Saturday, September 12, 2009
Entrevista com SARA GOLDCHMIT
Sara Goldchmit vive e trabalha em São Paulo, Brasil. Formou-se em Arquitectura pela Universidade de São Paulo, em 2002. Entre 2005 e 2007, fundou e integrou o Imageria Estúdio, onde participou no desenvolvimento de alguns projectos gráficos premiados, voltados principalmente para design editorial e design de exposições. Com foco na área da educação e da cultura, atendeu clientes como Scipione, Ática, Edusp, Fundação Bienal, SESC São Paulo e Itaú Cultural. Em 2008, concluiu o mestrado em design, também pela FAU-USP, com a dissertação “Odiléa Setti Toscano: do desenho ao design”. Entre 2008 e 2009, aprofundou as suas pesquisas no campo do design visual, visitando os Estados Unidos e a Europa. Hoje, trabalha como designer gráfica freelancer e é autora de um excelente blogue intitulado Design Diário.
Reactor: O início da sua carreira como designer está ligado ao Imageria Estúdio, que fundou e no qual trabalhou ao lado de Celso Longo. Pode descrever-nos o trabalho desenvolvido durante esses anos?
Sara Goldchmit: O Imageria Estúdio nasceu de uma enorme vontade de investigar novas linguagens visuais. Celso e eu fomos colegas na Faculdade de Arquitectura da USP, onde tivemos uma formação muito abrangente. De certa maneira, foi essa visão ampla que guiou o nosso trabalho conjunto na execução de projectos de identidade visual, design editorial e design ambiental para exposições. Encontramos nas instituições culturais paulistanas o acolhimento necessário ao nosso empenho criativo. Considero o Celso um dos melhores designers brasileiros da minha geração. Esse período no Imageria Estúdio foi muito rico em experimentações e troca de ideias, me propiciando um grande aprendizado e crescimento.
R. : O seu trabalho dentro do Imageria estava muito voltado para clientes ligados à educação e à cultura como o SESC São Paulo ou Itaú Cultural. Tratou-se de uma escolha deliberada? Qual era então o seu envolvimento com o meio cultural paulista?
S. G. : Não apenas no Brasil, mas me parece que no mundo inteiro, as áreas da educação e da cultura são historicamente um terreno fértil para a criação e experimentação de linguagens visuais. No Brasil, é um campo estreito, mas fazer design gráfico com objectivos educacionais é muito estimulante para mim, ainda que possa parecer romantismo. Faço projectos para livros didácticos que tem tiragens de centenas de milhares de cópias e são empregados por programas do governo em escolas públicas. O Brasil é um país jovem e a educação é um vector importante no processo de transformação social. A escolha por clientes nessas áreas também deve-se ao fato que o diálogo com eles flui com maior facilidade, pois a voz do designer costuma ser mais respeitada. O SESC (Serviço Social do Comércio) é a instituição com mais intensa actuação na área da cultura e da educação informal, com 32 centros culturais e desportivos no Estado de São Paulo. Ou seja, é um grande solicitador de serviços de design, com uma ideologia que vai na contramão do pensamento corporativo dominante.
R. : Que influência exerceu, para os designers da sua geração, o trabalho de grande envolvimento cultural e político de designers anteriores como Rogério Duarte ou Chico Homem de Melo?
S. G. : O cartaz do filme "Deus e o diabo na terra do sol", de Rogério Duarte, é uma das peças gráficas mais emblemáticas da história do design brasileiro. A sua produção ligada ao movimento tropicalista e ao Cinema Novo não foi, contudo, muito enfatizada durante a minha formação. Foi uma descoberta posterior. Já o Chico Homem de Melo foi meu professor na Faculdade de Arquitectura, sempre muito admirado por aqueles alunos que já sabiam que se encaminhariam para a área do design. Participou de inúmeras bancas de avaliação de trabalhos finais de graduação e também de mestrado e doutorado, contribuindo significativamente para a formação de um pensamento crítico e consciente entre os alunos. Os seus livros e artigos publicados definem certeiramente o território do design, através de uma articulação directa e esclarecedora. Considero o Chico uma figura central para os designers da minha geração.
R. : Também do ponto de vista formal se fala muitas vezes num “Design brasileiro” no sentido de uma linguagem gráfica autónoma. Parece-lhe existir, de fato, essa identidade e como ela se caracteriza?
S. G. : Essa questão é complexa. A partir dos anos 1960, quando o design gráfico profissionalizou-se no Brasil, o modelo de ensino e de prática esteve fortemente influenciado pela ideologia moderna, especialmente pelo design suíço e alemão. Os sistemas de identidade visual criados a partir dessa época tinham por base o estilo internacional, mas foram tão amplamente incorporados aqui que tornaram-se a "cara" do design brasileiro durante os vinte anos seguintes. A condição de país periférico do Brasil sempre fez com que os designers olhassem para o que estava sendo feito no "primeiro mundo" com admiração e um sentimento de inferioridade. Com a globalização, todos os lugares ficaram mais parecidos e os designs feitos nos mais diversos cantos confundem-se, pois todos tem acesso às mesmas referências e tecnologias. Utilizar as características culturais locais parece ser a saída para a diferenciação. Agora estamos nessa expectativa (ou realidade?) do sucesso dos BRICs, então o Brasil está na moda. Para mim, os melhores exemplos de uma identidade forte no design gráfico são os casos em que o profissional consegue impregnar um pouco de si, da sua história e da sua cultura no trabalho. Há dois designers brasileiros na AGI (Alliance Graphique Internationale): Kiko Farkas e Rico Lins. Se existe uma identidade brasileira exportada pelo trabalho gráfico de ambos, acho que estamos bem representados.
R. : Curiosamente a maioria dos designers que são citados para exemplificar esse “estilo nacional” são designers paulistas, a única excepção será Aloísio Magalhães...
S. G. : São Paulo tornou-se o centro económico do Brasil no século XIX. Com uma população formada em grande parte por imigrantes europeus, a influência das ideias estrangeiras deu-se de maneira mais intensa do que em outras regiões do Brasil. E foi entre os artistas paulistas que, durante os anos 1950, a arte construtiva ganhou força, sendo que muitos deles realizavam também projectos de comunicação visual. Essa nova visualidade geométrica lançou as bases do novo estilo de design que estava por vir. Ao mesmo tempo, foi inaugurado em 1951, em São Paulo, o IAC (Instituto de Arte Contemporânea), de onde saíram alguns dos principais designers criadores de identidades visuais, como Alexandre Wollner e Ludovico Martino. Entre os designers actuantes em São Paulo, destacaram-se ainda Ruben Martins e João Carlos Cauduro. Embora estivesse fora de São Paulo, Aloísio Magalhães foi uma figura ímpar na história do design brasileiro: não apenas por ter desenhado símbolos nacionais como a marca da Petrobrás e as cédulas monetárias do Cruzeiro, mas por ter actuado politicamente a favor da preservação do património cultural.
R. : A Tese de Mestrado da Sara é sobre Odiléa Toscano que curiosamente teve um percurso muito semelhante ao seu cursando a Faculdade de arquitectura e desenvolvendo uma obra ligada ao design gráfico com uma forte componente do desenho e da ilustração…
S. G. : É verdade. Quanto mais eu pesquisava sobre a vida e a obra de Odiléa Toscano, mais descobria semelhanças com a minha própria vida e com o meu trabalho. Me identifico com esses artistas gráficos do passado, que aliavam a ilustração ao design gráfico de uma maneira expressiva. Essa atitude dissipou-se no mar de avanços tecnológicos e apenas recentemente começou a ser possível entender e valorizar o que o gesto humano faz que a máquina não faz. Fico honrada em dar a minha contribuição para o reconhecimento da obra da Odiléa. Considero a pesquisa histórica muito importante para alimentar o design praticado hoje por profissionais e também imprescindível para os estudantes em formação.
R. : Parece-lhe que, no Brasil, os jovens designers se interessam pelo história do design brasileiro? Eu vejo surgirem as publicações da COSACNAIFY e outras num trabalho de valorização da história nacional que em Portugal ainda não foi feito…
S. G. : Pela minha percepção, esse movimento é recente e a editora Cosac Naify tem exercido um papel de destaque. Os livros "O design brasileiro antes do design" (2005) e "O design gráfico brasileiro: anos 60" (2006), organizados por Rafael Cardoso e Chico Homem de Melo, respectivamente, são exemplos actuais de como esse tipo de registo histórico pode ser feito. E realmente estão aparecendo cada vez mais pesquisas académicas sobre o assunto. Além do resgate da história do design brasileiro, a Cosac está fazendo um trabalho importante ao traduzir obras de referência para o português, como "A história do design gráfico" de Philip Meggs, lançado recentemente. Com o crescimento da oferta de cursos de design pelo país, o acesso a essa bibliografia é fundamental.
R. : Paralelamente ao trabalho de designer gráfico, a Sara Goldchmit escreve regularmente sobre design e é autora do blogue Design Diário. Como observa o contributo que a blogosfera tem dado para a divulgação e crítica do design num momento em que blogues como o Design Observer têm largos milhares de leitores diariamente?
S. G. : Eu não tinha me dado conta do alcance dos blogues até ter passado uma temporada em Nova Iorque em 2008. Ler as discussões do Design Observer é sentir-se na mesma sala onde Michael Bierut, Steve Heller, Jessica Helfand e Rick Poynor, entre outros, conversam abertamente sobre design. Mas durante o período em Nova Iorque, percebi como o mundo virtual alimenta-se do mundo real e vice versa. Lá assisti uma palestra do Rick Poynor para os alunos do curso D-Crit da SVA; entendi melhor as histórias de Michael Bierut ao visitar os lugares mencionados nos artigos; ouvi William Drenttel e Jessica Helfand apresentando a Winterhouse no FIT; e pude, inclusive, sentir o que os consumidores americanos sentiram ao ver a nova embalagem do suco de laranja Tropicana no supermercado (eu ainda estava nos Estados Unidos na época que substituíram as embalagens e o novo design causou tanta indignação do público que o fabricante deciciu voltar atrás). Enfim, o que milhares de leitores ao redor do mundo lêem no Observer é, muitas vezes, uma conversa local. E os novaiorquinos sabem falar de si mesmos e atrair a atenção do mundo todo como ninguém. Mas, respondendo a sua pergunta: a exemplo do Design Observer, eu acho que a blogosfera representa uma abertura incrível para a divulgação e a discussão de design em um alcance jamais imaginado antes. No Brasil, os blogs ainda não está sendo suficientemente explorados pelos designers. Penso que o Design Diário está dando a sua contribuição.
R. : Há actualmente um grande interesse internacional e português em particular (como se comprovou com a recente pesquisa no Brasil desenvolvida pelo investigador português Frederico Duarte) pelo design brasileiro mas continuo a pensar que a proximidade linguística e cultural entre Portugal e o Brasil está ainda pouco explorada. Como é que a Sara Goldchmit, trabalhando numa grande metrópole como São Paulo, olha para o design português e que leitura faz das actuais relações entre os dois países?
S. G. : O meu conhecimento do design português deve-se às minhas duas visitas à Lisboa, em 2004 e 2009, e à internet. Em 2009 tive a oportunidade de assistir o OFFF Festival em Oeiras e gostei muito do painel de design português, que revelou a alta qualidade da produção contemporânea de estúdios que concorrem em nível internacional. Por outro lado, nessa visita descobri também o trabalho de pesquisa da jornalista Catarina Portas e os belos produtos genuínos portugueses vendidos na sua loja A Vida Portuguesa. A recuperação das origens pode ser também um caminho para fortalecer a identidade do design português na Europa. Saí de Lisboa pensando exactamente na sua pergunta: como fazer para estreitar as relações entre os dois países que tem tantas coisas em comum? A troca de informações nos blogues sobre design escritos em português é certamente uma óptima iniciativa nesse sentido.
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