REACTOR ENTREVISTA INÊS AMARAL
Inês Amaral é uma das principais investigadoras portuguesas na área da cibercultura e ciberjornalismo. Professora da Licenciatura de Ciências da Informação no Instituto Superior Miguel Torga e directora do Webjornal deste instituto, alimentou durante algum tempo o excelente blog Ideias Digitais (http://ideiasdigitais.blogspot.com).
Reactor: Há um post no Reactor intitulado "O estado do design". O que é que este título lhe sugere actualmente?
Inês Amaral: Intertextualidades que só podem ser compreendidas num contexto social.
R: A palavra design identifica cada vez menos um campo disciplinar definido, passando a remeter para uma campo de criação híbrido e difuso. Corresponderá isto a um fracasso ou a triunfo do design sobre a cultura contemporânea?
IA: O design é, efectivamente, multidisciplinar. A definição deste campo como híbrido talvez seja reflexo da cultura contemporânea. Os desafios do mundo actual implicam que a criação integre os elementos da cultura técnica e se adeque às transformações dos processos de subjectivação, já que as novas tecnologias permitiram ao Homem ter uma nova imagem de si mesmo. As novas práticas sócio-culturais contemporâneas implicam abordagens mais "plásticas" do design. Não será um fracasso ou um triunfo do design sobre a cultura contemporânea, mas antes uma consequência directa de uma cultura mediatizada em que novas linguagens sociais e técnicas constituem uma sociedade - sistematicamente referenciada como global - fragmentada e multifacetada.
R: Há um conceito estruturante do pensamento projectual do Walter Gropius que é o conceito de "design total", a ideia é, em síntese, a de que ao designer compete a definição intencional das modalidades de relação social, o design seria, assim, uma disciplina de definição politica. Não lhe parece que este "exercício político" do projecto é tão mais eficaz quanto mais imperceptível for e, neste sentido, o carácter difuso do design não poderá ser um sinal da sua eficácia?
IA: O design será a "definição intencional das modalidades de relação social" assim como uma resposta às necessidades da sociedade. Assim, a sua eficácia talvez esteja associada ao facto do referido "exercício político" ser imperceptível. No entanto, este pode ser um processo periclitante.
R: Se lhe pedisse uma definição de design…
IA: Design traduz os processos de criação de um objecto ou imagem, que se assumem como uma resposta a uma necessidade e aos quais se associa uma função.
R: O design sempre se caracterizou pela inexistência de um consenso programático, hoje talvez mais evidente devido à falência dos verdadeiros projectos colectivos, a teoria do design sempre oscilou entre uma interpretação do designer enquanto um "agente social" e uma interpretação do designer enquanto um "agente do mercado", parece-lhe haver sentido nesta distinção?
IA: A distinção parece fazer sentido, mas considero que se trata de uma dicotomia do perfil profissional. Na minha opinião, a distinção corresponde aos dois lados da moeda de um perfil que exige uma intervenção multifacetada e criativa no mundo sócio-económico e político-cultural dos dias de hoje.
R: Perante o relativismo dos valores (e, em particular, dos valores do design após a crise do projecto moderno) não será importante os designers mostrarem que existe uma diferença profunda entre a "ética individual" e a
"ética disciplinar"? Quero dizer, os valores que orientam o design não podem ser relativos aos valores que guiam o comportamento dos seus profissionais.
IA: Concordo e penso que a ideia se adequa a todas as profissiões, mas considero que a "ética individual" caracteriza o indivíduo por detrás do profissional.
R: Historicamente, o design foi sendo pensado como uma disciplina de "dimensão utópica". Ainda há espaço para utopias no mundo contemporâneo?
IA: Quero acreditar que sim. Preciso de acreditar que sim. Aliás, a velocidade que caracteriza o mundo contemporâneo, com todas as suas fracturas, parece-me alimentar a "dimensão utópica" da sociedade actual.
R: Recordo-me de uma utopia particular, "Xanadu" do G. Nelson. Como olha para o actual estado do ciberespaço e da blogosfera em particular?
IA: O projecto Xanadu, que deu origem ao hipertexto, é por si só a essência do ciberespaço - o espaço de fluxos, como diz Castells. A ideia do processo de comunicação universal sem totalidade conforme William Gibson vaticinou no seu "Neuromancer" continua a fazer sentido. Com a nova geração de serviços e aplicativos - a Web 2.0- , o ciberespaço permitiu finalmente materializar a metáfora de McLuhan da "aldeia global". É o pleno da era de Emerec de Jean Cloutier, em que o receptor é simultaneamente emissor. Actualmente, os que têm acesso rede foram convertidos em utilizadores e o modelo de comunicação um-todos deu lugar à personalização e à ideia de transmissão um-um e todos-todos. A blogosfera é uma consequência deste espaço de espaços e traduz uma esfera de ferramentas que propiciam ambientes em que o receptor se converte em emissor. Diria, em última instância, que é uma forma de democratização da difusão da opinião, aberta a todos.
Actualmente, e depois de pouco mais de uma década aberto a todos em ambiente "amigável", o ciberespaço ainda está na fase adolescente. A blogosfera, que se mediatizou em 2003 mas existe desde o fim dos anos 90, acompanha a evolução do ciberespaço. Este universo dos blogs, que vai crescendo dentro e fora da rede, parece manter-se para além das plataformas e dos endereços desconhecidos da web. Para já, pelo menos.
R: Quais são os seus blogues de referência?
IA: O Google Reader diz que são muitos mais, mas só para elencar alguns: Ponto Media, Jornalismo e Comunicação, Na Web2.0, Teaching Online Journalism, Indústrias Culturais, Posto de Escuta, Íntima Fracção e A Ervilha Cor-de-Rosa.
R: Que pergunta acrescentaria a esta entrevista? E que resposta ela lhe mereceria?
IA: O ciberespaço é uma democracia? A resposta seria não, aliás nunca o será. Com o fosso entre info-ricos e info-pobres, com o alargado número de info-excluídos dentro dos que têm acesso às rede, com especialistas e amadores a conviverem no mesmo universo, com utilizadores e receptores passivos em pé de igualdade, com desigualdades e assimetrias sócio-económicas no mundo da web e no exterior. Mas alongar-me seria outra entrevista.
Muito Obrigado.
Tuesday, April 10, 2007
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