Tuesday, January 29, 2008




1.



Segundo avançou a Rádio Renascença (e o Público noticía) citando fonte governamental, o primeiro-ministro, José Sócrates, já tem em curso a remodelação do Governo, estando de saida, entre outros, a ministra da Cultura Isabel Pires de Lima. São, até prova em contrário, boas notícias para a Cultura.

Sobre cultura política é o texto ontem publicado por Marco Aurélio Nogueira, no excelente La Insignia, intitulado "O poder da cidade". A descrição de Marco Nogueira tem, como pano de fundo, a política no estado de São Paulo mas o texto tende a ter uma precisão totalmente universal: “O poder político costuma ser visto como dotado de valor em si, isto é, como uma posição a partir da qual seu ocupante pode tudo, ou quase. Na tradução nacional, isto também significa, muitas vezes, estar acima da lei e ser indiferente às expectativas sociais. Ou seja, um político é tratado, em geral, como alguém que trabalha intensamente por seus próprios interesses, quando muito os misturando com os interesses de alguns grupos, partidos ou regiões. Dificilmente se imagina que um político possa ser um recurso social fundamental, um articulador da sociedade, um personagem sem o qual a força se converte na principal ferramenta de resolução de conflitos e problemas.”


2.



IDIOMAS, a muito interessante exposição em progresso, desenvolvida em torno das formas de comunicação gráfica contemporâneas, que Andrew Howard comissaria para o SILO (espaço cultural do Nortshooping) continua com a inauguração de "Floresta Gráfica", a quinta exposição da série, no próximo dia 31 de Janeiro.

3.



Destaque para entrevista, publicada no Believer, com o talentoso ilustrador norte-americano Charles Burns.


4.



The Last Calligraphers é um documentário, que parece belissimamente nostálgico, sobre o jornal The Musalman, criado em 1927, e o único jornal da Asia ainda integralmente manuscrito.


5.

O delicioso video que se segue é a apresentação do Adobe Illustrator 88. Pergunta-se: o que mudou a partir dali? o que mudou de então para cá?

Monday, January 28, 2008

PUBLICIDADE ENGANOSA EM QUATRO LIÇÕES


LIÇÃO 1



Se as minhas suspeitas se confirmarem (diligências estão a ser feitas nesse sentido) e a criança da campanha for, de facto, George Bush (pai) então os malefícios da ingestão precoce de generosas quantidades de Coca-Cola são demasiado evidentes. Promotes active lifstyle? Sem dúvida mas com esse, ligeiro, inconveniente de deixar uma criança de três anos com uma vontade indómita de conquistar o Iraque. Boots personality? Bom, penso que estamos conversados. Que os açucares da Coca-Cola são essenciais para o organismo, eu não discuto, mas antes dos seis anos fiquemo-nos pela Cérelac.

LIÇÃO 2



Esta campanha da Kenwood é um exemplo clássico de publicidade enganosa. Qualquer análise semiótica de polichinelo mostrar-nos-ia como os diversos elementos indexicais, simbólicos e icónicos – dos sugestivos ovos ao copo com sumo/sangue – nos revelam que o “Chef” não faz tudo, alias Freud explica como o trem de cozinha Kenwood esconde a impotência do “Chef”, essa mesma potente máquina Kenwood que o “Chef” assumidamente oferece à sua mulher: “I’m giving my wife a Kenwood Chef”. Que a máquina Kenwood assuma a identidade do “Chef” é apenas parte do processo fetichista de transferência que domina toda a relação.
Em suma, o que à primeira vista poderia parecer uma campanha machista é afinal um claro e veemente exercício feminista.

LIÇÃO 3



Eis um bom exemplo da ideologia típica das campanha dos 50’s. O “American dream” esconde afinal uma realidade bem menos perfeita e idílica. Havia “doping” no mundo das “donas de casa”. Kellog’s de milho transgénico, seguramente. Mas convenhamos, de que outra forma seria possível conciliar a esfregona e o mais feliz dos sorrisos senão à custa de (vamos chamar-lhe assim e sublinhar a importância das aspas) “vitaminas”?

LIÇÃO 4



Vamos ser justos: se não fosse a Asbestos podia ter-se dado uma tragédia.

Friday, January 25, 2008



CHARLES WILP (1932-2005)

Nascido em Berlim em 1932 e falecido em Dusseldorf em 2005, a versatilidade criativa de Charles Paul Wilp foi, sobretudo, marcante durante as décadas de 1960 e 1970, sendo hoje uma figura estranhamente pouco conhecida tendo em conta o impacto que a sua obra singular teve nesse período.



Com uma formação vasta e eclética - na Universidade de Aachen, fez estudos em sinestesia, jornalismo, artes plásticas, jornalismo e psicologia, tendo sido, ainda, aluno de Man Ray em Nova York – Charles Wilp moveu-se por diversas áreas, deixando em mais do que uma a marca de um universo criativo que, podendo integrar características do Fluxus ou da Pop Art, se diferencia na sua singularidade.



Investigador aeronáutico – Yves Klein referia-se a Wilp como “O príncipe das estrelas” – músico, fotógrafo -sendo famosos os seus retratos dos anos 60/70 de figuras como Marianne Faithfull, Donna Summer ou Marsha Hunt – conselheiro - muito próximo de Willy Brandt – e activista político, cineasta, designer gráfico e publicitário, Charles Wilp manteve relações próximas e marcadas por uma influência mutual com Andy Wharol, Yves Klein, Mel Ramos, Otto Piene ou Joseph Beuys.



O seu protagonismo atinge o auge com a criação da delirante campanha para aAfri-Cola em 1968, tendo imposto aquele que é um dos mais “loucos” slogans da publicidade contemporânea: “Super-sexy-mini-flower-pop-op-cola-alles ist in Afri-Cola”.

Ao vermos hoje o spot publicitário, temos dificuldade em decidir se estamos perante uma obra de arte absoluta ou o estranho resultado de uma “trip”, mas hoje como em 68, não conseguimos ficar indiferentes aquele ambiente onírico e ao slogan-comercial-statement-artístico que lhe está associado.

Convém recordar, que as campanhas para a Afri-Cola constituem juntamente com as anterioriores campanhas para a Puschkin (“Wodka fur harte Manner”) de 1963 e as campanhas seguintes para a Pirelli e Volkswagen (criando o slogan Und läuft ... und läuft ... und läuft“) uma parte central da obra de Charles Wilp e da sua exploração através das imagens em movimento de uma linguagem visual que testemunha bem o importante contexto cultural que a produziu mas, igualmente, o génio único do seu criador.

Tuesday, January 22, 2008



REACTOR ENTREVISTA PEDRO LUIZ PEREIRA DE SOUZA


Pedro Luiz Pereira de Souza é um dos nomes mais importantes do Design brasileiro dos últimos trinta anos. Formado em design pela ESDI, Escola Superior de Desenho Industrial em 1971, tornar-se-ia Director da Escola entre 1986 e 1992. Como designer, trabalhou para algumas das maiores empresas brasileiras e internacionais (Unibanco, Brasilpar, Zanini, Telefunken do Brasil). Publicou diversos livros, entre os quais o influente Notas para uma história do design (1998) actualmente reeditado no Brasil.




REACTOR: Um dos cursos desenvolvidos pelo Pedro Luiz de Souza tem por título “Design Moderno: forma, razão e política”. Trata-se de uma relação entre “razão industrial” (uma evolução da racionalidade instrumental do século XVII), “política utilitária” e “forma funcional” que visa uma nova ordem social e política. Em seu entender o que caracteriza esta “nova ordem” que nos surge associada ao “design moderno” a partir do Século XIX?

PEDRO LUIZ de SOUZA: O curso foi desenvolvido dentro da ESDI, Escola Superior de Desenho Industrial e, mais recentemente, tem sido apresentado em outros espaços ligados a uma reflexão crítica sobre o design como o Centro Maria Antônia da Universidade de São Paulo, Universidade Estadual de Londrina no Paraná e Centro de Design do Recife em Pernambuco. Mas, o que caracteriza essa nova ordem é a adesão, sem restrições, a uma ideologia que pode ser chamada de industrialismo. Essa ideologia dizia que somente através da produção industrial de larga escala poderia haver algum tipo de futuro ou de salvação para a espécie humana. Na verdade essa ideia foi sustentada pelos países que emergiram na segunda metade do século XIX (Estados Unidos, Alemanha, Itália e Japão). Cada um deles, a seu modo, passou a desenvolver um projecto de formação de um mercado interno e de uma burguesia, necessariamente de forma diversa daquela que foi praticada pela Inglaterra e pela França, através das suas Grandes Revoluções, como as chamou Merleau-Ponty. Não podendo enfrentar, de imediato, esses dois grandes impérios resultantes da Revolução Industrial e da Revolução de 1789, e nem o Império Austro-húngaro, os quatro países cuidaram de submeter suas forças internas feudais e agrárias ou outras formas de ordenação política e de trabalho assemelhadas, a uma nova ordem ideológica que colocou o desenvolvimento industrial como objectivo central. No caso específico da Alemanha foi notória a interferência dessas políticas no ensino das artes aplicadas e seu direcionamento para formas mais ordenadas e disciplinadas de ensino, atendendo a um interesse industrial. Aboliu-se a antiga relação artesanal de ensino, de mestre para aprendiz, e adoptou-se a ideia de um ensino programado com objectivos claros de uma produtividade e eficiência maiores. O projecto Werkbund, que surgiu na Alemanha sob a intervenção de Hermann Muthesius é, certamente, algo mais que uma questão formal, algo mais que uma questão de diferenças de pontos de vista com Henry van de Velde. É do projecto Werkbund que nasceu o que se pode chamar de design moderno, um último filho do próprio movimento moderno, por isso mesmo, o mais mal-humorado e mais mal-educado de todos. Se o industrialismo foi algo extremamente impositivo e autoritário, o design moderno, surgido em sua consequência, foi muito mais adiante em seus radicalismos, principalmente nos conceitos do útil e da razão. Adoptou, por vezes acriticamente, alguns princípios vagos de racionalidade e muitas palavras de ordem próximas às movimentações políticas mais à esquerda de seu tempo e, com isso, transformou-se numa actividade que dependia estritamente do ensino, de uma pedagogia forte e também de consensos políticos. Filosoficamente a razão adoptada pelo design moderno estava próxima à ideia de razão crítica formulada basicamente por Hans Albert e Karl Popper. Outro filósofo alemão, um pouco mais recente, Jürgen Habermas, sempre chamou à atenção para alguns problemas quanto a questões básicas de “fé” contidas no pensamento de Popper. Questões de fé nunca são um caminho para uma racionalidade real, dizia Habermas, ainda que reconhecesse uma extraordinária contribuição do pensamento de Popper para a ideia de esclarecimento. A analogia com o design moderno é muito clara. Nele, a exemplo do racionalismo crítico, existem subjacentes muitas questões que só poderiam ser explicadas através de uma fé. E não é sem motivo que as escolas principais do design moderno (Bauhaus e HfG-Ulm) caracterizaram-se quase como grupos criativos, como os qualificou Domenico de Masi, relativamente fechados e com um número muito maior de certezas do que de dúvidas. De todo modo, nos cursos que tenho desenvolvido, procuro sempre um enfoque político, tentando desmitificar um design moderno que foi caracterizado como algo à esquerda ou progressista em seu conjunto. Procuro mostrar como esse design, a exemplo das instituições pedagógicas que o sustentaram, foi multifacetado e variado, apesar de seu próprio dogmatismo natural e essa foi sua grande qualidade. Talvez o design moderno tenha sido a profissão mais dependente que se conheça de escolas e processos pedagógicos. E isso se deveu, certamente, ao carácter político com que foi pensado e desenvolvido originalmente, ou seja, uma actividade de interesse social sim, porém, antes de tudo, com um interesse desenvolvimentista e industrialista. Uma actividade directamente relacionada ao conceito de progresso, que acreditava, sem muitas dúvidas, que quantidade seria mesmo sinonimo de qualidade. Acho ainda importante lembrar que, para sua implantação, essas políticas necessitaram, mais que na Inglaterra e na França, reprimir as formas de produção e organização do trabalho que ainda mantivessem qualquer vínculo com os antigos ordenamentos sociais, não apenas os que se situavam no poder, como também as formas mais radicais de oposição, representadas pelas corporações, sindicatos e ligas anarquistas. Todas as formas de organização política advindas do industrialismo propuseram um tipo de industrialização a qualquer custo e, acima de tudo, a liquidação de qualquer outra hipótese que não fosse centrada no conceito de propriedade e de autoridade. Discordaram em nuances: alguns propuseram a propriedade individual enquanto outros propuseram a propriedade do estado. A liquidação do anarquismo, operada por esses ordenamentos políticos, foi considerada tão necessária quanto a superação das antigas formas de produção.

R. : A história do Design Moderno foi, em certa medida, construída pelos historiadores de design (como Pevsner ou Philip Johnson). Concorda que a nossa interpretação do que é “bom design” ou “mau design” – se quiser a diferenciação entre funcionalismo e styling – decorre de uma determinada produção teórica do design?

P. L. S. : Acho que a história sempre será feita dessa maneira. Ocorreu no design moderno um fenómeno curioso: sua história inicial foi feita em um permanente tempo presente. Explico melhor: houve excesso de partidarismo e muito pouco distanciamento crítico na medida em que se estabeleciam as referências em torno de interesses muitas vezes imediatos, quase quotidianos. O ato presente transformado em história é sempre um problema sério e o século XX foi pródigo em façanhas desse tipo. Foi o século do fascismo, do comunismo e do capitalismo mais selvagem que se conheceu, sempre plenos de verdades e afirmações quanto plenos de atrocidades políticas e contra a humanidade. Nunca houve tanta certeza numa era de tanta imprecisão filosófica. Mas no caso dos dois que você cita, Pevsner e Johnson, certamente eles exerceram um papel importante na construção dessa história relativamente parcial e preconceituosa com a qual nos habituamos a conviver durante muito tempo nas escolas de design. Pevsner sendo historiador um pouco mais consistente do que Johnson apresentou uma história que foi valorizada num momento muito complexo, ou seja, praticamente durante a época do enfrentamento político e militar entre Alemanha e Inglaterra e, pelo menos a mim, parece compreensível, ainda que pouco aceitável, que em sua história a Alemanha e seu Projecto Werkbund tenham recebido uma análise tão pouco precisa. Na verdade parece que Pevsner interessou-se mais em estabelecer o primado de uma história de um design britânico, fundamentado num pensamento Arts & Crafts, do que realmente desenvolver uma história crítica do design. Já Philip Johnson apresenta outras características. Ele é o modelo antecipado do nova-iorquino contemporâneo, relativamente desligado do resto dos Estados Unidos, mais voltado para a Europa e permeável às influências culturais desse continente. No Brasil, muitas vezes, critica-se a importação de cultura de fora, seja europeia ou americana, como se isso não fosse um fenómeno típico das elites americanas. E chamo de elites americanas as elites das três Américas. Johnson não apenas arquitectou, juntamente com Raymond Barr, curador do MoMA, as exposições que importaram para os Estados Unidos a ideia Bauhaus. Eles ainda definiram qual a ideia Bauhaus que lhes pareceu mais interessante e que não foi nem a Bauhaus dos tempos de Paul Klee, Kandinsky e Johannes Itten e nem a Bauhaus proto-produtivista de Hannes Meyer. A Bauhaus que eles requalificaram foi aquela do período em que Walter Gropius exerceu de forma mais clara sua liderança. No entanto, devido ao fato de não serem historiadores, não foram capazes, na época, de compreender o significado da movimentação política de Gropius, um homem interessado no sucesso da República de Weimar, cauteloso e objectivo na direcção da escola, que somente abdicou de sua direcção ao perceber a si mesmo e à própria instituição como desfasados diante de circunstâncias políticas que não mais coincidiam com suas expectativas. Assim por volta de 1937, Johnson e Barr estabeleceram uma referência da Bauhaus que não pode ser simplesmente chamada de certa ou errada, mas que pode ser chamada de parcial e formalista. As ideias de um bom ou mau design pertencem de fato a seus ideários e a proposta de objectos exemplares de bom design (Good Design), embrião da colecção de design do MoMA, nasceu nesse momento. A formulação que apareceu logo depois na Suíça, em 1940, através de Max Bill (gute-Form), foi de outra natureza: estava mais interessada na forma de projectar bons produtos do que em formas exemplares. Trazia, portanto, embrionária, a ideia de um método de trabalho. Aparentemente foi uma ideia mais consistente e deve-se lembrar que para Max Bill não havia a hipótese de bom ou mau design. Havia ou não design. Para o suíço radical o design era simplesmente uma forma de qualificar o produto e, se fosse realmente utilizado de forma correcta, não haveria a hipótese de um mau design, Para ele design significava necessariamente qualidade. Max Bill foi, segundo Tomas Maldonado, o mais bem formado aluno da Bauhaus e, apesar de ter estudado na escola já durante o período de Hannes Meyer, foi mais influenciado pelo ideário de Gropius do que pelo radicalismo de Meyer e Hilberseimer. No entanto, o fato de ter estado lá exactamente no período proto-produtivista, permite pensar que tenha sido influenciado pelas noções básicas de planeamento e de método de seus conterrâneos suíços. Assim sendo, especificamente com relação à sua pergunta, eu penso que a ideia de um bom design, de boa forma e de tantas outras denominações semelhantes que surgiram, decorre realmente do trabalho dessas pessoas e de alguns outros. Não chamaria isso de um trabalho teórico propriamente. Mais uma vez essas reflexões foram definidas no ato e não através de um processo crítico. Mas também acho necessário não estabelecer, com relação ao design, tantos rigores que se aplicam a outras áreas mais antigas e estabelecidas. Creio que dessa forma, sem se admitir nenhuma complacência, podem-se entender melhor as imprecisões e as posturas não filosóficas e relativamente pouco reflexivas das pessoas que constituíram o pensamento do design moderno. Tais características, de resto, não devem ser, em nenhuma hipótese, interpretadas como deficiências, até mesmo porque, em muitos casos, havia plena consciência do que se estava fazendo como na adopção de um pensamento neo-positivista na HfG-Ulm em determinados períodos. Além disso, seria extremamente pretensioso e deselegante achar que esses personagens da história do design moderno foram apenas incipientes ou ignorantes em alguns aspectos. Se o foram, isso significou uma opção e, como tal, um posicionamento político a ser criticado e não simplesmente um desvio congénito de carácter dos portadores históricos das ideias do design moderno como às vezes se quer.

R. : Enquanto historiador do design (o seu livro “Notas para uma história do design” vai agora ser reeditado) tem essa consciência de que produz interpretações políticas do design?

P. L. S. : O livro vai mesmo para sua quarta edição, pela editora 2AB, o que me deixa muito satisfeito. E para essa edição pedi para fazer algumas actualizações nas quais estou trabalhando. Sua expressão é correcta: um livro como esse produz interpretações políticas do design e eu não saberia pensar o design de outra forma, assim como talvez não saiba pensar nada que não seja sob uma óptica política. Questão de formação e de origem, pois minha própria família é constituída essencialmente por políticos. Felizmente eu me afastei da prática política, porém é impossível tira-la de dentro de mim. A esse respeito lembro-me de um trecho de Merleau-Ponty dizendo que ainda que em filosofia o caminho seja difícil, temos a certeza de que cada passo torna, por si mesmo, outros possíveis. Em política temos a dolorosa impressão de uma travessia de obstáculos que temos sempre de recomeçar de novo. Essa ideia vem do fato de ter percebido logo após a releitura do livro, para uma eventual actualização, uma razoável quantidade de imprecisões ou equívocos de previsão. É mais uma vez a questão de uma história feita no momento actual. Mas é preciso ter alguma decência nesses casos. Em primeiro lugar reexaminar a obra, fazer dela um balanço e verificar se tais equívocos ou imprecisões são em tão grande número. Francamente não acho que assim seja. Logo, mais importante não é corrigi-las, mas discuti-las, traze-las novamente à vida. Assim seria mais fiel, embora não me agradem as questões de fidelidade, à natureza mais política do que histórica do meu trabalho. Na verdade não sou historiador de formação e acho que grande parte das pessoas que vêm trabalhando essas questões na área do design também não o são. O próprio título adoptado no livro foi uma exigência minha. São Notas. Nunca quis chamá-lo de história ou pequena história, fosse que nome fosse que pudesse dar a ideia de que eu pretendesse me situar como historiador que não sou. Dessa forma fiquei sempre mais à vontade para desenvolver um curso que eu acho muito mais próximo a uma crítica do design. Talvez, ainda que não aprecie as fidelidades, eu estivesse assim sendo mais próximo ao racionalismo crítico de Karl Popper acima referido. Creio que todos os que escrevem história ou crítica ou tentam uma aproximação filosófica do design, têm essa consciência de que produzem interpretações políticas da profissão. No entanto eu acho importante salientar que sendo uma profissão bastante aberta, o design permite que interpretações personalistas sejam também tomadas como formadoras de conceitos políticos. Sendo impossível um tipo de qualificação de textos ou de ideias, o que em última instância significaria um tipo de censura totalitária, acredito que seria importante o desenvolvimento de espaços críticos, historicamente fundamentados, que permitissem uma permanente avaliação da natureza política das ideias expressas pelos designers. Eventualmente isso evitaria a repetição monótona e sem graça de argumentos já passados como aqueles formulados há mais de 50 anos por Raymond Loewy que afirmou um dia que “o feio não vende” enquanto alguns designers actuais afirmam que “design bom é aquele que vende”. Nada contra as ideias. Podem e devem ser discutidas. Mas reduzindo um pouco o conteúdo da citação de Merleau-Ponty, talvez não precisássemos reinventar a roda a cada dia e repetir frases e ideias que já foram ditas no passado.

R. : O Design Moderno foi fortemente combatido pelas chamadas “vanguardas radicais” (Archizzom, Superstudio, Archigram) dos anos de 1970. No entanto, a viragem parece se verificar na década de 1980. É neste período que John Thackara edita o conhecido “Design After Modernism”. Em que medida é possível falar na superação do Design Moderno e que diferenças apresenta esse Design “pós-moderno”?

Walking City, projecto dos Archigram.


P. L. S. : A contestação das vanguardas radicais centrou-se de facto no que elas interpretaram como desvios do design moderno. Se examinarmos o que ocorria dentro do próprio âmbito ideológico do design moderno podemos perceber que grande parte dessas contestações já estavam lá presentes. A década de 1970 é um tempo de constatação de que grande parte das mitologias estabelecidas em torno do industrialismo e, consequentemente, do design moderno, estavam questionadas por fatos: não havia melhor distribuição de riquezas, as cidades não tinham melhorado em nada, serviços públicos e outras áreas ligadas à interferência do estado não tinham correspondido a nenhuma expectativa optimista. A reacção inicial foi uma crítica social radical culpando as acções públicas pela ineficiência observada e pela frustração de um empenho político que vinha se desenvolvendo desde o término da Segunda Guerra Mundial e principalmente depois de 1950. O questionamento não ocorreu apenas na área do design. Na política foi em 1956 que surgiram as grandes contestações internas da Internacional Comunista, através do 20º Congresso, aonde Palmiro Togliatti, dentro da tradição crítica característica do Partido Comunista Italiano, disse que as coisas ruins não poderiam ser simplesmente atribuídas a Estalin, inocentando-se toda uma estrutura de pensamento e poder que tinha, afinal de contas, permitido que o estalinismo chegasse aonde chegou. Nessa ocasião Togliatti disse que se fosse desenvolvida uma análise rigorosa as questões a serem revistas remontariam ao próprio Lenine e às ordens de fuzilamento dos marinheiros de Cronstadt, os portadores físicos e históricos da revolução de Outubro, acusados então de traição e adesão à burguesia pela plutocracia bolchevique. A década de 1970 foi de revisão. Mas foi também um tempo de ruptura que teve até um sentido ortodoxo, de recuperação daquilo que havia sido deixado de lado ou, até mesmo, rejeitado e censurado pelo índex esquerdofrênico tanto na política como no design. Essa ruptura não foi feita ainda em nome de uma liberdade de consciência ou de uma liberdade crítica, mas porque a situação com a qual se rompia havia conduzido tudo a um cenário delicado no qual o próprio proletariado encontrava-se numa situação de revolta, da crítica através das armas (Hungria e Checoslováquia logo depois) e, com isso tirara qualquer sentido de seus sindicatos, de sua economia e qualquer verdade interna, incluindo-se ai a ciência e a arte. Mas ainda se rompeu com tudo isso como um marxista, tentando assim, outra vez, uma projecção para adiante, a salvação no futuro. Nas questões de industria e design surgiram incontáveis sintomas de desequilíbrio que iam desde problemas menores como o enfrentamento entre formalismos distintos até o surgimento de evidências preocupantes de que uma industrialização a qualquer preço já havia causado danos irreparáveis no meio ambiente. Tanto em política como no design, pensou-se ser possível a hipótese de uma recondução a um caminho original. Mas a dificuldade maior já era estabelecer que caminho era esse afinal e onde e quando ocorrera o desvio. Tanto os teóricos da esquerda como os designers funcionalistas, eles têm muito em comum, imaginaram permanecer uns marxistas e outros funcionalistas, mas sob a condição de que tanto seu marxismo como seu funcionalismo não se identificasse mais com qualquer tipo de aparelho ideológico ou instituição de projecto. Passaram a lidar com uma concepção da história e não mais com o movimento histórico no ato. Em palavras simples, passaram a fazer filosofia uns e teoria outros. Todos esses movimentos políticos e na área do design, que praticaram essa ruptura em momentos de raiva ou desespero, anteciparam a elevação de Marx e do design moderno à categoria de clássicos, ou seja, algo que se constata ser impossível seguir ao pé da letra, mas que se guarda para as ocasiões difíceis.
Já os fatos ocorridos na década de 1980 são de outra natureza e surgiram, de certa forma, em consequência dessa ruptura anterior. O design pós-moderno não trouxe em si nenhuma ruptura até mesmo porque grande parte de seu repertório formal era fortemente regressivo. Trouxe alguns aspectos curiosos que incluíram a retomada de ideias deixadas de lado no período mais crítico da industrialização a qualquer preço. Mas o pós-moderno tinha problemas congénitos graves na medida em que surgiu mais em função de um vácuo criado pela cisão ou ruptura operada na década de 1970. Em termos objectivos, o pós-moderno não tinha nenhum carácter e sua curta existência tornou isso óbvio e sua própria formulação inicial já o antecipava quando foi chamado por alguns de seus protagonistas principais como uma movimentação de vanguarda que duraria cerca de dez anos. Não chegou a isso sequer e, provavelmente, foi a primeira proposta de vanguarda com data de validade estabelecida, o que contraria a essência da própria ideia. A questão do pós-moderno em design não teve nenhuma importância se compararmos com o que ocorreu na arquitectura ou em outras áreas de conhecimento e expressão. Sua representatividade visual caracterizou-se sempre pelo emprego de uma tecnologia de baixa complexidade e por um repertório formal recuperado do passado no qual, eventualmente, encontravam-se algumas contribuições a uma liberdade formal e de expressão mais divertidas. Talvez a contribuição maior do pós-modernismo no design tenha ocorrido no território do humor. Mas a indústria prescindiu de qualquer aporte pós-modernista e seguiu seu rumo, utilizando formas variadas, livre inclusive para perpetrar barbaridades nesse território diante da falsa permissividade propiciada pela vanguarda temporária. A valorização desses aspectos para o design teve suas consequências, entre elas seu relativo afastamento de questões tecnológicas avançadas e a valorização do mercado como referência de projecto, uma noção vaga e imprecisa que permitiu também a qualquer mentalidade apenas mediana proclamar-se criador. A superação do design moderno deu-se muito antes do surgimento do pós-moderno e mais em função do não cumprimento das grandes esperanças de esquerda depositadas no sentido de ser moderno. Assim como diversas outras manifestações desse período histórico, o design inclui-se na grande “verdade falhada” do movimento moderno.

R. : No contexto da história do Design Moderno, o Século XIX correspondeu ao início de um combate ao ornamento. O Design Contemporâneo parece regressar ao ornamento e a uma lógica de produção “craft” (muito em voga no Brasil e exportada por exemplo pelos Campana). Qual lhe parece ser o melhor dialogo entre ornamento e design?

P. L. S. : Dentro de minha concepção pessoal de design não vejo exactamente a possibilidade de diálogo entre ele e o ornamento. Isso não significa uma adesão reaccionária às teses quase racistas de Adolf Loos, tão grande arquitecto quanto pensador confuso. Ornamentos não são crimes e nem resultam de comportamentos característicos de povos desclassificados como queria o arquitecto austríaco. A meu ver no final do século XIX e no início do século passado já surgia um excepcional trabalho que não estabeleceu exactamente um diálogo entre design e ornamento, mas que definiu um território aonde as questões formais e de gosto eram colocadas em seu devido lugar pelo design. Refiro-me a Wienner Werkstätte, principalmente ao trabalho de Joseph Hoffmann, qualificado uma vez por Loos como “uma vergonha para a Áustria”. No manifesto inicial da Wienner Werkstätte, Hoffmann colocou claramente que seus produtos incluíam desde pequenos objectos de consumo, passavam pela moda e chegavam até a produtos industriais. Ao final desse manifesto, e todos na época achavam necessário escreve-los, se lê: “Os burgueses de hoje, assim como os operários, devem possuir a justa consciência de seus próprios valores e não devem procurar a emulação de outra classe, cuja missão histórica e cultural já foi cumprida e que conserva seu justo direito de recordar um esplêndido passado artístico. A nossa burguesia está actualmente longe de cumprir sua própria missão artística. Agora toca-lhe a tarefa de levar a cabo essa missão... Que seja enfim salientado que somos conscientes do fato de que, em determinadas circunstâncias, pode-se produzir, através das máquinas, produtos em série a preços acessíveis e que os mesmos revelem claramente o carácter de sua própria fabricação.... Empregaremos todos os nossos esforços para atingir tais objectivos, mas só poderemos ir adiante com a ajuda de nossos amigos. Não podemos nos permitir fantasias. Temos os pés bem plantados na terra e esperamos pelas suas encomendas”.

Hoffmann não foi um teórico do design e a história oficial preferiu reservar-lhe um lugar secundário. Renato De Fusco, historiador italiano, conferiu-lhe um lugar adequado ao salientar seu posicionamento profissional como sua referência maior. Nunca foi um homem de princípios como Loos. Não criou frases grandiloquentes que lhe garantissem um cómodo lugar de destaque numa história que prefere o mito aos fatos e a bravata à razão. Fez design. Um design de qualidade, compatível com o que considerava seu público, sem a necessidade de concessões na medida em que, ao contrário de emular gostos passados, procurava a formação de um novo gosto. Parece-me que esse seria o território adequado a um equilíbrio entre o design, visto como solução adequada a uma demanda funcional, e uma expressão formal no qual o uso dessa expressão deixa de ter um sentido de ornamento e passa a ser elemento constitutivo de um gosto. Evidentemente essas são considerações relativas a produtos de consumo mais convencionais. Considero totalmente desnecessário salientar que produtos técnicos, por exemplo os produtos voltados para a área de saúde, prescindem totalmente de qualquer tipo de ornamento. Ressaltaria ainda um fenómeno relativamente recente naquilo que Tomas Maldonado chamou de “mercadoria rainha” do capitalismo, o automóvel, até há alguns anos atrás considerado o grande território do styling. Hoje quase todos os carros são muito parecidos, diferenciando-se mais por aspectos de segurança, consumo e preservação do meio ambiente, ao invés apresentarem apenas carroçarias diferenciadas através de ornamentos. Afinal, depois de tantos anos, assiste-se a uma curiosa invasão do design moderno na última e grande fortaleza do velho styling.
Quanto a um retorno a um tipo de produção “craft” ou artesanal, acho que esse tipo de trabalho nunca deixou e nunca deixará de existir e terá maior ou menor demanda dependendo até mesmo do público a que se destina. Você cita os irmãos Campana e eu concordo com você em certos aspectos. Mas na verdade eles trabalham um universo muito especial, quase uma reserva de mercado, quando estabelecem formas muito elementares e tecnologias de pouquíssima complexidade como elementos básicos de expressão. Não considero que eles estejam na área do ornamento em design. Definiram uma linguagem formal própria, não industrial , de acordo com algumas directrizes do mercado burguês contemporâneo e trabalham muito bem esse seu espaço. Mas não os vejo também dentro de um conceito “craft”. Não existe em seu trabalho um perfeccionismo típico de uma marcenaria inglesa por exemplo. Não há também uma referência maior com técnicas artesanais nacionais. Diria que seu formalismo corresponde, de certa forma, ao que um europeu espera ver de um designer brasileiro, do trópico: algo que ele mesmo tem pouca coragem ou oportunidade de realizar, alguma coisa que lembre um certo descompromisso com a indústria e a sua própria razão impositiva.
Há por outro lado um fenómeno interessante a respeito do design brasileiro, menos conhecido pelas revistas de actualidades e dos programas vazios da TV a cabo sobre design. Criou-se, nos últimos anos, um tipo de negócio que um conhecido meu, arquitecto e negociante de antiguidades, chama de “modernariato”. As mercadorias em questão são os móveis brasileiros das décadas de 1950/60, período em que surgiram diversos arquitectos e designers projectando e fabricando móveis domésticos de boa qualidade e com excelente matéria prima, madeiras nobres hoje, supostamente, preservadas. Esses móveis alcançam, nos Estados Unidos, preços absolutamente inacreditáveis e são considerados como o autêntico design brasileiro. Como se vê, essa noção do que seja um design brasileiro, fora do próprio país, depende exclusivamente do que interessa a cada espaço comercial que se abra. Além disso considero que em países como o Brasil e o próprio Estados Unidos, nos quais a imigração exerceu e ainda exerce um papel importante, torna-se difícil definir o que seja um carácter nacional. É um empenho tão difícil quanto desnecessário em países que têm características multi-raciais e multi-culturais. Tanto aqui como lá, cada vez que ouço alguém clamar pelas raízes nacionais e dá a esse conceito uma dimensão limitada a alguma coisa que interpreta como fazeres limitados a tecnologias de baixa complexidade, percebo uma postura de uma velha elite saudosa de tempos mais amenos, menos industrializados, algum encantamento com fazeres populares e artesanais. Mas essa mesma elite usufrui, como ninguém, de todos os benefícios trazidos pela modernidade e pela industrialização à qual se associou e apenas transforma os antigos fazeres em peças de contemplação e em modelos estéticos que a remete a um passado do qual tem nostalgia política acima de tudo. O progresso e suas teorias da industrialização a qualquer custo, além dos problemas ambientais, conduziram também a marginalizações de muitas coisas importantes do ponto de vista cultural. Escolher, dentre essas marginalizações, uma ou outra forma de expressão ou de organização e nomeá-las raízes é apenas uma questão de preferência que indicará o que se quer privilegiar como tal e o que se quer manter marginalizado. Um país constituído por imigrantes sempre terá de lidar com esses problemas. Alguns imigrantes serão mais antigos do que outros, o que não lhes confere, de modo algum, um privilégio radical.

R. : O conceito do Walter Gropius de “total design” (conceito, aliás, eminentemente político) surge-nos hoje reenquadrado à luz do digital e das biotecnologias. O Design contemporâneo parece deixar de projectar “para” a realidade e passar a projectar “a” realidade. Como observa o papel do design na construção de uma realidade digital, virtual e sintética?

"Alba", coelho trangénico "criado" por Eduardo Kac (2000).


P. L. S. : De todas as questões que você propõe essa é a mais complexa. Exige prospecção e isso pode significar assumir um inequívoco compromisso com o equívoco. Por isso é melhor permanecer no território da cautela e, como diz um ditado popular, “tomar a sopa pelas beiradas”, deixando-a esfriar um pouco. De todo modo é importante assinalar que a tecnologia de hoje é totalmente diferente daquela na qual a minha geração foi formada, que era apoiada essencialmente na mecânica e na química. Juntaria às suas descrições, digital e biotecnologias, a noção de nanotecnologia. Recentemente assisti a uma conferência de um pensador francês, Jean Pierre Dupuys, que analisou as questões dessas novas tecnologias e suas consequências do ponto de vista filosófico. Curiosamente, ao final percebeu-se que os territórios e as conceituações das diversas áreas de conhecimento contemporâneo, são cada vez mais diferenciados e, ao mesmo tempo, cada vez mais interligados. Muitos querem ver nesse fenómeno uma decadência de pensamentos antes considerados como autónomos e auto-suficientes. Fala-se então numa decadência da filosofia, do design, numa confusão de conceitos, indefinições e permissividades que, ao meu ver, são apenas expressões de conservadorismo, quando não de reaccionarismo explícito e corporativismo vulgar. Trata-se de uma atitude baseada no senso comum, elevado à categoria de bom senso, ocasião em que, normalmente, tudo se encaminha para um fechamento mental. Nunca a filosofia foi tão presente como hoje em diversas outras áreas, como a literatura e a poesia, por exemplo. Nunca o design moderno, em sua formulação formal original, esteve tão presente como nos produtos de telecomunicações e informática, carros chefe dos produtos industriais que não se regem mais pelo velho conceito de projecto, mas pelo conceito de processo. Não adianta tentar circunscrever autoritariamente territórios de acção ou de reserva de mercado. E isso se deve em grande parte às características dessas novas tecnologias introduzidas no quotidiano a partir de 1982, com a comercialização dos primeiros microcomputadores.
Em 1950 Hanna Arendt chamava a atenção de todos para as crises, de todas as naturezas, advindas do avanço tecnológico burguês que tinha como objectivo maior sair da Terra. Pois bem, não há de fato nenhuma interrupção nessa proeza que, se a considerarmos isentamente, pode parecer até insana. Saiu-se da Terra e toda a nossa tecnologia actual baseia-se nessa aventura espacial. Aparentemente está-se mudando o foco da tecnologia e, ao invés do espaço interplanetário, o novo objectivo parece ser nosso espaço interior, ou seja, nossos genomas, nosso DNA, enfim o próprio homem ou a vida eterna. Essa é a tecnologia com a qual se lidará em muito pouco tempo. Mais que o digital e o analógico e outras questões semelhantes, esse me parece ser um lugar marcado para o desenvolvimento de toda uma nova etapa ou, como chama Maldonado, para a abertura de um novo corredor tecnológico. No entanto acho que até mesmo esse conceito de corredor tecnológico parece um tanto limitado para abranger esse panorama gerado pela nanobiotecnolgia.
Designers habituaram-se a ver sua função no mundo como projectar produtos o que, em sua essência, já não era tão verdadeiro. Se olharmos com calma a história do design vamos perceber que quem a fez preocupou-se mais em estabelecer a ordem do que realmente em projectar produtos. Essa foi, durante muito tempo, a vocação do design moderno: mais que formas, definir uma directriz para lidar com a desordem congénita do mundo. Assim analisado, muitos podem considerá-lo um fracasso. Porém, se comparado com muitas outras actividades de sua época, ele não faz assim tão má figura. A indústria selvagem depois da Segunda Guerra Mundial acabou apropriando-se de muitos de seus conceitos e, com isso, criou algumas referências bastante positivas. Mas essa noção de ordem trazida pelo design moderno não é mais suficiente para garantir-lhe um espaço no acelerado desenvolvimento tecnológico. Há muitos anos atrás um poeta como Octavio Paz já afirmava que o mundo se regeria muito mais pelas conjugações de conhecimentos do que pelas possibilidades de um saber total ou, como você coloca na pergunta, um “total design”. Não há mais a possibilidade que um único saber ou área de conhecimento sobreviva isoladamente e menos ainda que proclame como sua exclusividade um espaço de produção e trabalho, e menos ainda que se defina como coordenador de outras áreas. Tais critérios pertencem a outro tempo e a outro corredor tecnológico. Diante das perspectivas reais das tecnologias que surgem pode-se imaginar que o mundo dependerá menos de objectos tais como os conceituamos. Um monitor de computador poderá ser reduzido a uma película visual em muito pouco tempo. Películas sonoras já estão em desenvolvimento comercial. Talvez possamos imaginar que ao designer competirá um novo tipo de trabalho, que seria pensar um mundo sem tantos objectos como foi o mundo do século XX.

Saturday, January 19, 2008



1.



O concurso HELVETICA NOW promovido pela LinoType como forma de comemorar os 50 anos da fonte tipográfica Helvetica, teve um vencedor português. Alexandre Rola, designer gráfico, finalista do curso de design de comunicação da ESAD de Matosinhos, conquistou o segundo lugar com uma interessante visão do actual contexto do design - Hell vs Ethic(a)s. Destaque, ainda, para o 12º lugar de Maria João Vieira da Silva.


2.



Após fogo cerrado em Fallujah, o marine norte-americano James Miller acendeu um cigarro, Malboro. e deixou-o balançar entre os lábios. Um fotógrafo registou o momento, fazendo daquele rosto um símbolo da Guerra do Iraque. O documentário The Malboro Man pode, agora, ser visto em MediaStorm o excelente site dedicado ao fotojornalismo criado por Brian Storm.

3.



O interior das “mais distintas propriedades” pode-nos revelar boas e más surpresas mas, seguramente, haverá sempre lugar a um certo inesperado. A confirmar no curioso Interior Archive.

4.



The Feminists, uma pérola pulp, publicada no início dos anos 70, foi recentemente recordada no io9. Uma visão irónica dos EUA versão Hillary Clinton ou algo mais sério?

5.



O Blog We Make Money Not Art tem um novo layout mas os conteúdos continuam, como sempre, excelentes. Como se comprova nesta entrevista com Cat Mazza do colectivo microRevolt.

6.



Ingeborg Thomas, um estudante da Oslo School of Design & Architecture, desenvolveu “The Bubbles of Radio um dos projectos mais interessantes que vi nos últimos tempos. Trata-se de uma delirante visualização de cinco tecnologias contemporâneas: Bluetooth, Wifi, DMB, GSM, RFID e Zigbee.

7.

Seja sobre música ou meditação transcendental, David Lynch tem ideias fortes sobre as coisas, e o seu estilo consegue ser, simultaneamente, lúcido e alucinado, confirme-se nesta declaração sobre a ideia de ver cinema no iPhone.

O REINO DAS COINCIDÊNCIAS OU A ANGÚSTIA DA INFLUÊNCIA (PARTE II)



Como este "post" (que deve ser lido como uma adenda ao post anterior, partilhando pois da mesma dose de "non-sense") prova, o debate não pode ser reduzido a um confronto Rams/Ive, caso contrário, que dizer deste rádio portátil do início dos anos de 1950 designado, justamente, de iPod?

Wednesday, January 16, 2008




OS ÓCULOS DE LE CORBUSIER

OU

A ANGÚSTIA DA INFLUÊNCIA


O “exercício da influência” em Design é indissociável da sua própria história. A construção de uma doutrina funcionalista, que visava racionalizar a produção impondo como “alvo axiológico” o ideal da “gute Form”, resultou da acção solidária entre o ensino do design, a sua historiografia e alguma produção industrial, acção essa orientada pela imposição de um “programa” e pela legitimação da sua influência.

A existência dessa “linha de continuidade”, a assumpção da influência, tão relevante ao nível da teoria do design como da produção industrial ideologicamente orientada, permite-nos identificar as afinidades, ao nível das ideias, entre um texto de Peter Behrens, como o “Kunst und Technik” de 1910 e um texto de Dieter Rams, como “Omit the Unimportant” de 1984 e, seguramente, pelo meio, poderíamos incluir textos afins de Gropius ou, mesmo, de Max Bill, entre uma série de outros.

Num “post” de 21 de Novembro, intitulado “Maçã Castanha?”, demos conta da aparente influência formal que alguns objectos desenhados por Dieter Rams para a Braun exerceram (exercem?) sobre Jonathan Ive e os seus projectos para a Apple. O “exercício da influência” tornava-se, aqui, angústia da influência na medida em que o efeito de imitação não parecia resultar de uma partilha de valores e de uma mesma visão do design mas, antes, de uma resolução fácil da questão formal.

Se, com algum fundamento, se pode afirmar que o “estilo Braun” era, em grande medida um “estilo ULM” que, por sua vez, actualizava alguns princípios que, no limite, encontramos nas propostas de Beherens para a AEG, no “caso Apple” a questão era mais melindrosa porque, uma das mais valias da marca, o seu styling, podia afinal ter resultado de uma cópia.

Rádio Braun T3 e iPod Apple.

Coluna Braun LE1 e iMac Apple.


O caso “Apple vs. Braun”, voltou entretanto ao julgamento da blogosfera. Num, deliciosamente malicioso, “post” intitulado “Vem cá! Eu te conheço?”, Diego Werner, voltava à carga no Globo Online :

“Dizem que tanto Jonathan Ive quanto Steve Jobs são fãs do trabalho de Rams e do design alemão da época. A prática do "quanto menos, melhor" é bastante aplicada nos produtos da Apple, mas qual seria o limite entre a inspiração e o plágio?”

iPhone Apple e calculadora Braun ET66.


Depois de O Globo Online
, foi a vez do blog Gizmodo , num post, de resto, muito influênciado pelo de Diego Werner, “atirar a matar” sobre Jonathan Ive, deixando a nu a angustia da influência.

Chamado ao tribunal da bloggosfera, para testemunhar no caso “Apple vs. Braun” que opõe o designer Dieter Rams e o designer Jonathan Ive, o REACTOR manteve o depoimento prestado no dia 21 de Novembro, porém, surpreendeu, ao deixar a questão, imitação por imitação, os óculos do Dieter Rams não são uma cópia dos óculos do Le Corbusier?


Dieter Rams e os "seus" óculos.



Corbusier e os seus óculos.

Tuesday, January 15, 2008



O DESIGN PORTUGUÊS DIVULGADO PELO NEW YORK TIMES


Em relação ao design, como a tudo o resto (à excepção talvez do futebol), há uma clara diferença entre o modo como nos vemos e o modo como somos vistos pelos outros (sim, esses, os estrangeiros).

Também é verdade, que a opinião externa nos parece sempre muito mais importante, válida e legítima do que a nossa (o que, bem vistas as coisas, algum fundo de bom senso terá).

Vêm estas considerações a propósito da recente publicação de vários artigos sobre Portugal no New York Times e ao destaque por eles dado ao design português.

“OVERSHADOWED by larger, wealthier and more flashy European countries with world-renowned design specialties — Italian lighting, Scandinavian furniture, French fashion — Portugal has long hid on the Continent's margin both geographically and creatively. For years, the best-known cultural contributions from this small seafaring nation were those stewed up in cauldrons from humble materials like squid and cod.”

Assim começa o artigo sobre Lisboa (mais concretamente, o bairro de Santos), intitulado “On Waterfront, with style”, publicado pelo New York Times e que faz parte da referida série de artigos sobre Portugal que aí foram publicados ao longo de 2007.

No Público de ontem, Francisco Veloso analisa o conteúdo dos artigos do NYT e a imagem de Portugal que eles constroem:

“O que realmente surpreende no conteúdo dos artigos é o facto de a tónica dominante ser um Portugal que não esquece as suas tradições, mas também que aposta no moderno, criativo e mesmo na vanguarda.

O apontamento sobre o Porto menciona os locais históricos da cidade, mas dá destaque à Casa da Música e à Fundação Serralves como expoentes de um "taste for new" que impregna a cidade. O foco do texto sobre Cascais não é a praia, mas antes o Farol Design Hotel e a colecção de arte moderna da Fundação Ellipse. Quando reporta sobre Aveiro, a herança piscatória é usada como mote no artigo, mas o ênfase é a nova dinâmica criada pela Universidade e experiências como a bicicleta de utilização gratuita ou o Mercado Negro, mistura de centro cultural e lojas de vanguarda. O artigo de Novembro sobre Lisboa, com o sugestivo título: "On the Waterfront, With Style", ignora mesmo a dimensão histórica e apresenta antes vários exemplos que mostram como a zona de Santos representa o pináculo no emergir de Portugal como um dos destinos onde se pode encontrar a vanguarda do design.”

O artigo sobre Lisboa é particularmente interessante pois destaca a importância do Design na caracterização da zona de Santos (com referências ao projecto da Boavista da autoria de Norman Foster; à Santos da Casa; à Reverso, entre outras referências de entre as quais faltará apenas a justa alusão ao IADE):

"But that is changing, and no place embodies Portugal's emergence as a serious design destination better than the waterside Santos quarter of Lisbon. The splashiest evidence is the Boavista site, where Norman Foster is designing a futuristic tower and commercial complex that will be filled with “galleries, studios, showrooms, exhibitions, performances, cinema, auditorium, cafes, shops, bars and restaurants,” in the words of its press materials. The goal is to create a project that “promotes the worlds of design and the arts.”

O que há de mais interessante nesta caracterização é o facto de ela não reflectir, apenas, a existência de um comércio “trendy” capaz de por à venda objectos de design que encontramos, também, em boas lojas de Londres ou Nova York, mas destacar ainda a qualidade do design português (no artigo de Lisboa, são destacados, por exemplo, projectos de Ana Pimentel e de Luísa Peixoto, à venda na Santos da Casa).

Apetece dizer, ainda bem que o New York Times existe para que o design português possa ter a merecida e necessária promoção externa.

Saturday, January 12, 2008



PERMITIDO FUMAR!

Pensemos no famoso "Papier Job" criado em 1897 por Alphonse Mucha, nas publicidades de Robert Béreny para os cigarros Mondino e de J. C. Lyendecker para a Chesterfield na década de 1920 ou, ainda, no trabalho de Donald Brun para a Gauloises e de Tetsuo Miyahara para os cigarros Jazz St. Germain durante os anos 60, muitos foram os artistas gráficos e os designers que ajudaram a promover a venda do tabáco, inicialmente promovido como auxílio medicinal destinado a fins tão variados com a cura da bronquite ou o combate à obesidade.

Através das campanhas publicitárias a marcas de cigarros, podemos analisar uma encenação dos estereótipos vingentes nas diversas épocas, a publicidade permite, assim, figurar valores, preconceitos, lógicas de relações sociais mesmo que, com frequência, os subverta.

Ficam todos informados, neste "post" vai ser permitido fumar.












Friday, January 11, 2008




O DESIGN EM “POSIÇÃO DE RISCO”.


Em Maio de 1998, durante uma iniciativa FUSE celebrada em São Francisco, Neville Brody refreava os ânimos de uma plateia bastante seduzida com as novas possibilidades digitais, afirmando que os designers “estão tão obcecados com a Rede e as novas tecnologias que descuram muitas vezes a mensagem” salientando a importância do design “ir além do ‘como’ e reconsiderar o ‘quê’ e o ‘porquê’ ” que definem a própria disciplina.

Que a atenção da grande maioria dos designers recaía mais sobre a forma do que sobre o conteúdo da comunicação, ficava claro pela diferente reacção suscitada por dois artigos publicados na revista Eye no final da primeira metade dos anos 90. “The cult of ugly”, no qual Steven Heller se referia ao surgimento de uma nova estética “desalinhada” no design gráfico, suscitou um debate muito mais alargado e intenso do que o excelente artigo de Andrew Howard, “There is such a thing as society”, onde uma lúcida e pertinente reflexão sobre a função social do design era desenvolvida.

Parece certo que as várias crises – crise das instituições, crise de valores, crise do sujeito – que marcam o fim do século XX e vêm culminar no que Fernando Gil classificou de “crise geral do sentido”, reivindicaram ou conduziram à auto-revindicação de um design “autoral”, “mediador” e “activo” socialmente, com características, a muitos títulos, novas.

Este perfil do designer como “interventor político” se não é, em termos absolutos, original na história do design é, pelo menos, original face ao seu enquadramento actual: em nenhuma outra época, nos confrontámos com este estatuto do designer como agente político no interior de um enquadramento dominado por uma espécie de regime “metademocrático” e “metadoxo”, onde o espaço de construção e circulação das opiniões se alargou exponencialmente, até ao limite do espaço público ser partilhado, quase sem brechas, por duas potenciais formas de ditadura: a do marketing e a da doxa.

O que o melhor do, assim chamado, “design socialmente responsável” hoje faz é “alimentar a esperança”. Regressando a Fernando Gil: “Não há alternativa. Felizmente o desenvolvimento das ciências e das artes e uma consciência social e politica que pouco a pouco se elabora contra o pano de fundo da crise, permitem-nos sem voluntarismo nem wishful thinking alimentar a esperança de se chegar ao fim do túnel.”, o que significa que a incapacidade – pelo menos parcial – de encontrar soluções e o carácter idealista das propostas não lhes retira o mérito de serem capazes de gerar um discurso positivo e esperançoso.

Num texto recente, Steven Heller comentava a intervenção de Michael Wolff, cronista da Vanity Fair, numa sessão do Designism 2:0, dedicada aos projectos de design, individuais e colectivos, de apoio às comunidades rurais, às minorias políticas e ao combate aos estereótipos sociais . Instado a comentar o envolvimento social de vários designers – de Jane Kestin e a Dove Campaign for Real Beauty às iniciativas pacifistas de Milton Glaser no Darfur ou no Iraque – Wolff considerou-o “banal” e “pouco original”, afirmando que o design e os designers “were incapable of challenging issues or changing minds because their collective arsenal of alternative clichés, which hás not changed in decades, is the same as mainstream ones which they sought to subvert”. Wolff rematava a sua crítica, ao que lhe parecia ser um discurso dominado por clichés, com um cliché: “It easy to criticize”. Bem a propósito, a resposta de Steven Heller, publicada no Design Observer, intitulou-se “It’s easy to criticize...not”. A questão não se reduz, no entanto, a uma avaliação do grau de conforto ou desconforto ligado à participação critica do designer nos processos de cidadania; a questão central não está na facilidade ou dificuldade em criticar mas, antes, na qualidade da crítica. Parece-me redutor identificar “crítica social” com “envolvimento cívico”, da mesma forma que não é possível identificar “atitude crítica"”com “envolvimento em causas” que, muitas vezes, tende a ser claramente acrítico.

O que nem Wolff nem Heller parecem não compreender é que a preocupação de determinados designers com o “bem da humanidade” não seja nem um cliché, como pretendia Wolff, nem a expressão de uma atitude crítica, como pretendia Heller, mas antes uma orientação natural de ideias e projectos caracterizados por uma clara intenção pública. O que acontece é que estes projectos, políticos no sentido de terem a esfera pública como espaço de intervenção, foram perdendo a sua definição ideológica, passando a ser definidos pela pertença a uma ética tendencialmente universal (ou pelo menos largamente consensual) que podemos designar por metaideológica, na medida em que reúne consenso à esquerda e à direita (veja-se o exemplo de temas como a ecologia, a sustentabilidade, a exclusão).

Esta busca de uma ética universal, fundada na metamorfose actual das democracias, apresenta-se como uma alternativa para o discurso político. A desconfiança de Wolff, mesmo que colocada com alguma má fé, não deixa de ter a sua razão de ser: vivemos numa cultura em que as ideias e as acções têm de se comprometer com um certo moralismo para se tornarem credíveis; tudo o que se passa no mundo parece requerer um certo posicionamento para o qual contam os valores, valores que têm o mérito de recriar a ilusão da escolha política. Não tenhamos ilusões: os exemplos de “projectos políticos” em design são absolutos simulacros de uma autêntica intervenção política e os exemplos de “ética” aplicada em design são, muitas vezes, bons exemplos de utilização cosmética de valores que se tornaram lugares-comuns do nosso actual estado de metadoxia.

Devemos desconfiar, quando a comunidade de design pratica uma nova encantação colectiva clamando em uníssono: “É preciso uma ética!”. As armas da moral serviram sempre para criar a aparência da “boa intenção”, para traçar o caminho de uma consciência esclarecida. O poder da moral arrisca-se a ser tanto mais dissimulado quanto mais se oferece como perspectiva futura.

O contraditório entre Wolff e Heller, introduzia também, assim por vias travessas, a questão da crítica e do seu papel no design (questão a que voltaremos num outro “post”) mas, também, a questão crítica - a da responsabilidade do design – e a da relação critica com esses “fundamentos éticos”.

Tomo para mim, apropriando-me, as ideias de um interessante texto de António Pinto Ribeiro intitulado, justamente, “A responsabilidade dos artistas”. A responsabilidade dos designers sendo, pela sua amplitude e “qualidade”, matéria complexa é, também, algo de objectivo, matéria constitutiva da disciplina. Não sendo todos iguais, não constituindo (para o bem e para o mal) uma corporação, não havendo mesmo um perfil de designer, é da responsabilidade individual enunciar uma atitude, um manifesto ou uma estratégia, ou tão somente enunciar o que o diferencia ou identifica com outro ou outros designers. É possível que haja designers que consideram que a sua obra não representa ninguém, que não pretende ser um reflexo cultural, que não inova nem conserva (ainda que inevitavelmente o designer tenha de ser um “agente de vanguarda” ou um “agente de retaguarda” mas, em boa verdade, underground e mainstream são “posições” hoje cada vez mais confundidas), e até é possível que, para alguns, a designação “designer” possa ser fonte de conflitos. Enunciar seria seguramente esclarecedor, porque diferenciaria as expectativas que cada designer tem perante o design e perante o seu mundo. Claro que esta responsabilidade, não deixando de ser individual, coloca-se também como uma exigência colectiva ligada à fundamental definição de uma “agenda” de design, definição essa que tem de envolver os agentes colectivos (associações profissionais, centros, escolas, media).

Assuma-se como negociador, comunicador, vendedor, político ou mediador, nenhum designer se pode colocar “fora do mundo” – por mais que se escude no cliente, na encomenda ou se refugie no espaço, tendencialmente abstracto, do atelier – nem se pode colocar “fora do seu mundo”, isto é, não se pode eximir a um sistema de valores que envolvendo usuários, clientes, meios de comunicação, mercados, críticos, envolve também os designers, reivindicando deles um contributo no sentido de fazer o esclarecimento deste sistema, tornando-o legível, de modo a que fique claro o que este sistema pode e deve esperar do designer e o que ele não pode nem deve esperar do designer.

Criando, recriando, dialogando, interferindo, interpretando ou anunciando-se como designer, espera-se que esteja permanentemente em “risco” e a “arriscar” (recordo essa bela proposta de tradução portuguesa de “design” por “risco” sugerida por Nuno Portas). Não é concebível que o designer sistematicamente aguarde pelo cliente para projectar. É necessário que o designer seja capaz de alargar a própria noção de cliente e seja capaz de conceber o acto projectual para além de uma visão clientelista. É fundamental assumir que um bom trabalho de design precisa de boas condições de produção, pelas quais o designer deve lutar, mas é absolutamente demagógica a ideia de que excelentes condições de criação produzem automaticamente excelentes designers e excelentes projectos.

Num momento em que os designers vão construindo uma espécie de estado que garante uma certa segurança normativa, importa revalorizar o projecto crítico (o projecto como crítica), mesmo que tal implique a dissolução deste estado de segurança e recoloque o designer em “posição de risco”.

Tuesday, January 08, 2008





Se a contemporaneidade se parece caracterizar pela simultânea reterritorialização dos campos disciplinares, tornados crescentemente híbridos, e pelo esforço de definição territorial, pela afirmação de autonomias disciplinares a despeito de uma tendência marcadamente transdisciplinar, o design pode ser entendido como um campo paradigmático de reflexão contemporânea e de debate das próprias lógicas de interpretação contemporâneas.

A constituição do design como objecto de análise deu-se ainda antes da definição das competências daquele que o pratica, o designer. Deste modo, introduzido no quadro no pensamento Utilitarista do séc. XVIII, o design surge indissociável de um novo olhar político que ambiciona encontrar ferramentas de intervenção e ordenação do espaço social, impondo uma construção teórica antecipadora da prática que, como se sabe, sofreu desde as suas origens de uma aparente desadequação relativamente aos princípios programáticos que a deveriam orientar

A definição do que é e o de que não é design, sendo tarefa recorrente, não deixa de ser um exercício relativamente inconsequente na medida em que esta “impureza” é ínsita aos desenvolvimentos teóricos e projectuais que, progressivamente, vão definindo, na sua diversidade, práticas do design. De facto se, de Bentham a Morris e de Pevsner a Papanek, vamos encontrando esforços de regulação teórica do design, a verdade é que estes esforços de definição, independentemente do seu rigor, apenas conseguiram desenvolver “focagens” sobre um campo disciplinar que se não deixa reduzir à “pureza” de uma interpretação ou olhar parcial. Disciplina “impura”, o design, sempre faz arrastar, como sua sombra, uma ordem complexa - cultura e técnica, economia e política – que projectualmente se reordena, sob várias escalas e dentro de diferentes registos de intencionalidade.

Bem entendido, o design sempre foi “moderno”, independentemente de os analisarmos no contexto do proto-design oitocentista ou no contexto do neo-funcionalismo que sucede à segunda guerra mundial.

Essa “comunhão” de espíritos entre modernidade e design, explica o seu destino comum. “Moderno” tornou-se uma categoria histórica e tipológica, de modo semelhante, o “design” tornou-se uma categoria metodológica e tipológica, mas a tendência natural de ambos remete mais claramente para o tipológico do que para o uso historizado (com as inevitáveis remetências para um período “cristalizado” ou para a abstracção de um estilo ou movimento) ou mesmo do que para a prática processual (que, no limite, se tipologiza).

Este pendor tipologizante e universalizante (o design é fruto do triunfo da “cultura” sobre a “civilização” que se dá em oitocentos) presta-se à queda na contradição: uma categoria que se quer tipológica, que se quer aplicável a manifestações universais, tende a ser circunscrita em parâmetros históricos, já historizados, do “moderno” identificado com um período que (partindo filosoficamente do iluminismo) se desencadeia no final do século XIX e sucumbe (sem consenso) com o advento do chamado “pós-moderno”.

Modernism: Designing a New World 1914-1939, é o catálogo, editado por Christopher Wilk, da gigantesca exposição que o Victoria and Albert Museum de Londres acolheu entre Abril e Junho de 2006, e que nos mostra como algumas ideias, propostas e movimentos, que ocorrem na Europa e nos Estados Unidos num contexto marcado pela radical transformação dos meios produtivos e pela intensa renovação cultural ligada às vanguardas históricas, tendem a gerar uma “expressão colectiva dominante”, um “ismo” que, mesmo heterogéneo e, em muitos sentidos, contraditório, ambicionou ser um “ismo”, um “estilo internacional”, capaz de afectar a arte, a economia, a política.

Em design, “modernismo” começa por significar uma lógica intencional de ordenação, quer do novo quer do antigo, quer do individual quer do colectivo. O início do primeiro capítulo do livro – “Introduction: What was Modernism? – abre com uma citação exemplar de Walter Gropius, datada de 1919: “Today’s artist lives in an era of dissolution without guidance. He stands alone. The old forms are in ruins, the benumbed world is shaken up, the old human spirit is invalitaded and in flux towards a new form. We float in space and cannot perceive the new order.”.

A esta explicação da “nova ordem”, dedicaram-se Walter Gropius, Sigfried Giedion ou Nikolaus Pevsner, teorizando o design e reescrevendo a sua história, de resto, simbolicamente, a escolha do período cronológico da exposição (1914-1939) remete-nos para a leitura de Pevsner segundo o qual o movimento da Arquitectura Moderna se inicia em 1914, interpretação que não deixa de ser duvidosa se pensarmos nos projectos de António Sant’Elia ou de Gropius anteriores à primeira guerra mundial.

O grande mérito de “Designing a new world” – obra impecável do ponto de vista da qualidade gráfica – é o de conseguir um indiscutível equilíbrio entre a “exposição”, amplamente documentada, e a discussão (excelentes e claras sínteses de Christopher Wilk; Christina Lodder; Christopher Green; Tag Gronberg; Tim Benton e Ian Christie) sobre o Modernismo, no que consegue ser um bom retrato crítico sobre um período fundamental da história cultural mundial.

MODERNISM: DESIGNING A NEW WORLD 1914-1939
ED. CHRISTOPHER WILK
V&A, LONDON, 2006
447 pp.

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REACTOR é um blogue sobre cultura do design de José Bártolo (CV). Facebook. e-mail: reactor.blog@gmail.com