Wednesday, July 16, 2008
REACTOR ENTREVISTA MÁRIO MOURA
Mário Moura é designer gráfico, professor de design gráfico e multimédia na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto e um dos mais pertinentes e insistentes críticos do design portugueses. É autor do The Ressabiator um dos blogues de referência sobre design em língua portuguesa. O Reactor entrevistou-o em Maio de 2007.
REACTOR: No primeiro post do Reactor afirma-se que "não há design sem diálogo", enquanto profissional do design que diálogos lhe interessam estabelecer? Com quem? Sobre o quê?
MÁRIO MOURA: Se pensarmos no discurso do design como um diálogo, só costuma haver duas personagens: o Designer e o Cliente. É assim que as coisas se passam na escola, onde o cliente é invocado como uma figura retórica, um espantalho para treinar os estudantes a reconhecer o “inimigo”. Curiosamente, não se fala muito do Público. Só quando o cliente não existe ou não é fácil de definir – quando o Designer trabalha para si mesmo, ou para um país, para um partido politico (situações consideradas excepcionais, de resto). Durante o Modernismo, assumia-se que o Público deveria corresponder idealmente à Humanidade, mas este era um Humanismo preguiçoso, preconceituoso, um Humanismo por defeito. Não havia muita consideração pela Diferença, pela ideia de Local por oposição a Universal – tudo isto eram apenas problemas a resolver. Mas como pode o designer falar em nome da Humanidade, o que lhe dá essa legitimidade? Às vezes, justifica-se isso fazendo do design uma ciência, mas isso é apenas uma metáfora – usar Helvética não torna as coisas mais científicas. Outras vezes, diz-se que o designer foi treinado, ou tem talento, para usar as suas percepções em nome do resto da humanidade. Fala-se de ter olho, do “saber de experiência feito” – no fundo, uma forma de senso comum –, apontando para o design como um conhecimento instintivo ou pragmático. No entanto, na formação do designer existe sempre um treino cultural, mas dizer que o design é uma coisa cultural nos dias de hoje implica ter em conta que existe mais que uma cultura, mais do que um público. Portanto, esta pergunta “Com quem o designer dialoga” é particularmente importante, deve ser posta constantemente e a resposta não deve ser óbvia ou automática.
R: A palavra design identifica cada vez menos um campo disciplinar definido, passando a remeter para uma campo de criação híbrido e difuso. Como vê esta indefinição em torno da disciplina?
M.M.: Acho a indefinição pouco produtiva, porque se tornou uma coisa decidida à partida – uma prescrição, portanto. Já não se trata de dizer “o design é indefinido” mas “o design deve ficar indefinido”. Nos últimos anos, as coisas indefinidas estiveram na moda, conotando liberdade, agência, nomadismo, etc. mas a indefinição acabou por ser uma maneira confortável de manter tudo num estado provisório, adiando conclusões óbvias, adiando a crítica, trivializando finalmente todas as decisões possíveis. Acabou por se tornar uma forma de conformidade, refugiada numa falsa ideia de diversidade.
R: Se lhe pedisse uma definição de design…
M.M.: Uma definição clássica de designer é “aquele que dá formas a conteúdos”. No entanto, esta definição parte do princípio que a relação entre forma e conteúdo é historicamente estável. A divisão entre forma e conteúdo, forma e função, ou aquilo que pertence ao designer e aquilo que pertence ao cliente (também pode ser dito desta maneira), é também uma divisão laboral, uma divisão ética e uma divisão política que os designers concretizam a cada trabalho que fazem. É uma fronteira que não se limita a reproduzir uma divisão prévia, mas é refeita a cada momento, com um sem número de negociações, de conquistas e de cedências. Negociar com alguns clientes não é difícil porque eles não entendem nada de design, mas porque a língua portuguesa, a economia, a engenharia, etc., já têm a sua própria maneira de lidar com as formas que não corresponde à dos designers.
R: O design sempre se caracterizou pela inexistência de um consenso programático, hoje talvez mais evidente devido à falência dos verdadeiros projectos colectivos, a teoria do design sempre oscilou entre uma interpretação do designer enquanto "agente social" e uma interpretação do designer enquanto um "agente do mercado", parece-lhe haver sentido nesta distinção?
M.M.: Uma das fronteiras de que falei mais atrás surge também aqui: entre o mercado e a intervenção social. Sem querer cair em denúncias fáceis, ser agente social é fazer parte do mercado. Neste momento, sair do mercado é uma falsa questão. Se em algum lado precisam de um designer é porque, de uma forma ou outra, há mercado. E isto não é uma contradição ou uma desvalorização. Somos levados, através da maneira como se pratica o design, a acreditar que o social e o político são situações excepcionais – que estão mais do lado dos conteúdos do que das formas. Mas em todos os actos de design, em todos os objectos é redefinido a cada momento aquilo que separa o social do económico.
Uma das ambições do design foi sempre a objectificação do sujeito, uma crença de que há um equivalente no plano das formas para a ética, para a política, para a economia. Em consequência, acreditamos que existem temas, clientes e objectos sociais, políticos ou éticos por oposição a tudo o resto, que acaba por ser considerado neutro.
R: Perante o relativismo dos valores (e, em particular, dos valores do design após a crise do projecto moderno) não será importante mostrarmos que existe uma diferença profunda entre a "ética individual" e a "ética disciplinar"? Quero dizer, os valores que orientam o design não podem ser relativos aos valores que guiam o comportamento dos seus profissionais…
M.M.: Poder-se-ia também definir o design como a tentativa de produzir uma ética da produção e consumo de objectos. Neste aspecto, a tendência do design foi sempre objectificar a ética, acreditar que pode estar contida nos objectos. Na verdade, as decisões éticas, – se são realmente decisões éticas –, são sempre difíceis e são sempre pessoais. Não se pode cair no erro de ter uma ética pronto a vestir, de acreditar que os nossos objectos decidem por nós. Podem informar as nossas decisões, mas não podem tomar as decisões por nós. Da mesma maneira, uma ética disciplinar pode informar as nossas decisões, mas não tomá-las por nós.
R: Ainda há espaço para utopias no design? O Enzo Mari dizia que o design é um "acto de guerra" e o Brody, há umas semanas atrás, dizia que usamos poucas vezes a palavra revolução
M.M.: É curiosa a associação da ideia de utopia com a ideia de revolução ou guerra, mas o design como grande remodelação utópica da realidade já aconteceu. Segundo Hal Foster, desde os jeans aos genes agora tudo é design. Curiosamente, os designers são as pessoas que mais se queixam desta designificação do mundo. A única revolução possível é a dos designers contra o design.
R: Qual é a sua "utopia pessoal"?
M.M.: Haver uma crítica de design mais regular sobre design em Portugal. Conseguir editar uma revista, por exemplo.
R: Parece-lhe que a blogosfera tem contribuído para o desenvolvimento de um debate sobre em torno do design?
M.M.: Sim, embora se torça o nariz aos blogues (às vezes, quando me apresentam em eventos de design, dizem “Este é o Mário Moura, que tem um blog” – consegue-se mesmo ouvir o itálico). Mais recentemente tem havido também cobertura regular nos jornais, embora seja um discurso demasiado promocional: o design é fixe, o designer é muito cool, o evento tal é estimulante, mas não se analisa as coisas com profundidade. Promove-se o design, mas esse discurso positivo acaba por lhe dar um ar superficial e pouco sério. O design custa dinheiro, tem consequências, nem sempre positivas, e é isso que o torna interessante, não o facto de existir numa esfera irrealista de coolness cosmopolita e inovadora, que está sempre um passo à frente da realidade.
R: Quais são os seus blogues de referência?
M.M.: O designobserver.com, o underconsideration.com/speakpup ou o imomus.livejournal.com. Cá em Portugal gostava de ler o Designer X, que acabou, gostava também de ler o SOSD1, que também acabou. Gosto do Isto Não é uma Tese, que é um blogue misto, meio pessoal, meio de investigação. Tenho pena que não haja mais produção regular e sobretudo uma produção mais crítica. A tendência é os blogues serem apenas afirmativos. Coloca-se imagens de que se gosta, música e citações e isso dá origem a blogues-lista ou blogues-agenda (como o Quipsologies ou o Coconut Jam) que podem ser muito viciantes, mas ainda assim não são crítica.
R: Que pergunta acrescentaria a esta entrevista? E que resposta ela lhe mereceria?
M.M.: Nem sempre consigo responder a uma pergunta com uma pergunta (mesmo quando também há uma resposta envolvida).
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