REACTOR ENTREVISTA DIOGO VALÉRIO
Diogo Valério é um dos mais estimulantes designers gráficos portugueses encontrando-se de há uns anos a esta parte a trabalhar em Oslo, primeiro naBleed e, actualmente, no estúdio Jimmy Royal.
REACTOR: No primeiro post do Reactor afirma-se que “não há design sem diálogo”, enquanto profissional do design que diálogos lhe interessam estabelecer? Com quem? Sobre o quê?
DIOGO VALÉRIO: Todos os possíveis. Especialmente em design de comunicação não faz sentido não haver diálogos. Quer com os clientes, quer com profissionais de qualquer outra área que o designer sinta relevância em consultar para o desenvolvimento de um projecto.
R:A palavra design identifica cada vez menos um campo disciplinar definido, passando a remeter para uma campo de criação híbrido e difuso. Como vê esta indefinição em torno da disciplina?
D.V.:Acredito que, mesmo que assim o seja, ainda haja um mínimo denominador comum que é o projecto e que vem responder a uma questão/problema sugerido ou real. Há sempre lugar para repensar qualquer solução já existente, por mais sólida que seja, mas por outro lado e talvez a prática mais comum será a resposta a um briefing normalmente com uma preocupação comercial.
Simultaneamente acredito que seja uma questão de semiótica. Não me parece possível existir uma disciplina, com uma forte presença social, e que seja tão díficil de traduzir um significado claro.
R: Se lhe pedisse uma definição de design…
D.V.: Disciplina projectual.
R: O design sempre se caracterizou pela inexistência de um consenso programático, hoje talvez mais evidente devido à falência dos verdadeiros projectos colectivos, a teoria do design sempre oscilou entre uma interpretação do designer enquanto um “agente social” e uma interpretação do designer enquanto um “agente do mercado”, parece-lhe haver sentido nesta distinção?
D.V.: Não, de todo! Penso que esta separação só ajudou a criar uma maior indefinição em torno da disciplina. É-me extremamente difícil interpretar o design em pólos. O Design é por natureza uma disciplina inclusiva e não exclusiva; extremamente influente na sociedade, quer a nível cultural quer a nível do conforto. Se pensarmos em arquitectura será atroz dizer que o arquitecto não tem responsabilidade cultural, social, tecnológica.
R: Perante o relativismo dos valores (e, em particular, dos valores do design após a crise do projecto moderno) não será importante mostrarmos que existe uma diferença profunda entre a “ética individual” e a “ética disciplinar”? Quero dizer, os valores que orientam o design não podem ser relativos aos valores que guiam o comportamento dos seus profissionais.
D.V.:Acho extremamente relevante ser levantada esta questão. Há dois níveis que acho de particular serem desenvolvidos. O primeiro será que muitos dos profissionais em design operam em grupo ou entidades comerciais, que se distinguem pelos seus valores corporativos (não querendo abordar questões de qualidade nem estéticas). Simultaneamente são constituídos por indivíduos, estes com valores e referências distintas ainda assim compatíveis com a entidade corporativa.
Por outro lado, existe uma prática de autor que normalmente reflecte um maior grau de experimentação que podem resultar num confronto directo entre o que possa ser uma ética disciplinar e uma ética pessoal. Uma vez que as fronteiras do projecto podem ser dissimuladas pela utilização de novas tecnologias, práticas sociais, etc., sendo arriscado um julgamento de valores prematuro.
Recentemente, enquanto designer de comunicação num atelier, foi-me entregue um projecto para redesenhar o website de um partido de direita (equivalente no seu posicionamento político ao CDS) ao qual eu renunciei imediatamente. Isto deixou-me extremamente desconfortável durante bastante tempo, não por ter renunciado ao projecto mas por estar envolvido num atelier onde vê qualquer "trabalho" claramente como um oportunidade comercial falhando uma qualquer estrutura ética profissional.
Há poucos meses em Portugal, em relação ao referendo, recordo um artigo de Frederico Duarte para o jornal “O Público” onde escrevia uma observação extremamente relevante: " O Estado Português, representado neste referendo pelo Secretariado Técnico dos Assuntos para o Processo Eleitoral (STAPE) do Ministério da Administração Interna, apela ao nosso voto através de, entre outros meios, um “cartaz anunciador do referendo” (termo oficial), que se encontra afixado em locais e transportes públicos por todo o país. No entanto, estará o Estado, com este discreto cartaz, a cumprir de facto com a sua parte do processo eleitoral? Não deverá um “cartaz anunciador de referendo” ter como objectivos fundamentais não só informar, mas sobretudo cativar e mobilizar a opinião pública" Mais à frente no artigo o autor referencia um exemplo onde a comunidade de designers não é tão apagada como em Portugal: "a iniciativa "Get Out the Vote" da AIGA (associação profissional dos designers de comunicação americanos), que começou após o escândalo dos boletins de voto da Florida na eleição presidencial de 2000. Sob o lema "Good design makes choices clear", vários dos seus associados conceberam cartazes com um único objectivo: apelar ao voto."
R: Ainda há espaço para utopias no design? O Enzo Mari dizia que o design é um “acto de guerra” e o Brody, há umas semanas atrás, dizia que usamos poucas vezes a palavra revolução.
D.V.: Sempre haverá espaço para utopias, mesmo que seja utilizar a palavra revolução mais regularmente e talvez um dia, em breve, tenhamos a coragem de fazer uma. Recentemente fiquei muito surpreendido com o trabalho de alguns estudantes de design e recém licenciados, que numa época pós revolução digital, vêm trazer uma frescura ao design de comunicação com uma linguagem extremamente naif mas simultaneamente sólida. O colectivo Yokoland, dois colegas de universidade que recentemente acabaram a licenciatura em design de comunicação em Oslo, diziam numa entrevista à revista I.D. que a maior parte dos designers de comunicação tentam apenas simplificar a comunicação de forma a deixar a mensagem clara. Eles por sua vez fazem exactamente o contrário, criam mais problemas e tornam as coisas mais complicadas. Não será esta uma estratégia para se perceber se o problema está no design de comunicação ou na mensagem a ser comunicada?...
R: Qual é a sua “utopia pessoal”?
D.V.: Continuar a acreditar...
R: Parece-lhe que a blogosfera tem contribuído para o desenvolvimento de um debate sobre em torno do design?
D.V.: Sem dúvida que sim, mas ao mesmo tempo a tecnologia tornou as nossas vidas mais cheias, desconfortavelmente cheias. É necessário um filtro maior e é sempre difícil ganhar afinidade, intelectual e estética, de uma forma regular e crescente com tantos blogues emergentes. Eu preciso sempre algum tempo para sentir segurança e reconhecer qualidade nos conteúdos disponibilizados.
R:Quais são os seus blogues de referência?
D.V.: Reactor (http://reactor-reactor.blogspot.com/index.html)
Design Oberver (http://designobserver.com/)
Typeradio (feed://www.typeradio.org/podcast.php)
Generator X (feed://www.generatorx.no/feed/atom/)
Pasta and Vinager (http://tecfa.unige.ch/perso/staf/nova/blog/)
Eyebeam (feed://www.eyebeam.org/reblog/atom.xml)
Precious Forever (http://www.precious-forever.com/weblog/)
R: Muito obrigado.
Saturday, April 28, 2007
FICÇÕES NO PAÍS DOS “GRAPHICS”
Com o desenvolvimento da indústria discográfica no pós-guerra um número considerável de designers norte-americanos e europeus, muitos deles refugiados durante o conflito, encontram aí um espaço privilegiado para desenvolverem uma nova linguagem gráfica, com maior espaço de experimentação, envolvendo, em muitos casos, públicos receptivos a novas formas de comunicação gráfica.
Nos anos 50 o design gráfico Norte-Americano encontra-se, essencialmente, dominado por profissionais ligados ao New Advertising como Alvin Lusting, muitos dos designers suiços que a partir dos anos 30 chegam aos EUA são "relegados" para um mercado que, só na aparencia, é menor a "indústria cultural" onde se destaca, entre outros, Erik Nitsche que nos anos 50 é o director de arte da 20th Century-Fox.
Para a indústria discográfica trabalharão muitos dos melhores, como Chermayeff, Geismar ou Steinweiss, no entanto o design, por vezes muito revolucionário, das editoras independentes foi assegurado por uma galeria de notáveis e quase desconhecidos designers gráficos como Frank Gauna (notável a cover para o disco de Al Caiola "Sounds for Spies"), Peter Whorf ou Marcel Russell.
Nas capas de vários destes discos encontramos sinais de uma linguagem tendencialmente híbrida, expressão da aproximação entre uma cultura popular e um mercado, por vezes selectivo, que mistura e apróxima diferentes referências culturais.
Com o desenvolvimento da indústria discográfica no pós-guerra um número considerável de designers norte-americanos e europeus, muitos deles refugiados durante o conflito, encontram aí um espaço privilegiado para desenvolverem uma nova linguagem gráfica, com maior espaço de experimentação, envolvendo, em muitos casos, públicos receptivos a novas formas de comunicação gráfica.
Nos anos 50 o design gráfico Norte-Americano encontra-se, essencialmente, dominado por profissionais ligados ao New Advertising como Alvin Lusting, muitos dos designers suiços que a partir dos anos 30 chegam aos EUA são "relegados" para um mercado que, só na aparencia, é menor a "indústria cultural" onde se destaca, entre outros, Erik Nitsche que nos anos 50 é o director de arte da 20th Century-Fox.
Para a indústria discográfica trabalharão muitos dos melhores, como Chermayeff, Geismar ou Steinweiss, no entanto o design, por vezes muito revolucionário, das editoras independentes foi assegurado por uma galeria de notáveis e quase desconhecidos designers gráficos como Frank Gauna (notável a cover para o disco de Al Caiola "Sounds for Spies"), Peter Whorf ou Marcel Russell.
Nas capas de vários destes discos encontramos sinais de uma linguagem tendencialmente híbrida, expressão da aproximação entre uma cultura popular e um mercado, por vezes selectivo, que mistura e apróxima diferentes referências culturais.
Friday, April 27, 2007
Monday, April 23, 2007
Gerard Unger nascido em Arnhem, Holanda, em 1942. estudou design gráfico, tipografia e design de tipos de 1963 a 67 na Gerrit Rietveld Academy, Amesterdão. Como Professor Visitante ensina na University of Reading, Inglaterra, Departamento de Tipografia e Comunicação Gráfica, e ensinou na Gerrit Rietveld Academy até 2007. Desde Setembro 2006 é professor de Tipografia na Universidade de Leiden._Designer independente desde 1975, desenhou selos, moedas, revistas, jornais, livros, logótipos, identidades corporativas, relatórios de contas anuais, outros objectos e muitos tipos. Em 1984 recebeu o prémio H. N. Werkmann pelo conjunto do seu trabalho tipográfico, em particular o design de tipos digitais, e pelo modo como reconciliou a tipografia com a cultura tipográfica. Em 1988 ganhou o prémio Gravisie pela concepção de “Swift”, e em 1991 recebeu o prémio internacional Maurits Enschedé por todos os seus designs de tipos._Escreveu artigos para a imprensa comercial e várias outras publicações, tais como “Landscape with Letters” (1989), relacionando o normalmente limitado âmbito da tipografia com uma muito mais vasta perspectiva cultural. O seu livro “Terwijl je leest” – acerca da leitura – foi publicado em 1995 e uma edição completamente renovada foi publicada no Outono de 2006, estando em preparação as versões em inglês, alemão, italiano e espanhol. Com frequência faz conferências na Holanda e no estrangeiro sobre o seu próprio trabalho, design de tipos, processo de leitura, design de jornais e outros assuntos relacionados.
Gerard Unger born at Arnhem, Netherlands, 1942. Studied graphic design, typography and type design from 1963–’67 at the Gerrit Rietveld Academy, Amsterdam. He teaches as visiting Professor at The University of Reading, UK, Department of Typography and Graphic Communication, and taught at the Gerrit Rietveld Academy, Amsterdam, till January 2007. From September 2006 he is Professor of Typography at the University of Leiden. Free lance designer from ’75. He has designed stamps, coins, magazines, newspapers, books, logo’s, corporate identities, annual reports and other objects, and many typefaces._In ’84 he was awarded the H.N.Werkman-prize for all his typographic work, for digital type designs in particular and for the way he reconciled technology and typographic culture. In ’88 he won the Gravisie-prijs for the concept of Swift, and in ’91 he was awarded the international Maurits Enschedé-Prize for all his type designs. He wrote articles for the trade press, and several larger publications, such as ‘Landscape with Letters’ (1989), linking the usually limited scope of type and typography with a much wider cultural view. His book ‘Terwijl je leest’ — about reading — was published in ’95 and a completely new edition has been published in the autumn of 2006. English, German, Italian and Spanish versions are in preparation. He lectures frequently in Holland and abroad, about his own work, type design, the reading process, newspaper design and related subjects.
Comissário_Andrew Howard, ESAD
Organização _ESAD 2007
Saturday, April 21, 2007
COMEMORAÇÕES DO WORLD GRAPHICS DAY
No dia 27 de Abril os designers gráficos e de comunicação e as associações de design espalhadas pelo mundo celebram o World Graphics Day. Este dia marca o nascimento do Icograda (International Council of Graphic Design Associations) em 1963. O WGD será assinalado em diversos locais, incluindo aqui no REACTOR que lhe vai dar um destaque particular no próprio dia. Destaque, igualmente, para as iniciativas promovidas pela FBAUP e pela UA e que terão lugar no dia 26 no espaço das Belas Artes com o seguinte programa:
10h30
Sessão de Boas-Vindas / Champagne Breakfast
com selecção musical matinal pelos estudantes DD-FBAUP
(Pavilhão Carlos Ramos)_11h30
Visita guiada à exposição "Museu do Abate"
(Galeria da Cozinha)__12h00
Acção colectiva "Design Against The Clock"
Coordenação: Equipa [up]arte
(Bar FBAUP)__15h00
Sessão na Aula Magna
Intervenção pelo Presidente do Conselho Directivo da FBAUP
Prof. Doutor José Vaz
"Portugal precisa de Design"
Henrique Cayatte, Presidente do Centro Português de Design
Manifesto: O que precisa de ser dito sobre Design em 2007?
Design Marathon
Estratégias de Desenvolvimento para o Design em Portugal
DD-FBAUP e DeCA-UA
Debate__17h00
Mixtape DD
Selecção musical comentada e ilustrada pelo DD-FBAUP
(Aula Magna)
No dia 27 de Abril os designers gráficos e de comunicação e as associações de design espalhadas pelo mundo celebram o World Graphics Day. Este dia marca o nascimento do Icograda (International Council of Graphic Design Associations) em 1963. O WGD será assinalado em diversos locais, incluindo aqui no REACTOR que lhe vai dar um destaque particular no próprio dia. Destaque, igualmente, para as iniciativas promovidas pela FBAUP e pela UA e que terão lugar no dia 26 no espaço das Belas Artes com o seguinte programa:
10h30
Sessão de Boas-Vindas / Champagne Breakfast
com selecção musical matinal pelos estudantes DD-FBAUP
(Pavilhão Carlos Ramos)_11h30
Visita guiada à exposição "Museu do Abate"
(Galeria da Cozinha)__12h00
Acção colectiva "Design Against The Clock"
Coordenação: Equipa [up]arte
(Bar FBAUP)__15h00
Sessão na Aula Magna
Intervenção pelo Presidente do Conselho Directivo da FBAUP
Prof. Doutor José Vaz
"Portugal precisa de Design"
Henrique Cayatte, Presidente do Centro Português de Design
Manifesto: O que precisa de ser dito sobre Design em 2007?
Design Marathon
Estratégias de Desenvolvimento para o Design em Portugal
DD-FBAUP e DeCA-UA
Debate__17h00
Mixtape DD
Selecção musical comentada e ilustrada pelo DD-FBAUP
(Aula Magna)
Thursday, April 19, 2007
THE DESIGN 100
A Revista TIME publicou uma lista das 100 referências (entre designers, empresas, publicações, etc., etc.) mais influentes da actual cultura do design. Vale o que vale!
A Revista TIME publicou uma lista das 100 referências (entre designers, empresas, publicações, etc., etc.) mais influentes da actual cultura do design. Vale o que vale!
REACTOR ENTREVISTA EDUARDO CÔRTE-REAL
Eduardo Côrte-Real é um dos nomes mais destacados da reflexão e do ensino do design em Portugal. A sua tese de Doutoramento em Arquitectura (“O Triunfo da Virtude. As Origens do Desenho Arquitectónico”, Livros Horizonte, Lisboa, 2001) propõe uma reflexão do “pensamento enquanto desenho”, tese que Eduardo Côrte-Real tem desenvolvido em inúmeras publicações nas quais os processos de “configuração” e “interpretação” do mundo através do desenho são postos em evidência. Da sua ligação ao ensino (iniciada na Faculdade de Arquitectura) destaca-se o seu marcante contributo na afirmação nacional e internacional da Escola Superior de Design do IADE, instituição da qual é, actualmente, presidente do Conselho Científico e editor do Journal publicado pela unidade de investigação (UNIDCOM).
REACTOR: Há um post no Reactor intitulado “O estado do design”. O que é que este título lhe sugere actualmente?
EDUARDO CÔRTE-REAL: O "estado" sugere uma relação com os estados gerais? Clero, Nobreza e Povo? Ou os estados naturais? Líquido, gasoso, sólido e plasmático? Assim seria Popular e Plasmático.
R: A palavra design identifica cada vez menos um campo disciplinar definido, passando a remeter para uma campo de criação híbrido e difuso. Corresponderá isto a um fracasso ou a triunfo do design sobre a cultura contemporânea?
EC-R: Porque haveria o Design de triunfar sobre a cultura contemporânea? A pergunta não faz sentido especialmente relacionada com a afirmação anterior. A palavra design nunca identificou um campo disciplinar definido, sempre remeteu para campos híbridos e difusos e nem sempre de criação. Quando o momento em que quase que se autonomizou como disciplina, aproveitou as sobras da arquitectura da escultura das artes gráficas, da fotografia, da ilustração, da pintura, das artes em geral para operar em interstícios projectuais ou sem nome ou com nomes de pouca dignidade. O Design é a infraestrutura da cultura contemporânea por muitas razões. Se isto se pode por em termos de triunfos... venha a bolacha Maria.
R: Há um conceito estruturante do pensamento projectual do Walter Gropius que é o conceito de “design total”, a ideia é, em síntese, a de que ao designer compete a definição intencional das modalidades de relação social, o design seria, assim, uma disciplina de definição politica. Não lhe parece que este “exercício político” do projecto é tão mais eficaz quanto mais imperceptível for e, neste sentido, o carácter difuso do design não poderá ser um sinal da sua eficácia?
EC-R: Não me parece que se possa inferir o exercício político da expressão de Gropius a não ser pelo truísmo de que todos os actos sociais são políticos. Quando se fala em eficácia está-se a falar da eficácia do Design ou do exercício político? Só pode ser o do exercício político projectual. Não concordo. Parece-me que o exercício político do projecto beneficia do carácter difuso do design que aqui se parece confundir com discrição. Noto que a difusão não implica a imperceptibilidade. Coisas muito difundidas, como o Benfica, são muito perceptíveis. Algumas coisas muito difundidas são também discretas e julgo que é sobre isso que perguntas. Voltando ao design global de Gropius parece-me mais que é qualquer coisa que antecipa a sistémica, que alerta para os feixes de consequências sociais que os objectos criam (criariam). Gropius esquece que o Social expurga e aceita e recompõe, edita, por assim dizer, os objectos recriando os sistemas. Gropius era um senhor mal-humorado com vocação demiúrgica e totalitária, devemos julgá-lo pela sua produção e pela genealogia da sua produção e não pelas suas propostas teóricas.
R: Se lhe pedisse uma definição de design…
EC-R: Pediria.
R: O design sempre se caracterizou pela inexistência de um consenso programático, hoje talvez mais evidente devido à falência dos verdadeiros projectos colectivos, a teoria do design sempre oscilou entre uma interpretação do designer enquanto um “agente social” e uma interpretação do designer enquanto um “agente do mercado”, parece-lhe haver sentido nesta distinção?
EC-R: Parece-me que há todo o sentido em fazer distinções do ponto de vista analítico. Sabemos que o agente social e o agente do mercado estão amalgamados, são um só mas distingui-los analiticamente dá jeito.
R: Perante o relativismo dos valores (e, em particular, dos valores do design após a crise do projecto moderno) não será importante os designers mostrarem que existe uma diferença profunda entre a “ética individual” e a “ética disciplinar”? Quero dizer, os valores que orientam o design não podem ser relativos aos valores que guiam o comportamento dos seus profissionais…
EC-R: Não sei o que se quer dizer com projecto moderno. Projecto modernista? O Projecto da Modernidade? O Projecto do Modernismo? Tenho uma certa dificuldade em aceitar a existência de uma ética individual tal como é colocada. Aceito a possibilidade de uma ética individual para além da profissão. Uma ética profissional é sempre uma ética social que, em dado momento, se pode desfasar daquilo que se chama ética disciplinar e é aí que as novas disciplinas surgem, porque houve um desfasamento.
R: Historicamente, o design foi sendo pensado como uma disciplina de “dimensão utópica”. Ainda há espaço para utopias no mundo contemporâneo?
EC-R: Acho que historicamente não foi nada pensado como uma disciplina de dimensão utópica. Foi pensado como uma disciplina de dimensão prática virada para a produção de coisas realizáveis e isto é muito mais inerente às disciplinas do Design do que a dimensão utópica. Primeiro, acho que a disciplina do design não se chegou a constituir. Existe sim um enorme grupo de actividades humanas entre a ciência, embora participando da técnica, e a arte, embora participando da estética que designamos (a aliteração é irresistível) por design. Em geral lidamos com os aspectos antecipação controlada de artificialidade a produzir e com a reflexividade desses aspectos no produzido. Este domínio é incomensurável. (Creio que, em breve a palavra design cairá por excesso de universalidade). Sendo assim, o Design não tem dimensão utópica mas, em certa medida tem-na Profética. Há sempre uma dose de profecia envolvida. Aliás acho que era isso que o Gropius quereria dizer se fosse menos programático.
As Utopias existem sempre na contemporaneidade. Aí é que encontram toda a sua pujança. Nunca a Utopia foi mais Utópica do que no tempo de Thomas More. Agora, por definição, as Utopias não têm lugar. Na Renascença muitas utopias eram regressivas. As visões arcadianas correpondiam a uma espécie de regresso. Um bom exemplo é a Hypnerotomachia Poliphili. Os sonhos de Polifilo eram o perfeito "setting" utópico. Depois, com More, vieram as viagens, das quais, obviamente o Swift é o expoente máximo e tristemente conhecido apenas por Lilliput.
R: Recordo-me de uma utopia particular, “Xanadu” do G. Nelson. Como olha para o actual estado do ciberespaço e da blogosfera em particular?
EC-R: Xanadu? A capital de Kublai Kahn? Acho que o ciberespaço é um conceito esgotado. Cibernetica lida com o estudo dos processos automáticos de controlo. Depois passou a significar tudo o que lida com computação. Sendo assim criou-se a ideia de um ciberespaço correspondendo ao conjunto das comunicações electronicamente e digitalmente assistidas que hoje são muitíssimo variadas. Em breve o electrónico e digital será tanto que ciberespaço será quase um sinónimo de espaço e consequentemente inútil como conceito. Posso comparar o sistema de controlo de fornecimento de gás natural com o messenger dos meus filhos, apesar de se passarem no "mesmo espaço"?
Quanto à blogosfera sei apenas que se assemelha, vá-se lá saber porquê, a uma esfera. Não blogo a não ser por acidente quando procuro alguma coisa (aliás nunca entendi o conceito de surfar) uso sempre a internet ou com um propósito de comunicação (email) ou para encontrar coisas determinadas. Uso o computador para escrever ou desenhar e não por desfastio (perfiro a RTP Memória). Agora noto que quando faço buscas, cada vez mais me aparecem resultados em blogues. O problema é que uma esfera de prosápia e auto-exposição se pode vir a sobrepôr aos verdadeiros sítios do conhecimento e um dia todo o ciberespaço será bloguico e consequentemente inútil para a produção de conhecimento. De repente é como se o projecto Gutemberg se transformasse em tagarelice.
R: Quais são os seus blogues de referência?
EC-R: Não tenho blogues de referência
R: Que pergunta acrescentaria a esta entrevista? E que resposta ela lhe mereceria?
EC-R: Pode, agora, dar-me uma definição de Design? Agora não posso.
Eduardo Côrte-Real é um dos nomes mais destacados da reflexão e do ensino do design em Portugal. A sua tese de Doutoramento em Arquitectura (“O Triunfo da Virtude. As Origens do Desenho Arquitectónico”, Livros Horizonte, Lisboa, 2001) propõe uma reflexão do “pensamento enquanto desenho”, tese que Eduardo Côrte-Real tem desenvolvido em inúmeras publicações nas quais os processos de “configuração” e “interpretação” do mundo através do desenho são postos em evidência. Da sua ligação ao ensino (iniciada na Faculdade de Arquitectura) destaca-se o seu marcante contributo na afirmação nacional e internacional da Escola Superior de Design do IADE, instituição da qual é, actualmente, presidente do Conselho Científico e editor do Journal publicado pela unidade de investigação (UNIDCOM).
REACTOR: Há um post no Reactor intitulado “O estado do design”. O que é que este título lhe sugere actualmente?
EDUARDO CÔRTE-REAL: O "estado" sugere uma relação com os estados gerais? Clero, Nobreza e Povo? Ou os estados naturais? Líquido, gasoso, sólido e plasmático? Assim seria Popular e Plasmático.
R: A palavra design identifica cada vez menos um campo disciplinar definido, passando a remeter para uma campo de criação híbrido e difuso. Corresponderá isto a um fracasso ou a triunfo do design sobre a cultura contemporânea?
EC-R: Porque haveria o Design de triunfar sobre a cultura contemporânea? A pergunta não faz sentido especialmente relacionada com a afirmação anterior. A palavra design nunca identificou um campo disciplinar definido, sempre remeteu para campos híbridos e difusos e nem sempre de criação. Quando o momento em que quase que se autonomizou como disciplina, aproveitou as sobras da arquitectura da escultura das artes gráficas, da fotografia, da ilustração, da pintura, das artes em geral para operar em interstícios projectuais ou sem nome ou com nomes de pouca dignidade. O Design é a infraestrutura da cultura contemporânea por muitas razões. Se isto se pode por em termos de triunfos... venha a bolacha Maria.
R: Há um conceito estruturante do pensamento projectual do Walter Gropius que é o conceito de “design total”, a ideia é, em síntese, a de que ao designer compete a definição intencional das modalidades de relação social, o design seria, assim, uma disciplina de definição politica. Não lhe parece que este “exercício político” do projecto é tão mais eficaz quanto mais imperceptível for e, neste sentido, o carácter difuso do design não poderá ser um sinal da sua eficácia?
EC-R: Não me parece que se possa inferir o exercício político da expressão de Gropius a não ser pelo truísmo de que todos os actos sociais são políticos. Quando se fala em eficácia está-se a falar da eficácia do Design ou do exercício político? Só pode ser o do exercício político projectual. Não concordo. Parece-me que o exercício político do projecto beneficia do carácter difuso do design que aqui se parece confundir com discrição. Noto que a difusão não implica a imperceptibilidade. Coisas muito difundidas, como o Benfica, são muito perceptíveis. Algumas coisas muito difundidas são também discretas e julgo que é sobre isso que perguntas. Voltando ao design global de Gropius parece-me mais que é qualquer coisa que antecipa a sistémica, que alerta para os feixes de consequências sociais que os objectos criam (criariam). Gropius esquece que o Social expurga e aceita e recompõe, edita, por assim dizer, os objectos recriando os sistemas. Gropius era um senhor mal-humorado com vocação demiúrgica e totalitária, devemos julgá-lo pela sua produção e pela genealogia da sua produção e não pelas suas propostas teóricas.
R: Se lhe pedisse uma definição de design…
EC-R: Pediria.
R: O design sempre se caracterizou pela inexistência de um consenso programático, hoje talvez mais evidente devido à falência dos verdadeiros projectos colectivos, a teoria do design sempre oscilou entre uma interpretação do designer enquanto um “agente social” e uma interpretação do designer enquanto um “agente do mercado”, parece-lhe haver sentido nesta distinção?
EC-R: Parece-me que há todo o sentido em fazer distinções do ponto de vista analítico. Sabemos que o agente social e o agente do mercado estão amalgamados, são um só mas distingui-los analiticamente dá jeito.
R: Perante o relativismo dos valores (e, em particular, dos valores do design após a crise do projecto moderno) não será importante os designers mostrarem que existe uma diferença profunda entre a “ética individual” e a “ética disciplinar”? Quero dizer, os valores que orientam o design não podem ser relativos aos valores que guiam o comportamento dos seus profissionais…
EC-R: Não sei o que se quer dizer com projecto moderno. Projecto modernista? O Projecto da Modernidade? O Projecto do Modernismo? Tenho uma certa dificuldade em aceitar a existência de uma ética individual tal como é colocada. Aceito a possibilidade de uma ética individual para além da profissão. Uma ética profissional é sempre uma ética social que, em dado momento, se pode desfasar daquilo que se chama ética disciplinar e é aí que as novas disciplinas surgem, porque houve um desfasamento.
R: Historicamente, o design foi sendo pensado como uma disciplina de “dimensão utópica”. Ainda há espaço para utopias no mundo contemporâneo?
EC-R: Acho que historicamente não foi nada pensado como uma disciplina de dimensão utópica. Foi pensado como uma disciplina de dimensão prática virada para a produção de coisas realizáveis e isto é muito mais inerente às disciplinas do Design do que a dimensão utópica. Primeiro, acho que a disciplina do design não se chegou a constituir. Existe sim um enorme grupo de actividades humanas entre a ciência, embora participando da técnica, e a arte, embora participando da estética que designamos (a aliteração é irresistível) por design. Em geral lidamos com os aspectos antecipação controlada de artificialidade a produzir e com a reflexividade desses aspectos no produzido. Este domínio é incomensurável. (Creio que, em breve a palavra design cairá por excesso de universalidade). Sendo assim, o Design não tem dimensão utópica mas, em certa medida tem-na Profética. Há sempre uma dose de profecia envolvida. Aliás acho que era isso que o Gropius quereria dizer se fosse menos programático.
As Utopias existem sempre na contemporaneidade. Aí é que encontram toda a sua pujança. Nunca a Utopia foi mais Utópica do que no tempo de Thomas More. Agora, por definição, as Utopias não têm lugar. Na Renascença muitas utopias eram regressivas. As visões arcadianas correpondiam a uma espécie de regresso. Um bom exemplo é a Hypnerotomachia Poliphili. Os sonhos de Polifilo eram o perfeito "setting" utópico. Depois, com More, vieram as viagens, das quais, obviamente o Swift é o expoente máximo e tristemente conhecido apenas por Lilliput.
R: Recordo-me de uma utopia particular, “Xanadu” do G. Nelson. Como olha para o actual estado do ciberespaço e da blogosfera em particular?
EC-R: Xanadu? A capital de Kublai Kahn? Acho que o ciberespaço é um conceito esgotado. Cibernetica lida com o estudo dos processos automáticos de controlo. Depois passou a significar tudo o que lida com computação. Sendo assim criou-se a ideia de um ciberespaço correspondendo ao conjunto das comunicações electronicamente e digitalmente assistidas que hoje são muitíssimo variadas. Em breve o electrónico e digital será tanto que ciberespaço será quase um sinónimo de espaço e consequentemente inútil como conceito. Posso comparar o sistema de controlo de fornecimento de gás natural com o messenger dos meus filhos, apesar de se passarem no "mesmo espaço"?
Quanto à blogosfera sei apenas que se assemelha, vá-se lá saber porquê, a uma esfera. Não blogo a não ser por acidente quando procuro alguma coisa (aliás nunca entendi o conceito de surfar) uso sempre a internet ou com um propósito de comunicação (email) ou para encontrar coisas determinadas. Uso o computador para escrever ou desenhar e não por desfastio (perfiro a RTP Memória). Agora noto que quando faço buscas, cada vez mais me aparecem resultados em blogues. O problema é que uma esfera de prosápia e auto-exposição se pode vir a sobrepôr aos verdadeiros sítios do conhecimento e um dia todo o ciberespaço será bloguico e consequentemente inútil para a produção de conhecimento. De repente é como se o projecto Gutemberg se transformasse em tagarelice.
R: Quais são os seus blogues de referência?
EC-R: Não tenho blogues de referência
R: Que pergunta acrescentaria a esta entrevista? E que resposta ela lhe mereceria?
EC-R: Pode, agora, dar-me uma definição de Design? Agora não posso.
REACTOR | ENSAIO
Revelação e Ocultação
As Mediações na Cultura Visual Moderna
José Manuel Bártolo
1. Introdução
“A nossa divindade, a história, encomendou-nos um túmulo do qual não há ressurreição.”
Ingborg Bachman, O Tempo Aprazado
Só do invisível podemos ansiar manifestação. A história dos media é, em grande medida, a história desse anseio e do modo dele se declinar num processo no qual a revelação nunca se dá sem mediação e onde o saber se constrói a partir da sua própria interpretação. Esta é, também, uma história de espectros, de projecções, que começou, talvez, com o abeirar-se de alguém junto da água para nela, surpreendentemente, ver um rosto que nunca havia visto. Várias são as ilações que, do mito de Narciso, se podem retirar para o plano da medialogia: que o medium transforma o eu num outro, ou seja, que o plano da identidade é nele co-relacionado com o da alteridade; que o medium agencia a mensagem o que pressupõe que não existem suportes semioticamente neutros; muitas outras interpretações se poderiam formular, mas, nesta introdução, preferimos salientar esta, a de que o medium, esse nosso intermediário, nos confronta com uma realidade que, aparentemente, não podemos receber sem espanto, porque a história dos media é, também, uma história de espantos e da sua procura. Se a história, a história de cada um, nos encomendou um túmulo do qual não há ressurreição, essa mesma história nos motiva, de cada vez, em cada morte, a olha-la e a fixa-la numa imagem que lhe poderá perdurar. As imagens que nos mediam são a nossa forma de esperar a morte tornando a vida esperançosa.
O que é esperado deve ser, também, temido. A palavra “espanto” deriva de expaveo, expectativa temerosa, mas está, também, próxima de expando, abertura ou revelação. A revelação não ocorre sem mediação. O medium é o intermediário que permite ao invisível a manifestação, ao indizível a enunciação, ao vindouro a anunciação, mesmo que a visibilidade do invisível, a enunciabilidade do indizível ou a presentabilidade do porvir se dêem simbolicamente, essa é, aliás, a forma do oculto se manifestar mediunicamente, esse é o carácter fantasmático dos meios, quer dos velhos quer dos novos. Além do mais, se existem diferentes gerações de media, a verdade é que nenhum medium é completamente substituído por outro, algo permanece, mesmo que fantasmaticamente, nos novos media digitais que descende, por exemplo, das lanternas mágicas ou das fantasmagorias.
Só se desenvolve o medium quando há um saber que tem de ser mediado. Na modernidade, a mediação dos saberes desenvolve-se no interior da nova racionalidade instrumental que faz evoluir meios, instrumentos e dispositivos impondo uma nova cultura técnica na qual as relações de saber e de poder vão sendo tecnicamente mediadas. São essas relações, tomadas na perspectiva da cultura visual, o objecto de análise do presente ensaio.
2. A razão instrumental
No limiar da modernidade há três heranças pré-modernas que determinam o seu destino futuro: a Reforma que expropriando as ordens eclesiásticas desenvolve o duplo processo de expropriação individual e acumulação de riqueza social; a descoberta da América e a subsequente exploração da terra; a invenção do telescópio e o desenvolvimento de uma nova ciência instrumental que relativiza o lugar da terra passando a considerá-la do ponto de vista do universo. Quando estes três processos – laicização e capitalização; projecto taxinómico e desenvolvimento de uma racionalidade instrumental – se vêm ancorados pela matemática moderna ganham possibilidades de crescimento que lhes permitiram chegar ao actual estádio de desenvolvimento do capitalismo, do arquivo e da telemática digital contemporâneos.
Uma arqueologia da cultura visual moderna levar-nos-á, insuspeitamente, ao final do século XVI, período no qual se produz uma transformação fundamental na história do Ocidente, a criação da matemática moderna que irá impor à técnica medieval as regras de precisão e de rigor da ciência matemática. A técnica torna-se, então, técnica de precisão, de medida e de cálculo, entrando no universo científico veiculada à categoria da universalidade (cientifica e social) que determinará a sua vocação futura.
A ciência moderna forma-se pela derrocada do modo “grego” de produção de conceitos, efeito da nova matemática e da sua importação pelas ciências da natureza. A revolução científica não resulta tanto do facto de se de declarar o mundo matematizável – o que pelo menos desde o Timeu não era novidade – mas, antes, do facto dessa declaração poder ser feita a partir de uma forma universal de representação, rigorosa e manipulável até ao infinito, a partir da qual a matematização abstracta do mundo vai sendo concretizada através da matematização da vida, dos corpos, dos comportamentos, dos desejos e das memórias, matematização esta que se faz directa e indirectamente, através de meios de cálculo e controlo, através de processos de representação e educação, através, finalmente, do desenvolvimento de aparatos instrumentais e da introdução de politicas instrumentais aplicadas aquém e além do funcionamento estrito dos instrumentos.
Os instrumentos que nos aparecem no final da idade média e no início da idade moderna são na sua maioria invenções artesanais reinterpretadas no interior do espaço científico, integrados como instrumentos de laboratório, e novamente devolvidos para o plano quotidiano. Assim parece acontecer com a luneta astronómica de Galileu, o telescópio criado por Leeuwenhoeck, o microscópio de Swammerman ou o barómetro de Torricelli. Todos estes instrumentos parecem possuir uma quádrupla aplicação: permitem a verificação de certas hipóteses científicas; na medida em que fixam, na sua estrutura e na sua função, uma “verdade teórica” concretizada, eles tornam-se modelos de investigação científica fornecendo perspectivas conceptuais e metodológicas. Assim, por exemplo, as questões da “divisão ao infinito” do cálculo infinitesimal, não são pensáveis sem o microscópio que as concretiza; instrumentalizam a linguagem tradicional modificando-a, os instrumentos científicos são, então, agentes activos de modificação da linguagem; instrumentalizam e funcionalizam os comportamentos quotidianos, funcionando como instrumentos mediadores e fornecendo linguagem mediadora da nossa relação com a realidade.
O desenvolvimento da ciência instrumental moderna modifica, radicalmente, a organização epistemológica da cultura medieval. Conhecemos alguns instrumentos de abertura, que possibilitam tal revolução, desde as lunetas e demais aparelhos ópticos que abrem ao olhar humano ao mundo do infinitamente pequeno e no infinitamente distante aos aparelhos médicos, como os alicates e os afiados escalpelos dos anatomistas que a partir do final do século XIII, abrindo os corpos cadavéricos, deixam entrar, pela incisão, um novo olhar que não só reorganiza a carne morta mas que reinventa a carne viva e a partir dela toda uma organização de saberes, de fazeres e de poderes.
Os escalpelos, as pinças, os alicates, utilizados pelos anatomistas e pelos cirurgiões revelam a importância dos “instrumentos de operação” mas, mais importante, revelam a importância de uma nova lógica instrumental. De facto, tão importante como escalpelo é a mão ou olho, também eles instrumentos que devem ser “afinados”, “apurados”, e a mesma lógica que define o operador como um “instrumento”, definirá igualmente o operado, fazendo do cemitério onde, ocultamente, se praticam dissecações, do laboratório, do teatro anatómico, dos gabinetes de curiosidades, “máquinas instrumentais” complexas onde uma lógica instrumental que se vai impondo, semioticizando de um modo determinado cada objecto e cada sujeito.
A imagem usada por D’Ambert, do saber moderno como um rio que rompe as suas barragens , é ilustrativa do modo como, em largura e em profundidade, a nova lógica instrumental reinterpreta o saber antigo e medieval. O corpo humano que os anatomistas abriram e desmontaram era um “pequeno mundo”, microcosmo inseparável do macrocosmos, ao dissecarem um, necessariamente, estariam a dissecar o outro. Newton expressa-o bem ao concluir a sua Opticks, publicada em 1704, afirmando que com o alargamento da filosofia natural os limites da filosofia moral são também alargados.
A ciência moderna é suportada instrumentalmente. Invenção instrumental, experimentação instrumentalmente apoiada e teorização desenvolvem-se em paralelo. Assim acontece na física com o desenvolvimento de dispositivos instrumentais complexos para estudar a velocidade ou a força dos corpos, como os famosos dispositivos de Giovanni Poleni e de Willem ‘sGravesande para demonstrar as leis da colisão; os conceitos da mecânica analítica – como os de “força viva” e “acção” – foram trabalhados experimentalmente por William Hamilton ou Carl Gustav Jacobi a partir da utilização de instrumentos técnicos por si inventados ou adaptados; assim acontece no campo da ciência natural com a invenção do microscópio que permitirá a Leeuwenhoeck, em 1667, descobrir “animáculos” no esperma humano ou o de Robert Hooke, dois anos antes, elaborar a primeira noção da organização celular; também noutras áreas os instrumentos ganham uma importância decisiva, como se constata com a invenção de novos instrumentos utilizados pelos físicos em termodinâmica, electrodinâmica, energetismo ou os utilizados no campo da óptica, onde a evolução teórica é suportada por instrumentos que permitem a observação e a experimentação como os instrumentos ópticos de Francesco Algarotti; no campo da astronomia uma série de instrumentos desempenham um papel decisivo; sabe-se que as famosas observações de Marte feitas por Tycho Brahe sem telescópio tinham uma precisão de cerca de dois minutos de arco; por volta de 1725, os arcos graduados adaptados a miras telescópicas e os micrómetros de traços (usados por Johann Tobias Mayer ou Jean-Baptiste Delambre) tinham uma precisão inferior a 8 segundos de arco, e no final do século, a precisão aumentara para menos de um segundo de arco. Da mesma forma, a equação que tinha de ser aplicada a todas as observações para corrigir a refracção provocada pela atmosfera da terra melhorou ao longo do século, passando de uma incerteza de até 10 segundos de arco para menos de um segundo. Estas melhorias técnicas significavam que as observações podiam aferir a teoria e vice-versa.
No século XVIII, um pouco por toda a Europa existem fabricantes de instrumentos científicos, capazes de responder às crescentes encomendas que traduzem o aumento e melhoria qualitativa dos laboratórios de química, dos cabinets de física, dos laboratórios de ciência natural, dos hospitais ou, ainda, das expedições científicas. Alguns fabricantes ficaram justamente famosos, tal como o inglês John Cuthbertson que fabricou o gigantesco gerador electrostático que, em 1785, equipou o laboratório de Martinus van Marum. Sabemos, também, que o laboratório de Lazzaro Spallanzini era sofisticado ao ponto de nele ter realizado as primeiras fecundações in vitro.
O aumento da quantidade e da qualidade da informação obtida pelos novos instrumentos científicos colocava problemas ao nível do tratamento, classificação, ordenação, representação, legendagem, arquivo e difusão dessa informação. A tentativa de Thomas Moffett de classificação dos gafanhotos revelava, esclarecedoramente, os perigos do excesso de informação:
«Alguns são verdes, alguns pretos, outros azuis. Alguns voam com um par de asas, outros com mais do que um; aqueles que não possuem asas, saltam, os que não podem voar ou saltar, andam; alguns têm pernas mais longas, outros pernas mais curtas; há alguns que cantam, outros são silenciosos; E existem muitos tipos na natureza, e assim os seus nomes são praticamente infinitos.»
Percebe-se assim a importância de um projecto taxinómico de classificação, ordenação e arquivo de saberes, fazeres e poderes que mobilizará transversalmente a cultura moderna.
As taxinomias assumem uma grande importância, mas também os mapas e os atlas – dos atlas anatómicos ao atlas astronómicos como o de William Herschel, passando pelos atlas geológicos como o que Jean-Etienne Guettard desenvolveu com a ajuda de Lavoisier – através deles desenvolve-se uma nova linguagem gráfica traduzida não apenas na técnica de ilustração mas, igualmente, na forma de legendar e nos processos de representação simbólica.
O projecto taxinómico que domina a modernidade é, antes de mais, um projecto de estabilização do saber, de integração da informação produzida dentro de um sistema epistemológico que o classifica e arquiva. Mas também aqui, é importante percebermos a circulações que se dão entre o sistema dos saberes e o sistema do fazeres e dos poderes, eles estão interligados e a máquina taxinómica deverá estabilizar os três separando e fixando o que se pode e o que não se pode, o que se deve e o que não se deve saber e fazer.
Com o desenvolvimento dos media, com o aperfeiçoamento instrumental, com a estabilização de linguagens de representação gráfica e com a aplicação de princípios de cálculo, evoluções que se dão solidariamente, as taxinomias vão sendo, progressivamente, mais ambiciosas e integrantes. No início do século XVII, Gaspar Bauhin, descreveu cerca de seis mil espécies no seu herbário, no final desse século John Ray na sua Historia plantarum generalis incluía mais de 18 mil espécies. Tornava-se, então, essencial um sistema de classificação capaz de ordenar um tal conjunto de dados. Em 1750, quando o trabalho de Lineu é publicado, marcando uma viragem nos procedimentos taxinómicos, já haviam sido propostos cerca de meia centena de diferentes sistemas.
Se o êxito das taxinomias botânicas se restringiu, sobretudo, a plantas com o padrão familiar de raízes, caules e folhas – formas mais complexas como as algas e os musgos representavam enigmas mais difíceis de resolver e foram afastadas como sendo plantas imperfeitas – a zoologia deparava-se com uma multiplicidade de formas que não podiam ser evitadas, como os quadrúpedes, as aves, os répteis, os peixes, os crustáceos e os insectos, aos quais se acrescentou, progressivamente ao longo do século XVII, a vida microscópica.
Com o desenvolvimento dos instrumentos observacionais, a modernidade vai-se dando conta de que existem formas de vida, desconhecidas do mundo antigo e medieval, acima de nós (reveladas pelo telescópio), à nossa volta, mas, também, dentro de nós, vida infinita pequena revelada pelo microscópio. À nova ciência instrumental cabe, assim, ordenar o saber visível e invisível a olho nu, ordenar o que está infinitamente distante e infinitamente pequeno, ordenar a vida biológica e o mundo inanimado das máquinas, ordenar o cadáver e o corpo vivo, ordenando, ainda, as formas de viver.
A taxinomia fornecia o quadro amplo no qual se organizava o conhecimento biológico e social. Mais do que um simples instrumento científico os projectos taxinómicos constituíam-se como projectos bio-politicos de constituição de formas integradoras e controladoras da vida individual e colectiva.
O grande crescimento do conhecimento físico, associado ao, ainda maior, crescimento do conhecimento biológico, provocou uma reorganização do mundo medieval. A nova geografia física e humana às quais se poderia acrescentar uma nova geografia epistemológica, produz toda uma nova geo-estratégica que reinterpreta saberes, fazeres e poderes agora integrados num esquema de maior complexidade que aquele do mundo medievo. O biopoder moderno, detalhadamente trabalhado por Michel Foucault, insere-se, precisamente, nesta nova ordem geo-estratégica que deve ser capaz de construir uma semiótica, uma axiologia e uma epistemologia que estabilize o novo, que imponha processos normativos, que estabeleça classificações, que possua uma lógica arquivística que seja capaz de integrar e dominar o novo e, ao mesmo tempo, requalificar o antigo.
Assim, novos instrumentos, novos lugares, novos corpos, novos saberes, novas práticas e novos poderes são integrados numa ordem sistemática que parece capaz de impor a sua ordenação, a sua classificação, a sua legenda, a sua arquivística a uma nova natureza da vida.
Progressivamente a partir do século XVI, saber e poder passam a estar associados a partir de um operador comum: o olhar. As diferentes modalizações do olhar determinam diferentes graus de saber e diferentes ordens de poder. O controlo dos media e dos instrumentos significa, também, a possibilidade de ver, de ver mais longe, de ver melhor, de ver o “invisível”, de ver sem ser visto, de ver repetidas vezes. O telescópio e o microscópio o demonstram, mas dentro desta lógica podemos incluir também, e entre tantos outros exemplos possíveis, a arquitectura panóptica ou, posteriormente, a invenção da fotografia. Agora é claro, o olhar é o primeiro instrumento e, por isso, também ele deverá ser “afinado”, também ele deverá ser semioticizado, ganhando um sentido determinado dentro do sistema de saber-fazer no qual se integra. E nesta constatação vamo-nos apercebendo como aqueles mesmos que inventam e utilizam os novos instrumentos vão sendo instrumentalizados, como aqueles mesmos que dissecam os corpos vão sendo dissecados, como aqueles mesmos que desenvolvem taxinomias vão sendo ordenados.
3. As imagens e o espanto
As imagens mediadas são imagens espantosas. O espanto localiza não só um problema estético mas, igualmente, um problema científico ao confrontar-nos com uma imagem ambígua e pairante. Na Micrographia, publicada em 1667, Robert Hooke reconhecia que o microscópio subvertia as normas de lucidez, coerência e estabilidade dos corpos ao transformar objectos comuns, como simples grãos de milho, em imagens misteriosas, irreconhecíveis e inquietantes. A racionalidade instrumental do século XVIII confrontou-se largamente com este problema, o do estatuto identitário de tudo aquilo que não é “nem uma coisa nem outra”. A geografia, a mineralogia, a química, a óptica, a medicina confrontaram-se com esses inter-seres, espécie de fantasmas cuja aparição depende de condições de possibilidade extraordinárias e cujo lugar no mundo, a despeito na sua permanente presença entre nós, não é reconhecido. O estatuto dos invisíveis (esses seres apenas perscrutados instrumentalmente) está, de certa forma, próximo do estatuto das imagens projectadas que parecem pairar visíveis mas incorpóreas como acontecia com as diabruras de Giovanni Battista della Porta usando a Câmara Obscura ou com as fantasmagorias de Robertson usando a lanterna mágica.
Os media sejam eles quais forem – a máscara do xamã ou o dispositivo de tomografia axial computorizada do médico contemporâneo – despertam o espanto na medida em que intermediam o visível e o invisível, o ausente e o presente, o manifesto e o oculto. O espanto é, essencialmente, a consciência de que o objecto identificado não é inteiramente identificado, há no que se vê algo que se esconde, que se deve conservar escondido, que se deve saber escondido permitindo admirar no que se manifesta o que se oculta. O espanto das imagens mediadas coloca-nos, assim, em contacto com uma zona de não-conhecimento, possibilita-nos algo que de outra forma poderíamos nunca saber, que o que se sabe, que o que se vê, sabe-se em escorço, remetência para algo que é evocado mas nunca fixado. Tal não significa que essas imagens nos remetam para um outro plano ou para uma outra vida, pelo contrário, o espanto é a nossa vida, naquilo que não nos pertence.
A história da fotografia descreve-nos como perante os primeiro daguerreótipos, os espectadores se sentiam perturbados ao ponto de desviarem o olhar. A perturbação nascia do facto de se sentirem olhados pela pessoa retractada, olhados como nunca ninguém os olhou, olhar fixo, sem demora, presente e, contudo, inquietantemente, ausente.
Nas palavras de Agamben, “A imagem fotográfica é sempre mais do que uma imagem; é o lugar de uma separação, de um dilaceramento sublime, entre o sensível e o inteligível, entre a cópia e a realidade, entre a recordação e a esperança.” Era este mesmo dilaceramento sublime que a ciência natural do século XVIII reconhecia nesses seres tão sublimes que para eles não podia haver um nome que definitivamente os nomeasse. Eles teriam de ser nomeados metaforicamente e não apenas por uma imagem mas por inúmeras para que no final, da reunião desses nomes, pudesse surgir uma imagem com um certo sentido identitário, uma imagem que como eles estivesse aquém e além deste mundo. Chamavam-lhes invisíveis, viajantes, vacillators, animáculos. Rapidamente, os instrumentos ópticos tornaram possível descobrir esses inter-seres em todas as coisas sólidas, líquidas ou gasosas, eles estavam nas folhas das plantas e nos caules, numa mão humana e no ventre de um animal, eles estavam no esperma e no ar que respiramos, eles estavam no corpo vivo e na matéria morta, eles representavam a vida que se está permanentemente a perder.
4. A Cultura panóptica
A partir da segunda metade do século XVII verificamos o desenvolvimento de uma nova cientificidade instrumentalmente sustentada. O final do século XVII coincide também com o desenvolvimento do que L. Stewart designa de “Public Science”. Esta public science resulta de dois fenómenos: o estabelecimento por parte dos cientistas de laços entre o interior e o exterior do laboratório, na medida em que se o laboratório é o espaço de análise, ordenação, classificação e arquivo da informação, o exterior é o espaço de observação e registo. Desta forma instrumentos e procedimentos de utilização passam a integrar o espaço público; por outro lado, a orientação utilitarista da nova ciência leva a que muitos dos instrumentos sejam construídos para terem uma aplicabilidade primária nos transportes, na agricultura e na indústria; finalmente, é sabido que os instrumentos científicos eram rapidamente adaptados a funções de entretenimento popular. Desse modo estabelece-se um mercado, um comércio e uma cultura de utensílios, instrumentos, máquinas, manuais de instrução, todo um comércio científico que transporta os objectos e formas de conhecimentos técnicas e cientificas para a esfera pública ao longo do século XVIII.
Impõe-se assim uma nova racionalidade definida a partir das possibilidades oferecidas pela mecanização ao nível da produção material e mental. As novas legislações, que um pouco por toda a Europa vão sendo redigidas, têm bem presente toda a lógica desta razão instrumental e o modo como a mecanização pode ser ajustada ao desenvolvimento de uma nova economia politica. Esta nova racionalidade constrói, alicerçada sobre os princípios da ciência observacional, constrói toda uma cultura da visibilidade.
Torna-se difícil identificar, com rigor, qual o domínio no qual esta nova filosofia da visibilidade surge: podemos identifica-lo nos tratados de politica onde a corrupção e o desperdício são percebidos como efeitos do secretismo, identificamo-lo nas doutrinas morais e no pensamento dos higienistas onde o vicio e a degradação estão associadas à marginalidade ao que acontece no escuro e às escondidas; encontramo-lo numa nova lógica de comércio onde a exposição, a visibilidade de produtos e mercadorias surge garantia de honestidade e rigor; identificamo-lo também, claramente, na observação do funcionamento da máquina metáfora de um funcionamento perfeito, útil, eficaz, sem desperdício, no qual as varias peças colaboram com um objectivo comum e cujo funcionamento está visível, exposto aos olhos de quem o quiser observar. A nossa racionalidade passa à associar o erro, o vício, a doença, a corrupção, o crime, a ignorância ao que está obscuro, ao que é escondido ou mantido em segredo ao mesmo tempo que dignifica o que é iluminado, revelado, manifestado, exposto. O novo valor da exposição, a eficácia da visibilidade, exige no entanto, para ser aplicado ou para ser maximizado, ordenação, normalização, racionalização. Estabelecem-se assim séries de visibilidade e de invisibilidade, por vezes relacionáveis, por vezes permutáveis, esquemas que se vão tornando progressivamente mais complexos, que perpassam pelo pensamento filosófico de Kant na separação entre fenómeno e númeno, que circulam pela literatura fantástica agora dominada por espiões, agentes duplos, seres mutáveis, que atravessam a nova filosofia da natureza atenta à mudança, à metamorfose, mas também à simbiose ao mimetismo, que se materializam enfim com o desenvolvimento de toda uma panóplia de instrumentos auxiliares dos sentidos que ver para além do humanamente visível, ouvir para além do humanamente audível, palpar para além do humanamente palpável, registar para além do que a memória humana consegue registar.
Constrói-se deste modo, em vários domínios que progressivamente passam entre si a cooperar uma máquina de exposição que disciplina espaço, tempo, corpos, objectos de modo a expô-los à uma determinada visão que não apenas o olha mas que os observa com tudo o que a observação moderna passa conter de registante, analisante, ordenante, instrumentalizante.
Esta máquina pode com toda a propriedade ser designada de panóptica. A sua presença tende a criar micro-máquinas que a replicam. São máquinas que integram peças e são máquinas que se reduzem a peça integrando-se noutras máquina.
Encontramos o principio em algumas máquinas de James Watt, encontramo-lo a partir dos anos 80 do século XVIII nos panoramas de Barker, com mais clareza ainda encontramo-lo na fábrica do porto de Portsmouth concebida por Samuel Bentham e que impõe toda uma lógica de visibilidade. Samuel Bentham concebe todo um plano que prevê a distribuição de máquinas e operários garantido uma visibilidade gradante: a máquina é visível para o operário, os operários e máquinas são visíveis para os fiscais que percorrem o corredor a partir do qual se dá a distribuição, por sua vez máquinas, operários e fiscais podem ser observados pelo engenheiro ou pelo industrial a partir de uma plataforma superior. O princípio de visibilidade está também presente na abertura da fábrica aos visitantes, estes podem ser atraídos por simples curiosidade ou por interesse científico. Entre o final do século XVIII e o início do século XIX visitar as fábricas britânicas eram tão popular e tão cientificamente estimulante como ler as descrições geológicas ou zoológicas de um determinado filósofo, observar a lua através de um telescópio ou examinar um pedaço de tecido ao microscópio. Os próprios industriais ganham um novo estatuto científico, o caso de William Strutt, dono de uma fábrica de algodão em Derby e membro destacado da Philosophical Society, é um exemplo entre vários.
A importância dos dispositivos públicos enquanto elementos ordenadores defendida por Samuel Benthan é igualmente sublinhada pelo seu irmão Jeremy na sua obra epistolar onde apresenta a ideia de um novo princípio de construção aplicável a qualquer local onde as pessoas devem ser mantidas sob observação, prisões, fábricas, asilos, hospitais e escolas.
O princípio arquitectónico é bem conhecido, na periferia uma construção em anel; no centro uma torre; esta é rasgada por largas janelas que se abrem sobre a face interna do anel; a construção periférica é dividida em selas, cada uma atravessando toda a espessura da construção; cada cela tem duas janelas, uma abre para o interior correspondendo à janela da torre; outra abre para o exterior permitindo a iluminação da cela. Para que um sistema de vigilância funcione basta colocar um vigia na torre central e em cada cela trancar um prisioneiro, um louco, um doente, um operário ou um escolar. O dispositivo panóptico organiza unidades espaciais que permitem ver sem parar e reconhecer imediatamente. Quem observa não pode ser observado e quem é observado só pode observar alguém que lhe é igual: um operário observa um operário mas não observa o fiscal que pode observar outro fiscal; o leproso observa outro leproso mas não observa o médico que o observa e que pode observar e ser observado por outro médico. A partir deste olhar que sublinha, dir-se-ia por repetição mecânica, identidade e alteridade, desenvolve-se toda uma lógica funcional normalizadora e instrumentalizadora da vida.
5. CODA
Toda a revelação é desesperante. Há, no que se oculta, no que permanece secreto ou desconhecido, uma extraordinária possibilidade de esperança, que decorre do facto de nos ser permitido imaginar isso que ainda não se manifestou, pura promessa de ser. Mas quando isso se manifesta, irremediável, irrepetível, sabemos que a manifestação conduziu o ser ao seu túmulo e o tornou impossível de voltar a ser.
Adolf Portmann advertia-nos para a diferença, radical diferença, entre dois tipos de manifestações: as manifestações autênticas seriam aquelas que nos aparecem naturalmente, brilhando à luz, sem que o nosso poder operatório as provoque, e as manifestações inautênticas corresponderiam aquelas manifestações que se escondem do nosso olhar e que apenas se revelam à força, através da violência exercida pelos nossos instrumentos.
Forçar a realidade a mostrar-se foi o grande projecto da modernidade que a contemporaneidade prolonga e intensifica. Não deixar nada por revelar, próximo ou distante, nas superfícies ou nas entranhas, e não apenas expor ao olhar, mas cartografar, dissecar, legendar, classificar e arquivar. O arquivo contemporâneo manifesta a actualidade do grande projecto taxinómico moderno, actualizando-o num arquivo multimédia, parcialmente consultável em rede e que nos permite visitar o interior da galáxia ou o interior do nosso corpo, a evolução de um vírus ou o funcionamento do nosso cérebro.
Com os novos media tornamo-nos espectadores que se confrontam com imagens cujo carácter sedutor resulta da extraordinária ausência de correspondência com qualquer fenómeno do mundo natural. O que implica reaprendermos a experiência de ser espectador, apreendermos uma nova técnica da observação e uma nova gramática visual que nos permita fazer a leitura dessas imagens extraordinárias. Este fenómeno tende a estar presente em variadíssimas situações, ele caracteriza o olhar do visitante de um site científico ao observar as imagens do cérebro obtidas por tomografia axial computorizada ou olhar do visitante de um site pornográfico ao observar imagens, obtidas com micro-câmara, do interior de uma vagina. Estas imagens, obtidas através de novos media, possibilitam-nos a mediação com uma realidade unicamente acessível instrumentalmente, uma realidade absolutamente estranha onde é impossível não vermos senão fantasmas, imagens que podem vir a ser revestidas de sentido mas que naturalmente nada são, porque se o acesso é mediado, o saber sobre aquilo a que se acedeu carece, igualmente, de mediação. Que os fantasmas sejam agora tão orgânicos, tão viscerais, menos etéreos e mais carnais, que os fantasmas sejam agora menos incorporais e mais coisas em carne viva é, talvez, um elemento distintivo da nossa época. Como se os fantasmas estivessem dentro de nós e os media – os media digitais e os biomedia – apenas os revelassem.
Revelação e Ocultação
As Mediações na Cultura Visual Moderna
José Manuel Bártolo
1. Introdução
“A nossa divindade, a história, encomendou-nos um túmulo do qual não há ressurreição.”
Ingborg Bachman, O Tempo Aprazado
Só do invisível podemos ansiar manifestação. A história dos media é, em grande medida, a história desse anseio e do modo dele se declinar num processo no qual a revelação nunca se dá sem mediação e onde o saber se constrói a partir da sua própria interpretação. Esta é, também, uma história de espectros, de projecções, que começou, talvez, com o abeirar-se de alguém junto da água para nela, surpreendentemente, ver um rosto que nunca havia visto. Várias são as ilações que, do mito de Narciso, se podem retirar para o plano da medialogia: que o medium transforma o eu num outro, ou seja, que o plano da identidade é nele co-relacionado com o da alteridade; que o medium agencia a mensagem o que pressupõe que não existem suportes semioticamente neutros; muitas outras interpretações se poderiam formular, mas, nesta introdução, preferimos salientar esta, a de que o medium, esse nosso intermediário, nos confronta com uma realidade que, aparentemente, não podemos receber sem espanto, porque a história dos media é, também, uma história de espantos e da sua procura. Se a história, a história de cada um, nos encomendou um túmulo do qual não há ressurreição, essa mesma história nos motiva, de cada vez, em cada morte, a olha-la e a fixa-la numa imagem que lhe poderá perdurar. As imagens que nos mediam são a nossa forma de esperar a morte tornando a vida esperançosa.
O que é esperado deve ser, também, temido. A palavra “espanto” deriva de expaveo, expectativa temerosa, mas está, também, próxima de expando, abertura ou revelação. A revelação não ocorre sem mediação. O medium é o intermediário que permite ao invisível a manifestação, ao indizível a enunciação, ao vindouro a anunciação, mesmo que a visibilidade do invisível, a enunciabilidade do indizível ou a presentabilidade do porvir se dêem simbolicamente, essa é, aliás, a forma do oculto se manifestar mediunicamente, esse é o carácter fantasmático dos meios, quer dos velhos quer dos novos. Além do mais, se existem diferentes gerações de media, a verdade é que nenhum medium é completamente substituído por outro, algo permanece, mesmo que fantasmaticamente, nos novos media digitais que descende, por exemplo, das lanternas mágicas ou das fantasmagorias.
Só se desenvolve o medium quando há um saber que tem de ser mediado. Na modernidade, a mediação dos saberes desenvolve-se no interior da nova racionalidade instrumental que faz evoluir meios, instrumentos e dispositivos impondo uma nova cultura técnica na qual as relações de saber e de poder vão sendo tecnicamente mediadas. São essas relações, tomadas na perspectiva da cultura visual, o objecto de análise do presente ensaio.
2. A razão instrumental
No limiar da modernidade há três heranças pré-modernas que determinam o seu destino futuro: a Reforma que expropriando as ordens eclesiásticas desenvolve o duplo processo de expropriação individual e acumulação de riqueza social; a descoberta da América e a subsequente exploração da terra; a invenção do telescópio e o desenvolvimento de uma nova ciência instrumental que relativiza o lugar da terra passando a considerá-la do ponto de vista do universo. Quando estes três processos – laicização e capitalização; projecto taxinómico e desenvolvimento de uma racionalidade instrumental – se vêm ancorados pela matemática moderna ganham possibilidades de crescimento que lhes permitiram chegar ao actual estádio de desenvolvimento do capitalismo, do arquivo e da telemática digital contemporâneos.
Uma arqueologia da cultura visual moderna levar-nos-á, insuspeitamente, ao final do século XVI, período no qual se produz uma transformação fundamental na história do Ocidente, a criação da matemática moderna que irá impor à técnica medieval as regras de precisão e de rigor da ciência matemática. A técnica torna-se, então, técnica de precisão, de medida e de cálculo, entrando no universo científico veiculada à categoria da universalidade (cientifica e social) que determinará a sua vocação futura.
A ciência moderna forma-se pela derrocada do modo “grego” de produção de conceitos, efeito da nova matemática e da sua importação pelas ciências da natureza. A revolução científica não resulta tanto do facto de se de declarar o mundo matematizável – o que pelo menos desde o Timeu não era novidade – mas, antes, do facto dessa declaração poder ser feita a partir de uma forma universal de representação, rigorosa e manipulável até ao infinito, a partir da qual a matematização abstracta do mundo vai sendo concretizada através da matematização da vida, dos corpos, dos comportamentos, dos desejos e das memórias, matematização esta que se faz directa e indirectamente, através de meios de cálculo e controlo, através de processos de representação e educação, através, finalmente, do desenvolvimento de aparatos instrumentais e da introdução de politicas instrumentais aplicadas aquém e além do funcionamento estrito dos instrumentos.
Os instrumentos que nos aparecem no final da idade média e no início da idade moderna são na sua maioria invenções artesanais reinterpretadas no interior do espaço científico, integrados como instrumentos de laboratório, e novamente devolvidos para o plano quotidiano. Assim parece acontecer com a luneta astronómica de Galileu, o telescópio criado por Leeuwenhoeck, o microscópio de Swammerman ou o barómetro de Torricelli. Todos estes instrumentos parecem possuir uma quádrupla aplicação: permitem a verificação de certas hipóteses científicas; na medida em que fixam, na sua estrutura e na sua função, uma “verdade teórica” concretizada, eles tornam-se modelos de investigação científica fornecendo perspectivas conceptuais e metodológicas. Assim, por exemplo, as questões da “divisão ao infinito” do cálculo infinitesimal, não são pensáveis sem o microscópio que as concretiza; instrumentalizam a linguagem tradicional modificando-a, os instrumentos científicos são, então, agentes activos de modificação da linguagem; instrumentalizam e funcionalizam os comportamentos quotidianos, funcionando como instrumentos mediadores e fornecendo linguagem mediadora da nossa relação com a realidade.
O desenvolvimento da ciência instrumental moderna modifica, radicalmente, a organização epistemológica da cultura medieval. Conhecemos alguns instrumentos de abertura, que possibilitam tal revolução, desde as lunetas e demais aparelhos ópticos que abrem ao olhar humano ao mundo do infinitamente pequeno e no infinitamente distante aos aparelhos médicos, como os alicates e os afiados escalpelos dos anatomistas que a partir do final do século XIII, abrindo os corpos cadavéricos, deixam entrar, pela incisão, um novo olhar que não só reorganiza a carne morta mas que reinventa a carne viva e a partir dela toda uma organização de saberes, de fazeres e de poderes.
Os escalpelos, as pinças, os alicates, utilizados pelos anatomistas e pelos cirurgiões revelam a importância dos “instrumentos de operação” mas, mais importante, revelam a importância de uma nova lógica instrumental. De facto, tão importante como escalpelo é a mão ou olho, também eles instrumentos que devem ser “afinados”, “apurados”, e a mesma lógica que define o operador como um “instrumento”, definirá igualmente o operado, fazendo do cemitério onde, ocultamente, se praticam dissecações, do laboratório, do teatro anatómico, dos gabinetes de curiosidades, “máquinas instrumentais” complexas onde uma lógica instrumental que se vai impondo, semioticizando de um modo determinado cada objecto e cada sujeito.
A imagem usada por D’Ambert, do saber moderno como um rio que rompe as suas barragens , é ilustrativa do modo como, em largura e em profundidade, a nova lógica instrumental reinterpreta o saber antigo e medieval. O corpo humano que os anatomistas abriram e desmontaram era um “pequeno mundo”, microcosmo inseparável do macrocosmos, ao dissecarem um, necessariamente, estariam a dissecar o outro. Newton expressa-o bem ao concluir a sua Opticks, publicada em 1704, afirmando que com o alargamento da filosofia natural os limites da filosofia moral são também alargados.
A ciência moderna é suportada instrumentalmente. Invenção instrumental, experimentação instrumentalmente apoiada e teorização desenvolvem-se em paralelo. Assim acontece na física com o desenvolvimento de dispositivos instrumentais complexos para estudar a velocidade ou a força dos corpos, como os famosos dispositivos de Giovanni Poleni e de Willem ‘sGravesande para demonstrar as leis da colisão; os conceitos da mecânica analítica – como os de “força viva” e “acção” – foram trabalhados experimentalmente por William Hamilton ou Carl Gustav Jacobi a partir da utilização de instrumentos técnicos por si inventados ou adaptados; assim acontece no campo da ciência natural com a invenção do microscópio que permitirá a Leeuwenhoeck, em 1667, descobrir “animáculos” no esperma humano ou o de Robert Hooke, dois anos antes, elaborar a primeira noção da organização celular; também noutras áreas os instrumentos ganham uma importância decisiva, como se constata com a invenção de novos instrumentos utilizados pelos físicos em termodinâmica, electrodinâmica, energetismo ou os utilizados no campo da óptica, onde a evolução teórica é suportada por instrumentos que permitem a observação e a experimentação como os instrumentos ópticos de Francesco Algarotti; no campo da astronomia uma série de instrumentos desempenham um papel decisivo; sabe-se que as famosas observações de Marte feitas por Tycho Brahe sem telescópio tinham uma precisão de cerca de dois minutos de arco; por volta de 1725, os arcos graduados adaptados a miras telescópicas e os micrómetros de traços (usados por Johann Tobias Mayer ou Jean-Baptiste Delambre) tinham uma precisão inferior a 8 segundos de arco, e no final do século, a precisão aumentara para menos de um segundo de arco. Da mesma forma, a equação que tinha de ser aplicada a todas as observações para corrigir a refracção provocada pela atmosfera da terra melhorou ao longo do século, passando de uma incerteza de até 10 segundos de arco para menos de um segundo. Estas melhorias técnicas significavam que as observações podiam aferir a teoria e vice-versa.
No século XVIII, um pouco por toda a Europa existem fabricantes de instrumentos científicos, capazes de responder às crescentes encomendas que traduzem o aumento e melhoria qualitativa dos laboratórios de química, dos cabinets de física, dos laboratórios de ciência natural, dos hospitais ou, ainda, das expedições científicas. Alguns fabricantes ficaram justamente famosos, tal como o inglês John Cuthbertson que fabricou o gigantesco gerador electrostático que, em 1785, equipou o laboratório de Martinus van Marum. Sabemos, também, que o laboratório de Lazzaro Spallanzini era sofisticado ao ponto de nele ter realizado as primeiras fecundações in vitro.
O aumento da quantidade e da qualidade da informação obtida pelos novos instrumentos científicos colocava problemas ao nível do tratamento, classificação, ordenação, representação, legendagem, arquivo e difusão dessa informação. A tentativa de Thomas Moffett de classificação dos gafanhotos revelava, esclarecedoramente, os perigos do excesso de informação:
«Alguns são verdes, alguns pretos, outros azuis. Alguns voam com um par de asas, outros com mais do que um; aqueles que não possuem asas, saltam, os que não podem voar ou saltar, andam; alguns têm pernas mais longas, outros pernas mais curtas; há alguns que cantam, outros são silenciosos; E existem muitos tipos na natureza, e assim os seus nomes são praticamente infinitos.»
Percebe-se assim a importância de um projecto taxinómico de classificação, ordenação e arquivo de saberes, fazeres e poderes que mobilizará transversalmente a cultura moderna.
As taxinomias assumem uma grande importância, mas também os mapas e os atlas – dos atlas anatómicos ao atlas astronómicos como o de William Herschel, passando pelos atlas geológicos como o que Jean-Etienne Guettard desenvolveu com a ajuda de Lavoisier – através deles desenvolve-se uma nova linguagem gráfica traduzida não apenas na técnica de ilustração mas, igualmente, na forma de legendar e nos processos de representação simbólica.
O projecto taxinómico que domina a modernidade é, antes de mais, um projecto de estabilização do saber, de integração da informação produzida dentro de um sistema epistemológico que o classifica e arquiva. Mas também aqui, é importante percebermos a circulações que se dão entre o sistema dos saberes e o sistema do fazeres e dos poderes, eles estão interligados e a máquina taxinómica deverá estabilizar os três separando e fixando o que se pode e o que não se pode, o que se deve e o que não se deve saber e fazer.
Com o desenvolvimento dos media, com o aperfeiçoamento instrumental, com a estabilização de linguagens de representação gráfica e com a aplicação de princípios de cálculo, evoluções que se dão solidariamente, as taxinomias vão sendo, progressivamente, mais ambiciosas e integrantes. No início do século XVII, Gaspar Bauhin, descreveu cerca de seis mil espécies no seu herbário, no final desse século John Ray na sua Historia plantarum generalis incluía mais de 18 mil espécies. Tornava-se, então, essencial um sistema de classificação capaz de ordenar um tal conjunto de dados. Em 1750, quando o trabalho de Lineu é publicado, marcando uma viragem nos procedimentos taxinómicos, já haviam sido propostos cerca de meia centena de diferentes sistemas.
Se o êxito das taxinomias botânicas se restringiu, sobretudo, a plantas com o padrão familiar de raízes, caules e folhas – formas mais complexas como as algas e os musgos representavam enigmas mais difíceis de resolver e foram afastadas como sendo plantas imperfeitas – a zoologia deparava-se com uma multiplicidade de formas que não podiam ser evitadas, como os quadrúpedes, as aves, os répteis, os peixes, os crustáceos e os insectos, aos quais se acrescentou, progressivamente ao longo do século XVII, a vida microscópica.
Com o desenvolvimento dos instrumentos observacionais, a modernidade vai-se dando conta de que existem formas de vida, desconhecidas do mundo antigo e medieval, acima de nós (reveladas pelo telescópio), à nossa volta, mas, também, dentro de nós, vida infinita pequena revelada pelo microscópio. À nova ciência instrumental cabe, assim, ordenar o saber visível e invisível a olho nu, ordenar o que está infinitamente distante e infinitamente pequeno, ordenar a vida biológica e o mundo inanimado das máquinas, ordenar o cadáver e o corpo vivo, ordenando, ainda, as formas de viver.
A taxinomia fornecia o quadro amplo no qual se organizava o conhecimento biológico e social. Mais do que um simples instrumento científico os projectos taxinómicos constituíam-se como projectos bio-politicos de constituição de formas integradoras e controladoras da vida individual e colectiva.
O grande crescimento do conhecimento físico, associado ao, ainda maior, crescimento do conhecimento biológico, provocou uma reorganização do mundo medieval. A nova geografia física e humana às quais se poderia acrescentar uma nova geografia epistemológica, produz toda uma nova geo-estratégica que reinterpreta saberes, fazeres e poderes agora integrados num esquema de maior complexidade que aquele do mundo medievo. O biopoder moderno, detalhadamente trabalhado por Michel Foucault, insere-se, precisamente, nesta nova ordem geo-estratégica que deve ser capaz de construir uma semiótica, uma axiologia e uma epistemologia que estabilize o novo, que imponha processos normativos, que estabeleça classificações, que possua uma lógica arquivística que seja capaz de integrar e dominar o novo e, ao mesmo tempo, requalificar o antigo.
Assim, novos instrumentos, novos lugares, novos corpos, novos saberes, novas práticas e novos poderes são integrados numa ordem sistemática que parece capaz de impor a sua ordenação, a sua classificação, a sua legenda, a sua arquivística a uma nova natureza da vida.
Progressivamente a partir do século XVI, saber e poder passam a estar associados a partir de um operador comum: o olhar. As diferentes modalizações do olhar determinam diferentes graus de saber e diferentes ordens de poder. O controlo dos media e dos instrumentos significa, também, a possibilidade de ver, de ver mais longe, de ver melhor, de ver o “invisível”, de ver sem ser visto, de ver repetidas vezes. O telescópio e o microscópio o demonstram, mas dentro desta lógica podemos incluir também, e entre tantos outros exemplos possíveis, a arquitectura panóptica ou, posteriormente, a invenção da fotografia. Agora é claro, o olhar é o primeiro instrumento e, por isso, também ele deverá ser “afinado”, também ele deverá ser semioticizado, ganhando um sentido determinado dentro do sistema de saber-fazer no qual se integra. E nesta constatação vamo-nos apercebendo como aqueles mesmos que inventam e utilizam os novos instrumentos vão sendo instrumentalizados, como aqueles mesmos que dissecam os corpos vão sendo dissecados, como aqueles mesmos que desenvolvem taxinomias vão sendo ordenados.
3. As imagens e o espanto
As imagens mediadas são imagens espantosas. O espanto localiza não só um problema estético mas, igualmente, um problema científico ao confrontar-nos com uma imagem ambígua e pairante. Na Micrographia, publicada em 1667, Robert Hooke reconhecia que o microscópio subvertia as normas de lucidez, coerência e estabilidade dos corpos ao transformar objectos comuns, como simples grãos de milho, em imagens misteriosas, irreconhecíveis e inquietantes. A racionalidade instrumental do século XVIII confrontou-se largamente com este problema, o do estatuto identitário de tudo aquilo que não é “nem uma coisa nem outra”. A geografia, a mineralogia, a química, a óptica, a medicina confrontaram-se com esses inter-seres, espécie de fantasmas cuja aparição depende de condições de possibilidade extraordinárias e cujo lugar no mundo, a despeito na sua permanente presença entre nós, não é reconhecido. O estatuto dos invisíveis (esses seres apenas perscrutados instrumentalmente) está, de certa forma, próximo do estatuto das imagens projectadas que parecem pairar visíveis mas incorpóreas como acontecia com as diabruras de Giovanni Battista della Porta usando a Câmara Obscura ou com as fantasmagorias de Robertson usando a lanterna mágica.
Os media sejam eles quais forem – a máscara do xamã ou o dispositivo de tomografia axial computorizada do médico contemporâneo – despertam o espanto na medida em que intermediam o visível e o invisível, o ausente e o presente, o manifesto e o oculto. O espanto é, essencialmente, a consciência de que o objecto identificado não é inteiramente identificado, há no que se vê algo que se esconde, que se deve conservar escondido, que se deve saber escondido permitindo admirar no que se manifesta o que se oculta. O espanto das imagens mediadas coloca-nos, assim, em contacto com uma zona de não-conhecimento, possibilita-nos algo que de outra forma poderíamos nunca saber, que o que se sabe, que o que se vê, sabe-se em escorço, remetência para algo que é evocado mas nunca fixado. Tal não significa que essas imagens nos remetam para um outro plano ou para uma outra vida, pelo contrário, o espanto é a nossa vida, naquilo que não nos pertence.
A história da fotografia descreve-nos como perante os primeiro daguerreótipos, os espectadores se sentiam perturbados ao ponto de desviarem o olhar. A perturbação nascia do facto de se sentirem olhados pela pessoa retractada, olhados como nunca ninguém os olhou, olhar fixo, sem demora, presente e, contudo, inquietantemente, ausente.
Nas palavras de Agamben, “A imagem fotográfica é sempre mais do que uma imagem; é o lugar de uma separação, de um dilaceramento sublime, entre o sensível e o inteligível, entre a cópia e a realidade, entre a recordação e a esperança.” Era este mesmo dilaceramento sublime que a ciência natural do século XVIII reconhecia nesses seres tão sublimes que para eles não podia haver um nome que definitivamente os nomeasse. Eles teriam de ser nomeados metaforicamente e não apenas por uma imagem mas por inúmeras para que no final, da reunião desses nomes, pudesse surgir uma imagem com um certo sentido identitário, uma imagem que como eles estivesse aquém e além deste mundo. Chamavam-lhes invisíveis, viajantes, vacillators, animáculos. Rapidamente, os instrumentos ópticos tornaram possível descobrir esses inter-seres em todas as coisas sólidas, líquidas ou gasosas, eles estavam nas folhas das plantas e nos caules, numa mão humana e no ventre de um animal, eles estavam no esperma e no ar que respiramos, eles estavam no corpo vivo e na matéria morta, eles representavam a vida que se está permanentemente a perder.
4. A Cultura panóptica
A partir da segunda metade do século XVII verificamos o desenvolvimento de uma nova cientificidade instrumentalmente sustentada. O final do século XVII coincide também com o desenvolvimento do que L. Stewart designa de “Public Science”. Esta public science resulta de dois fenómenos: o estabelecimento por parte dos cientistas de laços entre o interior e o exterior do laboratório, na medida em que se o laboratório é o espaço de análise, ordenação, classificação e arquivo da informação, o exterior é o espaço de observação e registo. Desta forma instrumentos e procedimentos de utilização passam a integrar o espaço público; por outro lado, a orientação utilitarista da nova ciência leva a que muitos dos instrumentos sejam construídos para terem uma aplicabilidade primária nos transportes, na agricultura e na indústria; finalmente, é sabido que os instrumentos científicos eram rapidamente adaptados a funções de entretenimento popular. Desse modo estabelece-se um mercado, um comércio e uma cultura de utensílios, instrumentos, máquinas, manuais de instrução, todo um comércio científico que transporta os objectos e formas de conhecimentos técnicas e cientificas para a esfera pública ao longo do século XVIII.
Impõe-se assim uma nova racionalidade definida a partir das possibilidades oferecidas pela mecanização ao nível da produção material e mental. As novas legislações, que um pouco por toda a Europa vão sendo redigidas, têm bem presente toda a lógica desta razão instrumental e o modo como a mecanização pode ser ajustada ao desenvolvimento de uma nova economia politica. Esta nova racionalidade constrói, alicerçada sobre os princípios da ciência observacional, constrói toda uma cultura da visibilidade.
Torna-se difícil identificar, com rigor, qual o domínio no qual esta nova filosofia da visibilidade surge: podemos identifica-lo nos tratados de politica onde a corrupção e o desperdício são percebidos como efeitos do secretismo, identificamo-lo nas doutrinas morais e no pensamento dos higienistas onde o vicio e a degradação estão associadas à marginalidade ao que acontece no escuro e às escondidas; encontramo-lo numa nova lógica de comércio onde a exposição, a visibilidade de produtos e mercadorias surge garantia de honestidade e rigor; identificamo-lo também, claramente, na observação do funcionamento da máquina metáfora de um funcionamento perfeito, útil, eficaz, sem desperdício, no qual as varias peças colaboram com um objectivo comum e cujo funcionamento está visível, exposto aos olhos de quem o quiser observar. A nossa racionalidade passa à associar o erro, o vício, a doença, a corrupção, o crime, a ignorância ao que está obscuro, ao que é escondido ou mantido em segredo ao mesmo tempo que dignifica o que é iluminado, revelado, manifestado, exposto. O novo valor da exposição, a eficácia da visibilidade, exige no entanto, para ser aplicado ou para ser maximizado, ordenação, normalização, racionalização. Estabelecem-se assim séries de visibilidade e de invisibilidade, por vezes relacionáveis, por vezes permutáveis, esquemas que se vão tornando progressivamente mais complexos, que perpassam pelo pensamento filosófico de Kant na separação entre fenómeno e númeno, que circulam pela literatura fantástica agora dominada por espiões, agentes duplos, seres mutáveis, que atravessam a nova filosofia da natureza atenta à mudança, à metamorfose, mas também à simbiose ao mimetismo, que se materializam enfim com o desenvolvimento de toda uma panóplia de instrumentos auxiliares dos sentidos que ver para além do humanamente visível, ouvir para além do humanamente audível, palpar para além do humanamente palpável, registar para além do que a memória humana consegue registar.
Constrói-se deste modo, em vários domínios que progressivamente passam entre si a cooperar uma máquina de exposição que disciplina espaço, tempo, corpos, objectos de modo a expô-los à uma determinada visão que não apenas o olha mas que os observa com tudo o que a observação moderna passa conter de registante, analisante, ordenante, instrumentalizante.
Esta máquina pode com toda a propriedade ser designada de panóptica. A sua presença tende a criar micro-máquinas que a replicam. São máquinas que integram peças e são máquinas que se reduzem a peça integrando-se noutras máquina.
Encontramos o principio em algumas máquinas de James Watt, encontramo-lo a partir dos anos 80 do século XVIII nos panoramas de Barker, com mais clareza ainda encontramo-lo na fábrica do porto de Portsmouth concebida por Samuel Bentham e que impõe toda uma lógica de visibilidade. Samuel Bentham concebe todo um plano que prevê a distribuição de máquinas e operários garantido uma visibilidade gradante: a máquina é visível para o operário, os operários e máquinas são visíveis para os fiscais que percorrem o corredor a partir do qual se dá a distribuição, por sua vez máquinas, operários e fiscais podem ser observados pelo engenheiro ou pelo industrial a partir de uma plataforma superior. O princípio de visibilidade está também presente na abertura da fábrica aos visitantes, estes podem ser atraídos por simples curiosidade ou por interesse científico. Entre o final do século XVIII e o início do século XIX visitar as fábricas britânicas eram tão popular e tão cientificamente estimulante como ler as descrições geológicas ou zoológicas de um determinado filósofo, observar a lua através de um telescópio ou examinar um pedaço de tecido ao microscópio. Os próprios industriais ganham um novo estatuto científico, o caso de William Strutt, dono de uma fábrica de algodão em Derby e membro destacado da Philosophical Society, é um exemplo entre vários.
A importância dos dispositivos públicos enquanto elementos ordenadores defendida por Samuel Benthan é igualmente sublinhada pelo seu irmão Jeremy na sua obra epistolar onde apresenta a ideia de um novo princípio de construção aplicável a qualquer local onde as pessoas devem ser mantidas sob observação, prisões, fábricas, asilos, hospitais e escolas.
O princípio arquitectónico é bem conhecido, na periferia uma construção em anel; no centro uma torre; esta é rasgada por largas janelas que se abrem sobre a face interna do anel; a construção periférica é dividida em selas, cada uma atravessando toda a espessura da construção; cada cela tem duas janelas, uma abre para o interior correspondendo à janela da torre; outra abre para o exterior permitindo a iluminação da cela. Para que um sistema de vigilância funcione basta colocar um vigia na torre central e em cada cela trancar um prisioneiro, um louco, um doente, um operário ou um escolar. O dispositivo panóptico organiza unidades espaciais que permitem ver sem parar e reconhecer imediatamente. Quem observa não pode ser observado e quem é observado só pode observar alguém que lhe é igual: um operário observa um operário mas não observa o fiscal que pode observar outro fiscal; o leproso observa outro leproso mas não observa o médico que o observa e que pode observar e ser observado por outro médico. A partir deste olhar que sublinha, dir-se-ia por repetição mecânica, identidade e alteridade, desenvolve-se toda uma lógica funcional normalizadora e instrumentalizadora da vida.
5. CODA
Toda a revelação é desesperante. Há, no que se oculta, no que permanece secreto ou desconhecido, uma extraordinária possibilidade de esperança, que decorre do facto de nos ser permitido imaginar isso que ainda não se manifestou, pura promessa de ser. Mas quando isso se manifesta, irremediável, irrepetível, sabemos que a manifestação conduziu o ser ao seu túmulo e o tornou impossível de voltar a ser.
Adolf Portmann advertia-nos para a diferença, radical diferença, entre dois tipos de manifestações: as manifestações autênticas seriam aquelas que nos aparecem naturalmente, brilhando à luz, sem que o nosso poder operatório as provoque, e as manifestações inautênticas corresponderiam aquelas manifestações que se escondem do nosso olhar e que apenas se revelam à força, através da violência exercida pelos nossos instrumentos.
Forçar a realidade a mostrar-se foi o grande projecto da modernidade que a contemporaneidade prolonga e intensifica. Não deixar nada por revelar, próximo ou distante, nas superfícies ou nas entranhas, e não apenas expor ao olhar, mas cartografar, dissecar, legendar, classificar e arquivar. O arquivo contemporâneo manifesta a actualidade do grande projecto taxinómico moderno, actualizando-o num arquivo multimédia, parcialmente consultável em rede e que nos permite visitar o interior da galáxia ou o interior do nosso corpo, a evolução de um vírus ou o funcionamento do nosso cérebro.
Com os novos media tornamo-nos espectadores que se confrontam com imagens cujo carácter sedutor resulta da extraordinária ausência de correspondência com qualquer fenómeno do mundo natural. O que implica reaprendermos a experiência de ser espectador, apreendermos uma nova técnica da observação e uma nova gramática visual que nos permita fazer a leitura dessas imagens extraordinárias. Este fenómeno tende a estar presente em variadíssimas situações, ele caracteriza o olhar do visitante de um site científico ao observar as imagens do cérebro obtidas por tomografia axial computorizada ou olhar do visitante de um site pornográfico ao observar imagens, obtidas com micro-câmara, do interior de uma vagina. Estas imagens, obtidas através de novos media, possibilitam-nos a mediação com uma realidade unicamente acessível instrumentalmente, uma realidade absolutamente estranha onde é impossível não vermos senão fantasmas, imagens que podem vir a ser revestidas de sentido mas que naturalmente nada são, porque se o acesso é mediado, o saber sobre aquilo a que se acedeu carece, igualmente, de mediação. Que os fantasmas sejam agora tão orgânicos, tão viscerais, menos etéreos e mais carnais, que os fantasmas sejam agora menos incorporais e mais coisas em carne viva é, talvez, um elemento distintivo da nossa época. Como se os fantasmas estivessem dentro de nós e os media – os media digitais e os biomedia – apenas os revelassem.
Wednesday, April 18, 2007
Vendo-me envolvido nestes Thinking Blogger Awards cabe-me agora nomear cinco blogs "bem pensantes". A minha lista:
OZ MAGAZINE
O OZ MAGAZINE nasceu em Sydney em 1963 passando depois a ser editado em Londres, onde foi publicado entre 1967 e 1973 marcando a cultura psicadélica de então. Editado, na sua fase mais criativa, por Richard Neville em colaboração com Martin Sharp e Richard Walsh, contribuiu, de forma decisiva, para a definição do movimento de contra-cultura conhecido por "Underground Press".
Sunday, April 15, 2007
Cadernos de Tipografia
Conforme o nome indica, os «Cadernos de Tipografia» incidem sobre temas relacionados com a Tipografia, o typeface design, o design gráfico, a análise social e cultural dos fenómenos relacionados com a edição, publicação e reprodução de textos e imagens. Os « Cadernos», publicados em português, dirigem os seus temas ao mundo lusófono, concretamente a leitores em Portugal e no Brasil. Os «Cadernos» estão abertos à mais ampla participação de colaboradores, quer regulares, quer episódicos, que queiram ver os seus artigos difundidos por este meio. Os artigos assinalados com o nome do(s) seu autor(es) são da responsabilidade destes mesmos autor(es) – e também sua propriedade intelectual.
A distribuição é feita grátis, por divulgação da versão PDF posta à disposição do público interessado em
http://www.tipografos.net/cadernos
Nr. 1 (PDF DIN A4, 2 MB): Temas
Camões, Didot e Bomtempo
Para que é que precisamos da Helvetica?
Dino dos Santos, typeface designer
A fonte Andrade, de Dino dos Santos
Livros técnicos sobre Tipografia publicados em Portugal
A «tipografia vernacular» brasileira
Books on Demand – já!
Revisão e Edição de Texto
Download: http://tipografos.net/cadernos/cadernos-1.pdf
Conforme o nome indica, os «Cadernos de Tipografia» incidem sobre temas relacionados com a Tipografia, o typeface design, o design gráfico, a análise social e cultural dos fenómenos relacionados com a edição, publicação e reprodução de textos e imagens. Os « Cadernos», publicados em português, dirigem os seus temas ao mundo lusófono, concretamente a leitores em Portugal e no Brasil. Os «Cadernos» estão abertos à mais ampla participação de colaboradores, quer regulares, quer episódicos, que queiram ver os seus artigos difundidos por este meio. Os artigos assinalados com o nome do(s) seu autor(es) são da responsabilidade destes mesmos autor(es) – e também sua propriedade intelectual.
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Saturday, April 14, 2007
DESEMPACOTANDO A MINHA BIBLIOTECA
Regularmente no Reactor desempacotamos um livro. O livro de hoje:
ÉTICA E COMUNICAÇÃO, AAVV, Revista de Comunicação e Linguagens, Nº15/16, Edições Cosmos, Lisboa, 1992.
A problematização ética do regime dos saberes e, em particular, das formas, modos e intenções comunicativas, justificou, no início dos anos 90, a organização de um número da RCL, publicação regular do Centro de Estudos de Comunicação e Linguagens da FCSH/UNL. Colocada no entrecruzamento da comunicação com outros domínios do saber e do fazer (como a filosofia, a política, a arte ou a ciência), a preocupação ética surgia num contexto marcado pela progressiva crise das fundamentações teóricas, pela degradação dos valores (desde os anos 80 claramente diagnosticada), por uma certa orfandade epistemológica que acompanhou a afirmação da pós-modernidade, por uma ausência, enfim, de um ética aplicada capaz de promover uma orientação axiológica dos comportamentos (e, desde logo, das acções comunicativas) que se não resumisse a funcionar como um discurso, mais ou menos oco, de “moralização” da experiência.
Sobre a questão ética, raramente objecto de reflexões consistentes em Portugal, havia publicado, nesse mesmo ano de 1992, Sottomayor Cardia uma obra maior e injustamente esquecida: “Ética I – Estrutura da Moralidade” (Editoral Presença, Lisboa, 1992). Antes de Sottomayor Cardia encontramos, apenas, algumas reflexões, não muito sistemáticas, em obras de Vieira de Almeida e Fernando Gil e um interessante ensaio de Cristina Grácio na entrada “Ética” do “Dicionário do Pensamento Contemporâneo” (Publicações Dom Quixote, 1991), ambicioso mas desequilibrado projecto organizado por Manuel Maria Carrilho.
O número da RCL 15/16 revestia-se assim de um interesse e actualidade muito particular. Os ensaios foram organizados em três blocos: o primeiro bloco centrava-se na possibilidade de uma ética comunicacional (e aqui destaca-se o estimulante artigo de Karl.Otto Apel em torno da necessidade de uma macroética); os artigos reunidos no segundo bloco abordavam, numa espécie de mosaico, algumas questões que atravessam o debate contemporâneo sobre a ética (como a relação entre discurso e metapolítica trabalhado por José Bragança de Miranda); finalmente, o terceiro bloco de textos ocupou-se das relações entre a ética e a técnica (destacando-se o artigo de Gilbert Hottois em torno das questões éticas da tecnociência).
A actualidade do tema “Ética e Comunicação” permanece, há que dize-lo, intacta. Vivemos no tempo da hibridação proliferadora das linguagens, das formas, da pós-pós-modernidade – com a sua multiplicação dos fragmentos, dispersão e posterior reunião dos pedaços dando lugar a outras linguagens – à maneira de um imenso patchwork cultural sem, aparente, solução de continuidade.
Como escrevia José Augusto Mourão (no prefácio de “A Ética da Leitura”, Vega, Lisboa, 2002), “este é o tempo da impotência diante das misturas e dos excessos. É o tempo em que somos todos simultaneamente vítimas e cúmplices. Por isso se apela tanto à ética”, ou seja, a ética não nos surge como solução mas, antes, como “sinal de um problema”.
Este “sinalizar do problema” tem sido feito, com maior ou menor consistência, também no campo do design. Victor Papanek abria o seu “Arquitectura e Design” citando, em epígrafe, John Vassos: “O design só triunfará se guiado por uma perspectiva ética”. Se o triunfo se deu ou não é duvidoso, certo é que a ética surgiu, amiúde, como solução e, não poucas vezes, como solução a um tempo fácil e incompreensível, ao ponto de parecer que, para haver ética, basta evoca-la. Não surpreende, pois, a hiper-evocação (que, naturalmente, promoveu o empobrecimento e a banalização do discurso ético) da ética que domina algum do discurso e da prática do design ao longo das últimas duas décadas.
Quando, em 1999, Tibor Kalman, recuperando o manifesto escrito por Ken Garland em 1964, promove a publicação de “First Things First 2000”, defendendo um novo compromisso social por parte dos designers, a questão ética voltou a ser um “alvo constitutivo” dessa “complexa simplicidade” que, para Andrew Blauvelt, define a prática do design. O manifesto FTF2000 propunha o desenvolvimento de “formas de comunicação mais úteis, duradouras e democráticas” e, teve, o grande mérito (que, na verdade, partilha com outras iniciativas e publicações que se desenvolvem por essa altura, como a FUSE ou a publicação do influente “The World muust Change: Graphic Design and Idealism” de Leon tem Duis e A. Haase) de promover uma reflexão (que, ainda perdurando, se foi diluindo fatalmente) crítica sobre as competências de um designer profissional. Não me parece que o manifesto possa ser lido enquanto proposta de uma verdadeira ética projectual, partilho, antes, da interpretação que Andrew Howard desenvolve em “Design beyond commodification” (Eye, nº 38, 2000), de que a intenção (e o mérito) do FTF2000 foi essencialmente o de “politizar” o discurso e a prática do design.
A consciência de que a prática do design é uma prática ideológica (muito mais do que uma prática utópica) poder-nos-á aproximar de uma zona, onde o design, é tocado por uma “vibração ética”. Se a ética é, antes de mais, uma forma de lucidez a partir da qual as acções individuais são ponderadas em função de um interesse colectivo e se o design é um processo através do qual se dá, para usar os termos de Andrew Howard, “a conexão simbólica entre as estruturas de poder e a nossa experiência da realidade”, torna-se claro que a reflexão crítica acerca do design contemporâneo nos devolve, como objecto central dessa mesma reflexão, a questão ética e, deste modo, talvez nos aproxime de uma “solução” mas, apenas, na medida em que nos depõe ante o problema.
Regularmente no Reactor desempacotamos um livro. O livro de hoje:
ÉTICA E COMUNICAÇÃO, AAVV, Revista de Comunicação e Linguagens, Nº15/16, Edições Cosmos, Lisboa, 1992.
A problematização ética do regime dos saberes e, em particular, das formas, modos e intenções comunicativas, justificou, no início dos anos 90, a organização de um número da RCL, publicação regular do Centro de Estudos de Comunicação e Linguagens da FCSH/UNL. Colocada no entrecruzamento da comunicação com outros domínios do saber e do fazer (como a filosofia, a política, a arte ou a ciência), a preocupação ética surgia num contexto marcado pela progressiva crise das fundamentações teóricas, pela degradação dos valores (desde os anos 80 claramente diagnosticada), por uma certa orfandade epistemológica que acompanhou a afirmação da pós-modernidade, por uma ausência, enfim, de um ética aplicada capaz de promover uma orientação axiológica dos comportamentos (e, desde logo, das acções comunicativas) que se não resumisse a funcionar como um discurso, mais ou menos oco, de “moralização” da experiência.
Sobre a questão ética, raramente objecto de reflexões consistentes em Portugal, havia publicado, nesse mesmo ano de 1992, Sottomayor Cardia uma obra maior e injustamente esquecida: “Ética I – Estrutura da Moralidade” (Editoral Presença, Lisboa, 1992). Antes de Sottomayor Cardia encontramos, apenas, algumas reflexões, não muito sistemáticas, em obras de Vieira de Almeida e Fernando Gil e um interessante ensaio de Cristina Grácio na entrada “Ética” do “Dicionário do Pensamento Contemporâneo” (Publicações Dom Quixote, 1991), ambicioso mas desequilibrado projecto organizado por Manuel Maria Carrilho.
O número da RCL 15/16 revestia-se assim de um interesse e actualidade muito particular. Os ensaios foram organizados em três blocos: o primeiro bloco centrava-se na possibilidade de uma ética comunicacional (e aqui destaca-se o estimulante artigo de Karl.Otto Apel em torno da necessidade de uma macroética); os artigos reunidos no segundo bloco abordavam, numa espécie de mosaico, algumas questões que atravessam o debate contemporâneo sobre a ética (como a relação entre discurso e metapolítica trabalhado por José Bragança de Miranda); finalmente, o terceiro bloco de textos ocupou-se das relações entre a ética e a técnica (destacando-se o artigo de Gilbert Hottois em torno das questões éticas da tecnociência).
A actualidade do tema “Ética e Comunicação” permanece, há que dize-lo, intacta. Vivemos no tempo da hibridação proliferadora das linguagens, das formas, da pós-pós-modernidade – com a sua multiplicação dos fragmentos, dispersão e posterior reunião dos pedaços dando lugar a outras linguagens – à maneira de um imenso patchwork cultural sem, aparente, solução de continuidade.
Como escrevia José Augusto Mourão (no prefácio de “A Ética da Leitura”, Vega, Lisboa, 2002), “este é o tempo da impotência diante das misturas e dos excessos. É o tempo em que somos todos simultaneamente vítimas e cúmplices. Por isso se apela tanto à ética”, ou seja, a ética não nos surge como solução mas, antes, como “sinal de um problema”.
Este “sinalizar do problema” tem sido feito, com maior ou menor consistência, também no campo do design. Victor Papanek abria o seu “Arquitectura e Design” citando, em epígrafe, John Vassos: “O design só triunfará se guiado por uma perspectiva ética”. Se o triunfo se deu ou não é duvidoso, certo é que a ética surgiu, amiúde, como solução e, não poucas vezes, como solução a um tempo fácil e incompreensível, ao ponto de parecer que, para haver ética, basta evoca-la. Não surpreende, pois, a hiper-evocação (que, naturalmente, promoveu o empobrecimento e a banalização do discurso ético) da ética que domina algum do discurso e da prática do design ao longo das últimas duas décadas.
Quando, em 1999, Tibor Kalman, recuperando o manifesto escrito por Ken Garland em 1964, promove a publicação de “First Things First 2000”, defendendo um novo compromisso social por parte dos designers, a questão ética voltou a ser um “alvo constitutivo” dessa “complexa simplicidade” que, para Andrew Blauvelt, define a prática do design. O manifesto FTF2000 propunha o desenvolvimento de “formas de comunicação mais úteis, duradouras e democráticas” e, teve, o grande mérito (que, na verdade, partilha com outras iniciativas e publicações que se desenvolvem por essa altura, como a FUSE ou a publicação do influente “The World muust Change: Graphic Design and Idealism” de Leon tem Duis e A. Haase) de promover uma reflexão (que, ainda perdurando, se foi diluindo fatalmente) crítica sobre as competências de um designer profissional. Não me parece que o manifesto possa ser lido enquanto proposta de uma verdadeira ética projectual, partilho, antes, da interpretação que Andrew Howard desenvolve em “Design beyond commodification” (Eye, nº 38, 2000), de que a intenção (e o mérito) do FTF2000 foi essencialmente o de “politizar” o discurso e a prática do design.
A consciência de que a prática do design é uma prática ideológica (muito mais do que uma prática utópica) poder-nos-á aproximar de uma zona, onde o design, é tocado por uma “vibração ética”. Se a ética é, antes de mais, uma forma de lucidez a partir da qual as acções individuais são ponderadas em função de um interesse colectivo e se o design é um processo através do qual se dá, para usar os termos de Andrew Howard, “a conexão simbólica entre as estruturas de poder e a nossa experiência da realidade”, torna-se claro que a reflexão crítica acerca do design contemporâneo nos devolve, como objecto central dessa mesma reflexão, a questão ética e, deste modo, talvez nos aproxime de uma “solução” mas, apenas, na medida em que nos depõe ante o problema.
Thursday, April 12, 2007
Antecipando a apresentação de Sagmeister no próximo Sábado na Casa da Música (Sala 2|16:00) recuperamos a entrevista que lhe foi feita por Steven Heller e publicada no AIGA Journal of Design (05/11/2004).
Heller: It has been over two years since you took-off from the professional grind for a year to do your own work. Are you glad to be back? Is graphic design still an exciting way to spend your creative time?
Sagmeister: Yes, it is. I learned shitloads in my year without clients, including making up my mind about all the fields I did not want to get into (but had imagined previously that I would). I surprised myself by getting up everyday at 6am to conduct little type experiments (with no deadline looming). I love this field.
Heller: But, be honest. What don’t you love about this field?
Sagmeister: I love limitations when designing a project. I don’t love limitations when they are revealed only after we designed the project. I don’t love unorganized clients. I don’t love that period when the deadline is looming and there is no idea yet with the pressure slowly mounting.
Heller: This may seem like an unfair question (its certainly demands either modesty or immodesty), but can you describe what you believe is your contribution to the graphic design field over the past decade?
Sagmeister: I agree this does seem like an unfair question. The unfair answer: I have no clue. I think I would like to think that maybe I made an impression: Maybe by bringing handmade type (again) to the forefront (one of my students at SVA MFA Design mentioned that half of her undergraduate class was doing writing on faces), or maybe by pointing towards the importance of design areas that don't simply promote and sell. And I can say that the question of my contribution to the design field does not keep me up at night.
Heller: Superficially, your work has some of the conceits of the age – a marriage of art/expression and design/communication – but retrospectively it is not just fashionable, trend-spotter stuff. You've never fallen into the style uber alles trap, as some have. How, particularly given your more cultural clients, have you avoided this?
Sagmeister: When we started out in 1993 we had a style = fart sign hanging in the studio (it is no more) – we very consciously avoided any stylistic traps. In the meantime I have learned that good (and if necessary even trendy) style (and wonderful form) play an important role in delivering content to the viewer. But I never thought that graphic design has to be timeless. With very few exceptions (say highway signage) I love the fact that design starts to look dated after a while.
Heller: So, what do you think is your most dated looking work, and why?
Sagmeister: Among others, that Marshall Crenshaw CD looks rather old now, because of its holographic printing on the disc (in 1996 this was fresh), its op art patterns as well as the type set in rigid boxes.
Heller: Is there a piece of work that you wish you’d never put into the world?
Sagmeister: Foremost our packaging for the computer shoot-them-up games Deathdrome and Slamscape. They were bad games, CD's packaged in (largely empty) cereal-box-sized boxes in order to convey heftiness and a reason for the $60.00 prize tag. We made many mistakes, first by taking on a job I had no interest in (I am not into shot-them-up games), second by presenting lots of directions (the client predictably chose the worst) and last by not insisting to present to the decision maker, so changes kept on coming without me being able to do anything about them.
Heller: With your School of Visual Arts retrospective exhibit it is easy to see what you've produced and for whom. But what do you actually want to achieve? What do you want out of graphic design?
Sagmeister: Ultimately, it would be great to use it purely as a language: To produce content that lends itself well to be spoken in that language. There is a certain content that is best spoke in a certain language (say love is easier declared in the language of a pop song than in architecture – the Taj Mahal notwithstanding). I think we made a good start with that whole "Things I have learned in my life so far" series (the current SVA subway poster is part of this).
Heller: So is it safe to assume that you are able to express all that you want to “say” through the graphic design medium? Or do you foresee other media as potentially more efficient?
Sagmeister: I will stick with graphic design, and if I would direct a movie or write some music, it likely would still qualify as graphic design, me being a graphic designer and all.
Heller: I asked before whether this is an exciting way to spend time, but is it a socially valuable way to spend it?
Sagmeister: It is as valuable as the individual designer wants to make it. Just as you can be a socially conscious lawyer (or not), one can choose to be a socially valuable designer (or not).
Heller: Okay then, what is a socially valuable designer?
Sagmeister: Milton Glaser is a socially valuable designer. His persona and his designs are valuable (and belong) to the city of New York in a similar way Lou Reed's songs are and do. I remember going to a horse race around November 2001, - half of the 50,000 people at the track wore the I HEART NY button, which, so close after 9/11, it was an incredible outpouring of support, a truly touching event. Milton's symbol took on all the best (unifying) attributes of a great flag without any of its worst (excluding) ones. His contributions, as a founder of New York magazine, - the Blueprint for dozens of city magazines worldwide, Pushpin Studios - the blueprint for hundreds of design studios worldwide and countless political and social campaigns go well beyond the city of New York and the field of graphic design. He is valuable to society.
Heller: Do you truly believe that work you've done on behalf of Ben Cohen has made an impact on the public consciousness?
Sagmeister: I do think Ben's campaign had an impact. TrueMajority was successful in setting up one of the earliest oppositions to the war in Iraq (at a time when few mainstream groups came out against it), they were instrumental in uncovering the computer voting machine problem (the computer ate my vote), and now, together with Moveon.org play a role in voter registration and general opposition to the current regime. It is impossible for me to evaluate how much our graphic material helped them, I'm sure it did not hurt.
Heller: And as a follow-up do you think of the public good whenever you create a piece of work?
Sagmeister: No. And I don't even have a set list of criteria either. But we do take on jobs with the question "Is this something the world needs" in mind. And erred a number of times, turned out the world did not need it after all.
Heller: You've professed, and you've taught, the idea that design should indeed touch other human beings. What does this actually mean in a pragmatic way?
Sagmeister: In one sentence: You look at a piece of graphic design and you have a moving experience. All of us were moved at one point or another by a piece of art, struck to the core by a movie, changed by a book, touched by a piece of music. Fewer of us experience this in front of a piece of design, - it is possible nevertheless. The last time it happened to me was a couple of months ago, when I was touched by a piece two of my students in Berlin were making.
Heller: How did they touch you?
Sagmeister: We held our final class exhibit in a building called the light tower, a 10-story renovated factory building with an added 5 story glass cube on top, situated in the Friedrichshain section of East Berlin, a young area comparable to Williamsburg in New York. The piece in question was a little kiosk, installed 1/4 mile from this tower, next to one of the busiest subway stations.
The kiosk had two openings with lights shining out of them, which invited passersby to look in. As soon as you did, macro cameras inside the kiosk filmed your eyes, beamed the data to the light tower, and projected a full story high image of your eyes in real time from inside onto the light tower, transforming the entire building into a face with familiar eyes. When you blinked, your eyes on the tower blinked.
I was touched by the experience itself and also by how much the population of Berlin loved it: People stopped all night to look inside, watching their friend’s eyes transform the light tower into a face. For the people who were in the exhibition space inside the tower, the experience was totally different but touching nevertheless, whenever somebody looked into the kiosk, these gigantic eyes appeared in the space—like King Kong looking in.
Heller: Whenever I view a retrospective of art or design, I try to sum up what all the work means. Is it simply a collection of disparate items that by its critical mass has relevance as a body, or is there an over-arching philosophical, ethical, or whatever foundation. As you look at your collected work, what is the answer to this?
Sagmeister: I think we are back into unfair question territory. You might try to sum it up, I could not. I can badly misquote one of our clients: Oh fine, its only graphic design. But I like it, like it, yes I do.
Wednesday, April 11, 2007
Erik Spiekermann, ‘information architec’, designer de tipos (ff Meta, itc Officina, ff Info, ff Unit, LoType, Berliner grotes), é ainda autor de livros e artigos sobre tipos e tipografia. Foi o fundador, em 1979, da MetaDesign, a maior empresa alemã de design, com escritórios em Berlim, Londres e São Francisco. Entre muitos outros, a empresa desenvolveu programas de design corporativo para a Audi, Skoda, Volkswagen, Lexus, Heidelberg Printing, Berlin Transit, Duesseldorf Airport. Erik desligou-se desta empresa em Julho de 2000. Em 1988 iniciou FontShop, uma empresa para a produção e distribuição de fontes electrónicas. Possui cátedra honorária na Academy of Arts de Bremen, é membro da Administração de AtypI e do German Design Council e Presidente da ISTD, International Society of Typographic Designers. Em 2001 redesenhou a revista The Economist, Londres. O seu livro Stop Stealing Sheep, da editora Adobe Press, entrou recentemente na sua segunda edição. A família corporativa de fontes da Nokia foi lançada em 2002. O seu novo estúdio, United Designers Network, está actualmente a desenvolver o programa de design corporativo para a Deutsche Bahn (Caminhos de Ferro alemães), incluindo uma família de tipos corporativa . Erik vive e trabalha em Berlim, Londres e São Francisco.
Erik Spiekermann is information architect, type designer (ff Meta, itc Officina, ff Info, ff Unit, LoType, Berliner Grotesk et al) and author of books and articles on type and typography. He was founder (1979) of MetaDesign, Germany’s largest design firm with offices in Berlin, London and San Francisco. Projects included corporate design programmes for Audi, Skoda, Volkswagen, Lexus, Heidelberg Printing, Berlin Transit, Duesseldorf Airport and many others. In 1988 he started FontShop, a company for production and distribution of electronic fonts. He holds an honorary professorship at the Academy of Arts in Bremen, is board member of ATypI and the German Design Council, and president of the ISTD International Society of Typographic Designers. In July 2000, Erik withdrew from the management of MetaDesign Berlin. In 2001 he redesigned The Economist magazine in London. His book for Adobe Press, Stop Stealing Sheep, has recently appeared in a second edition. A corporate font family for Nokia was released in 2002. His new studio, United Designers Network, is currently designing the corporate design programme for Deutsche Bahn (German railways), including a family of corporate typefaces. Erik lives and works in Berlin, London and San Francisco.
Comissário_Andrew Howard, ESAD
Organização _ESAD 2007
FICÇÕES NO PAÍS DOS “GRAPHICS”
No meio de uma paisagem idílica – mas como não reparar nas folhas outonais, subtis presságios de uma certa adversidade – está Dale Lungren. Veste fato escuro e calça impecáveis botas pretas. Não nos olha de frente mas sabe (percebemo-lo) que estamos lá. Todo o trabalho de composição é magistral e, no entanto, qual trabalho de filigrana, pleno de minúcia, comunica através de detalhes (repare-se no modo como é evocada a parábola bíblica através de uma intencional exploração simbólica da frutificação das romãs). São claros dois planos distintos ou, melhor, duas camadas de composição e leitura. A densidade racional da composição impõe, dir-se-ia naturalmente, essa hierarquia: em fundo, numa espécie de manta de micro-signos, encontramos uma série de “apontamentos” que definem, por assim dizer, a “atmosfera”, estes elementos estão longe de ser neutros do ponto de vista narrativo (e, ainda menos, do ponto de vista semiótico) mas não ocupam, em momento algum, o centro da narrativa; em primeiro plano, três elementos definem a narrativa e, diga-se, tornam-na pungente: o lettering, a imagem de Dale e o plano picado – evocação trágica do abismo – da escada vermelha. O lettering não funciona, apenas, como instrumento de comunicação de identidade mas como meio de construção de “tensão narrativa”. O nosso olhar é conduzido, num movimento plongée, do lettering – “I shall come forth as gold” – para a imagem – de uma incrível complexidade – de Dave, impecavelmente vestido, com um sorriso pleno de confiança, transparecendo serenidade (magnifico o detalhe das mãos), sentado na cadeira de rodas e, finalmente, confrontados (num plano subjectivo) com a íngreme escada que Dave terá – no seu absoluto desamparo – de subir. “I shall come forth as gold” é um hino à esperança.
No meio de uma paisagem idílica – mas como não reparar nas folhas outonais, subtis presságios de uma certa adversidade – está Dale Lungren. Veste fato escuro e calça impecáveis botas pretas. Não nos olha de frente mas sabe (percebemo-lo) que estamos lá. Todo o trabalho de composição é magistral e, no entanto, qual trabalho de filigrana, pleno de minúcia, comunica através de detalhes (repare-se no modo como é evocada a parábola bíblica através de uma intencional exploração simbólica da frutificação das romãs). São claros dois planos distintos ou, melhor, duas camadas de composição e leitura. A densidade racional da composição impõe, dir-se-ia naturalmente, essa hierarquia: em fundo, numa espécie de manta de micro-signos, encontramos uma série de “apontamentos” que definem, por assim dizer, a “atmosfera”, estes elementos estão longe de ser neutros do ponto de vista narrativo (e, ainda menos, do ponto de vista semiótico) mas não ocupam, em momento algum, o centro da narrativa; em primeiro plano, três elementos definem a narrativa e, diga-se, tornam-na pungente: o lettering, a imagem de Dale e o plano picado – evocação trágica do abismo – da escada vermelha. O lettering não funciona, apenas, como instrumento de comunicação de identidade mas como meio de construção de “tensão narrativa”. O nosso olhar é conduzido, num movimento plongée, do lettering – “I shall come forth as gold” – para a imagem – de uma incrível complexidade – de Dave, impecavelmente vestido, com um sorriso pleno de confiança, transparecendo serenidade (magnifico o detalhe das mãos), sentado na cadeira de rodas e, finalmente, confrontados (num plano subjectivo) com a íngreme escada que Dave terá – no seu absoluto desamparo – de subir. “I shall come forth as gold” é um hino à esperança.
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