Friday, December 28, 2007



REFLEXÕES DE PASSAGEM

A última passagem de “O Grau Zero da Escrita” é dedicada por Roland Barthes à “Utopia da Linguagem”.

Barthes reconhece que a “multiplicação das escritas é um facto moderno que obriga o escritor a uma escolha, faz da forma uma conduta e provoca uma ética da escrita.”

Em diálogo com Max Bruinsma, Bruce Mau questionava-se, a determinada altura, nos seguintes termos: “Agora que podemos fazer tudo, o que é que devemos fazer?”.

A pergunta pelo dever associado à prática do design, representa um questionar dos valores da disciplina sob uma perspectiva, a muitos títulos, nova. Durante muito tempo, a questão ética não se colocava ao design. Em “Ética no design industrial?”, Vilém Flusser mostra-o bem, ao designer competia projectar objectos úteis e formalmente agradáveis (podendo o uso converter-se numa experiência agradável para o usuário), correspondendo a uma actividade pré-ética, livre de valores. Os valores eram definidos por uma esfera pública e por certas instituições autoritárias – os Aparelhos Ideológicos do Estado - que regiam o comportamento dos usuários. Numa palavra, a ética não tinha a ver com a produção mas com o que se fazia com os objectos produzidos, sendo que este fazer de “segunda ordem” tinha a sua própria esfera pública de regulação.

A consciência, sublinhada por Barthes (e, antes dele, com superior clareza, por H. Broch) de que a arquitectura, a literatura ou o design não devem produzir “fins” mas “meios”, a condenação da “arte pela arte”, a reivindicação de uma “função” definida por um sistema de valores que oriente a criação em literatura, em design, no quer que seja – “constituindo a forma por si só uma espécie de mecanismo parasitário da função intelectual” – foi uma reivindicação que os anos de 1960 e 1970 desenvolveram e que a nossa geração recebeu como herança.

A procura de um “grau-zero” em design permitiu-nos perceber, em linguagem barthesiana, que o acto de projectar exige uma “dupla postulação”: há o movimento de uma ruptura e o de um advento, há o próprio desenho de qualquer situação revolucionária, cuja ambiguidade fundamental é o facto de a revolução ser obrigada a extrair daquilo que quer destruir a imagem do quer alcançar.

Enzo Mari, designer italiano e membro do Partido Comunista, surpreendia-nos, há pouco tempo, ao interrogar-se sobre “Quem projecta hoje para Deus?”. Assaltava-o a consciência de que o materialismo funcionalista, o positivismo eficiente, do design contemporâneo apagou os últimos vestígios de sagrado no acto de projectar.

Perceber que o design não está para além do bem e do mal, que projectar envolve sempre o risco humano de transformar os meios através dos quais nos relacionamos com a vida, permitir-nos-á, talvez, regressar à mais originária das utopias: o sentido do novo é o sentido de um novo bem.

1 comment:

jorgeferrorosa said...

Algo me é familiar neste blog! Gostei bastante do modo como trataste a questão. Bem-hajas. Um abraço e Feliz Ano de 2008. Desculpa, vou adicionar-te.
Jorge

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REACTOR é um blogue sobre cultura do design de José Bártolo (CV). Facebook. e-mail: reactor.blog@gmail.com