Thursday, October 15, 2009
Por ocasião da inauguração da exposição O Que É Urgente Mostrar alguém me questionava sobre o porquê de, das minhas nove escolhas, 6 serem designers ou estúdios localizados no Porto.
A questão tem razão de ser e, seguramente, esta falta de paridade entre Lisboa e Porto terá causas e justificações. Convém, antes de as identificar, esclarecer que estou longe de reduzir o design português ao design que é feito em Lisboa e no Porto. Reconheço e valorizo os projectos e iniciativas que, do Algarve (onde o Albio Nascimento desenvolveu esse evento ímpar que é o Design For Future) a Trás-os-Montes (onde trabalha, com muita qualidade, a Cátia Mourão), vão sendo desenvolvidos. Por outro lado, também não esqueço que algum do melhor trabalho desenvolvido por designers portugueses é feito fora de Portugal (pelo André Cerveira em Espanha, pelo José Albergaria em França, pelo Manuel Lima, Ricardo Moita, Francisco Laranjo e Teresa Lima no Reino Unido, pela Isabel Lucena na Holanda, pelo Diogo Valério na Noruega, para citar apenas alguns e circunscrevendo-me unicamente ao campo do design gráfico).
Vamos agora às necessárias justificações. A primeira, simples e directa mas nem por isso menos razoável, é de ordem prática e tem a ver com o facto de também eu, nesta altura, ser Oporto-based. Em minha defesa posso sempre argumentar que, de forma análoga, quando fui Director Artístico da Casa d’Os Dias da Água em Lisboa convidei sobretudo criadores de Lisboa ou quando desenvolvi projectos em Faro ou Leiria trabalhei com criadores dessas regiões.
Se esta justificação é plausível, tenho no entanto consciência de estar a fugir à questão. O que verdadeiramente me foi questionado, numa lógica muito Benfica ou F.C. Porto, foi a minha visão crítica sobre o design produzido em Lisboa e o design produzido no Porto. A questão, colocada por ocasião de uma exposição de cartazes, pode ser bem formulada nos seguintes termos:
1. Em que medida podemos falar, em relação ao design gráfico e, em particular, ao design de cartazes de uma escola de Lisboa (1) e de uma escola do Porto?
2. Em que medida a influência dessa escola permanece activa, como ela se renovou, qual a actual vitalidade do design gráfico e, em particular, do design de cartazes em Lisboa e no Porto.
Respondendo directamente às questões:
Não se pode falar numa escola de Lisboa. Uma escola pressupõe uma identidade e no design produzido em Lisboa não há essa identidade (2). Mesmo nos casos de evidente influência e herança (de que um exemplo claro é Sebastião Rodrigues como herdeiro de Bernardo Marques) encontramos linguagens formais e atitudes nitidamente autónomas. Neste sentido, devemos reconhecer a qualidade dos designers e cartazistas de Lisboa (de Fred Kradolfer a Barbara says...) mas com isso estamos a enaltecer individualidades mas dificilmente podemos identificar uma escola (3).
Pode-se falar numa escola do Porto. Por um lado porque a tradição cartazista é aqui muito menos difusa; por outro lado porque as afinidades formais e comunicacionais tendem aqui a ser mais evidentes. Uma escola pressupõe igualmente expressão autoral e, no Porto, ela é muito clara no trabalho de Armando Alves, Jorge Afonso, João Machado, Rui Mendonça, João Nunes, Andrew Howard, R2 João Faria e Martino&Jaña, para citar nove exemplos de criadores cuja influência foi ou é muitíssimo evidente. Também esta capacidade de levar a imitar, de influenciar e de educar caracteriza uma escola (4).
Notas:
1. A ideia de escola é uma ideia Moderna, indissociável de um programa defensor de uma determinada noção de bom design. Neste sentido, a actualidade e a pertinência do uso da noção de escola são actualmente discutíveis.
2. Devo ressalvar que no carácter difuso que reconheço na produção gráfica de Lisboa reside, no entanto, muita da sua riqueza. Mais do que afirmar a difusão como sendo, em sí, negativa ou positiva, creio que ela reflecte, por comparação ao Porto, um maior cosmopolitismo, uma maior impureza (que permitiu, sempre, mais experimentação de meios, mais contaminações entre o design, a música, a literatura ou cinema) e, num certo sentido, uma maior liberdade expressiva.
3. Cumpre-me, no entanto, sublinhar que este texto expressa uma impressão crítica sobre o assunto mas não possui o rigor de uma investigação histórica sobre a matéria.
4. Claro que esta influência não acontece confinada a fronteiras geográficas muito demarcadas. Claro que muitos designers de Lisboa influenciaram (veja a importância de Henrique Cayatte numa geração de designers portuenses dos anos 80) e influênciam o design que se faz no Porto e vice-versa. Claro que falar em escolas exige algum tipo de prudência. Claro que confrontar Lisboa/Porto pressupõe uma lógica empobrecedora mais típica de uma paixão futebolística do que de uma reflexão crítica sobre o design português.
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- REACTOR é um blogue sobre cultura do design de José Bártolo (CV). Facebook. e-mail: reactor.blog@gmail.com
14 comments:
É difícil não concordar com o texto, excepto num ponto: os nove designers apresentados não se encaixam bem uns com os outros.
João Nunes, Andrew Howard, R2 João Faria e Martino&Jaña formam um grupo claro. Rigor tipográfico misturado com experimentalismo na composição.
Armando Alves, Jorge Afonso, João Machado e Rui Mendonça, outro. Um estilo modernista muito apoiadp em ilustração geométrica e em quase todos eles tipografia fraca ou mesmo má.
Luís S. Silva
Obrigado pelo comentário atento. A sua separação (dos nove designers citados) em dois grupos percebe-se bem: distingue duas gerações (embora Rui Mendonça seja mais jovem que os restantes 3) e se eu falei em "escola" talvez pudesse falar igualmente em "geração" (outra palavra, bem sei, fora de moda); duas "gerações" que inevitavelmente se confrontaram com diferentes canônes, diferentes recursos técnicos, diferentes clientes, diferentes estímulos.
Diferentes leituras se poderiam fazer: no segundo grupo a "escola do Porto" é determinada pela "escola suiça"; no primeiro grupo há um experimentalismo na composição (influenciado quer pela nova ilustração quer pelo desconstrutivismo tipográfico dos anos 80) que permite, até certo ponto, uma apróximação com o design gráfico produzido em Lisboa.
Drop, pode ser? A maior parte das referências ao meu nome deveriam surgir apenas como Drop. Desde 1996 que optámos, sempre que possível, por identificar os designers envolvidos, creditando os seus nomes no próprio trabalho, associados ao nome do gabinete. Daniela Cidade, Hugo D'Alte, Pedro Ribeiro, André Cruz, João Guedes, João Faria e numa experiência recente e bastante gratificante, Pedro Nora. São estes os seus nomes. A importância que todos eles têm no trabalho realizado nestes 13 anos é demasiado grande para ficar na sombra do nome de uma única pessoa. Alternativa a isso? Apenas Drop. Que já lá ficamos todos.
obrigado
João Faria
Obrigado pelo reparo. A tendência para "personalizar" leva de facto a cair na injustiça de reduzir o trabalho de mais do que uma pessoa a uma simples referência individual. Por não ser essa a intenção agradeço a oportuna correção.
Só queria destacar o comentário de Luís S. Silva que com muito pouco disse quase tudo. Assino por baixo.
“João Nunes, Andrew Howard, R2, DROP e Martino&Jaña formam um grupo claro. Rigor tipográfico misturado com experimentalismo na composição.
Armando Alves, Jorge Afonso, João Machado e Rui Mendonça, outro. Um estilo modernista muito apoiadp em ilustração geométrica e em quase todos eles tipografia fraca ou mesmo má.”
E queria só dizer que com os primeiros a nova geração aprendeu, aprende e admira. Os últimos fazem parte de um grupo com o qual nunca nos identificamos.
New Wave II
Eu não tenho dúvidas de que o referido "segundo grupo" exerce(u) igualmente a sua influência e, da mesma forma, não tenho dúvidas de que nesses designers encontramos diversos exemplos de "experimentalismo na composição". Penso, por exemplo, no Armando Alves onde esse experimentalismo (extensivo ao campo da impressão) é, por vezes, marcante. O mesmo deve ser reconhecido em outros designers da mesma geração (como o Carlos Gentilhomem ou Victor Palla).
Não tenho é mesmo nenhuma dúvida da urgência em se trabalhar a história do design português e confesso alguma irritação relativamente a discursos que nos levam a pensar que antes do Cayatte, do Jorge Silva, da Flúor, da Drop ou dos R2 só existiu o Sebastião Rodrigues.
Sim mas a minha geração de designers cresceu com o advento da internet, logo com acesso a tudo o que se faz de bom no Mundo. Cedo percebi que Portugal é incipente no design gráfico. As nossas referências são predominantemente internacionais, pois eu tive mais depressa acesso à obra da Paula Scher do que do Sebastião Rodrigues, não decurando a importância do mesmo.
Penso que vivemos num tempo onde é difícil afirmar um design de carácter local/nacional. E acho que aquele primeiro grupo que referi atrás foi a primeira geração de designers com referências internacionais, sem descurar a história do design nacional. Mas devemos perceber que as referências são outras, e o que surgiu de alguns anos pra cá, que continua a surgir e que espero continuará, pela nova geração irá relevar e aproximar o design gráfico nacional do livros de história do design internacional.
Fazendo uma comparação se calhar tola: o Cristiano Ronaldo foi certamente inspirado pelo Cruyff/Zidane/Maradona apesar de reconhcer que o Jordão ou o Chalana foram grandes jogadores.
Pronto. Não sei se meti água agora lol mas aqui fica a minha opinião.
Abraço,
Sinhozinho Malta
É importante que haja mais gente para além do Sebastião Rodrigues, mas também é importante pensar bem antes de acrescentar nomes, sobretudo se isso for feito com propósitos de canonizar pessoas.
Aí convém fazer também o papel de "advogado do diabo". No segundo grupo do Luís S. Silva há nomes importantes e há nomes que não se compreendem. João Machado é um excelente ilustrador-cartazista. Armando Alves é um designer com um trabalho coerente, hoje em dia datado, mas importante para a época (acho que fez as novas placas das ruas do porto, mas ninguém é perfeito). De Jorge Afonso, não conheço nenhum trabalho ou texto. Foi professor nas Belas Artes, onde estudei, mas não era uma presença particularmente sentida (já se tinha reformado ou morrido, não sei). Quanto a Rui Mendonça, foi meu professor e não posso dizer que tenha sido uma influencia sobre mim ou sobre os meus colegas. Como designer era fraco, em particular na tipografia, como disse o Luís Silva. Usava demasiadas fórmulas e era repetitivo. Como professor não tinha nada para oferecer excepto a autoridade. Era bastante vingativo e mesquinho (é por isso que não assino este comentário).
Esta é a prova que infelizmente em Portugal para se ser um designer com algum reconhecimento não é necessário ter um trabalho mereditório—apenas dar aulas em alguma faculdade! Concordo em absoluto com os comentários que colocam em causa designers que têm um trabalho enfadonho (para ser simpática) e vivem na sombra do reconhecimento institucional que não só angaria clientes como lhes dá importância fruto de uma crítica preguiçosa e pouco profunda.
O objectivo do post não era discutir nomes. A noção de "escola" (sendo, reforço, de operatividade discutível)aponta para uma leitura "cultural" ligada à construção de discursos, referências e valores que parecem poder ser analisados sem discutir nomes.
Claro que ao referir nomes (erro meu!) fiz escolhas e, como em qualquer convocatória, as escolhas são discutíveis e, frequentemente, dão lugar a reacções pessoais senão msmo passionais, o que não era de todo o meu objectivo. Quando arrumamos os nomes escolhidos num mesmo "saco", anulamos a diversidade (o que é de evitar).
Se o post fosse uma análise de nomes não teria dificuldade em me rever na referência feita no último comentário, a uma "crítica preguiçosa e pouco profunda". Como o post não tinha a pretensão de fazer uma crítica profunda de qualquer trabalho individual mas, tão somente, introduzir a discussão sobre a existência de uma "tradição" no design gráfico portuense, sinto-me salvaguardado.
Por último, em relação à ideia de que em Portugal um designer só tem sucesso (e reconhecimento da crítica) se der aulas na Faculdade, em minha defesa recordar o destaque que o Reactor tem dado a uma longa lista de estúdios e designers que estão longe desse perfil (Bolos Quentes, Vivó Eusébio, João Machado, Teresa Lima, Joana Bértholo, Hugo Tornelo, Diogo Valério...).
Já agora aproveito a ocasião para anunciar que, já a partir de Novembro, surgirá um novo espaço no Reactor, uma "Selecção de Esperanças" que irá divulgar o trabalho de designers/estúdios com três ou menos anos de actividade profissional.
No entanto a discussão que aqui se levanta também é importante. E se existe uma cena de design gráfico aqui no Porto é inevitável falar-se em nomes, porque foram esses nomes que a criaram. Agora numa análise mais atenta verificamos que os nomes são muito poucos. O nome de Rui Mendonça surge inevitávelmente pois o seu trabalho é bastante visível no panorama institucional da cidade. E se o seu nome foi, para a minha geração, de algum modo importante, terá sido para percebermos o que não devemos fazer.
Numa altura em que temos oportunidade, via web, de mostrar o nosso trabalho a mais público, dá-se um pouco a democratização do mercado. E acredito que a qualidade da nova geração vai ultrapassar a astúcia e a capacidade de argumentação, ou de venda (vulgo treta/paleio/patuá), destes designers como Rui Mendonça etc.
Esta discussão poderia-nos levar agora para a questão da qualidade do ensino. Pois muitos destes designers aqui falados são professores em Belas Artes ou na ESAD. E torna-se algum frustrante para a minha geração ter que ouvi-los diariamente nas salas de aulas. Os donos da razão gráfica.
“Canaries that hear poor songs as juveniles nevertheless sing rather normal songs as adults.”
PS. Gostaria muito de assinar o post mas como o Porto é uma cidade muito pequena… Não dá.
De facto, estes comentários e os nomes de nomes citados são aprova do nosso ENORME provincianismo!
Para além de João Machado, que trabalho têm estes senhores?
Que trabalho realizaram estes designers que fique para história do design gráfico? O trabalho de alguns é eminentemente publicitário.
Concordo inteiramente com um dos comentário: a nossa cidadezinha, é tão zinha, zinha, que mais vale manter o anonimato, não vá haver "retaliações"....
Reactor, percebe-se o seu esforço em tentar fazer história... mas será necessário mais rigor
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