanhar a coisa, mas eu preocupo-me que ela esteja lá. Não lhe posso chamar rigor, é mais uma tensão.



R. : Ao analisarmos o seu trabalho gráfico, identificamos uma identidade formal muito definida mas dentro dessa identidade uma notória evolução das soluções formais utilizadas. Nos trabalhos dos anos 1980 sente-se, como determinante, a influência (ou a citação) da pintura enquanto que nos trabalhos mais recentes a utilização da tipografia parece ser o elemento central da composição. Esta evolução resulta de um processo consciente? E que influência tem a evolução das ferramentas gráficas sobre o seu trabalho.

A.J.C. :É bem vista a constatação de uma evolução nas formas dominantes no meu trabalho. Se bem que, como o Byrne, estou quase a puxar da pistola quando se fala da forma!

Bem, a pintura está sempre lá, não propriamente como um “formalismo”, mas como uma relação plástica com o mundo, com os outros (com o “mundo dos outros”).

Depois as problemáticas da comunicação começam, nos noventas, a agigantar-se naquilo que é a dimensão social do trabalho criativo e aí, as dinâmicas do desenho tipográfico surgem como materiais mais adequados, parece-me.

Claro que o digital é parte significativa neste encaminhamento, tanto como também é parte disto como um problema. A desmaterialização da tipografia (ao mesmo tempo que a da imagem, a do corpo, a dos sentimentos…) suscita, curiosamente, um incremento das linguagens tipográficas, pela flexibilidade da experimentação. Desaparece a responsabilidade do tipógrafo e o fim desta relação leva o designer a ter que assumir valores de alguma solidão. O que, diga-se, nem todos merecem… Quando as técnicas não são estruturadas em torno de saberes sólidos e de um sentido da história, podem dar origem a um facilitismo lamentável, que vem banalizando a ideia de design e ajudando a que este vá cristalizando em torno do formalismo e de uma cultura projectual que não se interroga, apenas quer produzir mais ruído para os consumos domesticados. Em vez da cabeça um monitor de computador, em vez das mãos um rato, em vez do coração um estabilizador de corrente.


R. : A propósito da Exposição retrospectiva da sua obra, ocorrida em 2007, o Aurelindo Ceia afirmava que “expor o meu trabalho é também abdicar do que é um processo de poder: um professor, numa sala de aula, encontra-se numa situação de poder perante os alunos, e essa é a base do processo formativo. Quando (me) exponho, subverto essa relação de poder – todos os professores que têm obra feita deveriam ter condições para serem sujeitos a essa prova.” Trata-se de uma ideia muito interessante. Parece-lhe que, de um modo geral, vivemos numa sociedade em que cada um se expõe pouco, em que se foge a situações nas quais abdicaremos do nosso poder, no que é também uma fuga à confrontação, à crítica e ao diálogo?

A.J.C. :O que me parece é que vivemos numa época em que há cada vez mais gente a expor o seu lado menos interessante, o exterior, o efémero, o circunstancial, a imagem sem risco – exibicionismo, diria. O consumo para que somos arrastados como se dele dependa a salvação das almas, implica isso, essa permanente reconversão dos corpos, essa obsessiva formatação em torno de um receituário que se apresenta sem crítica.

Claro que falamos de poder. Abdicamos, como dizes, do poder essencial de tentar determinar a nossa vida, em troca das pequenas glórias do quotidiano onde a comunicação se tornou um problema – não um incremento nas possibilidades de uma relação harmoniosa com o real. Como dizia o outro, comunicamos mais, não comunicamos melhor.

Sim, no fundo trata-se de uma fuga à crítica e ao diálogo. Vamos ter de aprender a andar de costas uns para os outros, como citava já o Nuno Portas num livrinho dos anos sessenta…
De qualquer modo, o facto de ter exposto o meu trabalho correspondeu a um conjunto de circunstâncias internas, nas Belas-Artes, não serve nem para salvar o mundo nem coisíssima nenhuma. Acho, enfim, que um professor, quando tem obra publicada, seja qual for a área, deve poder confrontá-la com o olhar e o pensar dos seus alunos – a quem, de resto, a minha exposição era, não só dedicada, mas também destinada.


R.
: Numa entrevista ao Público, o Aurelindo Ceia dizia que “o design é hoje uma prática com um défice de pensamento” que o torna menos eficaz na resolução do grande desafio que se coloca “projectar novas formas de viver a contemporaneidade.” Parece-lhe que o ensino superior em Portugal está a ser capaz de formar designers competentes para responder a este desafio?

A.J.C. :Posso parecer pretensioso, no que vou dizer, respondendo à tua pergunta, mas – será o ensino superior hoje capaz de formar seja o que for para responder a qualquer desafio, a não ser os do imediato, isto é, os do “mercado”, como eles dizem?

Quando o ministro nos manda configurar os programas com as necessidades dos “empreendedores”, estamos conversados. E depois há uns académicos que, perante isso, obedecem! Os outros, resistem, mas caramba, não se pode passar a vida inteira à porrada. Cansa. Mas, poder-se-á perguntar: o que são “designers competentes”?

No meu entender, serão aqueles que consigam integrar no seu trabalho uma reflexividade filosófica e científica. Quero dizer: responsabilidade social e ética individual. O design deixou de ser apenas a prática do projecto. Por muito competente que seja, o projecto leva ao produto e este é distribuído como consumo – a única coisa capaz de sustentar este “capitalismo” já tão híbrido que tem que se travestir de outras configurações para que a gente o engula. O óleo de fígado de bacalhau era ao litro, agora é em pílulas, mas não deixa de ser uma coisa enjoativa, só que a malta não dá por isso.

A transversalidade do design atravessa hoje muitos e cada vez mais complexos campos da actividade e, assim, há que repensar o design como processo, e não apenas como uma competência para chegar à “forma” (por muito que a isto juntem o álibi da “função”). E aí entra o modo como eu descrevo o essencial do design: desenho da cidade e da cidadania. Há aqui um programa que envolve uma crítica do mercado, mas também uma reavaliação dos sentidos do “belo” e da “estética”, ao mesmo tempo que limita, naturalmente, a voragem da produção (com o cortejo que esta habitualmente arrasta: destruição dos recursos, desvalorização das funções, estetização absurda da inutilidade).

O ensino superior é hoje, como instituição, uma bajulação complacente das “ideologias” do económico e do financeiro. A velha “academia” fundada por Platão em 387 aC, perto de Atenas, como lugar de discussão livre sobre o saber, é hoje um palavrão depreciado que se contempla mais através dos ridículos rituais do que de uma verdadeira inquietação e progresso.


R. : Se lhe pedisse um conselho para um jovem designer, qual daria?

A.J.C. : Conselhos? Não, não me atrevo, como dizia o outro, é um luxo que não posso permitir-me. Alguns dados para reflectir estarão, em parte, nalgumas das palavras atrás. O que lhes posso pedir é que não se deixem tocar por velhos jarrões e dinossáurios engravatados, e que mereçam a idade que têm.

Sunday, October 26, 2008



Jorge Frascara propõe no seu artigo “A History of Design, A History of Concerns” uma interessante classificação de quatro tipos de design. A taxinomia proposta por Frascara começa por me interessar na medida em que procura pensar a qualidade do projecto de design a partir da relevância do seu impacto social, retomando assim a originária definição do design como acção socialmente eficaz.

Os quatro “tipos” considerados por Frascara são os seguintes:

1. Design que auxilia a vida (design to support life): opera directamente e promove condições de suporte determinantes para a nossa vida.
2. Design que facilita a vida (design to facilitate life): design que torna mais fáceis, rápidas ou eficientes determinadas operações.
3. Design que incrementa a vida (design to improve life): design que gera mais valias culturais, ecológicas, sociais, psicológicas, entre outras.
4. Design inconsequente (inconsequential design).

Em bom rigor não deveríamos falar em “design inconsequente” pois o design terá sempre, em maior ou menor escala, de forma directa ou indirecta, consequência social. Preferiria falar em design incompetente, expressão que torna muito mais claro o facto de competir ao design gerar (ou, ainda, mediar, promover, idealizar…) mais valias sociais embora uma boa maioria dos projectos se revele, perante esse desiderato, incompetente.

Tuesday, October 21, 2008

JONATHAN (OU, A PROCURA D'A IMAGEM)




A fotografia é uma das imagens mais impressionantes do 11 de Setembro de 2001. Faz parte de uma série de 11 fotografias tiradas por Richard Drew, repórter fotográfico da Associated Press, celebrizado pela cobertura chocante que fez do assassinato de Bob Kennedy, e representa um dos muitos "jumpers" do World Trade Center que escolheram saltar para a morte, num mergulho terrível e, ao mesmo tempo, algo "libertador", em vez de sufocarem no mar de chamas e fumo que invadiu os andares superiores das Torres Gémeas.

Embora se certezas absolutas, todos os indícios apontam para que o "Falling Man" (como ficou conhecido) seja Jonathan Briley, um trabalhador do Windows of the World, o restaurante do 106 andar da Torre Norte, de onde Jonathan se decidiu atirar para o seu voo fatídico, exatamente quinze segundos depois das 9 e 41.

Esta fotografia não é como as outras. Surge impregnada de uma incomodativa correcção estética, com o rigoroso alinhamento vertical da composição, a colocação "estudada" do corpo no enquadramento, a justeza da escala, a posição desconcertante e exacta do indivíduo. Como o próprio fotógrafo afirmou: "Quando se trabalha em fotografia digital, habituamo-nos a procurar A IMAGEM. Esta fotografia parecia saltar no ecrã, por causa da sua verticalidade e simetria. Tinha o "tal ar".

Digamos que é a procura deste "ar" - uma outra forma de falarmos das propriedades icónicas da realidade - que vem pautando, cada vez mais, a atitude do fotógrafo face ao acontecimento. Como qualquer editor sabe, é a retórica cristalina, a transparência exemplar e rara destas imagens que as põe a circular nos media, com tamanha velocidade e capacidade persuasiva. São estas as imagens que vendem, porque pensam o real por elas próprias, porque parecem traduzir a própria vontade do real em se transformar em imagem, eternizando-se.

Para trás ficarão todas as outras: menos preocupadas com este impacto icónico, avassalador, com essa vontade de congelar o tempo e a história, e mais atentas à ambiguidade a aos matizes humanos de uma história, de um acidente, de uma pequena ou grande tragédia. É também essa a fronteira que separa a propaganda do documentário, a vida das imagens das imagens da vida.
Apesar de não parecer, Jonathan morreu mesmo no chão do WTC, quinze segundos depois das 9 e 41, do dia 11 de Setembro de 2001.

(Adaptado de "Jonathan" de João Mário Grilo)

Monday, October 20, 2008



Em finais de 1996 publicava-se em Portugal uma entrevista com Michele de Lucchi, director de design da Olivetti.

Entre outras coisas interessantes, dizia ele:"a qualidade mais importante do design hoje é ser capaz de perceber antes de toda a gente quais são os secretos desejos das pessoas à volta do objecto". E perceber, digo eu, quão "secretos" serão realmente esses desejos, de que universo emanam, se do individual se da compulsão consumista.

Entroncam aqui vários problemas, quais sejam: a) a importância da formação cultural e da consciência cívica do designer; b) a caracterização daquilo que é o valor do produto; c) a evolução do conceito de arte.

Onde antes só havia "imagem" e era através dela que passavam os desejos, as emoções e as ideias que o público deveria interpretar, há hoje sistemas de objecto/imagem e de imagem/objecto. Este é o campo do design.

AURELINDO JAIME CEIA, DESIGN QUÊ? DESIGN CRÍTICO! (1997)
IN Uma poética visível. O design gráfico de Aurelindio Jaime Ceia

Sunday, October 19, 2008



Se a contemporaneidade se parece caracterizar pela simultânea reterritorialização dos campos disciplinares, tornados crescentemente híbridos, e pelo esforço de definição territorial, pela afirmação de autonomias disciplinares a despeito de uma tendência marcadamente transdisciplinar, o design pode ser entendido como um campo paradigmático de reflexão contemporânea e de debate das próprias lógicas de interpretação contemporâneas.

A constituição do design como objecto de análise deu-se ainda antes da definição das competências daquele que o pratica, o designer. Deste modo, introduzido no quadro no pensamento Utilitarista do séc. XVIII, o design surge indissociável de um novo olhar político que ambiciona encontrar ferramentas de intervenção e ordenação do espaço social, impondo uma construção teórica antecipadora da prática que, como se sabe, sofreu desde as suas origens de uma aparente desadequação relativamente aos princípios programáticos que a deveriam orientar

A definição do que é e o de que não é design, sendo tarefa recorrente, não deixa de ser um exercício relativamente inconsequente na medida em que esta “impureza” é ínsita aos desenvolvimentos teóricos e projectuais que, progressivamente, vão definindo, na sua diversidade, práticas do design. De facto se, de Bentham a Morris e de Pevsner a Papanek, vamos encontrando esforços de regulação teórica do design, a verdade é que estes esforços de definição, independentemente do seu rigor, apenas conseguiram desenvolver “focagens” sobre um campo disciplinar que se não deixa reduzir à “pureza” de uma interpretação ou olhar parcial. Disciplina “impura”, o design, sempre faz arrastar, como sua sombra, uma ordem complexa - cultura e técnica, economia e política – que projectualmente se reordena, sob várias escalas e dentro de diferentes registos de intencionalidade.

Bem entendido, o design sempre foi “moderno”, independentemente de os analisarmos no contexto do proto-design oitocentista ou no contexto do neo-funcionalismo que sucede à segunda guerra mundial.

Essa “comunhão” de espíritos entre modernidade e design, explica o seu destino comum. “Moderno” tornou-se uma categoria histórica e tipológica, de modo semelhante, o “design” tornou-se uma categoria metodológica e tipológica, mas a tendência natural de ambos remete mais claramente para o tipológico do que para o uso historizado (com as inevitáveis remetências para um período “cristalizado” ou para a abstracção de um estilo ou movimento) ou mesmo do que para a prática processual (que, no limite, se tipologiza).

Este pendor tipologizante e universalizante (o design é fruto do triunfo da “cultura” sobre a “civilização” que se dá em oitocentos) presta-se à queda na contradição: uma categoria que se quer tipológica, que se quer aplicável a manifestações universais, tende a ser circunscrita em parâmetros históricos, já historizados, do “moderno” identificado com um período que (partindo filosoficamente do iluminismo) se desencadeia no final do século XIX e sucumbe (sem consenso) com o advento do chamado “pós-moderno”.

Modernism: Designing a New World 1914-1939, é o catálogo, editado por Christopher Wilk, da gigantesca exposição que o Victoria and Albert Museum de Londres acolheu entre Abril e Junho de 2006, e que nos mostra como algumas ideias, propostas e movimentos, que ocorrem na Europa e nos Estados Unidos num contexto marcado pela radical transformação dos meios produtivos e pela intensa renovação cultural ligada às vanguardas históricas, tendem a gerar uma “expressão colectiva dominante”, um “ismo” que, mesmo heterogéneo e, em muitos sentidos, contraditório, ambicionou ser um “ismo”, um “estilo internacional”, capaz de afectar a arte, a economia, a política.

Em design, “modernismo” começa por significar uma lógica intencional de ordenação, quer do novo quer do antigo, quer do individual quer do colectivo. O início do primeiro capítulo do livro – “Introduction: What was Modernism? – abre com uma citação exemplar de Walter Gropius, datada de 1919: “Today’s artist lives in an era of dissolution without guidance. He stands alone. The old forms are in ruins, the benumbed world is shaken up, the old human spirit is invalitaded and in flux towards a new form. We float in space and cannot perceive the new order.”.

A esta explicação da “nova ordem”, dedicaram-se Walter Gropius, Sigfried Giedion ou Nikolaus Pevsner, teorizando o design e reescrevendo a sua história, de resto, simbolicamente, a escolha do período cronológico da exposição (1914-1939) remete-nos para a leitura de Pevsner segundo o qual o movimento da Arquitectura Moderna se inicia em 1914, interpretação que não deixa de ser duvidosa se pensarmos nos projectos de António Sant’Elia ou de Gropius anteriores à primeira guerra mundial.

O grande mérito de Designing a new world – obra impecável do ponto de vista da qualidade gráfica – é o de conseguir um indiscutível equilíbrio entre a “exposição”, amplamente documentada, e a discussão (excelentes e claras sínteses de Christopher Wilk; Christina Lodder; Christopher Green; Tag Gronberg; Tim Benton e Ian Christie) sobre o Modernismo, no que consegue ser um bom retrato crítico sobre um período fundamental da história cultural mundial.

MODERNISM: DESIGNING A NEW WORLD 1914-1939
ED. CHRISTOPHER WILK
V&A, LONDON, 2006
447 pp.

Sunday, October 12, 2008

REACTOR ENTREVISTA DORINDO CARVALHO





Reactor: Dorindo Carvalho fez a sua formação na António Arroio e, e em 1961, parte para Angola, onde ainda conhece o Cruzeiro Seixas. Como foram esses primeiros anos e que influência é que eles exerceram na sua carreira?


Dorindo Carvalho: A influência foi grande. Direi mesmo que houve em mim uma volta de cento e oitenta graus. Até aí, tinha praticamente vivido num meio familiar bastante fechado. Por várias razões o curso da António Arroio foi só possível fazê-lo à noite. Comecei-o com catorze anos. Antes não se podia entrar num curso nocturno e com mais de doze não se podia entrar num curso diurno. Era assim. Feita a primária, passei pelo menos dois anos ajudando o meu pai em fotografia, o que continuei a fazer, durante o dia, enquanto à noite fazia o curso da António Arroio.

O curso nocturno não era tão intensivo como o de dia. Depois, a estudar de noite e trabalhar de dia noutra área, há menos possibilidade de praticar o que é ensinado e existe mais dificuldade de contactos que permitam abrir caminhos. Assim, tudo o que verdadeiramente aprendi e o que sei foi fruto de uma sensibilidade para saber ver. Posso dizer que não tive mestres nem orientadores.

Terminado o curso em 1958, cumpri o serviço militar obrigatório e, depois de pouco tempo de interregno, fui mobilizado para Angola. Por uma casualidade e pela minha especialidade dentro do exército estive bastante tempo em Luanda. Foi possível então contactar com o meio cultural da altura. Conheci várias pessoas interessantes como o Cruzeiro Seixas. Participei e realizei exposições que proporcionaram que a Fundação Gulbenkian me adquirisse dois trabalhos. Desenhei cenários e figurinos para o Teatro Experimental de Luanda, onde me tornei amigo do director do grupo, Heitor Gomes Teixeira, advogado, ensaísta, professor, por último pertencendo aos quadros da Universidade Nova de Lisboa. Também fez teatro, em Coimbra com o António Pedro e em Lisboa com a Maria Luzia Martins. Heitor Gomes Teixeira, foi particularmente importante para mim porque me abriu horizontes, até então, quase desconhecidos. A tal volta de cento e oitenta graus muito foi devido a ele.


R. : Em 1965 expõe no VII Salão dos Novíssimos organizado pelo SNI. Como é que, nessa altura, o jovem Dorindo se integrava no contexto social, politico e artístico português.


D. C. :Não se pode dizer que tivesse existido uma integração. Não houve mesmo integração. Regressado de Angola há pouco mais de um ano, tornava-se necessário participar em algo. O Salão dos novíssimos foi uma forma de aparecer numa exposição colectiva em Portugal.


R. : Nos seus trabalhos dos anos 1960 é já evidente a influência do Neo-realismo. Recordo-me do Rui Mário Gonçalves que afirmava que "o neo-realismo começou por ser apelo cívico à imediata intervenção política". Como se relacionam estas dimensões (cívica, política, artística) no seu trabalho?


D. C. :Os meus primeiros trabalhos, classificados como neo-realistas não foram realizados sob qualquer formação política ou artística. Foi a representação pessoal do que vi à minha frente: O trabalhador angolano. A sua condição humana fez desenvolver em mim um sentimento, que exprimi plasticamente, talvez numa dimensão cívica, e então, como nada é apolítico, também com uma dimensão quase obrigatoriamente política.

Para reafirmar o que disse está o facto de nos trabalhos apresentados em Luanda alguém ter dito que eles demonstravam influências de Portinari, só que nessa altura, para mim, Portinari era totalmente desconhecido. A partir daí, já de forma pensada, o social, o político e o artístico
se integraram quase sempre em todo o meu trabalho.






R. : É fácil identificar, no seu trabalho gráfico, uma linguagem própria (a utilização da cor; os granulados; a grelha gráfica; o uso da tipografia) com influências que vêm da pintura, da ilustração e do Modernismo gráfico. Quem são as suas grandes referências?


D. C. :Referências, tenho muitas, por certo, mas é difícil individualizá-las. Referências e influências, existem sempre. Há uma atracção naquilo que se vê, que por uma questão de sensibilidade assimilamos e, depois sem dar-mos conta, utilizamos como norma no nosso trabalho. Nenhum artista vive numa ilha deserta, todos têm influências que são decisivas sem se saber por vezes a sua origem. Além de tudo mais, quando gosto de algo que vejo, raramente me importo em saber quem o fez (também porque tenho grande dificuldade em fixar nomes).
O mais importante para mim é o que está feito.






R. : Muito do seu trabalho gráfico foi feito para Editoras, como a Assírio & Alvim e a Diabril, no contexto pós-abril, como foi essa
experiência?

D. C. :Inicialmente pensando numa carreira de pintor, encontrei-me com as dificuldades de sobrevivência. Viver da pintura não era nada fácil
e mesmo agora, continua a não ser. Ou se comercializa a pintura, pintando o que os outros querem, podendo passar trinta e quarenta anos a pintar o mesmo, como acontece em alguns casos, ou se tem que andar muito perto de grupinhos, amiguinhos e em tertúlias. O que nunca foi do meu gosto.
Dentro do desenho gráfico, o que se senti poder dar-me maior liberdade criativa, era nas capas de livros. Pensei que a capa de um livro funcionava como um pequeno quadro, que numa montra de uma livraria teria muito mais visibilidade do que um quadro metido entre as quatro paredes de uma sala de exposições e que é só visto, quase sempre, pelos amigos.

A capa de um livro numa montra tinha, nessa altura, uma função mais pedagógica de que tem hoje. Existiam diferentes concepções gráficas fornecendo vários dados estéticos e tinham a particularidade de identificarem as casa editoras. Hoje, na maioria dos casos, são iguais com o estilo das novas tecnologias. Realizei inicialmente capas livros para as Publicações Europa- América e logo a seguir para os Livros do Brasil, Prelo e outras editoras e para revistas, como por exemplo a Vida Mundial.

Ainda antes de Abril de 74, acompanhei graficamente o nascer da Assírio & Alvim, onde já existia «um espírito de Abril». Pós 25 de Abril a minha participação, foi deveras interessante no projecto da Diabril e na Vida Rural. Referindo-me ainda à pergunta anterior, os nomes que tenho mais presentes, não são nem da área do desenho gráfico, nem da pintura, embora aqui pudesse indicar Bacon ou Adami, mas as minhas referências são mais de carácter humano dada á actividade ligada precisamente a editoras. Algumas mais influentes e amigas do que outras, mas não deixaram de ser influentes. Estou a falar, para além de Heitor Gomes Teixeira e Cruzeiro Seixas de que já referi, de José Gomes Ferreira, Fernando Namora, José Cardoso Pires, Urbano Tavares Rodrigues, José Saramago, David Mourão Ferreira, e tantos mais.


R. : Curiosamente, ao regressar da Venezuela, volta a colaborar muito activamente com a Divisão Editorial do Instituto Piaget?


D. C. :Sim! Foi praticamente o primeiro contacto que tive ao regressar de Venezuela e dada à sua grande quantidade de edições, tenho permanecido quase a tempo completo colaborando com o Instituto Piaget.


R. : O que o levou a partir para a Venezuela e que experiência recorda desse período onde desenvolveu intenso trabalho?

D. C. :A necessidade de conhecer outros horizontes, outros meios no mundo das artes existia desde há muito. Estive quase para ir para Bruxelas, mas não aconteceu. Com a realidade económica existente em 1979 e forçado por questões particulares, aproveitei um contacto com um português radicado na Venezuela e fui até lá, ainda que estivesse, nesse momento, a trabalhar na Televisão e a dar aulas na António Arroio. Não era por certo, o horizonte desejado, mas foi o que consegui. Foi, quase unicamente uma mudança de residência. A actividade continuou a ser a mesma.

Depois de uma curta passagem pela publicidade, foram as capas de livros, a colaboração em jornais e revistas, a pintura e dando aulas de Desenho Gráfico em dois dos mais importantes Institutos de Caracas que ocuparam o meu tempo.

Há muitas histórias para contar quando se é emigrante, mas o que mais importância teve para mim, foi o ter recebido o 1º prémio de desenho do Salão de Aragua em Maracay, pela primeira vez dado a um estrangeiro. Também a criação de um logótipo de uma instituição estatal que foi afixado em toda a Venezuela. Igualmente de interesse, foi o relacionamento com a comunidade portuguesa que possibilitou pertencer à Comissão Organizadora das Comemorações a Fernando Pessoa e que deu origem à formação do Instituto Português de Cultura de Caracas,do qual fui membro fundador e directivo.


R. : Como foi o regresso a Portugal?

D. C. :De certo modo senti-me de novo emigrante. Muita coisa aqui tinha mudado. Nesses quase treze anos que estive fora do país, de 1979 a 1992, para além das mudanças globais houve a mudança proporcionada pela entrada na Europa, com todo o bom e o mau como sabemos. Era um Portugal diferente.


R. : O livro dedicado à sua obra assume, como título, o princípio de Protágoras "O homem é a medida de todas as coisas", que actualidade tem esta máxima nos dias de hoje e como gostaria que os artistas a praticassem?


D. C. : Desde os meus primeiros desenhos em Angola, a dimensão humanista esteve sempre presente.Tal como eu, gostaria que artistas e todos os seres pensantes reflectissem nas palavras de Protágoras que serão sempre actuais, assim o homem seja sempre humano:

O HOMEM É A MEDIDA DE TODAS AS COISAS;
DAS QUE SÃO ENQUANTO SÃO,
DAS QUE NÃO SÃO ENQUANTO NÃO SÃO.

Sunday, October 05, 2008





Será uma brigada anti-design? Veja como a polícia holandesa destruiu este trabalho de Sagmeister!




Inesperado e estimulante diálogo gráfico: The Seattle-Tehran Poster Show. Em complemento, sugiro que ouçam o designer iraniano Reza Abedini no TypeRadio.




Já está disponível o número 15 da italiana Mousse Magazine onde se destaca o trabalho dos portugueses João Maria Gusmão + Pedro Paiva.




Explique a 5 amigos (ou a 5X5) porque devem votar nas próximas eleições!





No Design Observer slideshow dos vencedores da Chicago Poster Biennial.





Perdi a conta aos caramelos White Rabbit que comprei num mini-mercado chinês ali ao Martim Moniz. Apanhados na vaga no leite contaminado foram retirados do Mercado. A minha esperança é voltar a encontrar-vos doces amigos, vou procurar ali ao lado nos Grandes Armazens do Design!

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REACTOR é um blogue sobre cultura do design de José Bártolo (CV). Facebook. e-mail: reactor.blog@gmail.com