REACTOR ENTREVISTA DANIEL CARRAPA
Daniel Carrapa é arquitecto e um dos mais dinâmicos divulgadores da arquitectura em Portugal. Sobre Daniel Carrapa encontrei num outro blog as seguintes palavras: "o arquitecto Daniel Carrapa tem o mais interessante blog de arquitectura e afins em língua portuguesa. É, digamos, um «Cool Website». É uma leitura obrigatória e sabe muito bem explorar os seus links para os melhores sites do mundo". Para além do seu A barriga de um arquitecto Daniel Carrapa foi também o responsável pelo blog da Trienal de Arquitectura de Lisboa que igualmente se recomenda.
REACTOR: Há um post no Reactor intitulado “O estado do design”. O que é que este título lhe sugere actualmente?
DANIEL CARRAPA: O design tornou-se parte de todos os aspectos da vida comunicada. Marshall Mcluhan não estava longe da verdade ao falar da fusão entre o meio e a mensagem. Em arquitectura, a fusão entre conceptualização e comunicação é hoje um aspecto central na construção do seu tecido crítico. O problema da linguagem e da necessidade de incubar novos suportes para a sua transmissão é central à construção da sua expressão crítica.
R: A palavra design identifica cada vez menos um campo disciplinar definido, passando a remeter para uma campo de criação híbrido e difuso. Corresponderá isto a um fracasso ou a triunfo do design sobre a cultura contemporânea?
D.C.: Colocaria a pergunta de outra forma: será o triunfo do design um triunfo da cultura? Os movimentos ideológicos tendencialmente totalitários do modernismo mobilizavam o discurso crítico numa direcção. No panorama contemporâneo, o subtexto linguístico do design tornou-se moeda de troca de um sistema económico que se projecta sobre o tecido cultural com fins totalmente diversos. Vivemos na era da satisfação das necessidades básicas. Ainda que se levantem hoje desafios terríveis à nossa existência, expressos na dimensão crescente da discussão dos problemas da sustentabilidade, estamos culturalmente imersos ainda no clima político de uma não-crise. Viver numa cultura de não-crise significa a carência de uma discussão política transformadora que seja charneira de mudanças sociais profundas. E por isso existem hoje poucos desafios exigentes ao nível teórico. Falta aquilo que Mark Wigley referiu recentemente como uma necessidade de turbulência.
R: Há um conceito estruturante do pensamento projectual do Walter Gropius que é o conceito de “design total”, a ideia é, em síntese, a de que ao designer compete a definição intencional das modalidades de relação social, o design seria, assim, uma disciplina de definição politica. Não lhe parece que este “exercício político” do projecto é tão mais eficaz quanto mais imperceptível for e, neste sentido, o carácter difuso do design não poderá ser um sinal da sua eficácia?
D.C.: Sem dúvida. O sucesso do design resulta da sua capacidade de se dissimular, reduzir-se a uma pureza elementar e se tornar invisível. Claro que essa invisibilidade é expressão de uma contaminação total. Vivemos na era da imagem. Como disse Wim Wenders, nenhuma outra ramificação da cultura dispõe hoje de tamanho poder como a imagem. Hoje como nunca, a estética é uma força de enorme influência política.
R: Se lhe pedisse uma definição de design…
D.C.: Para um arquitecto é um problema. A expressão da arquitectura habita um território cultural em permanente necessidade de revelar consistência, um desejo de verdade intrínseca. Para a nossa base linguística, o design é uma espécie de inimigo – quantas vezes não ouvimos alguém dizer que arquitectura não é design. Curiosamente, esta necessidade de emancipação da arquitectura está completamente ausente na cultura inglesa onde o conceito de design está ramificado no domínio arquitectural e da produção urbana. O design é aceite como parte indissociável da sua genética crítica.
R: O design sempre se caracterizou pela inexistência de um consenso programático, hoje talvez mais evidente devido à falência dos verdadeiros projectos colectivos, a teoria do design sempre oscilou entre uma interpretação do designer enquanto um “agente social” e uma interpretação do designer enquanto um “agente do mercado”, parece-lhe haver sentido nesta distinção?
D.C.: É uma questão análoga ao que se passa em relação ao papel do arquitecto na sociedade actual. Rem Koolhaas referiu recentemente que a arquitectura se tornou refém do mercado e das suas regras. Estas afirmações chocam-nos porque carregamos um sentido académico da disciplina que parte de uma cultura socializante. O dilema que se nos coloca hoje é bem mais complexo, porque a missão social implícita nas nossas profissões depende da capacidade de mobilizar o mercado nessa direcção. A ideia de autor à margem do mercado é um mito fácil que corresponde a um ideal entranhado na nossa génese cultural, mas é um mito perigoso que justifica a demissão por um envolvimento mobilizador, capaz de alcançar expressão política e ser uma força de transformação.
R: Perante o relativismo dos valores (e, em particular, dos valores do design após a crise do projecto moderno) não será importante os designers mostrarem que existe uma diferença profunda entre a “ética individual” e a “ética disciplinar”? Quero dizer, os valores que orientam o design não podem ser relativos aos valores que guiam o comportamento dos seus profissionais…
D.C.: Não sei definir a fronteira entre ética individual e disciplinar. Vivemos imersos na realidade do mercado e da cultura do nosso tempo. Para o arquitecto, a profissão é uma definição pessoal. Somos construtores que teorizam. A necessidade de estabelecer uma ética maior resulta de um desejo de previsibilidade do sucesso da nossa missão. Mas quantos momentos da história foram antes marcados pelo rasgo individual que abriu o território da praxis de formas não solicitadas. A dimensão individual é um recurso fundamental na produção de mutações, transformar os padrões existentes. A capacidade de produzir afectação justifica a defesa da dimensão individual sobre uma outra que se lhe sobreponha, e não o movimento oposto – ainda que esta nos pareça socialmente justificável.
R: Historicamente, o design foi sendo pensado como uma disciplina de “dimensão utópica”. Ainda há espaço para utopias no mundo contemporâneo?
D.C.: Não. A nossa cultura teórica académica ainda promove essa dimensão racionalista dos modelos perfeitos, das utopias. Mas a história mostrou repetidamente os perigos em produzir modelos simplificadores da realidade. É sempre mais fácil dar resposta aos problemas quando os traduzimos em poucas variáveis, do que partir da realidade complexa e abordar os múltiplos factores que nela intervêm.
Os dilemas contemporâneos exigem pragmatismo e forçam-nos a encontrar soluções incrementalistas. Partir de onde está a cultura, de onde estão as pessoas, e reconhecê-las como parte importante na construção de soluções. Não podemos esperar que a realidade se molde às doutrinas – as doutrinas têm de ser aplicáveis a partir do território do real.
R: Recordo-me de uma utopia particular, “Xanadu” do G. Nelson. Como olha para o actual estado do ciberespaço e da blogosfera em particular?
D.C.: A blogosfera é um braço virtual da rede e da nossa existência cada vez mais híbrida. Pessoalmente, mantenho alguma distância pelo conceito expresso no termo “blogosfera”, que repercute uma intenção social sobre uma realidade bem mais dispersa. A rede – network – não é necessariamente uma comunidade. O próprio conceito compreende uma medida quantitativa de proximidade, do número de pessoas e as suas intersecções – nodes. A blogosfera pressupõe uma percepção de comunidade em que mergulhamos numa dimensão abstracta, ficcional, da própria vida. Corresponde a um significado que resulta de uma prática cultural, um novo meio tecnológico que está a alterar os padrões de comportamento, de uso e de mobilidade no próprio espaço.
R: Quais são os seus blogues de referência?
D.C.: A lista é longa. Inevitavelmente, o blog dos blogs de arquitectura BLDGBLOG. O Pruned, o Purse Lip Square Jaw da Anne Galloway, e ainda o Notes From Somewhere Bizarre. São algumas das páginas que sigo há muito tempo e me ensinaram a perceber o que é um blog. Também o Daily Dose Of Imagery. E como referência pessoal, o Binary Bonsai.
Em português, a Quinta do Sargaçal e o Elogio da Sombra.
R: Que pergunta acrescentaria a esta entrevista? E que resposta ela lhe mereceria?
D.C.: A que coloquei acima: será o triunfo do design um triunfo da cultura? Ou será o domínio do design capaz de transcender a mera dialética da cultura da imagem para tornar-se tecido de transformação, na procura de respostas inovadoras aos problemas da nossa presença no mundo. Do aquecimento global, do aumento de população, do pico do petróleo, da destruição do ecossistema, dos muitos desafios da sustentabilidade.
Muito obrigado.
Nota: As imagens que ilustram esta entrevista foram retiradas, respectivamente, de A barriga de um arquitecto e Trienal de Arquitectura de Lisboa
Wednesday, June 27, 2007
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- REACTOR é um blogue sobre cultura do design de José Bártolo (CV). Facebook. e-mail: reactor.blog@gmail.com
3 comments:
A maior parte dos links não funciona. :)
Os links estão já activos. :)
Peço desculpa mas tenho que discordar. Os dois links da trienal tem um ponto a mais no fim, o que faz com que não funcionem! ;)
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