Sunday, July 15, 2012

1 + 1 Design Gráfico

http://www.esad.pt/pt/eventos/11-design-grafico-joao-machado-jose-brandao


1.

No prefácio à primeira edição da História do Design Gráfico, Philip B. Meggs evoca uma palavra que não possuí equivalente em português: Zeitgeist. Ela significa o espírito de uma época e refere-se a marcas e tendências que caracterizam um determinado tempo. O carácter imediato e efémero do design gráfico e a sua particular modelação pelo contexto social, tecnológico e económico de uma determinada cultura permite que ele expresse esses sinais do tempo de uma forma mais plena do que, possivelmente, qualquer outra produção humana.

Esta absoluta sintonia com o presente, que geralmente caracteriza o trabalho gráfico e nos permite com ele contactar e dele usufruir quotidianamente – nos cartazes, nos mapas ou nas capas dos discos – associada ao carácter facilmente reprodutível, torna o design, precisamente por essa proximidade, num objecto de estudo específico e difícil, em relação ao qual, de cada vez, é preciso construir o necessário distanciamento crítico.

O método de analisar, arquivar ou expor um objecto artístico, em particular o  modelo monográfico típico da história e da curadoria da arte, não será o mais adequado ao objecto de design na medida em que o design se caracteriza por uma negociação entre produção autoral e adequação ao programa definido pelo cliente, entre funcionalidade e poética, entre imediaticidade e memória, entre liberdade criativa e constrangimentos determinados por prazos, orçamentos, materiais e ferramentas técnicas.

Será a análise comparativa, mostrando-nos como dois designers, num contexto idêntico, resolveram de formas distintas desafios semelhantes, o modelo que melhor permitirá não só evidenciar características processuais específicas do projecto gráfico como destacar a dimensão autoral que lhes está associada, simultaneamente: identificar e diferenciar.



2.

O design gráfico em Portugal não nasceu com Sebastião Rodrigues, mas teve certamente neste autor, na credibilização da profissão que o rigor e sensibilidade do seu trabalho proporcionaram, e no reconhecimento internacional, um momento de viragem que ocorre, também, num período de mudança cultural e política do nosso país.

Ao fazer a transição entre o Portugal do Estado Novo e a realidade gerada com o 25 de Abril de 1974, Sebastião Rodrigues (tal como Victor Palla ou Armando Alves) faz a transição entre duas gerações, aquela que o antecede, a dos pioneiros do design gráfico português (como Fred Kradolfer ou Manuel Rodrigues) e aquela que lhe sucede, a do novo design português onde se destacam José Brandão em Lisboa e João Machado no Porto.

Os ateliers dirigidos por José Brandão e João Machado representaram, sob várias perspectivas incluindo a comercial, a expressão maior da prática do design no contexto do Portugal democrático consolidada num território traduzido, desde logo, nos seus clientes – clientes da grande Lisboa no caso de Brandão do grande Porto no caso de Machado.  No entanto é, sem dúvida, limitador pensar a importância destes dois autores circunscrevendo-os a um contexto regional ou mesmo nacional. Pelo contrário, o que se destaca é a forma como o seu trabalho acompanha as novas linguagens internacionais, como elas dialoga e as interpreta e, como, bem cedo, as representa, nomeadamente Machado cujo trabalho, desde muito cedo, conhece forte visibilidade internacional.

Neste sentido, a exposição 1 + 1 Design Gráfico pode começar por ser vista como uma seleção vasta de trabalhos de dois dos mais importantes designers europeus dos últimos 50 anos.  

Brandão nasceu em Nova York e formou-se em design gráfico em Londres, trabalhou no atelier Joubert em Paris e com Keith Cunningham em Londres, na capital britânica viria a chefiar o gabinete de design da sede do Imperial Group e a leccionar no Hammersmith College of Art and Building. Machado é dos designers contemporâneos mais expostos e publicados internacionalmente, tendo recebido, para além de inúmeras outras distinções,  o Prémio Excelência da Icograda; o seu trabalho foi exposto individualmente na Alemanha, França, Espanha, Canada, México, Brasil, Dinamarca ou Japão, incluindo na DDD Gallery em Osaka e largamente publicado (Design Journal, Creative Edge, Graphis, Print Magazine entre muitas outras).

Sucede serem este dois designers ambos portugueses, e se esse facto não é irrelevante não encerra a sua importância dentro das fronteiras nacionais. Com uma obra vasta, há muito consolidada, inovadora e fortemente autoral, João Machado e José Brandão podem ser colocados na galeria dos maiores designers europeus, a par de nomes como colocar Pierre Bernard, Uwe Loesch, Alan Fletcher, Holger Matthies, Pierre Mendell, Niklaus Troxler ou Leszek Wisniewski.

3.

João Machado (Coimbra, 1942) formou-se em Escultura na Escola de Belas Artes do Porto. O contacto com professores como Lagoa Henriques exercitou-lhe o rigor e precisão do desenho mas seria o contacto com outros universos gráficos (a Pop Art, os cartazes polacos e o design gráfico japonês) e uma insaciável vontade de criação e experimentação que viriam a definir uma linguagem única que se consolidou num processo de evolução formal (desenho; aerógrafo; colagem; design digital) e conceptual não deixando de partir de um conjunto de referências recorrentes (o design vernacular português, com os seus motivos icónico-folclóricos, e um conjunto de influências internacionais (como a técnica de colagem de Tomaszewski) ancoradas num universo autoral próprio.

José Brandão (Nova York, 1944) formou-se em Design Gráfico em Londres (1970) depois de ter passado, muito jovem, pelas Belas Artes e pelo Curso de Design Básico na Bauhaus portuguesa que Daciano da Costa havia imaginado. A expressividade do seu traço e a densidade conceptual do seu universo como ilustrador encontram a síntese num trabalho de design gráfico erudito, tão atento à ilustração como à fotografia, ao lettering como a questões de grelha, indo beber influências ao grafismo britânico e norte-americano (Geoff White, Richard Hollis, Keith Cunningham, Push Pin Studios) quer ao rigor técnico e atenção ao detalhe apreendidos no convívio próximo com Sebastião Rodrigues.

4.

Como descrever, em traços simples, a exposição 1 + 1 Design Gráfico? Podemos começar por pensar duas exposições autónomas, única forma possível de comunicar dois universos criativos distintos.

A Exposição João Machado Design Gráfico parte de um núcleo expositivo central constituído por trabalho recente, desenvolvido ao longo da última década, tendo como suporte preferencial o cartaz mas envolvendo outros suportes e formatos, seja de forma mais recorrente (selos e livros) seja mais ocasional (o design de produto).

Cartazes como os do International Year of Forests (2011) e Japan - From Great Earthquake to Recreation (2011) permitem identificar clientes (na sua maioria internacionais) e temas do trabalho recente, ao mesmo tempo que evidenciam uma impressionante largura sintática e semântica do trabalho: da simplicidade minimal do cartaz Japan, à foça icónica da ilustração digital dos cartazes do Year of Forests ou das Comemorações do 25 de Abril (Almada, 2012), à densidade do desenho no díptico Save the Life/Water for Life. O percurso expositivo que nos faz chegar aqui apresenta-nos um conjunto diversificado de trabalhos, mas também elementos de processo, estudos e artes finais.

Nas ilustrações do final dos anos 70 e início de 80, feitas a Rotering, aguarela ou pastel,  destaca-se uma linguagem Pop no tratamento de temas frequentemente satíricos da realidade social e política. Nos cartazes desse período, sente-se uma vontade de explorar diferentes soluções formais, através de experiências de composição e impressão; as influências externas, como Milton Glaser ou a técnica de serigrafia em íris usada por Peter Max nos seus cartazes do início dos anos 70, manifesta-se em cartazes como o do Ano Internacional da Criança (1979), mas não deixando de revelar um crescente amadurecimento de uma linguagem própria: estilo João Machado, que surge perfeitamente consolidado e, mesmo, depurado nos cartazes dos anos 90 (excelente exemplo o cartaz para a Câmara Municipal de Lamego de 1996).

A Exposição José Brandão Design Gráfico tem como núcleo expositivo o design editorial, selecionando perto de uma centena de livros, de carácter cultural (catálogos de exposição, monografias de artistas, arquitectos e designers) e comercial (relatórios e contas para a Fundação Calouste Gulbenkian ou Portugal Telecom). O livro permite identificar diversos recursos projectuais, explorados neste meio específico, que sob outras formas, mas partindo de uma mesma matriz criativa, encontramos explorados nos cartazes, selos, capas de discos ou desdobráveis. Mais do que colocar o foco neste ou naquele período de tempo, pretendeu-se remeter para um tempo do projecto, que se percepciona através das recorrências que se podem encontrar em trabalho feito em diversas décadas e apoiado em diferentes ferramentas técnicas analógicas ou digitais.
Da capa glaseriana de Por Este Rio Acima (1982), ao belíssimo livro (no qual Sebastião Rodrigues ainda colaborou) comemorativo dos 25 anos da Gulbenkian, Fundação Calouste Gulbenkian 1956-1981 (1983), da subtil lição de história de arte do desdobrável Queda e ascenção da estética clássica (1987) à força da linguagem directa do cartaz Cenas de uma Execução (1997) muitas são as direcções propostas pela obra de Brandão.

Se podemos começar por pensar em duas exposições autónomas, no espaço expositivo elas tendem a resultar numa só. Aqui a intenção curatorial concretiza-se no dispositivo comunicacional. A intenção curatorial parte da convicção, a que já aludimos, de que os mecanismos de display (mesmo associados à história ou à teoria) da história de arte não se adequam a tratar o trabalho de design. O projecto de design resultando de uma criação autoral caracteriza-se pela interferência de conjunto de outros elementos específicos (cliente, constrangimentos técnicos e materiais, prazos etc.) que se evidenciam mais correctamente através de um olhar comparativo.

As duas exposições resultam numa, igualmente, através de um conjunto de princípios comuns,  orientadores da exposição que se traduzem numa certa narrativa assente na reversibilidade entre projecto e processo, público e privado, e na própria reversibilidade entre um tempo lento (que permite a experiência, a produção de várias maquetes, os inúmeros testes de impressão) e um tempo rápido esteja ele ligado à execução do trabalho (o tempo do cliente, do designer e do público), esteja ele ligado à própria efemeridade dos objectos gráficos: flyers, cartazes e economato que deixam de ter função no momento em que a cumprem.




Esta é uma exposição que resulta do cruzamento de caminhos de duas exposições que apresentam trabalhos de dois nomes maiores do design gráfico contemporâneo. Esse cruzamento de caminhos, logo de formas de olhar e de dar a ver, permite situar, enquadrar, problematizar. Identifica e diferencia, numa celebração de dois nomes; numa celebração do design gráfico português.

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PERFIL

REACTOR é um blogue sobre cultura do design de José Bártolo (CV). Facebook. e-mail: reactor.blog@gmail.com