Wednesday, July 08, 2009

REACTOR ENTREVISTA JOÃO MACHADO


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João Machado é um jovem designer gráfico que actualmente estuda e trabalha no Reino Unido. Tendo o mesmo nome do consagrado designer portuense, João Machado pertence a uma outra geração, trabalha outras referências que encontram tradução numa linguagem visual orgânica, marcada por uma mistura de meios, pela valorização do processo e experimentação gráfica.

O Reactor conversou com João Machado, nesta que será a última entrevista antes de uma nova série a ter início em Setembro.



REACTOR: No primeiro post do Reactor afirma-se que “não há design sem diálogo”, enquanto profissional do design que diálogos lhe interessam estabelecer? Com quem? Sobre o quê?

JOÃO MACHADO:Não há, de facto, design sem diálogo e, enquanto Designer de Comunicação interessa-me, essencialmente, debruçar-me sobre iniciativas que influenciem a sociedade de forma positiva. Interessa-me comunicar através de metáforas visuais que sejam de alguma forma envolventes para o público-alvo, ou seja, que tenham como resultado a sensação de inclusão e a percepção de que, conceptualmente, construímos um significado juntos. Expor o processo de criação é então para mim o próprio diálogo, já que ao fazê-lo deixo de ser o autor para ser o “veículo”. É como se eu não inventasse nada e apenas unisse diferentes elementos já existentes que, no seu todo, constroem uma mensagem. Exponho um ponto de vista, consciente da forma como posso influenciar os que me rodeiam.

Esta forma de diálogo é dirigida à sociedade em geral, não a um nicho ou a uma elite mas a todos aqueles para quem determinada informação possa ser benéfica, dentro do contexto da contemporaneidade.

Torna-se difícil responder à questão “Sobre quê?” O ideal seria responder: Sobre boas ideias. Tenho uma especial satisfação em trabalhar na área cultural, por isso sobre eventos relacionados com desenvolvimento intelectual e saberes.

R. : Como caracteriza o seu trabalho e como o integra no actual panorama do design nacional e internacional?

J.M. :O meu trabalho é fruto da crítica e análise do dia-a-dia. Encontra-se entre a esfera pública ou ligado a experiências ou divagações pessoais quase sempre relacionadas com a comunicação visual. É comunicação visual e não negaria que pode ser uma simbiose de arte e design. Tenho sempre um objectivo bem definido mas, quando é possível, permito-me não saber exactamente como será o resultado final, na perspectiva de que, desta forma, o processo de trabalho possa ser mais exploratório e original.

Tento alcançar mais níveis de entendimento quando desenvolvo projectos que requerem uma comunicação muito efectiva. No meu portfolio incluo instalações, trabalho impresso, editorial, vídeos e desenhos – não procuro especializar-me numa área específica do design de comunicação e prefiro pensar uma solução para cada projecto, individualmente. Acrescentaria ainda que, com isto, quero dizer que, sempre que possível, penso no media como uma consequência do conceito.

Penso que o meu trabalho é contemporâneo e em alguns aspectos inovador, a par do trabalho de tantos outros designers portugueses ou estrangeiros. Uma das características do meu trabalho que me faz considerá-lo actual está relacionada com a posição que assumo enquanto designer, algo afastada de um circuito exclusivamente comercial e afastada também do recurso a trends ou clichés gráficos. Alguns dos meus projectos podem eventualmente servir de objecto de exposição numa galeria e creio que esta posição de designer/autor é algo cada vez mais comum no panorama nacional e internacional.

R. : Que visão tem do ensino do design em Portugal?

J.M. :Sou recém-licenciado e, por isso, talvez esteja ainda algo distante de uma visão generalizada do ensino do design em Portugal. No entanto, a minha experiência pessoal foi muito enriquecedora. Considero que fui bem preparado para exercer a profissão mas, de qualquer forma, rapidamente me apercebi de algumas lacunas no meu curso após a sua conclusão.

De uma forma geral, fico com a sensação de que os alunos são preparados para o mercado de trabalho sem terem oportunidade de o questionar e de perceberem a sua posição enquanto designers, a sua posição enquanto cidadãos responsáveis que podem intervir de forma muito directa nas áreas do consumo, marca, negócio, ambiente, cultura, etc. Parece-me muito importante preparar os alunos para o contexto comercial mas também para o contexto social. Tive uma professora que fez projectos para uma conhecida cadeia de fast food. Apesar de ser uma boa professora, esse exemplo, em particular, não é do meu interesse seguir. É este tipo de consciência que costuma ser ignorada por muitos estudantes.

Também gostaria de ter tido melhor preparação para pensar conceptualmente, para desenvolver um método pessoal de alcançar ideias, em exercícios de equilíbrio entre mensagem e forma.

R. : O design sempre se caracterizou pela inexistência de um consenso programático, hoje talvez mais evidente devido à falência dos verdadeiros projectos colectivos, a teoria do design sempre oscilou entre uma interpretação do designer enquanto um “agente social” e uma interpretação do designer enquanto um “agente do mercado”, parece-lhe haver sentido nesta distinção?

J.M. :De facto, como designer recém-chegado ao mercado de trabalho, começo a aperceber-me com maior clareza da existência deste tipo de “movimentos”. Existem diferentes abordagens da profissão e existe também uma ideia generalizada do designer enquanto executante. Eu admito que a abordagem mais cerebral e teórica pode eventualmente ser a maior inimiga de alguém que vive num país em crise económica e que precisa de garantir um fluxo de trabalho constante. No entanto diria, também, que este entendimento da profissão, mais aliado a noções de ética e acção não deve ser tido obrigatoriamente como anti-comercial. Em última instância a maior parte do trabalho de um designer é comercial, mas qualquer produto e a forma como este é comunicado têm um efeito na sociedade e provocam uma reacção. Neste sentido qualquer “agente de mercado” não pode fugir à sua responsabilidade enquanto “agente social”. Acho que não há sentido na distinção. Só a entenderia num contexto de ignorância de responsabilidade e ética em prol de lucro mais imediato.

Com o crescimento das possibilidades de autoria, a criação de blogs, websites, a criação de publicações, etc., surgiu também uma distorção do papel do designer. Os menos atentos facilmente associariam bom design a abordagens visuais lucrativas ou a mensagens directamente relacionadas com consumo. Com isto chego a uma resposta mais concreta para a sua pergunta: Não há sentido na distinção se pensarmos na descrição conceptual do que é o papel do designer; Há sentido na distinção numa perspectiva de análise da realidade de hoje em dia.

R. : Perante o relativismo dos valores (e, em particular, dos valores do design após a crise do projecto moderno) não será importante mostrarmos que existe uma diferença entre a “ética individual” e a “ética disciplinar”? Quero dizer, os valores que orientam o design não podem ser relativos aos valores que guiam o comportamento dos seus profissionais…

J.M. : ...Os valores de uma pessoa reflectem-se na forma como se trabalham e creio que é neste contexto que surge o factor gosto. Criou-se um mercado que permite que os designers/autores desenvolvam projectos numa linha gráfica ou numa veia en vogue e quem procura uma solução de comunicação acaba por escolher de entre um “catálogo de designers”. Com a possibilidade de actuar desta forma, alguns designers acabam por entender o seu trabalho exclusivamente como pessoal e afastam-se da teoria da disciplina. É também neste contexto que se insere a facilidade do acesso a ferramentas de design gráfico. Há menos de tradicional e de craft na actualidade e todos somos influenciados a criar profiles e a personalizar objectos ou espaços virtuais. Assim sendo, agora mais do que nunca, o designer preparado, o designer que reconhece valores de democracia, igualdade, influência, etc., deve actuar de forma responsável enquanto detentor de um conhecimento teórico e técnico específico e especializado.

Sim, é importante mostrarmos que existe uma diferença entre a “ética individual” e a “ética disciplinar”, mas por vezes parece-me ser também cada vez mais inevitável que estes valores se diluam...

Durante a licenciatura, eu e todos os meus colegas de curso, fizemos um exercício muito interessante sugerido por um professor da cadeira de Design de Comunicação – fomos proibidos de utilizar a palavra “gosto” na apresentação e explicação dos projectos. Como resultado, entendemos que não é fácil assumir um distanciamento de qualquer criação pessoal mas, no entanto, faz todo o sentido abordarmos um projecto de design como um trabalho conjunto.

R. : Ainda há espaço para utopias no design? O Enzo Mari dizia que o design é um “acto de guerra” e o Brody dizia que usamos poucas vezes a palavra revolução…

J.M. : ...Acredito que sim, que ainda haja espaço para utopias... existe mais espaço para tudo, existem mais oportunidades, para o bem e para o mal. Sendo assim é fácil apontar o dedo para a educação e formação dos novos designers e exigir que, como um todo, construam uma definição mais positiva e benéfica, para todos, daquilo que é esta profissão.

Penso que para Enzo Mari o acto de guerra era essencialmente consigo próprio e que o seu método era algo fundamentalista, no entanto, é desta forma que deixa um statement na história do design.

Pessoalmente acredito numa revolução, mas não posso deixar de dizer que acredito também que é mais fácil modificar uma substrutura do que uma superstrutura, ou seja, tenho a minha utopia mas entendo que o processo do seu impacto na mudança da cultura seja algo lento e que não tenha grande representação enquanto analisado isoladamente...

R. : Qual é a sua “utopia pessoal”?

J.M. : Acredito que posso construir a minha narrativa, que posso trabalhar de forma coerente com a minha maneira de pensar.

R. : Verdadeiramente só começou a haver crítica do design em Portugal com o aparecimento da blogosfera. Que influência exerce a teoria do design sobre o seu trabalho e, nomeadamente, a teoria do design de língua portuguesa?

J.M. :Para responder de forma honesta a esta pergunta tenho de admitir que a crítica do design é para mim algo recente. Não sei até que ponto posso falar da sua influência sobre o meu trabalho, no entanto relacioná-la-ia com as minhas principais preocupações no desempenho da profissão. Ajuda-me a questionar-me e a entender/fundamentar a relação do design com a vida quotidiana.

R. : Quais são os seus blogues de referência?

J.M. :

Design Observer
Reactor
Manystuff
Typeradio

Vou variando entre estes e outros consoante o tipo de informação que me apetece ler ou ver.

R. : Que pergunta acrescentaria a esta entrevista? E que resposta ela lhe mereceria?

J.M. : Acrescentaria a pergunta que tenho feito retoricamente: Porquê eu para esta entrevista? Responderia com aquilo que as minhas próprias respostas me fizeram aperceber com maior ênfase: São os jovens designers como eu que vão definir o padrão do que é esta profissão dentro de poucos anos. É portanto essencial que as mensagens de consciencialização suscitadas através das suas perguntas sejam passadas a esta geração e que possam de alguma forma ser um veículo de mudança ou afirmação das várias perspectivas individuais.

1 comment:

Anonymous said...

Well done, João!

Catarina Vieira

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REACTOR é um blogue sobre cultura do design de José Bártolo (CV). Facebook. e-mail: reactor.blog@gmail.com