Saturday, April 25, 2009

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É difícil imaginar o que poderia ser a história da arte e do design em Portugal se, até Abril de 1974, o país não tivesse estado debaixo do mais longo regime fascista da Europa. O isolamento a que se condenou e a, consequente, marginalização cultural a que foi votado Portugal por diversos países europeus e organizações internacionais durante o regime de Salazar impôs barreiras que tornaram praticamente impossível - para além de um cenário que não envolvesse uma encomenda do regime ou uma fuga, condenada ao cárcere ou ao exílio – uma maior presença, diálogo e reconhecimento internacional da criação cultural portuguesa.

Quando no dia 25 de Abril o Movimento das Forças Armadas desencadeia uma acção da qual resulta a queda do regime de Marcelo Caetano e o desmantelar das principais estruturas em que assentava o regime totalitário, rasga-se um novo horizonte de criação e intervenção – em grande medida catalisado pela própria poética da revolução – indelevelmente marcado pelas Campanhas de Dinamização Cultural do MFA e pelo modo como a elas aderem um conjunto notável de criadores – Vieira da Silva, João Abel Manta, Vespeira, Gentil-Homem, Justino Alves e tantos outros.

O design gráfico do pós-25 de Abril é indissociável de suportes pobres e democráticos: o cartaz, o mural. Há cerca de um ano, tive o privilégio de ser convidado pelo CEMES para trabalhar o espólio de cartazes de Ernesto de Sousa. Os cartazes políticos portugueses da década do pós 25 de Abril aguardam ainda um estudo aprofundado. Mesmo face à ausência desse estudo, começam agora a ter uma maior visibilidade pública aproveitando a preservação feita quer em colecções particulares (Ernesto de Sousa, José manuel lopes Cordeiro), quer por associações, nomeadamente a Associação 25 de Abril .

No passado dia 18 a ZDB inaugurou a mostra À Esquerda da Esquerda , que apresenta cartazes do CEMES, do Centro de Estudos Operários e da colecção de José Manuel Lopes Cordeiro. Integrado neste evento, foi ontem lançado o livro de José Gualberto Freitas A Guerra dos Cartazes que hoje pode ser adquirido com o jornal Público.

Já ontem, a RTP Memória exibiu o programa TVSete transmitido em directo no dia 28 de Abril de 1974. O que ali mais se destaca é a espantosa coreografia da liberdade – que perpassa os gestos, os rostos, as vozes; que se manifesta na ausência de mise en scène, na absoluta informalidade com que se está no estúdio (pessoas que passam em frente à câmara, que acendem um cigarro, que se sentam em cima da mesa, que se abraçam). A certa altura, Baptista Bastos faz um intervenção para dizer que “até ontem” nunca havia escrito em liberdade, que por isso não sabia escrever em liberdade e concluía assim: “peço aos leitores que me ensinem a escrever”. Essa espantosa experiência de liberdade – essa profunda revolução – que se traduz num aprender, em conjunto, os gestos essenciais, nós que nascemos depois de Abril não a tivemos. E no entanto, Abril impele-nos a descobri-la: torna urgente essa descoberta.


Nota: Uma breve selecção de cartazes políticos de Abril pode ser vista no Ensaio.

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REACTOR é um blogue sobre cultura do design de José Bártolo (CV). Facebook. e-mail: reactor.blog@gmail.com