Wednesday, April 29, 2009
Um dos períodos da história do design português que mais me fascina situa-se entre 1970 e 1974. Da imensa e magnífica produção de design, em particular ao nível do mobiliário e do design gráfico, desse período os melhores documentos de que dispomos para a conhecer encontram-se nos dois catálogos – o catálogo da I Exposição de Design Português (1971) e o da II Exposição de Design Português (1973) – publicados pelo INII – Instituto Nacional de Investigação Industrial.
Durante esse período a produção de um conjunto vasto de designers como João da Câmara Leme, Luís Duran, Sebastião Rodrigues, Carlos Rocha, Sena da Silva, Moura-George, Daciano Costa, Armando Melo entre outros, contribuiu para uma renovação do design português, do seu mercado e dos seus públicos. Vejam-se, a título de exemplo, os "genéricos" de programas televisivos feitos por designers para a RTP durante esse período.
Entre vários exemplos, recordo-me de um fantástico desdobrável lúdico, intitulado “Brincadeira” desenhado por Armando Melo, a extraordinária linguagem gráfica desenvolvida por Moura-George para os Laboratório Fidelis, as capas de livros de Sebastião Rodrigues e Câmara Leme, a evolução tipográfica bem expressa nos logótipos desse período desenhados por João Constantino, José Manuel Rego ou Cristina Reis; a notável renovação do design de embalagem graças ao contributo de Carlos Rocha, Carolina Cotrim ou António Garcia.
De certa forma a obra de António Garcia retrata, no seu melhor, um período da história do design português marcado por um interessante depuramento da linguagem moderna, experimentação e ecletismo. Garcia, à semelhança de muitos outros designers da sua geração (casos de Sena da Silva ou Daciano com os quais trabalhou) desenvolveu uma obra diversificada onde se encontram projectos gráficos, mobiliário, arquitectura e interiores.
À obra de António Garcia, a DDLX dedicou no espaço do ateliêr uma exposição intitulada O Tempo das Imagens que tendo sido, em termos de exposições de design, um dos acontecimentos desse ano passou injustamente despercebida.
António Garcia, nasceu em Lisboa em 1925. Em meados da década de 1940 começa a colaborar com Sena da Silva, colaboração que se prolonga até ao final da década de 50. Durante as décadas de 1950 e 1970 desenvolve uma prolífera produção gráfica, entre design editorial e capas de livros - as suas capas para a Ulisseia surgem regularmente entre 1952 e 1970 - selos, cartazes e packaging – SG Ventil (1964), Sintra (1965), SG Gigante (1966), SG Filtro (1968); Ritz (1970); Plaza International (1974). Durante esse período desenhou igualmente um conjunto vasto de projectos de identidade para a Ecomar, Strol, Sorefame ou Crédito Predial Português.
O nome de António Garcia é também indissociável do mobiliário português nesse período. Entre a cadeira Gazela (1955) e cadeira Relax (1971) foram inúmeros os projectos de equipamento, interiores e arquitectura efémera criados por Garcia, com destaque para a cadeira Osaka’70 desenhada para o pavilhão português da Expo Osaka em 1970.
Esperemos que a exposição sobre os anos 70 em Portugal, que se anuncia para breve na Fundação Calouste Gulbenkian, possa contribuir para colmatar a invisibilidade a que o notável design português desse período tem estado votado.
Saturday, April 25, 2009
É difícil imaginar o que poderia ser a história da arte e do design em Portugal se, até Abril de 1974, o país não tivesse estado debaixo do mais longo regime fascista da Europa. O isolamento a que se condenou e a, consequente, marginalização cultural a que foi votado Portugal por diversos países europeus e organizações internacionais durante o regime de Salazar impôs barreiras que tornaram praticamente impossível - para além de um cenário que não envolvesse uma encomenda do regime ou uma fuga, condenada ao cárcere ou ao exílio – uma maior presença, diálogo e reconhecimento internacional da criação cultural portuguesa.
Quando no dia 25 de Abril o Movimento das Forças Armadas desencadeia uma acção da qual resulta a queda do regime de Marcelo Caetano e o desmantelar das principais estruturas em que assentava o regime totalitário, rasga-se um novo horizonte de criação e intervenção – em grande medida catalisado pela própria poética da revolução – indelevelmente marcado pelas Campanhas de Dinamização Cultural do MFA e pelo modo como a elas aderem um conjunto notável de criadores – Vieira da Silva, João Abel Manta, Vespeira, Gentil-Homem, Justino Alves e tantos outros.
O design gráfico do pós-25 de Abril é indissociável de suportes pobres e democráticos: o cartaz, o mural. Há cerca de um ano, tive o privilégio de ser convidado pelo CEMES para trabalhar o espólio de cartazes de Ernesto de Sousa. Os cartazes políticos portugueses da década do pós 25 de Abril aguardam ainda um estudo aprofundado. Mesmo face à ausência desse estudo, começam agora a ter uma maior visibilidade pública aproveitando a preservação feita quer em colecções particulares (Ernesto de Sousa, José manuel lopes Cordeiro), quer por associações, nomeadamente a Associação 25 de Abril .
No passado dia 18 a ZDB inaugurou a mostra À Esquerda da Esquerda , que apresenta cartazes do CEMES, do Centro de Estudos Operários e da colecção de José Manuel Lopes Cordeiro. Integrado neste evento, foi ontem lançado o livro de José Gualberto Freitas A Guerra dos Cartazes que hoje pode ser adquirido com o jornal Público.
Já ontem, a RTP Memória exibiu o programa TVSete transmitido em directo no dia 28 de Abril de 1974. O que ali mais se destaca é a espantosa coreografia da liberdade – que perpassa os gestos, os rostos, as vozes; que se manifesta na ausência de mise en scène, na absoluta informalidade com que se está no estúdio (pessoas que passam em frente à câmara, que acendem um cigarro, que se sentam em cima da mesa, que se abraçam). A certa altura, Baptista Bastos faz um intervenção para dizer que “até ontem” nunca havia escrito em liberdade, que por isso não sabia escrever em liberdade e concluía assim: “peço aos leitores que me ensinem a escrever”. Essa espantosa experiência de liberdade – essa profunda revolução – que se traduz num aprender, em conjunto, os gestos essenciais, nós que nascemos depois de Abril não a tivemos. E no entanto, Abril impele-nos a descobri-la: torna urgente essa descoberta.
Nota: Uma breve selecção de cartazes políticos de Abril pode ser vista no Ensaio.
Friday, April 24, 2009
De uma das cidades mais assustadoras dos Estados Unidos, têm chegado desde 2005 algumas das músicas mais sedutoras que tenho ouvido ultimamente, os seus autores são os Beach House de Victoria Legrand e Alex Scally. O primeiro disco Beach House era muito bom, o mais recente Devotion talvez seja ainda melhor.
Os elementos gráficos, capa incluída, são todos desenhados por eles, sobressaindo essa estética DIY que, tal como a música, torna a pouca produção num elemento de certa autenticidade que, no conjunto, tende a “cair bem”.
No último domingo, enquanto viajava de Lisboa para o Porto, passei as duas horas a ouvir Beach House e Devotion. Não os voltei a ouvir até há uma hora atrás. Quando terminou “Heart of Chambers”, já em silêncio, decidi escrever este post que funciona como uma espécie de transição para o que se segue, a escrita de um texto sobre design gráfico e o 25 de Abril que amanhã se renova.
Thursday, April 23, 2009
SOMETIMES I WONDER
por John Getz
Um dos melhores exemplos das possibilidades de transformação política geradas pelos blogues é, na minha opinião, o The Huffington Post. A sua editora, Arianna Huffington, para além de aí manifestar ser um das mais pertinentes analistas políticos da actualidade, tem influenciado, positivamente, o modo como os media tratam a informação política. A razão da qualidade deste “internet newspaper” reside no modo como duas preocupações são articuladas: de um lado a existência de uma “linha” editorial forte, objectiva, parcial e crítica, apoiada no cruzamento – por vezes contraditório – de fontes e análises; de outro lado a existência de uma abertura ao co-design, à construção participativa quer da “notícia” quer da sua possível interpretação.
Um bom exemplo, é o projecto Off the Bus, descrito por Arianna Huffington como “a citizen journalism Project”, que revela a necessária capacidade dos jornalistas se integrarem nos, assim chamados, “novos ciclos emergentes”, tal como a recente campanha presidencial bem demonstrou.
Para concluir, devo acrescentar que os recentes livros de Arianna Huffington, como Fanatics and Fools ou Pigs at the Trough, apresentam-nos o que de mais acutilante e lúcido reflecte um actual certo estado da sociedade americana.
Tuesday, April 21, 2009
CONDIÇÃO CONTEMPORÂNEA
Ressalta, na actualidade, tal como tem sido sublinhado por autores como Ulrich Beck ou Terry Smith, uma “condição da contemporaneidade”.
Reportando-nos ao contexto do design podemos falar numa condição contemporânea no design, condição essa que confere ao presente características particulares que produzem efeitos disseminados: da dimensão ideológica e pós-ideológica da política global à dimensão particular de cada existência individual.
Deste modo, termos como “modernidade” e “pós-modernidade” parecem inadequados para descrever esta situação, se não por outras, pela imediata razão que ela se constituí mediante uma permanente fricção antagónica, como lhe chama Terry Smith , que resiste, simultaneamente a qualquer particularização e a toda a universalização.
No interior desta contemporaneidade, pelo menos três forças, que não cessam de se modificar reciprocamente, estão conflagradas:
1. A pressão hegemónica da globalização, face a uma crescente onda de diferenciação cultural/ a pressão hegemónica da globalização pelo controlo do tempo, diante da proliferação de temporalidades assíncronas;
2. A intensificação da desigualdade entre nações, regiões, povos, classes e indivíduos, desigualdade que ameaça horizontes de emancipação;
3. A difícil (e por vezes conflituosa) coexistência de comunidades de conhecimentos especializados mas sem acesso umas às outras, reflectindo uma situação na qual a acção e a comunicação são potencialmente espontâneas e, no entanto, necessitam de ser mediadas.
Perante a emergência do que Ulrich Beck chama de “regimes políticos transnacionais” vamos assistindo a um crescente envolvimento do design em redes de acção transnacional mobilizadas por lógicas de política directa que visam gerar transformações sociais, já não como forças de contra-poder de combatem a partir de fora as instituições, mas agora operando no interior das próprias instituições. A ideia vai sendo afirmada mas não é demais sublinhar: a dimensão política do design está a mudar.
Wednesday, April 15, 2009
Para começar, falemos de design participativo. Esta é a ideia comum ao Seminário Caso de Estudo: Saal e Práticas Participativas que terá lugar no próximo fim de semana integrado na excelente programação dos Estados Gerais; ao meu mais recente artigo a ser publicado na Arte Capital intitulado O Designer Como Produtor para ler na Arte Capital e comentar no Ensaio.
Esta abertura à participação revela-se igualmente na proliferação dos wikis e dos unbooks, sobre estes o Design Dialogues publica um interessante artigo.
No dia em que o Manchester vem a Portugal eu estou a pensar ir a Manchester, o motivo é a exposição Black Panther Emory Douglas & The Art of Revolution
.
Já todos nos tinhamos apercebido há cada vez mais (e melhores) blogues sobre tipografia. A Eye Magazine publica a lista dos 10 melhores.
Abril marca o fim do Speak Up. Criado em Agosto de 2002 por Armin Vit foi nos últimos anos, a par do Design Observer criado cerca de um ano depois do Speak Up, o blogue de referência para quem queria acompanhar uma visão crítica sobre o design. Vamos sentir a falta!
Monday, April 13, 2009
Soube, oficiosamente, no final de Março e, no passado dia 08, através da Newsletter # 6 da ExperimentaDesign a notícia tornou-se oficial: Ian Anderson passa a integrar a Direcção Artística da ExperimentaDesign.
Acerca das funções a desempenhar restam algumas dúvidas. Se lá fora se noticiou que Ian Anderson passaria a ser o novo Director Artístico da Bienal, ocupando o cargo desempenhado por João Paulo Feliciano na anterior edição, já a Newsletter da ExperimentaDesign fala de “Direcção Criativa da comunicação” da Bienal, o que corresponderia a um cargo novo, desempenhando funções anteriormente entregues a uma pequena equipa (Rute Paredes; André Cruz; Nuno Luz; Marco Reixa...).
A escolha do designer britânico dificilmente pode ser contestada. Ian Anderson é indiscutivelmente competente para as funções que podemos supor irá desempenhar e tem, a seu favor, o conhecimento da realidade da ExperimentaDesign ganho nas colaborações com as edições anteriores. Não me atrevo sequer a sugerir que a escolha pudesse ter recaído num nome português; a ExperimentaDesign é um evento de projecção internacional, que começou por acontecer em Lisboa e que, agora, acontece, alternadamente, em Lisboa e Amesterdão. Tem à sua frente uma comissária, igualmente, de projecção internacional – Guta Moura Guedes – e é natural que queira colaborar com aqueles que lhe parecem ser os melhores, independentemente da sua nacionalidade.
A próxima edição marca o regresso da Bienal a Lisboa depois da acidentada e, em muitos aspectos, desequilibrada edição de 2005. No dia da inauguração – 15 de Setembro de 2005 – um impiedoso artigo do crítico cultural Augusto M. Seabra, publicado no jornal Público, expunha a estranheza da inauguração da Bienal acontecer do Centro Cultural de Belém onde Guta Moura Guedes Administradora do CCB iria receber Guta Moura Guedes Directora da Experimenta num “Guta welcomes Guta” como Augusto M. Seabra, ironicamente, lhe chamou. Acesa a polémica logo no primeiro dia, sucederam-se depois os atribulados dias na Câmara de Lisboa e o fim, ainda que temporário, da ligação da ExperimentaDesign a Lisboa. Três anos depois, não parecem restar dúvidas que Lisboa sofreu mais com o divórcio que a Experimenta e a sua Directora que mostraram uma inquestionável capacidade de vender a marca ExperimentaDesign a outras capitais europeias.
Se a escolha de Ian Anderson mais do que não oferecer contestação, merece ser elogiada, o silêncio com ela foi recebida surpreende-me. A imprensa nacional não o noticiou, a blogosfera permanece em silêncio. Esta não-reacção parece ser, aliás, a reacção típica do contexto do design em Portugal. À exepecção de uma ou duas vozes individuais (veja-se o modo como o crítico de design Mário Moura não deixou passar em claro a questão da nova imagem de Serralves) e perante a existência sossegada – sossegadíssima ao ponto de nos questionarmos se ainda estão vivos – de Centros e Associações de Design, o meio do design português faz lembrar aquele adolescente que inquirido sobre algo opta sempre pelo quadrado “não sabe/não responde”. O que talvez envolva, na sua não-resposta, uma resposta eloquente, uma espécie de contínuo e sonoro “who cares?”.
Friday, April 10, 2009
SEJAM BEM-VINDOS COA GRAPHICS
Sou regularmente surpreendido. Ora é um escritor, ora é um músico, ora é um designer que, por vezes acidentalmente, fico a conhecer surpreendendo-me como foi possível não o ter conhecido antes.
O encontro desta semana foi com o excelente trabalho dos japoneses COA Graphics e, em particular, do criador do estúdio o designer gráfico Ken Fujieda. O nome de Ken Fujieda já me havia aparecido num número especial da Idea Magazine mas o facto desta revista (que me parece uma das mais interessantes da actualidade) publicar, muitas vezes, os textos exclusivamente em japonês, foi o caso no artigo sobre Fujieda, impediu-me de mais cedo lhe ter, de facto, prestado atenção.
Nas revistas e blogues ocidentais (da Eye ao Design Observer, da Creative Review à Dot, Dot, Dot) nem uma referência aos COA Graphics, ausência difícil de compreender, não só pelo qualidade do trabalho do estúdio, mas também pelo facto de à COA estar associada uma editora discográfica e dos seus membros serem, tanto quando fui percebendo, criadores dinâmicos e multifacetados.
Nomeadamente Fujieda é também músico, sendo, com Kana Otsubo (ilustradora) Kiyoaki Sasahara (Fotógrafo) um dos membros dos Spangle call Lilli Line.
Se a música dos ScLL não me impressiona – pop doce como aquela há muita – mais interessante é a qualidade da animação gráfica dos vídeo clips da banda, como se constata aqui ou aqui.
No entanto, volto ao início, o que mais me seduziu foi mesmo o trabalho gráfico, foi por ele que adicionei a página dos COA Graphics aos meus favoritos. Bem-vindos Coa Graphics!
Tuesday, April 07, 2009
ROGÉRIO DUARTE (1939/)
Rogério Duarte nasceu em Itabira, estado da Bahia, em 1939, tendo-se mudado para o Rio de Janeiro no início da década de 1960.
Não sendo formado em design, tal como explica em diversas entrevistas, aos vinte anos a qualidade do seu trabalho era já suficientemente reconhecida – integrando na altura um círculo de intelectuais baianos onde se incluíam Glauber Rocha, Calasans Neto e Fernando da Rocha Peres - para que, com uma Bolsa de Estudos, viesse estudar para o Rio na Escola de Belas-Artes, na Escolinha de Artes do Brasil e no Museu de Arte Moderna onde foi aluno de Otl Aicher, Tomas Maldonado e Alexandre Wollner.
Em 1961 integra, como estagiário, o estúdio de Aloísio Magalhães, extraordinário designer pernambucano, um dos mais influentes designers brasileiros do século XX e um dos fundadores da ESDI.
Os famosos cartazes de Rogério Duarte começam a surgir por essa altura, cartazes para acções políticas, concertos e filmes, com destaque para o icónico cartaz do filme Deus e o diabo na terra do sol (1964) realizado pelo amigo Glauber Rocha.
A partir de 1965 torna-se amigo de Caetano Veloso e passa a contribuir determinantemente para a definição da Tropicália. Nesse mesmo ano publica na Revista Civilização Brasileira o artigo “Notas sobre o desenho industrial” no qual discute questões como a diferença entre arte e design, critica a influência ulmiana no design brasileiro e mostra-se apreensivo com o destino da ESDI.
Em Abril de 1968, na saída da missa pela morte do estudante Edson Luís, Rogério Duarte é preso e torturado pela polícia militar. Embora o seu estado de saúde tenha saído abalado, continua a desenvolver activamente o seu trabalho de designer durante as décadas de 1970 e 1980, estando ligado a inúmeros projectos editoriais: revistas Navilouca e Desígnio e diversas capas de livros. A sua criação fulgurante e multifacetada – músico, poeta, videasta, designer – fez com que ficasse conhecido por Rogério Caos e se, indiscutivelmente, dali emerge uma ordem – ou pelo menos um sentido – esta imagem caracteriza bem a arte de Rogério Duarte: um imenso, criativo e fulgurante caos.
Wednesday, April 01, 2009
REACTOR ENTREVISTA BOLOS QUENTES
Sendo um jovem Atelier, Bolos Quentes é o nome por detrás de alguns dos mais entusiasmantes projectos de design de comunicação que nos apareceram no último ano e meio. E pela promessa de muito mais. Fica a entrevista e os links para os seus projectos por eles sugeridos.
O primeiro trabalho dos Bolos Quentes que me lembro de ter visto foi o projecto gráfico da revista Textos e Pretextos em 2004. Confesso que não voltei a acompanhar o vosso trabalho até há sensivelmente um ano. Hoje o atelier evidencia maturidade e personalidade. Podem explicar qual foi o vosso percurso?
É compreensível só teres voltado a acompanhar o trabalho desde há sensivelmente um ano, pois o atelier enquanto ocupação a tempo inteiro só começou há um ano e meio, quando todos nós acabámos o curso na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto. O projecto gráfico da Textos e Pretextos foi o caso de maior visibilidade do nosso trabalho enquanto estudantes. Na altura o atelier já existia, mas devido às condicionantes impostas pelo horário de um estudante, existia noutros moldes. Existia como um lugar de partilha de experiências e de projectos. Inicialmente ajudávamo-nos uns aos outros através da crítica de alguns projectos académicos. Daí a começarmos a desenvolver de raiz os nossos próprios projectos não foi necessário muito tempo. Recuando ainda mais atrás no tempo e para explicar como tudo começou, o atelier nasceu da necessidade do Albino e do Duarte terem um espaço de trabalho fora de casa. Quando iniciaram a aventura de encontrar um atelier na baixa do Porto para alugar depararam-se com o problema de rendas altas e com o facto de ser necessário partilhar o espaço com outras pessoas. Assim surgiram o Sérgio e o Miguel que se mostraram receptivos à ideia. Com o passar do tempo as afinidades foram tomando forma acompanhadas pelo desejo de desenvolver os nossos próprios projectos, levando-nos ao trabalho referido na pergunta, o projecto gráfico da Textos e Pretextos. Esse não foi o nosso primeiro trabalho, mas como referimos há pouco foi o de maior visibilidade devido a uma maior tiragem e distribuição a nível nacional. Foi um projecto que nos mostrou que o design vive muito da crítica, análise e vontade de fazer pois na altura os nossos conhecimentos técnicos em software de paginação eram praticamente nulos. Mas foi um óptimo desafio perceber como tornar harmoniosa uma grelha, tornando agradável a leitura de uma revista de aproximadamente 200 páginas. Como referimos à pouco o atelier era um espaço de convívio e troca de ideias/informação. Uma pessoa que sempre acompanhou o nosso percurso e com a qual alguns de nós desenvolvemos projectos paralelos foi o designer João Alves Marrucho. Foi através do João que surgiu o convite para em conjunto desenvolvermos o projecto gráfico da revista. Desde então alguns anos passaram, e a maturidade e personalidade que poderemos evidenciar é fruto do nosso trabalho e de uma constante luta e cedência interna de ideias, na procura do melhor resultado formal e riqueza plástica para determinada ideia/proposta.
Ver aqui.
E nesse percurso que descrevem havia algum objectivo central, isto é, tinham desde o início definido o que queriam que os Bolos Quentes fossem?
Sim e não. Como referimos na resposta anterior o atelier surgiu com a necessidade de um espaço físico onde pudéssemos trabalhar. Na altura a faculdade fechava à meia noite mas mesmo assim gostávamos de trabalhar para além dessa hora. Tínhamos também a necessidade de ter um espaço onde pudéssemos experimentar à vontade, sem comprometer a "paz" de quem o habitasse, o que inviabilizava a ideia de trabalhar em casa. Com o decorrer do tempo a ideia de criarmos um atelier foi tomando forma. Um atelier que cruzasse informação e que nos desse a liberdade de desenvolver projectos em conjunto ou com elementos exteriores, sem que isso comprometesse o crescimento do mesmo. A troca de experiências daí resultantes era um factor de enriquecimento pessoal que não seria possível se trabalhássemos por conta de outrem devido a contratos de exclusividade.
Ver aqui, aqui e aqui.
Quais eram as vossas principais referências?
As nossas principais referências ... De início começa com uma sede de ver o que se faz ou o que se fez "lá fora". Com o decorrer do tempo começámos também a ter um papel activo na produção de conteúdos e não só na fruição/observação. Uma produção nossa e daqueles que nos rodeavam. Começámo-nos a aperceber da riqueza do material produzido pelos nossos colegas e amigos assim como o meio em que estávamos inseridos, bastante rico plasticamente e com uma cultura visual consistente. A partir desse momento as nossas referências passaram a ser os que conviviam connosco. Ou por passarem pelo atelier, ou por inaugurarem uma exposição, ou simplesmente por irmos beber uma cerveja e discutirmos ideias. Claro que sempre com um olho no que se passa "lá fora", mas também com a consciência da riqueza do trabalho que é produzido nesta cidade. Muitas vezes esse trabalho é subaproveitado ou mesmo condicionado a não passar de ser uma ideia em gaveta, mas que mais cedo ou mais tarde servirá de referência.
Podemos referir nomes sonantes e determinantes na história do design mas penso que já tiveram o seu tempo de antena e reconhecido mérito. Pensamos que a resposta às nossas principais referências encontra-se nas nossas principais vivências, que passaram pelo café Belas Artes, o Passos Manuel, o Pêssego pra Semana, o Senhorio, a Tendinha dos Poveiros, o Salão Olímpico, o bufete Baía, o Sporting, o clube desportivo Praça da Alegria, todas as pessoas com quem vivemos estes espaços, que neles habitavam directa ou indirectamente e todas aquelas que fizeram parte da nossa formação curricular e vivência da cidade.
Bolos Quentes é um atelier de design de comunicação. No entanto, olharmos para os vossos projectos convida-nos a redefinir a noção mais convencional de design de comunicação (muito circunscrita à produção gráfica) na medida em que exploram diferentes suportes, meios e lógicas de comunicação: da instalação multimédia ao cartaz. O Bruce Mau dizia que o design é uma “acção sintética” que, de cada vez, faz uma síntese de diversos elementos que nos pré-existem, circulando no interior de um processo de comunicação onde o designer vai intervir. De algum modo revêem-se nesta interpretação?
De algum modo qualquer designer acaba por se rever nessa interpretação. Pode não o fazer sempre mas acaba por haver um ou outro projecto a que a isso obriga. Somos todos formados em Design de Comunicação e Artes Gráficas e não somente em design gráfico. Como tal agrada-nos pensar a comunicação em diferentes níveis não nos cingindo apenas ao design gráfico, aproveitando as oportunidades que temos para explorar outros meios quando os projectos o permitem. O design tal como qualquer outra disciplina criativa (e não só) mantém uma relação inegável com a história e desenvolvimento tecnológico. Como tal quando partimos para um projecto tentamos ter isso em conta bem como a contextualização social e cultural. Por exemplo quando fomos abordados pelo artista plástico João Marçal sob o seu pseudónimo Marçal dos Campos para fazer um cartaz para um concerto no Cinema Passos Manuel, optámos por fazer um cartaz/instalação. Era um cartaz para afixar somente no espaço, por isso aproveitamos a montra do cinema e construímos 3 caixas de luz onde colocamos a informação para essa noite. Cada caixa correspondia a uma cor do logótipo do Cinema Passos Manuel. A escolha das caixas de luz não se prendeu somente por um juízo estético mas também porque o João Marçal enquanto artista plástico havia desenvolvido um trabalho partir de caixas de luz, que nos tinha chamado a atenção e provocado um certo fascínio. Formalmente o resultado final não se aproxima ao de um cartaz, mas cumpre a função do mesmo.
Embora saibamos que não se trata de um cartaz gostamos de pensar o resultado final como tal. As coisas acabam por ser muito aquilo que nós pensamos e queremos que elas sejam e não apenas o que elas aparentam ser. Para nós a intenção é determinante na contextualização de um projecto. As variáveis que habitam o momento de criação de um objecto levam-nos a repensar a utilização do meio/medium correcto para responder às nossas intenções.
Ver aqui, aqui e aqui.
Numa descrição objectiva, diria que os Bolos Quentes são um atelier de design, português, portuense. Como completariam (ou corrigiriam) esta descrição? Até que ponto se sentem integrados na “cultura do design” portuguesa?
Esta é uma pergunta complicada. Neste momento somos todos do Porto. O Sérgio e o Miguel já o eram, o Albino e o Duarte vieram de outras cidades em 2001. O Duarte de Braga e o Albino de Setúbal. No entanto a nossa vida construiu-se nesta cidade. Abraçámo-la ao longo dos anos e sentimos a necessidade de dar o nosso contributo, pois a cidade fervilhava de actividade quando chegámos e era impossível não reagir. No entanto há muita gente que não conhecemos, e que também que não nos conhece (a nível de trabalho).
Até que ponto nos sentimos integrados na cultura do design portuguesa não sabemos, mas que fazemos parte dela é inegável. O Porto tem uma escola gráfica forte e bem demarcada, merecedora de destaque internacional.
A nível nacional não podemos cingir a "cultura do design" ao Porto, existe muito valor espalhado por este pequeno país, o que o torna num grande país na produção gráfica.
Ver aqui e aqui.
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