REACTOR ENTREVISTA LINO CABRAL
Lino Cabral é um dos principais divulgadores e pensadores do design na blogosfera, nomeadamente através do seu excelente Instituto Futurista (http://www.institutofuturista.blogspot.com). Nesta entrevista são revisitadas algumas preocupações (as utopias, as preocupações ecológicas) que o autor tem vindo a trabalhar.
REACTOR: Há um post no Reactor intitulado "O estado do design". O que é que este título lhe sugere actualmente?
LINO CABRAL: Não sou designer nem exerço qualquer profissão ligada directamente ou indirectamente a esta disciplina, portanto a minha confortável posição externa ao tema permite-me algumas veleidades sobre esta extraordinária disciplina que convencionalmente denominamos design.
O modernismo ultrapassou os deuses ao focar o centro da sua razão nos processos humanos, nesta ruptura psicológica sem precedentes, passamos de um paradigma estático e eterno (deus) para o paradigma do processo como realização de uma acção (humana), ultrapassamos o dogma e tropeçamos na contingência, no dilema, num puzzle que é preciso decifrar. Neste pano de fundo estendido do menos ao mais infinito o homem está só, incrédulo e desordenado. Durante o período pré-moderno, todo o corpo de conhecimento foi organizado em compartimentos especializados na sua objectividade, no seu território. Mas o mundo moderno é um mundo muito diferente desses olhares inocentes do passado. Agora somos um processo interminável que deve ser orientado conforme soluções que acharmos as mais adequadas, pelo menos provisoriamente enquanto nossos princípios éticos. Nesta perspectiva o design é a grande ferramenta perante o desafio da complexidade e do relativismo.
R: A palavra design identifica cada vez menos um campo disciplinar definido, passando a remeter para uma campo de criação híbrido e difuso. Corresponderá isto a um fracasso ou a triunfo do design sobre a cultura contemporânea?
LC: O design instalou-se em todos os domínios da cultura contemporânea de uma forma viral. Por isso o seu objecto é difícil ser detectado e isolado. Além desta dificuldade o design contagia e é contagiado, ou seja é cada vez mais óptimo e competente – um algoritmo.
R: Há um conceito estruturante do pensamento projectual do Walter Gropius que é o conceito de "design total", a ideia é, em síntese, a de que ao designer compete a definição intencional das modalidades de relação social, o design seria, assim, uma disciplina de definição política. Não lhe parece que este "exercício político" do projecto é tão mais eficaz quanto mais imperceptível for e, neste sentido, o carácter difuso do design não poderá ser um sinal da sua eficácia?
LQ: Questão interessante a do Walter Gropius, no fundo trata-se do poder como design total! a utopia de uma sociedade optimizada, eficiente e aberta. Suponho que as ciências sociais estão já contaminadas pelo design. Os economistas, os sociólogos e políticos descobriram o potencial antecipatório do design numa perspectiva fulleriana. Quanto mais completo for o protótipo/modelo mais capacidade prospectiva alcança.
R: Se lhe pedisse uma definição de design…
LC: O design é acima de tudo, um corpo de saberes e procedimentos com orientação controlada para entender a complexidade. Poderemos designa-la prosaicamente como a ciência do projecto, mas é claramente insuficiente. O design projecta com um sentido prospectivo, tenta perscrutar o futuro, dando-lhe um sentido coerente do ponto de vista humano.
R: O design sempre se caracterizou pela inexistência de um consenso programático, hoje talvez mais evidente devido à falência dos verdadeiros projectos colectivos, a teoria do design sempre oscilou entre uma interpretação do designer enquanto um "agente social" e uma interpretação do designer enquanto um "agente do mercado", parece-lhe haver sentido nesta distinção?
LC: Um agente social é um agente de mercado, são o mesmo. Como projecto colectivo não acho que tenha falhado, pelo menos na minha perspectiva, porque o design é eminentemente social. A sua natureza multidisciplinar e, como lhe chama, difusa, obriga a participação de várias especialidades segundo determinado critério para determinado fim. Talvez tenha falhado uma visão colectivista do design como corporação ou coisa similar.
R: Perante o relativismo dos valores (e, em particular, dos valores do design após a crise do projecto moderno) não será importante os designers mostrarem que existe uma diferença profunda entre a "ética individual" e a "ética disciplinar"? Quero dizer, os valores que orientam o design não podem ser relativos aos valores que guiam o comportamento dos seus profissionais.
LC: O problema está na separação das éticas. Vivemos num ambiente saturado de materialismo que substituiu a antiga densidade do sagrado. Os "valores" da ética banalizaram-se…
R: Historicamente, o design foi sendo pensado como uma disciplina de "dimensão utópica". Ainda há espaço para utopias no mundo contemporâneo?
LC: Obviamente. A utopia é agregadora e mobilizadora, haverá sempre espaço para ela. Viver sem deuses e sem utopia é insuportável.
R: Recordo-me de uma utopia particular, "Xanadu" do G. Nelson. Como olha para o actual estado do ciberespaço e da blogosfera em particular?
LC: Com muitíssimo interesse! O ciberespaço autonomiza-se da informática! É uma rede social caótica e desordenada cheia de potenciais organizações e de matizes incoerentes. Há sempre a possibilidade de tentativas de manipulação da rede mas suponho que a aptidão crítica do código aberto e a sociabilização da tecnologia são sinais muito optimistas.
R: Quais são os seus blogues de referência?
LC: Vários. Sou um grande frequentador de blogues desde os confessionais aos temáticos. As minhas referências são variáveis conforme o tipo de informação que procuro. Geralmente passo pelo Pruned, BLDGBLG, designboom, electro-plakton, food for design e BioGestion.
R: Que pergunta acrescentaria a esta entrevista? E que resposta ela lhe mereceria?
LC: Questiono o que se tem feito no ensino em prole desta potentíssima ferramenta para o desenvolvimento. A sua aprendizagem e utilização como método de pensamento e acção são estratégicos para os desafios das sociedades contemporâneas.
Muito Obrigado.
Wednesday, April 04, 2007
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