Wednesday, April 02, 2008
SOMETIMES I WONDER
Por John Getz
O mundo é um palco, é certo, mas diferentes partes do mundo terão diferentes encenações e protagonistas. No início dos anos 70, cruzei-me algumas vezes na esquina da rua 54 com a 6ª avenida de Manhattan, com essa personagem insólita, um ancião cego, com longos cabelos e barbas brancas, meio profeta, meio mendigo, parecendo saído de uma ópera wagneriana.
Não era necessário falarmos com ele para percebermos que, como uma autêntica personagem, estava simultaneamente diante de nós e inelutavelmente distante. Falando com ele, sobre filosofia ou música, história ou pintura, experimentávamos a estranheza de nos sentirmos a aprender mesmo não ficando na posse de nenhum conhecimento, o conhecimento resultava do encontro.
Quando Moondog desapareceu, sem deixar rasto, no final da década de 1970, muitos de nós julgamo-lo morto. Paul Simon, um dos dedicados admiradores daquele ancião que “uivava à lua como ninguém”, chegou a fazer, na televisão, o seu elogio fúnebre.
Afinal, Moondog partira para a Alemanha, a convite da editora Kropf, onde gravaria o encantador “A New Sound of An Old Instrument”.
Ontem imaginei um possível encontro entre Moondog e Maddalena Crippa, imaginei-os a viajarem pelo Idaho, a caminharem junto as margens do Salmon River, ao som de banjos e balafones, Moondog recitando poesia, Maddalena, tombando sobre a relva, brilhando naquele palco. A primeira vez que ouvi Maddalena Crippa foi numa interpretação na ópera Pierrot Lunaire de Arnold Schoenberg numa excelente encenação de Peter Stein. Stein, tomava algumas das deixas do melodrama do Pierrot para construir as suas Brettl-Lieder encadeadas com excertos das transcrições que Schoenberg fizera da Kaiser-Walser e quejandas de Johann Strauss, oferecendo a Crippa a criação de oito fascinantes personagens. Quando surge em palco, corpo encenado pelo figurino de Moidele Bickel, iluminada – poucas vezes ouve luz tão simples e tão bela – por Cláudio Piccirilli uma revelação se dá numa harmoniosa união entre gesto e música, entre corpo-espaço e canto-tempo.
Recentemente, a minha última grande experiência de ligação profunda ao que acontece no palco, foi-me dada por um concerto de Kurt Elling. Assisti ao concerto em Chicago, começado numa quarta-feira fria e terminado numa quente madrugada de quinta-feira. Elling tem a técnica de um John Hendricks, a expressividade beat de um Mark Murphy e, por vezes, parece ter, não o diabo, mas Mrs. Ella Fitzgerald no corpo, o resultado só pode ser bom. Naquela noite foi muito bom.
Hoje, antes de adormecer, vou imaginar o encontro de Kurt com Maddalena, ao som das canções de Moondog, claro.
Nota: As crónicas de John Getz são publicadas mensalmente no Reactor.
Tradução de José Bártolo.
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3 comments:
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