Tuesday, March 25, 2008
ATENÇÃO AOS OLHOS!
O artigo chamou-se “Atenção aos olhos!”, foi escrito por Paul Virilio e publicado n’ A Revista do jornal Expresso de 14 de Dezembro de 1991. Nele, Virilio aconselhava-nos a “não acreditar no que os olhos vêem”, formulação que já não expressava o “espanto” moderno perante as imagens técnicas (das fantasmagorias, da fotografia, do cinema) mas correspondia, agora, a uma “objecção de consciência” necessária face à crescente mobilização técnica (digital, virtual) do olhar contemporâneo: a obscenidade do visível nas palavras de Baudrillard.
No início dos anos 90 eram já evidentes os sinais de uma nova cultura visual marcada pelo alargamento do espaço e do contacto mediático; pela aceleração das representações; pelo esbatimento do “estatuto de realidade” da imagem associada a um imaginário hiper-real.
Além do mais, o estatuto do observador contemporâneo apresentava-se intensificado em relação ao observador moderno tal como Jonathan Crary o descreveu. A mediação técnica entre nós e as coisas estende-se a todos os sentidos e, além do mais, desloca-se de nós para as coisas, instalando-se nelas como “possibilidade de alteração radical”, isto é, como possibilidade de criação. É nas coisas, e não no olhar sobre as coisas, que reside o perigo.
Perante esta “perturbação da percepção” que nos afecta, conviria reconsiderar a “ética da percepção comum”: não estaremos nós a perder o nosso estatuto de “testemunhas oculares” da realidade sensível, em detrimento dos substitutos técnicos, das próteses de todo o género (da televigilância ao ciberespaço) que farão de nós seres assistidos, deficientes do olhar (espécie de cegueira paradoxal, devida à sobreeexposição do visível) e deficientes pelo olhar?
O caso da aluna, da professora e do telemóvel no Carolina Michaelis é bem conhecido.
Para mim, o mais interessante deste "caso" situa-se numa reflexão sobre a imagem, a sua construção e difusão contemporânea.
É que não havia apenas um telemóvel, há pelo menos outro que está a filmar (está consciência aguda da actualidade e da pertinência do instante e a disponibilidade de meios de registo é algo que a geração anterior não tinha) num registo que abole (ou pelo menos põe em questão) a fronteira público/privado, realidade/ficção.
Que se passe a discutir política educativa com base num vídeo colocado no Youtube é sui generis. Mas talvez seja um sinal dos tempos, uma actualização (a meu ver duvidosa) da "democracia participativa". Claro está que a web é cada vez mais o autêntico "espaço público" pelo que não surpreende que os políticos governem por e para ele – diante dos nossos olhos.
Subscribe to:
Post Comments (Atom)
ARQUIVO
-
▼
2008
(125)
-
▼
March
(17)
- “A crítica é essencial para o aperfeiçoamento de q...
- 1. Neste início de ano Sagmeister parece estar em ...
- FIRST THINGS FIRST THINGS FIRST THINGS FIRST THING...
- ATENÇÃO AOS OLHOS!O artigo chamou-se “Atenção aos ...
- Ao pensar no Design coloca-se imediatamente a ques...
- A cultura sintética é essencialmente uma criação d...
- SOMETIMES I WONDERPor John GetzHá vinte anos atrás...
- COSMÉTICA E ESTUPIDEZEra Benedetto Croce quem ensi...
- No title
- 1. A empresa de design Chermayeff & Geismer , cria...
- REACTOR | ENSAIOA redução do acaso e dos riscos é ...
- Alguns anos atrás tive o prazer de ilustrar o Purg...
- ALGUMAS NOTAS SOBRE O DIA INTERNACIONAL DA MULHERN...
- 1. A Logoorange anunciou as tendências para o Desi...
- REACTOR ENTREVISTA MARIA LEDESMAMaria Ledesma é, a...
- A terra treme. Cientistas analisam o registo de um...
- 16 ANOS DEPOIS DA EXPOSIÇÃO "DESIGN PORTUGUÊS"Há d...
-
▼
March
(17)
PERFIL
- REACTOR
- REACTOR é um blogue sobre cultura do design de José Bártolo (CV). Facebook. e-mail: reactor.blog@gmail.com
2 comments:
Nem mais! E parece-me bem óbvio (e daí talvez não...) que toda a preocupação/discussão em redor dos telemóveis na escola e da sua premente proibição (como? onde? quando?) se prende com este (o que filma) e não com o outro (o que foi filmado). O que verdadeiramente nos incomoda, mesmo que não nos demos conta disso, é este telemóvel que filma, é a invasão, a violação, são esse milhares de pseudovídeos que pululam na net com o espólio dessas violações. É só procurar. Desde o striptease inocente à agressão mais sadística. O que fazer com este cenário, com este espólio, com esta possibilidade de criação, eis um interessante desafio para os próximos tempos. Entretanto, atenção aos olhos! Pois "é nas coisas, e não no olhar sobre as coisas, que reside o perigo".
Belo texto ;)
Post a Comment