REACTOR ENTREVISTA RUI SILVA
Rui Silva é designer de comunicação, formado pelaFaculdade de Belas Artes da Universidade do Porto. Desenvolve a sua actividade projectual no estúdio Alfaiataria do qual é fundador.
REACTOR: No primeiro post do Reactor afirma-se que “não há design sem diálogo”, enquanto profissional do design que diálogos lhe interessam estabelecer? Com quem? Sobre o quê?
RUI SILVA: Design e diálogo faz-me pensar em memórias descritivas e apresentações de trabalhos a clientes. É comum ouvir dizer que o cliente é por vezes um obstáculo à realização de um bom trabalho, castrando a criatividade do designer (mau cliente), ou pelo contrário potencia o trabalho do designer dando-lhe total liberdade de acção (bom cliente). Deste modo seria possível dizer que um bom cliente permite um bom design, e que um mau cliente não, concluindo por final, que é necessário educar a figura do cliente. Considero esta afirmação falaciosa, pois considero que a capacidade de argumentação, diálogo, e racionalização são preponderantes para a realização de um trabalho competente em design. Acho fundamental a capacidade de verbalizar uma construção visual, não dando nada como um dado adquirido, pois só assim poderemos falar em profissionalismo e justificar a existência de cursos superior em design. Este é o único modo possível de evitar situações embaraçosas em que o discurso designer-cliente tem o nível da escolaridade mínima, através da promoção de um diálogo racionalizado e intelectual da parte do designer.
R: A palavra design identifica cada vez menos um campo disciplinar definido, passando a remeter para uma campo de criação híbrido e difuso. Como vê esta indefinição em torno da disciplina?
R.S.: A maior parte das definições de design não são mais do que esforços aforísticos pouco consequentes e mal elaborados. É recorrente encontrar definições vagas com desejos de abrangência divina, ou pelo contrário, frases contundentes e tendencialmente redutoras baseadas numa análise simplista da prática de design como actividade profissional. Existe também uma paixão niilista e romântica que insiste em conjugar design e multidisciplinaridade numa mesma frase vezes sem conta, ainda que o resultado seja por norma uma afirmação evasiva e inconsequente.
Design está implicado na conjugação de três factores: tecnologia, articulação de um discurso político, e integração cultural. As características e limitações da tecnologia aplicada são preponderantes para definir o alcance de cada trabalho de design, assim como a capacidade de organizar informação através de um discurso visual consequente, e articulado, que demonstre uma ideia integrada ou em oposição, ao seu contexto cultural local e contemporâneo. A estética é transversal a estas três variáveis, reflectindo as conjugações possíveis de cada um dos seus valores.
A ausência de um campo definido de criação em design, deve-se à permutabilidade e expansão progressiva dos três factores enunciados, assim como à elasticidade estética derivada da sua conjugação. Esta indefinição não constitui em si um problema, mas gera interpretações erróneas, por excesso e por defeito, do alcance do design como disciplina.
R: Se lhe pedisse uma definição de design…
R.S.: Sinceramente não procuro uma definição concreta para design, agrada-me poder estar num processo de investigação contínuo, e tirar partido deste estatuto de fora-da-lei, sem ter que definir uma actividade ou uma carreira segundo um processo burocrático.
R: O design sempre se caracterizou pela inexistência de um consenso programático, hoje talvez mais evidente devido à falência dos verdadeiros projectos colectivos, a teoria do design sempre oscilou entre uma interpretação do designer enquanto um “agente social” e uma interpretação do designer enquanto um “agente do mercado”, parece-lhe haver sentido nesta distinção?
R.S.: A distinção não é real, cada designer tem necessariamente um pouco dos dois em maior ou menor quantidade, e todo o trabalho tem um impacto tanto social como ao nível do mercado, portanto a diferença é raramente efectiva. Existem indivíduos mais interessados em ganhar dinheiro do que salvar o mundo e vice-versa. Sucesso em design não é um valor garantido, pode ganhar eleições, vender milhões, evitar dores de costas, impedir miopias, ou proporcionar falências, literacia e até genocídios. Ninguém cumpre somente o seu trabalho como se tratasse de um dever burocrático linear, cada um é portador de uma responsabilidade moral e ética, todavia existe muita irresponsabilidade em design que anda nua pela rua...
R: Perante o relativismo dos valores (e, em particular, dos valores do design após a crise do projecto moderno) não será importante mostrarmos que existe uma diferença profunda entre a “ética individual” e a “ética disciplinar”? Quero dizer, os valores que orientam o design não podem ser relativos aos valores que guiam o comportamento dos seus profissionais…
R.S.: Um pensamento socialista pode facilmente atribuir responsabilidade à ética disciplinar, mas existe uma escolha que cada designer pode fazer de integração ou segregação da mesma. O design corporativo, burocrático, produzido pelas grandes empresas publicitárias e ateliers de média e grande dimensão, revê-se na ética disciplinar, pois esta permite dissolver a responsabilidade e legitimar a sua actividade. Cada designer nesta situação contratual aceita implicitamente, ou explicitamente, trabalhar segundo a ética disciplinar da empresa em que trabalha. Deste modo a ética disciplinar é uma espécie de seguro contra todos os riscos que salvaguarda uma posição confortável a quem a pratica. Quem faz design individualmente ou em pequenos grupos, design criativo de autoria, não tem porque invocar uma ética que não a individual, pois a responsabilidade é-lhe directamente imputável.
R: Ainda há espaço para utopias no design? O Enzo Mari dizia que o design é um “acto de guerra” e o Brody, há umas semanas atrás, dizia que usamos poucas vezes a palavra revolução…
R.S.: Utopia é uma palavra perigosa quando usada em associação com design. Design não é etéreo, é um gerador de consequências orientado para a concretização. Deste modo a eficácia é tanto uma resposta como um problema para a prática do design, uma vez que é uma propriedade amoral da disciplina. Como pensamento abstracto design é a ferramenta ideal para realização de uma utopia, devido à sua relação estreita com a eficácia, no entanto as tentativas conhecidas de implementação de uma utopia foram bélicas, burocráticas, dogmáticas, totalitaristas, enfim, desastrosas. Durante a ocupação nazi, numa carta ao seu superior, um oficial alemão desculpa-se por não ter conseguido atingir o número de execuções sumárias para o sistema por si desenhado. O design não é todo igual, é tanto um acto de guerra como um acto de submissão.
R: Qual é a sua “utopia pessoal”?
R.S.: Prefiro associar design a distopia. Sou adepto do erro por princípio com sendo necessário para uma vivência confortável. O desvio milimétrico na dobra, o avanço ligeiro do corte, contribuem para uma humanização do processo de design, aproximando-o da problemática da vivência quotidiana.
R: Parece-lhe que a blogosfera tem contribuído para o desenvolvimento de um debate sobre em torno do design?
R.S.: Sim. Creio que a crítica de design em língua portuguesa só ganhou expressão e interesse com o aparecimento da "blogosfera".
R Quais são os seus blogues de referência?
The ressabiator, isto não é uma tese, speak up e BibliOdissey
Que pergunta acrescentaria a esta entrevista? E que resposta ela lhe mereceria?
P: Tem a certeza de que não devia estar a fazer outra coisa qualquer?
R: Sim, tenho a certeza.
Monday, June 18, 2007
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