Há quase dez anos organizei uma longa série de conversas na Casa d’ Os dias da água que
funcionava no belo palacete na Estefânia onde antes tinham estado os CTT.
Os encontros
chamavam-se Múltiplas Percepções aconteciam aos domingos ao fim da tarde e prolongavam-se pelo tempo da
conversa. Cada sessão reunia em torno de um determinado tema um conjunto de
vozes diferentes e entre muitos, muitos outros comigo por ali conversaram
Eduardo Prado Coelho, Olga Roriz, André Sier, Nuno Grande, Natxo Txeca ou Gonçalo M. Tavares. As
conversas eram abertas e verdadeiramente não havia público, no sentido da
separação entre intervenientes e espectadores, recordo-me de todos serem
igualmente interessados e participativos.
No final as
conversas prolongavam-se, com frequência, à mesa de jantar ou num bar no bairro
alto na companhia do Francisco Rocha, da Catarina Crespo, dos amigos da Sonda Design e de mais alguém que a nós se juntava.
Na altura, como
em certa medida ainda hoje, reconheço que a ideia da estética relacional do Bourriaud
me atraía com uma carga afectiva que me retirava lucidez crítica. Na verdade,
gosto de construir comunidades, gosto de economias de afectos, gosto da
produção imaterial que situações de convivialidade, encontro e conversas,
propiciam.
Gosto por isso
muito, mesmo não conhecendo muito, das Conversas que a Constança Saraiva e a Mafalda Fernandes vêm suscitando; gosto do que nelas
é projecto e do que nelas é projectado; gosto do que elas provocam e promovem; de
como motivam e revelam motivações; e também ideias, convicções e interrogações.
E gosto muito do projecto editorial que nos transmite o espírito, a forma e o conteúdo, da autoria da excelente Isabel Lucena.
Este tipo de
projectos de iniciativa própria tornaram-se frequentes, nos 90’s e no início
deste século, em países como a Holanda ou o Reino Unido onde era fácil a
iniciativa própria ser financiada pelo estado e ancorada no contexto de uma
estrutura independente – estúdio de design ou galeria – quando não mesmo de uma
escola. Também na Holanda os corte na cultura têm sido dramáticos, mas ficou a
educação para um determinado tipo de projectos culturalmente envolvidos
produzidos por designers.
Em Portugal, os
apoios sempre foram mínimos e hoje são virtualmente inexistentes. Também por
isso projectos de iniciativa própria como estas excelentes Conversas não fazem
parte deste país governado pela Troika e que não reserva à cultura sequer um
ministério; estes projectos fazem parte de uma realidade alternativa, eles
afirmam um outro contexto, apontam para uma outra economia, rasgam uma outra
possibilidade de futuro.
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