Friday, February 01, 2008



QUEM TUTELA O DESIGN?


As disciplinas não são territórios fixos mas, antes, recortes imaginários desenvolvidos por práticas e discursos sobres os quais se tendem a aplicar, a posteriori, nomenclaturas e normatividades. Deste modo, qualquer disciplina, antes de ser definida pela efectividade da sua acção, isto é, antes de ser “descrita”, por ser definida pela possibilidade da sua acção, ou seja, pode ser “entendida”.

Interessa-me esta compreensão do design como lugar de acção, projecto de “fazer ver”, de “fazer saber”, de “fazer fazer” enquanto processos de apropriação e transformação do espaço social.

A intenção de colocar o design ao serviço de “necessidades sociais”, conduz-nos a um território complexo e, frequentemente, paradoxal. Num contexto, em que os valores ocuparam o lugar das ideologias, enquanto processos de identificação e diferenciação social, assistimos a uma crescente instrumentalização de certos valores (ecologia, solidariedade, sustentabilidade) muitas vezes usados como meios de “branqueamento” ou de “persuasão” com consequências por vezes opostas às que se faziam anunciar.

Importa não esquecer que as necessidades sociais são abstracções criadas por grupos de poder, havendo tantas necessidades sociais como classes e sectores e tendendo estas a envolver, com frequência, interesses antagónicos entre si.

O design, ao estar voltado para a sociedade, ao ter como fim envolver-se nas dinâmicas, complexas e contraditórias, sociais, está sempre integrado em sistemas de poder ou contrapoder, de legitimação ou exclusão, que delimitam a sua própria acção; consequentemente, cada vez que projecta, operando socialmente, o designer toma partido. Não só é ingénuo acreditar que este “tomar partido” é incondicionado como me parece legítimo pretender que os processos de intervenção social devam ser regulados e tutelados.

A satisfação com que recebi a notícia da substituição de nomes e, espera-se, de politicas no ministério da cultura, levou-me a colocar a questão: quem tutela o design?

Se o design é um “operador social”, há que reconhecer que os planos onde opera são, necessariamente, diversos. Aliás, em princípio, quanto mais diversos forem os planos de operação social do design, melhor funciona o design e melhor funciona a sociedade.

Prática de interface, o design em Portugal é, naturalmente, tutelado por vários ministérios. O funcionamento da tutela não é tão complexo quanto se quer fazer crer, muitas vezes para eximir o próprio exercício da tutela. Tutelar significa definir uma orientação politica e garantir as condições (politicas, económicas, legais) que permitam a concretização dessa orientação. Significa investir, promover, legislar, regular.

Como é que o design vai sendo tutelado em Portugal? Por parte dos ministérios que “esbarram” com ele, vai sendo tutelado com profundo desconhecimento de causa, é o caso da educação, da cultura e, pontualmente, da economia. Em relação a vários outros, para os quais o design deveria merecer outro tipo de atenção, o facto da “ausência do design”, a ignorância a ele relativa, ser uma espécie de “herança histórica” faz com que a questão nem sequer se coloque.

Já se sabe, colocar questões pode ser incómodo, mesmo que a essas questões possa ser dada uma resposta politicamente correcta, especialidade, aliás, de muitos daqueles que nos tutelam.

1 comment:

Humboldt said...

Questão importante, que está relacionada com a eterna: "O que é o design?". Um artista plástico ou um actor "pede contas" ao ministério da cultura mas um designer não é um artista mas também não é um comerciante, pois não? Não vejo nenhum politico preocupado com esta questão desde o Augusto Mateus e, sinceramente, também não vejo muitos designers preocupados.

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REACTOR é um blogue sobre cultura do design de José Bártolo (CV). Facebook. e-mail: reactor.blog@gmail.com