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Se a ética da acção era inseparável da "história" em curso, a ascenção irresistível da ética da responsabilidade no século XX vem testemunhar a situação pós-histórica no palácio de cristal. Nesta ética encontramos uma ilusão moral do utilizador, ilusão praticamente inssolúvel e que faz crer aos indivíduos que poderiam ser responsáveis não só pelo seu comportamento imediato, mas também pelos efeitos secundários das acções locais, por mais longe que se façam sentir. A existência no grande interior favorece os modos de pensamento telecasuais e telepáticos nos quais se associam as acções locais com os efeitos à distância.
O conceito de responsabilidade lisonjeia assim todos os que gostam de acreditar que, apesar da evidente nulidade dos indivíduos na maior parte dos assuntos, tudo depende, apesar de tudo, sempre e em todos os casos dos seus próprios gestos e feitos; ao mesmo tempo ajuda os inúmeros frustados pelo andamento das coisas a exigir que se responsabilizem os irresponsáveis.
PETER SLOTERDIJK, "PALÁCIO DE CRISTAL. PARA UMA TEORIA FILOSÓFICA DA GLOBALIZAÇÃO", 2006.
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