
O MERCADO ANTI-MERCADO
Estou cada vez mais convencido que há actualmente um novo mercado cultural que produz, promove e comercializa “mercadorias” que têm como identidade distintiva assumirem-se como portadoras de uma mensagem anti-capitalista.
Sinal dos tempos e da “democracia” neo-liberal e politicamente correcta que nos domina: o mercado capitalista capitaliza com a crítica do capitalismo. Se em termos europeus este Mercado começa agora a nascer (o "caso" Toscani é diferente), já há algum tempo que nós consumidores europeus – consumidores críticos e socialmente empenhados, sem dúvida – compramos os produtos norte-americanos que este mercado-globalizado-anti-mercado-globalizado nos fornece.
Sob o risco de pôr protagonistas diferentes dentro de um saco comum, vou encontrando cada vez mais semelhanças em autores como Naomi Klein e Kalle Lasn mas também Michael Moore, Morgan Spurlock, Al Gore e uma série de outros autores que parecem recuperar os clichés dos filmes-catástrofe dos anos 70 sob a roupagem de uma mensagem social ou culturalmente empenhada.
Recordo-me que, em 1999, quando ocorreram as grandes manifestações anti-globalização, nomeadamente as que tiveram lugar nas ruas de Seattle mas, igualmente, em Washington, Melbourne, Buenos Aires, Génova e Londres, fiquei surpreendido com o facto dos manifestantes anti-globalização procurarem fazer coincidir as manifestações mais activas com os directos televisivos. Aqueles que se manifestavam contra a globalização cediam ao sistema globalizador, nomeadamente ao poder televisivo, para que a sua mensagem tivesse protagonismo mediático, mesmo sabendo que essa mesma televisão editaria a informação, alteraria a sua percepção tornando-a, em última análise, num espectáculo de entretenimento.
Recordo-me, também, da perplexidade que senti da primeira vez que vi o “No Logo” da Naomi Klein à venda num hipermercado, próximo do “Código Da Vinci” do Dan Brown, não muito longe dos enlatados. Da mesma forma, não me esqueço de que o “Culture Jam” de Kalle Lasn, o muito activo director da Adbusters, foi publicado pela Harper Collins, uma das maiores editoras norte-americanas, propriedade do magnata Rupert Murdoch, estranhamente um dos visados dos ataques da Adbusters.

Deixo estas notas para justificar a desconfiança com que recebi “The Shock Doctrine – The rise of disaster capitalism”, o novo livro de Naomi Klein mas, também, para confessar o meu progressivo desencantamento em relação a algumas iniciativas de activistas de “guerrilha cultural”.
Soube há poucos dias que os responsáveis pelo “Madonna Weep”, aqueles que vandalizaram os cartazes da H&M talvez tenham sido contratados pela H&M e talvez tudo não tenha passado de uma campanha de marketing (o marketing de guerrilha cada vez mais em voga).

Depois disto, ao ver os últimos trabalhos de ZEVS ou ao ler a notícia de que activistas culturais ocuparam o panteão nacional francês para, clandestinamente, reparar um relógio que aguardava ser reparado há quase meio século, confesso que já não fico particularmente entusiasmado.
No comments:
Post a Comment