Sunday, November 16, 2008
Op. Cit.
Foi com entusiasmo que, há uns dias, ao folhear um jornal me deparei com um cartaz da Culturgest no qual, dentro do Layout típico da instituição, se destacava uma ilustração de João Machado. O que me entusiasmou no cartaz – afinal um cartaz de divulgação de uma sessão do Cinanima (para o qual João Machado fez alguns dos seus melhores trabalhos) na Culturgest – foi a surpresa de nele ver o que, à primeira vista, parecia ser uma citação.
No campo do design o valor da citação sempre me pareceu pouco valorizado e, por isso, o seu recurso pouco explorado. O que corresponde, no limite, a uma incompreensão da própria natureza do projecto. Projectar pressupõe sempre um exercício de repetição, de retomar de novo, face a um contexto diferente, o esforço antigo de arriscar uma solução. Também é claro que fazer design corresponde a intervir num processo que preexiste a essa intervenção e que essa preexistência está já moldada por anteriores “feituras” de design.
No cartaz da Culturgest a citação é explícita, sendo o pormenor de João Machado devidamente creditado. A citação pode ser explícita ou implícita. A própria citação implícita me parece, muitas vezes, fértil. É claro que o campo da citação implícita é mais perigoso pois ela pode comportar três tipos de exercício: o exercício de inspiração (que não tem de pôr em causa a autoria), o exercício de erudição e o exercício de imitação (que, em todo o caso, como treino me parece positivo daí que por vezes o recomende aos meus alunos).
São alguns os exemplos que encontramos ao nível do recurso à citação implícita. Sebastião Rodrigues citou várias vezes Paul Rand não deixando de integrar a citação dentro de um discurso autoral autónomo. Se quisermos alguns exemplos mais recentes basta pensar em vários trabalhos de Ricardo Mealha citando os Designers Republic ou, num exemplo actual, os trabalhos de Jorge Cerqueira para o Balleteatro citando, em vários deles, o de João Faria.
Volto a sublinhar que na citação implícita a fronteira entre inspiração, erudição e imitação pode, por vezes, ser ténue. Parece-me saudável quando um autor não sofre demasiado com, para citar Steiner, a angústia da influência. Ela não deve, pelo menos, conduzir a um receio em citar, com ou sem aspas. A citação é, afinal, uma forma de diálogo e o design (a sua teoria e a sua prática) faz-se, em grande medida de diálogos. Num contexto histórico em que devemos reaprender a dialogar – a perceber o que o diálogo exige de nós – talvez seja interessante reaprendermos igualmente a citar e aqui o Cartaz da Culturgest pode funcionar com uma interessante introdução.
PS: Já depois de ter escrito este "post" encontrei no Ressabiator (o trabalho obrigou-me a ler ao Domingo o que tenho por hábito ler à sexta de manhã) uma referência aos recentes cartazes do Martino&Jaña para o Centro Cultural Vila Flor. Na última sexta-feira olhei, com particular atenção, para quatro cartazes desta série que, não tenho dúvidas, está entre o que de mais interessante aconteceu ao cartaz português nos últimos tempos. O texto de Op. Cit. nasceu, precisamente, com o Cartaz da Culturgest e com os de Martino&Jaña que me parecem exemplificativos do valor da citação. Espero ter oportunidade de, em breve, lhes dedicar uma análise mais atenta.
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- REACTOR é um blogue sobre cultura do design de José Bártolo (CV). Facebook. e-mail: reactor.blog@gmail.com
3 comments:
Como diz "na citação implícita a fronteira entre inspiração, erudição e imitação pode, por vezes, ser ténue". Parece-me que além de ténue essa fronteira é movediça e ora caí para um lado ora para o outro em função de quem copia e é copiado.
Nestas situações interessa sempre muito, a forma de contar a história por detrás de cada trabalho para definir se estamos perante uma cópia ou uma citação consciente.
Parece-me existir neste texto muito boa vontade para não referir a cópia a João Faria no trabalho de Jorge Cerqueira (até o site www.jorgecerqueiradesign.com era uma enorme "citação" do que já tinha sido www.drop.pt, que curiosamente de há algum tempo para cá passou a branco depois de um muito intrigante e fugaz VENDE-SE por altura do Verão, onde já não aparecia nenhum portfolio em barra cronológica horizontal).
Citação é acrescentar algo à referência original, alterar o contexto e por isso questioná-lo, bem diferente do que vulgarmente se chama "fazer ao jeito de". Encontro citações em muitos autores em Portugal mas se a "citação" me bate na cara sem o menor esforço, desconfio.
Lembro-me de duas situações brilhantes que reconheço enquanto trabalho de arqueologia gráfica, vulgo citação. Por coincidência pertencem ao mesmo autor e ao mesmo cliente. O logotipo da Zé dos Bois (tinha aparecido em parte num cartaz da Exposição do Mundo Português organizado pelo SPN, uma ilustração de Thomaz de Mello) e um mural que esteve na galeria por ocasião do 30º aniversário do 25 de Abril, recriação de imagens de João Abel Manta, autoria de Barbara says.
Em relação ao anúncio do Cinanima pela Culturgest que também me chamou a atenção, julgo tratar-se de um caso bem conseguido, de uma grelha pré-definida que conjuga texto e imagem, com imagens de divulgação dos espectáculos ou exposições, não sendo por isso um exemplo de citação. Mas desta vez com a particularidade da imagem de divulgação ser um cartaz da Cinanima.
Agradeço o comentário - em cujas ideias me revejo - que ajuda a tornar (quer pelas referências que acrescenta quer por alguns esclarecimentos que faz) a leitura do meu texto mais completa.
Pode ser interessante verem este livro:
"The Anatomy of Design: Uncovering the Influences and Inspirations in Modern Graphic Design" do Steven Heller
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