Wednesday, April 01, 2009
REACTOR ENTREVISTA BOLOS QUENTES
Sendo um jovem Atelier, Bolos Quentes é o nome por detrás de alguns dos mais entusiasmantes projectos de design de comunicação que nos apareceram no último ano e meio. E pela promessa de muito mais. Fica a entrevista e os links para os seus projectos por eles sugeridos.
O primeiro trabalho dos Bolos Quentes que me lembro de ter visto foi o projecto gráfico da revista Textos e Pretextos em 2004. Confesso que não voltei a acompanhar o vosso trabalho até há sensivelmente um ano. Hoje o atelier evidencia maturidade e personalidade. Podem explicar qual foi o vosso percurso?
É compreensível só teres voltado a acompanhar o trabalho desde há sensivelmente um ano, pois o atelier enquanto ocupação a tempo inteiro só começou há um ano e meio, quando todos nós acabámos o curso na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto. O projecto gráfico da Textos e Pretextos foi o caso de maior visibilidade do nosso trabalho enquanto estudantes. Na altura o atelier já existia, mas devido às condicionantes impostas pelo horário de um estudante, existia noutros moldes. Existia como um lugar de partilha de experiências e de projectos. Inicialmente ajudávamo-nos uns aos outros através da crítica de alguns projectos académicos. Daí a começarmos a desenvolver de raiz os nossos próprios projectos não foi necessário muito tempo. Recuando ainda mais atrás no tempo e para explicar como tudo começou, o atelier nasceu da necessidade do Albino e do Duarte terem um espaço de trabalho fora de casa. Quando iniciaram a aventura de encontrar um atelier na baixa do Porto para alugar depararam-se com o problema de rendas altas e com o facto de ser necessário partilhar o espaço com outras pessoas. Assim surgiram o Sérgio e o Miguel que se mostraram receptivos à ideia. Com o passar do tempo as afinidades foram tomando forma acompanhadas pelo desejo de desenvolver os nossos próprios projectos, levando-nos ao trabalho referido na pergunta, o projecto gráfico da Textos e Pretextos. Esse não foi o nosso primeiro trabalho, mas como referimos há pouco foi o de maior visibilidade devido a uma maior tiragem e distribuição a nível nacional. Foi um projecto que nos mostrou que o design vive muito da crítica, análise e vontade de fazer pois na altura os nossos conhecimentos técnicos em software de paginação eram praticamente nulos. Mas foi um óptimo desafio perceber como tornar harmoniosa uma grelha, tornando agradável a leitura de uma revista de aproximadamente 200 páginas. Como referimos à pouco o atelier era um espaço de convívio e troca de ideias/informação. Uma pessoa que sempre acompanhou o nosso percurso e com a qual alguns de nós desenvolvemos projectos paralelos foi o designer João Alves Marrucho. Foi através do João que surgiu o convite para em conjunto desenvolvermos o projecto gráfico da revista. Desde então alguns anos passaram, e a maturidade e personalidade que poderemos evidenciar é fruto do nosso trabalho e de uma constante luta e cedência interna de ideias, na procura do melhor resultado formal e riqueza plástica para determinada ideia/proposta.
Ver aqui.
E nesse percurso que descrevem havia algum objectivo central, isto é, tinham desde o início definido o que queriam que os Bolos Quentes fossem?
Sim e não. Como referimos na resposta anterior o atelier surgiu com a necessidade de um espaço físico onde pudéssemos trabalhar. Na altura a faculdade fechava à meia noite mas mesmo assim gostávamos de trabalhar para além dessa hora. Tínhamos também a necessidade de ter um espaço onde pudéssemos experimentar à vontade, sem comprometer a "paz" de quem o habitasse, o que inviabilizava a ideia de trabalhar em casa. Com o decorrer do tempo a ideia de criarmos um atelier foi tomando forma. Um atelier que cruzasse informação e que nos desse a liberdade de desenvolver projectos em conjunto ou com elementos exteriores, sem que isso comprometesse o crescimento do mesmo. A troca de experiências daí resultantes era um factor de enriquecimento pessoal que não seria possível se trabalhássemos por conta de outrem devido a contratos de exclusividade.
Ver aqui, aqui e aqui.
Quais eram as vossas principais referências?
As nossas principais referências ... De início começa com uma sede de ver o que se faz ou o que se fez "lá fora". Com o decorrer do tempo começámos também a ter um papel activo na produção de conteúdos e não só na fruição/observação. Uma produção nossa e daqueles que nos rodeavam. Começámo-nos a aperceber da riqueza do material produzido pelos nossos colegas e amigos assim como o meio em que estávamos inseridos, bastante rico plasticamente e com uma cultura visual consistente. A partir desse momento as nossas referências passaram a ser os que conviviam connosco. Ou por passarem pelo atelier, ou por inaugurarem uma exposição, ou simplesmente por irmos beber uma cerveja e discutirmos ideias. Claro que sempre com um olho no que se passa "lá fora", mas também com a consciência da riqueza do trabalho que é produzido nesta cidade. Muitas vezes esse trabalho é subaproveitado ou mesmo condicionado a não passar de ser uma ideia em gaveta, mas que mais cedo ou mais tarde servirá de referência.
Podemos referir nomes sonantes e determinantes na história do design mas penso que já tiveram o seu tempo de antena e reconhecido mérito. Pensamos que a resposta às nossas principais referências encontra-se nas nossas principais vivências, que passaram pelo café Belas Artes, o Passos Manuel, o Pêssego pra Semana, o Senhorio, a Tendinha dos Poveiros, o Salão Olímpico, o bufete Baía, o Sporting, o clube desportivo Praça da Alegria, todas as pessoas com quem vivemos estes espaços, que neles habitavam directa ou indirectamente e todas aquelas que fizeram parte da nossa formação curricular e vivência da cidade.
Bolos Quentes é um atelier de design de comunicação. No entanto, olharmos para os vossos projectos convida-nos a redefinir a noção mais convencional de design de comunicação (muito circunscrita à produção gráfica) na medida em que exploram diferentes suportes, meios e lógicas de comunicação: da instalação multimédia ao cartaz. O Bruce Mau dizia que o design é uma “acção sintética” que, de cada vez, faz uma síntese de diversos elementos que nos pré-existem, circulando no interior de um processo de comunicação onde o designer vai intervir. De algum modo revêem-se nesta interpretação?
De algum modo qualquer designer acaba por se rever nessa interpretação. Pode não o fazer sempre mas acaba por haver um ou outro projecto a que a isso obriga. Somos todos formados em Design de Comunicação e Artes Gráficas e não somente em design gráfico. Como tal agrada-nos pensar a comunicação em diferentes níveis não nos cingindo apenas ao design gráfico, aproveitando as oportunidades que temos para explorar outros meios quando os projectos o permitem. O design tal como qualquer outra disciplina criativa (e não só) mantém uma relação inegável com a história e desenvolvimento tecnológico. Como tal quando partimos para um projecto tentamos ter isso em conta bem como a contextualização social e cultural. Por exemplo quando fomos abordados pelo artista plástico João Marçal sob o seu pseudónimo Marçal dos Campos para fazer um cartaz para um concerto no Cinema Passos Manuel, optámos por fazer um cartaz/instalação. Era um cartaz para afixar somente no espaço, por isso aproveitamos a montra do cinema e construímos 3 caixas de luz onde colocamos a informação para essa noite. Cada caixa correspondia a uma cor do logótipo do Cinema Passos Manuel. A escolha das caixas de luz não se prendeu somente por um juízo estético mas também porque o João Marçal enquanto artista plástico havia desenvolvido um trabalho partir de caixas de luz, que nos tinha chamado a atenção e provocado um certo fascínio. Formalmente o resultado final não se aproxima ao de um cartaz, mas cumpre a função do mesmo.
Embora saibamos que não se trata de um cartaz gostamos de pensar o resultado final como tal. As coisas acabam por ser muito aquilo que nós pensamos e queremos que elas sejam e não apenas o que elas aparentam ser. Para nós a intenção é determinante na contextualização de um projecto. As variáveis que habitam o momento de criação de um objecto levam-nos a repensar a utilização do meio/medium correcto para responder às nossas intenções.
Ver aqui, aqui e aqui.
Numa descrição objectiva, diria que os Bolos Quentes são um atelier de design, português, portuense. Como completariam (ou corrigiriam) esta descrição? Até que ponto se sentem integrados na “cultura do design” portuguesa?
Esta é uma pergunta complicada. Neste momento somos todos do Porto. O Sérgio e o Miguel já o eram, o Albino e o Duarte vieram de outras cidades em 2001. O Duarte de Braga e o Albino de Setúbal. No entanto a nossa vida construiu-se nesta cidade. Abraçámo-la ao longo dos anos e sentimos a necessidade de dar o nosso contributo, pois a cidade fervilhava de actividade quando chegámos e era impossível não reagir. No entanto há muita gente que não conhecemos, e que também que não nos conhece (a nível de trabalho).
Até que ponto nos sentimos integrados na cultura do design portuguesa não sabemos, mas que fazemos parte dela é inegável. O Porto tem uma escola gráfica forte e bem demarcada, merecedora de destaque internacional.
A nível nacional não podemos cingir a "cultura do design" ao Porto, existe muito valor espalhado por este pequeno país, o que o torna num grande país na produção gráfica.
Ver aqui e aqui.
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- REACTOR é um blogue sobre cultura do design de José Bártolo (CV). Facebook. e-mail: reactor.blog@gmail.com
2 comments:
Estou grato pela referência à revista Textos e Pretextos mas quero aproveitar para fazer uma, mais importante, à designer Silvina Couto. Para mim uma das melhores designers portuguesas (obrigada a sair do país para ter emprego que não encontrou no Porto) que depois continuou comigo a paginar a T&P. Longe mas nunca esquecida... o link para um site meio desactualizado (workfrom9to5) mas sempre pertinente: http://www.silvinacouto.com/
Foi um processo duro este da Textos e Pretextos. Lembro-me muito bem das horas que passámos no meu quarto a afinar estilos de caractéres, entre documentos, entre diferentes discos duros, coordenar critérios gráficos entre os volumes e capítulos.
Pena o cliente não ter deixado fazer as capas dos números que sucederam a vossa saída da paginação (corrijam-me se estiver enganado). O que é certo é que a revista deu um salto brutal e, mesmo sem nos deixarem mudar o logótipo, os editores conseguiram fazer dela uma revista digna desse nome.
:)
Agora que (já sem o grande Miguel) se lançam os três sozinhos pela estrada fora desejo-vos sucesso, que a nenhum particularmente falte a clareza e lucidez que revelam enquanto colectivo.
Um abraço, aos quatro.
Como esta entrevista foi publicada a 1 de Abril, parece mentira, mas eu confirmo a sua veracidade.
Os Bolos Quentes é um dos ateliers mais prolíficos que conheço. Não só pela quantidade de trabalho que gera, mas também pelo modo como encara cada projecto como um desafio, ultrapassando e torneando muitas vezes os cânones e limites impostos pelo tempo disponível, pelas barreiras orçamentais e/ou imposições do cliente.
E, neste caso, há que dar o devido mérito a esse esforço por se tratarem de trabalhos para pequenos/médios clientes do que quando se tratam de empreendimentos bem assalariados. E aqui se vê o modo como encaram um projecto, por mais pequeno que possa parecer.
Mesmo havendo diferenças naturais entre os seus elementos, o factor preponderante para a construção de uma identidade reconhecida prende-se com o facto de estarmos perante um grupo de designers versáteis e pluridisciplinares que encontraram uma linguagem própria, indissociável, mesmo que em contante (e natural) mutação.
Parabéns pelo bom trabalho demonstrado ao longo dos anos e obrigado pelo que me ensinaram. Penso que mereciam um maior destaque na cidade do Porto, pelo menos.
E parabéns ao Reactor por tê-los citado.
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