Tuesday, November 06, 2007



O CIRURGIÃO INGLÊS
CONSIDERAÇÕES SOBRE A PERMANÊNCIA DO CONCEITO DE DESIGN

Eduardo Côrte-Real


"Dessin (l´art du-) Se compose de trois choses: la ligne, le grain, et le grain fin; de plus, le trait de force. Mais le trait de force, il n´y a que le maître seul qui done."

Gustave Flaubert
Diccionaire des Idés Reçues

Porque que é que esta palavra Design aparece sempre sublinhada a vermelho no meu processador de texto?

Se, no séc. XVI, Francisco d'Hollanda tivesse escrito em word com corrector ortográfico para português a palavra Desenho, que tão esforçadamente procurava mostrar aos seus leitores, também daria erro. Desenho era uma novidade com cem anos em Itália. Durante esse século (do fim do séc. XIV ao principio do séc. XVI), o disegno de Cennino Cenini, ainda preso à ideia de registo gráfico, veio a englobar o conceito de projecto.
As propostas de Hollanda, Vasari e Zuccari, entre outros, de definir Desenho constituíam-no como um vasto sistema que albergava uma multiplicidade de actividades que faziam fé no registo gráfico como modo de atingir o controle formal para os objectos a produzir.
Em Espanha, onde a palavra Dibujo se manteve, ao contrário do nosso Debuxo (curioso, debuxo já não se usa mas não aparece sublinhado), o Diseño adquiriu o significado de Design.
Tudo se parece jogar entre os prefixos de e di. Disegno Diseño, Desenho, Design, Dessin soam como semelhantes. Design, na enciclopédia britânica é identificado como verbo, assimilado para o inglês médio através do francês.
Num dicionário da Internet encontro que Designo, em latim, queria dizer: destacar, designar, descrever e definir. O que parece ressaltar destes significados é a sua relação com processos essenciais do pensamento humano.
Vamos então, tentar, a partir da tradução de Designo, definir Design.

1º - Destacar: Da experiência de mundo é possível isolar factos, objectos, formas. Antes de qualquer juízo, a nossa atenção pode focalizar-se, hierarquizar o objecto de uma experiência sensível. (Olho para o écran do meu computador esquecido da chuva que cai lá fora, da estante de livros que está à minha direita, da porta aberta do escritório, do ícone que daria inicio a uma tabela de excel, etc., etc).
Sendo eu sujeito a estar no tempo e, consequentemente sendo actor, no sentido de praticar acções, poderei categorizar essas acções? Destaco, em primeiro lugar que aquilo que procuramos definir é uma acção humana.
Ao colocar esta questão tenho que postular que o humano é actuante. Ou seja, que há um modo de reconhecer o humano que passa pela avaliação do mundo como situação antes e depois do movimento (acção) do humano. Esta premissa geral baseia-se no facto da indissociabilidade do humano e do Tempo que, de uma forma reflexiva, o posiciona.
Ao termos inventado a História sabemos que agimos com consequências. Ou sabemos que o modo como construímos mundo depende desse sistema de causalidade. Agimos e temos tempo para observar as consequências das nossas acções.
O Humano é, então, a possibilidade de o Tempo poder ser aferido como uma multiplicidade de resultados dos quais apenas um foi concretizado. Isto é, obviamente, a construção humana do tempo e nenhum de nós poderá ter outra visão diferente. Agir comporta participar numa linha definida, apenas porque está definida pela sua visibilidade posterior.
O primeiro ponto de vista a partir do qual posso destacar aquilo que procuramos definir é o da Ética. Na construção do Homem moderno, sobretudo a partir de Alberti, os aspectos éticos foram sobrelevados. Na construção do humano como ser que projecta recorrendo à técnica e à arte (seria perigoso falar aqui de Estética), Alberti socorreu-se da Virtude, Virtús dos romanos, Aretê dos gregos.
É claro, neste momento, que o primeiro modo de destacar que usarei se prende com a História. Destaco a idade moderna e a idade contemporânea como períodos onde pode ser destacado aquilo que procuramos definir.
Os dois mais importantes tratados de Alberti: De Pictura (1435) e De Re Aedificatoria (1443-1452) constituem-se como um manual de construção do homem como ser social mais do que como tratados das disciplinas a que se dedicam. A questão central em De Pictura é a representação. Não a representação arbitrária e sensível mas a representação como resultado da adopção de um processo maquínico indesmentível. Ao De Pictura devemos, primeiro, uma definição de Desenho quando Alberti escreve no início: "Signum hoc loco apello quicquid in superficie ita insit ut possit oculo conspici". Este signum é traduzido para segno, ao que juntando o prefixo di que indica acção, obtemos disegno. O disegno é, então a acção de produzir sinais - signos. Em segundo lugar, devemos a Alberti a definição e codificação da perspectiva. Embora a "invenção" perspectiva seja recordada sobretudo pela sua aplicação na Pintura ela comporta mais do que o seu destino pictórico. A perspectiva é a grande máquina do Renascimento porque normaliza a representação. Ao propor um método rigoroso de representação, mais do que obter verosimilhança para as obras pictóricas, a constuzzione legitima alarga a possibilidade de um mundo a haver através da sua visibilidade. As tábuas de Urbino, do círculo de Piero della Francesca exemplificam este processo. Outro facto pertinente é o uso da aparelhagem conceptual da geometria euclidiana. Ponto, recta, plano e volume são os elementos da construção de um edifício abstracto, hipotético – dedutivo que constrói o mundo artificial. A possibilidade do projecto resulta da aceitação de um protocolo com o universo euclidiano como aquele que é logicamente válido para entender o espaço e aquilo que o povoa. Qualquer criação humana visível pode ser descrita à luz daquela aparelhagem conceptual até porque passa a ser feita com o seu concurso.
O Trabalho de Alberti abre a porta ao projectista e, sobretudo, ao projectista, que usa recursos gráficos para projectar.
Consequentemente destaco de todas as acções humanas, as realizadas desde a idade de Alberti até hoje, que se caracterizam pela ideia de projecto. Dessas destaco, ainda, aquelas que aceitam o registo gráfico como o lugar onde é possível tornar visível o universo euclidiano


2º - Designar: Se aquilo que foi destacado for suficientemente compacto e repetível como experiência posso atribuir-lhe um nome. Naturalmente que não posso atribuir um nome à experiência de comer pão com queijo e marmelada num fim de tarde de Verão debaixo de uma ramada enquanto os insectos zumbem e os pássaros procuram acomodar-se nas tangerineiras mas posso atribuir o nome queijo que reunirá todas as formas finais de um processo particular de transformar o leite. A possibilidade de designar comporta a possibilidade de operar com conceitos que, ainda que vagos, encontram uma existência provisória num plano lógico.
Ao propor um nome para esta acção das outras destacada faço-o recorrendo a uma palavra de uma língua que não é a minha. Ocorre-me o D. Quixote de Mènard do conto de Borges. Mènard, francês, escreveu, nos anos trinta do século XX, um D. Quixote em tudo igual ao de Cervantes. Sem nunca esclarecer se este outro Quixote brotou da imaginação de Mènard ou foi copiado, Borges, alerta-nos para o facto de, por ter sido escrito por um francês em castelhano clássico e no séc. XX, o livro ser em tudo diferente, embora igual.
Escolho então Design. Chegada ao inglês provavelmente por via normanda, a palavra terá ganho o seu sentido projectual pleno sobretudo como resultado da querela sobre o Disegno encetada no séc. XVI em Itália. No final do séc. XVI, artistas ingleses como Inigo Jones chegaram viajaram para Itália com propósitos semelhantes aos de Hollanda. A querela sobre o primado das artes tinha-se esbatido dando origem às academias del Disegno de Florença e Roma. Que palavra poderia Inigo Jones trazer para Inglaterra que significasse Disegno? As definições de Disegno de Zuccari, ideólogo da Academia de Roma, aproximam-se de um sentido globalista e divino. Uma palavra inglesa como drawing não poderia abarcar a multiplicidade de actividades que o Disegno englobava.
Escolho Design, no início do séc. XXI, porque alguém já o fez. Quase em todos os cantos do mundo, a palavra é reconhecida e é aplicada. Neste processo de aplicação viemos a encontrar-nos com a ruptura da demarcação que tinha feito anteriormente. Uso Design para designar (a aliteração é irresistível) factos, objectos e acções que ultrapassaram o registo gráfico e o universo euclidiano. Podemos dizer que a instabilidade do humano, criada desde o fim das luzes e do início da idade contemporânea e que se inaugura com o Romantismo, com a designação abrangente de Design, que se assume como um grande sistema interdisciplinar, se pacificará num paradigma semelhante ao criado pelo Desenho para a Idade Moderna. De facto, ao elencarmos, todas as atribuições da palavra Design, reparamos que ela tende a absorver as artes visuais, as engenharias, a arquitectura, a biotecnologia, a ciência, o jogo e, obviamente, a participar decisivamente na criação da cibercultura. Em resumo abrupto, o Design, hoje, participa em qualquer construção de mundo "artificial" sujeito a uma prefiguração a que chamamos projecto. Aquilo a que posso chamar Design com segurança é todo o processo que produz uma representação de algo a produzir.
Certas tribos da floresta amazónica não têm uma palavra para "verde" mas sim, seis palavras diferentes para seis tons de verde diferentes. De certo modo, encontramo-nos no momento em que descobrimos que entre essas "seis" palavras diferentes há suficientes atributos semelhantes para "descobrirmos" uma única palavra.


3º - Descrever. Tendo destacado algo passível de ser designado posso descrevê-lo. De certo modo, descrever implica regressar às razões que provocaram o destaque e a designação. Ao descrever percorro os limites do destaque para entrar na justificação da designação. A descrição aceita o destaque como limite do seu desenvolvimento. Descrevemos aquilo que foi destacado precedido da sua designação. No entanto, a descrição exige mais. Exige uma formulação de atributos internos que, ainda que provisoriamente, possam justificar tanto o destaque como a designação. Partindo do destaque, a descrição trata daquilo que é interno ou intrínseco ao destacado/designado. Por outro lado, a descrição de algo designado comporta sempre as limitações do conhecimento sobre aquilo que foi destacado. A descrição de "Noruega" é praticamente infindável, no entanto posso descrever Noruega como um país, europeu, escandinavo cuja capital é Oslo caracterizado pelos seus fiordes cujo regime é monárquico, etc., etc. Quer isto dizer que entre esta descrição sucinta e o mapa do imperador de Borges, que, desenrolado, cobria exactamente todo o império, há uma multiplicidade infinita de descrições mas que todas dependem do destaque e da possibilidade de designação.
Descrever o Design, que, como vimos, designa quase tudo, parece ser tarefa impossível.
Descrever pode ter sido tarefa do Desenho, mas foi, sobretudo tarefa da Literatura.
Recorro a Italo Calvino e à "Trilogia dos Nossos Antepassados". Escrita nos anos cinquenta do séc. XX, esta trilogia é constituída pelos livros: "O Cavaleiro Inexistente", "O Barão Trepador" e "O Visconde Cortado ao Meio".

Descrever I - O Cavaleiro Inexistente - Próteses e Extensões

O Cavaleiro inexistente é apenas constituído pela sua armadura. Externamente aparenta ser humano mas é apenas a sua "pele" defensiva. Ele simboliza todas as próteses e extensões do humano. Na armadura do cavaleiro estão simbolizados todos os objectos que em contacto ou não com o corpo prolongam as suas capacidades. Esta é uma descrição de Design que evoca o seu primeiro destino associado à segunda revolução industrial sob o império da produção em série e de massa. O cavaleiro inexistente é o Ford T ou o Fiat 600 alinhados na cadeia de montagem, vazios, mas já humanos. (não posso deixar de sentir prazer quando as escovas da lavagem automática percorrem o dorso da minha Peugeot 505 e até um certo arrepio quando passam pelas cicatrizes dos erros de estacionamento).
O Design construiu um Homem contemporâneo inexistente sem a sua armadura de extensões. Só a armadura o mantém vivo e consequentemente humano.
Os santos e os deuses eram reconhecíveis pelos seus atributos. Na mitologia greco-latina e no conjunto dos santos apostólicos romanos nenhum é, por si só. Um objecto, uma pose, uma indumentária, uma acção culminante são determinantes para a sua representação. A função comunicativa dos objectos que possuímos têm o mesmo valor. Não esqueçamos que as representações dos deuses são realizadas por humanos. Basta pensarmos nos quatro evangelistas, sempre acompanhados dos seus entes de estimação. Não se pretende, consequentemente justificar a construção da armadura do homem contemporâneo com um desejo de divinização, mas sim um desejo de atingir os atributos dos deuses criados pelos homens para os reconhecer.
Gregor Samsa, transformado numa enorme barata torna eloquente o cavaleiro inexistente. Intimamente, ainda ele, Gregor Samsa não tem acesso à sua armadura. O conjunto dos objectos e dos espaços que constituíam a sua armadura são-lhe inacessíveis, mais valia que se tivesse tornado incorpóreo como o herói de Calvino. A história de Samsa ilustra quão ajustados ao nosso corpo estão os objectos, quão apertado é o “fato” que julgamos múltiplo e espaçoso.
Em Vitruvio encontramos uma possível origem para a história do cavaleiro inexistente e para a incomodidade de Gregor. O conceito de Decor constituinte da categoria Venustas, parte da tríade arquitectónica, postulava que a forma se deveria adequar à função comunicativa do edifício. Este conceito dá origem a duas palavras em português Decoro e Decoração. Ambas as palavras, no seu uso corrente desvirtuaram a sua origem. No entanto, julgo que o paradigma central do Design industrial ou de Produto é o Decoro. É este decoro que reforça a estreiteza do fato. Os objectos ajustam-se, não só ao corpo, mas sobretudo, ao que pretendemos comunicar. As cavalgadas do marketing e dos targets transportam o cavaleiro inexistente para toda a parte.
A múltipla produção de objectos permite que cada um construa a sua armadura, tornando-se cada vez mais invisível substituído pelo sistema de objectos que a si associa.
O cavaleiro inexistente simboliza, também, a vaca e o burrinho do presépio do Design: A Ergonomia e a Antropometria. Não é por acaso que a primeira se desenvolve na Guerra e a segunda na criminologia. Poucas actividades humanas esvaziam tanto o humano da sua individualidade. A armadura animada de Calvino é correctamente proporcionada e medida e as articulações permitem-lhe um desempenho ergonómico perfeito. Assim o fazem o Homem Invisível de H.G. Wells, Michael Jackson e Stephen Hawkins que são, afinal, a mesma pessoa e exemplares extremos do que pretendemos descrever.

Descrever II - O Barão Trepador - Cibermundo

O jovem barão decide, aos doze anos, passar a viver nas árvores e nunca mais por o pé em terra. Assim se passa a sua existência, sempre em contacto com o mundo dos restantes humanos, mas onde os caminhos são mais curtos. Ele é ao mesmo tempo mensageiro e profeta. Na floresta, que cobre grande parte da Europa ele desloca-se na multiplicidade dos ramos onde é sempre possível encontrar uma ligação.
Para o Designer o mundo é visto como um incomensurável conjunto de feixes de comunicação. À primeira vista este facto pode parecer resultar da generalização da world wide web. Na verdade, o universo www nasceu com o telégrafo e desenvolveu-se com a televisão. A www não passa de um telégrafo televisível ou de uma televisão telegráfica.
A produção de objectos de comunicação e a atribuição de valor comunicacional a objectos é que criou a possibilidade da web. O telégrafo permitiu a globalização de capitais e mercados. A televisão permitiu a consolidação do Marketing e da Publicidade.
A web não é mais do que a cristalização daquilo que já existia: um fluxo constante de significados no seio do mundo artificial. O Design recria continuamente esses feixes de significados. O projecto conta com eles como parte essencial da sua estratégia. A representação de algo a produzir é, fundamentalmente, a criação de um feixe de significados. O designer opera, assim, num mundo abstracto de ligações comunicacionais que se realizam nos mais insuspeitos sistemas de objectos.
A Design, associamos normalmente, a ideia de Inovação. Esta não passa da reconfiguração de sistemas. Ao encontrar um caminho por entre a míriade das ligações possíveis que os ramos das árvores oferecem (um caminho mais curto que os terrestres) o Barão Trepador, opera num nível diferente do sistema de objectos vigente a que podemos chamar, genericamente, Tradição. Os seus contactos com o mundo não-projectual são pontuais, interferindo e modificando a Tradição, criando tradições provisórias através dos indícios do seu verdadeiro movimento. Quando se recolhe para as árvores, para o projecto, a visão que retém do mundo embaixo é fragmentada, resultante daquilo que é apenas visível por entre os ramos.
Entretanto, o vestígio do resultado da sua aparição, a nova tradição provisória, ganha autonomia e movimenta-se lentamente pelos caminhos da terra. A relação entre o Barão Trepador e os seus conterrâneos é, assim, sempre carregada de surpresas, de novas perplexidades. Embora haja sempre um preço a pagar pelas surpresas o Design encontrou o plano onde operar.
O Designer decidiu nunca mais pôr o pé na terra porque não é deste mundo. É do mundo que há – de vir.

Descrever III – O Visconde Cortado ao Meio – Arte e Ciência

O visconde, atingido por um tiro de canhão vê-se dividido em duas partes. Esta catastrófica fractura separa-o na metade boa e na metade má. A metade má exerce a sua crueldade no governo do seu senhorio provocando a miséria e o terror dos seus súbditos. A metade boa surge depois. A sua bondade provoca também toda a sorte de acidentes e desgraças. Finalmente, por amor de uma donzela, defrontam-se em duelo. Feridos de morte, são salvos por um cirurgião inglês que os consegue recoser.
O Visconde é o Homem da Idade Moderna, inteiro como projecto, na Renascença, que, neste caso, a pouco e pouco se vai separando em Arte e Ciência. O Desenho tinha criado essa bela ilusão de que um homem completo e íntegro dominaria todos os aspectos do seu devir. Os desastres de Leonardo com a sua máquina voadora indiciavam já que ao segredo do voo das aves não se chegava através do Desenho. Por mais que conhecesse pelo desenho o maquinismo de funcionamento da asa, a diferença de pressão entre a face superior e a face inferior (razão da sustentação) não era visível e, consequentemente indesenhável.
Mais tarde, a acção conjugada de Lavoisier e Dalton conseguiu reunir a Química, a Matemática e a Física criando um mundo onde o Desenho não podia chegar. No início da Idade Contemporânea, a reacção da Arte surgiu com o Romantismo que desferiu a machadada final separando as duas metades. O artista romântico fechou o seu campo à ciência franzindo o sobrolho às explicações.
O início da reunião deu-se através de uma visão do mundo natural que se tornou cultural: a teoria da evolução das espécies. A natureza que tinha sido o referente da harmonia e estabilidade formal passava a significar mutabilidade, transformação, morte e extinção, adaptabilidade. No final do século XIX o evolucionismo tinha já penetrado profundamente na cultura da sociedade da esfera protestante. Em certa medida, reforçava os aspectos do livre arbítrio. Embora arte e ciência não se tivessem recosido, os primeiros passos foram dados. A Bauhaus resulta de duas interpretações da teoria evolucionista. A de Alois Riegl, com a sua Kunstvollen (vontade da arte) e Max Nordau com o seu Enfartung (degeneração) criaram condições para que a Bauhaus surgisse como adopção da primeira e reacção à segunda. Esta reacção comportava sobrelevar os aspectos éticos da produção que através da técnica e da ciência se deviam auto justificar na forma.
Apesar deste início cada uma das metades seguiu o seu caminho durante o séc. XX, fazendo maldades e bondades mas sempre incompleta, fazendo os súbditos sonhar com a plenitude dos desejos de prosperidade e paz que o jovem visconde inteiro tinha augurado.
É sedutor pensar que o cirurgião inglês se chama Design. Parece ser o único capaz de saber tanto da anatomia de uma metade como da outra.
Nesta evocação não se pode decidir que é o mau e quem é o bom. Na história de Calvino, o Visconde volta a ser uno e completo embora enriquecido pela experiência do seu tempo de ser dividido.

4º - Definir

Se o cirurgião é o Design, se o mau e o bom são a ciência e a arte, resta saber quem é a donzela que catalisa a união e, também, quem é o sobrinho narrador.
O sobrinho é a História, a contínua possibilidade de construir uma linha temporal através da narrativa.
A donzela é o deleite e a possibilidade de perpetuação. É o indefinível presente em cada acção humana. É a possibilidade de uma relação amorosa com o mundo que está para além daquilo que seria plausível pensar. É a Venustas vitruviana, a genitrix, o agente catalisador nas novas formas que buscam o tão indesmentível como inexplicável deleite na reprodução sexuada em que os opostos se misturam. Gerar o novo, ainda que participado pelo antigo, é, ainda, a condição essencial para definir Design.

Em Conclusão, para podermos definir o Design poderemos dizer, então e agora que:

O Design é o cirurgião inglês, que, na voz da História, cose pedaços do Homem para que este se possa perpetuar… até nova separação.


Eduardo Côrte-Real, arquitecto, Professor associado da Escola Superior de Design do Iade

O Reactor agradece a Eduardo Côrte-Real e à Arte Capital Arte Capital a publicação do presente ensaio.

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REACTOR é um blogue sobre cultura do design de José Bártolo (CV). Facebook. e-mail: reactor.blog@gmail.com