Thursday, February 14, 2008



REACTOR ENTREVISTA LUCY NIEMEYER


Lucy Niemeyer é uma das figuras mais destacadas da teoria do design no Brasil. Formada em Design Industrial pela ESDI e Doutorada em Comunicação e Semiótica pela PUC de São Paulo, é professora de Metodologia do Projecto e Semiótica aplicada ao design nos cursos de graduação e pós-graduação em Design da ESDI. Autora, entre outras obras, de “Elementos de Semiótica Aplicados ao design” e “Tipografia: Uma apresentação”. É actualmente Presidente do IBDesign (Instituto Brasileiro do Design).


REACTOR: O seu livro “Elementos de Semiótica Aplicados ao Design” abre com a seguinte questão: “Para que serve a semiótica no design?”. A questão foi já anteriormente colocada (Gui Bonsiepe, em Ulm, colocou-a; Katherine McCoy, em Cranbrook, voltou a coloca-la; autores com Papanek ou Burdek interessaram-se pela questão) e no entanto poucos são os estudantes de design e os designers profissionais que lhe conseguem dar resposta. Volto, assim, a colocar-lhe a questão: para que serve a semiótica no design?

LUCY NIEMEYER: Entendo a Semiótica como um quadro teórico que, de entre as suas múltiplas aplicações, pode fundamentar tanto decisões projectuais em design como fornecer instrumentos de análise para os resultados nesta área. Como os produtos do fazer do designer se destinam, em quase totalidade, ao uso por um ser humano, entendo como relevante o entendimento das possibilidades significativas instaladas pela relação produto/destinatário. A Semiótica oferece um consistente sistema de pensamento para tal compreensão.

R: Em muitos objectos de design contemporâneo podemos encontrar dois níveis de funcionalidade: o nível utilitário (relacionado com a função de uso do objecto) e o nível semiótico (relacionado com a sua função simbólica); aparentemente o que diferencia um objecto de design de um outro com características semelhantes não tem a ver com algo de “objectivo”, de “material” mas antes com a sua “construção semiótica”, concorda?

L. N.: Concordo. Gostaria de acrescentar que até mesmo o chamado “nível utilitário” tem aspectos subjectivos e culturais inequívocos – cada época histórica, cada competência do fazer humano é que qualificam o nível utilitário de um objecto. Nos dias correntes, um instrumento para abotoar botinas guarda o seu carácter utilitário talvez só para portadores de alguma deficiência de preensão ou de coordenação motora de musculatura fina da mão para realizar a tarefa de manejar os botões de sua camisa.

R. : Os estudos semióticos no Brasil parecem-me muito desenvolvidos, existindo vários investigadores preocupados com a aplicabilidade da semiótica ao design (Lucy Niemeyer, Lucia Santaella, Ana Claudia de Oliveira ou mesmo o Rafael Cardoso Denis entre outros). Que influência têm estes estudos sobre o design brasileiro? Penso que, por exemplo, no trabalho dos Campana a preocupação em trabalhar simbolicamente os objectos de design é evidente…

L. N. : A importância dos estudos semióticos em design ganha força à medida que eles se fazem mais presentes nos cursos de design, pelo aparelhamento dos futuros profissionais com conhecimentos nesse campo. Por outro lado há uma demanda pelos tomadores de serviço de design de soluções projectuais que particularizem o produto pelo modo mais adequado e que atinjam os interesses subjectivos dos destinatários visados. A Semiótica dá o apoio necessário para que o designer desenvolva sua propostas e também avalie as alternativas de solução.

R. : Num dos seus livros, Victor Papanek afirmava que o design é um “processo experimental que visa criar uma ordem com sentido”. A ideia é a de que o design contribui para construir um processo de ordenação (ordenação semiótica, política, tecnológica). Estarão os designers conscientes deste poder?


L. N. : Creio que os designers não têm consciência do poder que detêm, do contrário cobrariam muito mais caro pelo seus projectos e não engajariam seus esforços em fazer tanta banalidade.

R. : O ensino do design, a nível superior, no Brasil iniciou-se, segundo creio, em 1962 com a criação da ESDI. Como analisa o actual panorama do ensino do design quer em termos brasileiros quer internacionais?

L. N. : Não me sinto capaz para fazer uma análise do ensino do design no âmbito internacional. Mesmo em se tratando de Brasil não me sinto muito confortável para enunciar uma avaliação geral devido não só às extensas dimensões do país, sua extraordinária diversidade sociocultural e económica, como também pelo número de cursos de graduação em design em funcionamento, que chegam perto das três centenas (pelo menos na última semana – logo este número pode ser superado). Com tal heterogeneidade dos factores é compreensível a disparidade de situações. Devido a minha trajectória no meio académico, conheço várias instituições de ensino superior de design nos quatro cantos do país. Com elas colaborei em diferentes níveis de aproximação. Apesar de diferenças de propostas pedagógicas e de condições de funcionamento das instituições, fico muito bem impressionada com a atitude da maioria dos professores que conheci: prevalece a seriedade e o empenho na realização um bom trabalho, com o lamento constante da falta de condições institucionais para melhor desempenho e maior capacitação docente.

R. : Gui Bonsiepe afirmava há uns tempos que actualmente a responsabilidade social do design é individual pois os grandes projectos colectivos extinguiram-se. Realmente parecem já não existir projectos colectivos de referência com o foram a Bauhaus ou Ulm. Como analisa o actual rumo do design e o papel do designer perante a sociedade e o Mercado?
L. N. :
Para ser respondida, esta pergunta necessita o espaço de uma tese. Na tentativa de ser sintética, sem com isto desconsiderar a complexidade da questão, vejo como relevante e promissor o papel do designer na sociedade contemporânea e os rumos que ela aponta. No sistema de produção, o designer é o profissional que pode garantir um espaço para ética, dar o sentido filosófico, económico e político. O designer não pode ser apenas um técnico cumpridor de demandas, deve assumir uma posição ética com focos no destinatário e no meio ambiente – a subjectividade e os contextos histórico e físico. Um de seus compromissos é a ecoeficiência dos seus projetos.

R. : A Lucy Niemeyer é actualmente Presidente do IBDesign (Instituto Brasileiro do Design), que balanço faz da acção do Instituto?

L. N. : A instituição está inoperante por motivos diversos de natureza particular.

R. : Em termos de políticas do design o que está ser feito e o que, em seu entender, pode ser feito para estreitar as relações entre Portugal e o Brasil e, eventualmente, para criar efectivamente uma comunidade de design de língua portuguesa?

L. N. : Acho relevante esta aproximação, sobretudo para fazermos frente à hegemonia anglo-saxã no design. Para de facto ser criada uma vigorosa confraria de língua portuguesa devem ser intensificadas, entre outras, medidas já em andamento e já propostas: estimulação de cooperação entre instituições, com intercâmbio de professores e de alunos; organização de uma sociedade que congregue pesquisadores lusófonos (o Prof. Dr. Eduardo Côrte-Real lançou a proposta de uma sociedade de investigadores de design, por ocasião do último Congresso da Design Research Society, em Lisboa); realização de eventos científicos que reúnam pesquisadores daqueles e a amplificação da repercussão da publicação online The Radical Designist. Há muito a ser feito, portanto mãos à obra!

1 comment:

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