Sunday, October 19, 2008



Se a contemporaneidade se parece caracterizar pela simultânea reterritorialização dos campos disciplinares, tornados crescentemente híbridos, e pelo esforço de definição territorial, pela afirmação de autonomias disciplinares a despeito de uma tendência marcadamente transdisciplinar, o design pode ser entendido como um campo paradigmático de reflexão contemporânea e de debate das próprias lógicas de interpretação contemporâneas.

A constituição do design como objecto de análise deu-se ainda antes da definição das competências daquele que o pratica, o designer. Deste modo, introduzido no quadro no pensamento Utilitarista do séc. XVIII, o design surge indissociável de um novo olhar político que ambiciona encontrar ferramentas de intervenção e ordenação do espaço social, impondo uma construção teórica antecipadora da prática que, como se sabe, sofreu desde as suas origens de uma aparente desadequação relativamente aos princípios programáticos que a deveriam orientar

A definição do que é e o de que não é design, sendo tarefa recorrente, não deixa de ser um exercício relativamente inconsequente na medida em que esta “impureza” é ínsita aos desenvolvimentos teóricos e projectuais que, progressivamente, vão definindo, na sua diversidade, práticas do design. De facto se, de Bentham a Morris e de Pevsner a Papanek, vamos encontrando esforços de regulação teórica do design, a verdade é que estes esforços de definição, independentemente do seu rigor, apenas conseguiram desenvolver “focagens” sobre um campo disciplinar que se não deixa reduzir à “pureza” de uma interpretação ou olhar parcial. Disciplina “impura”, o design, sempre faz arrastar, como sua sombra, uma ordem complexa - cultura e técnica, economia e política – que projectualmente se reordena, sob várias escalas e dentro de diferentes registos de intencionalidade.

Bem entendido, o design sempre foi “moderno”, independentemente de os analisarmos no contexto do proto-design oitocentista ou no contexto do neo-funcionalismo que sucede à segunda guerra mundial.

Essa “comunhão” de espíritos entre modernidade e design, explica o seu destino comum. “Moderno” tornou-se uma categoria histórica e tipológica, de modo semelhante, o “design” tornou-se uma categoria metodológica e tipológica, mas a tendência natural de ambos remete mais claramente para o tipológico do que para o uso historizado (com as inevitáveis remetências para um período “cristalizado” ou para a abstracção de um estilo ou movimento) ou mesmo do que para a prática processual (que, no limite, se tipologiza).

Este pendor tipologizante e universalizante (o design é fruto do triunfo da “cultura” sobre a “civilização” que se dá em oitocentos) presta-se à queda na contradição: uma categoria que se quer tipológica, que se quer aplicável a manifestações universais, tende a ser circunscrita em parâmetros históricos, já historizados, do “moderno” identificado com um período que (partindo filosoficamente do iluminismo) se desencadeia no final do século XIX e sucumbe (sem consenso) com o advento do chamado “pós-moderno”.

Modernism: Designing a New World 1914-1939, é o catálogo, editado por Christopher Wilk, da gigantesca exposição que o Victoria and Albert Museum de Londres acolheu entre Abril e Junho de 2006, e que nos mostra como algumas ideias, propostas e movimentos, que ocorrem na Europa e nos Estados Unidos num contexto marcado pela radical transformação dos meios produtivos e pela intensa renovação cultural ligada às vanguardas históricas, tendem a gerar uma “expressão colectiva dominante”, um “ismo” que, mesmo heterogéneo e, em muitos sentidos, contraditório, ambicionou ser um “ismo”, um “estilo internacional”, capaz de afectar a arte, a economia, a política.

Em design, “modernismo” começa por significar uma lógica intencional de ordenação, quer do novo quer do antigo, quer do individual quer do colectivo. O início do primeiro capítulo do livro – “Introduction: What was Modernism? – abre com uma citação exemplar de Walter Gropius, datada de 1919: “Today’s artist lives in an era of dissolution without guidance. He stands alone. The old forms are in ruins, the benumbed world is shaken up, the old human spirit is invalitaded and in flux towards a new form. We float in space and cannot perceive the new order.”.

A esta explicação da “nova ordem”, dedicaram-se Walter Gropius, Sigfried Giedion ou Nikolaus Pevsner, teorizando o design e reescrevendo a sua história, de resto, simbolicamente, a escolha do período cronológico da exposição (1914-1939) remete-nos para a leitura de Pevsner segundo o qual o movimento da Arquitectura Moderna se inicia em 1914, interpretação que não deixa de ser duvidosa se pensarmos nos projectos de António Sant’Elia ou de Gropius anteriores à primeira guerra mundial.

O grande mérito de Designing a new world – obra impecável do ponto de vista da qualidade gráfica – é o de conseguir um indiscutível equilíbrio entre a “exposição”, amplamente documentada, e a discussão (excelentes e claras sínteses de Christopher Wilk; Christina Lodder; Christopher Green; Tag Gronberg; Tim Benton e Ian Christie) sobre o Modernismo, no que consegue ser um bom retrato crítico sobre um período fundamental da história cultural mundial.

MODERNISM: DESIGNING A NEW WORLD 1914-1939
ED. CHRISTOPHER WILK
V&A, LONDON, 2006
447 pp.

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