Tuesday, March 18, 2008



COSMÉTICA E ESTUPIDEZ


Era Benedetto Croce quem ensinava que a verdadeira crítica faz coincidir a “crítica estética” e a “crítica histórica”, para logo elucidar que a história não pode ser contemplativa, mas deve ser explicativa, usando rigorosamente os dados históricos como meio, como material exegético, para construir um fim.

Com efeito, escreve Croce, “a crítica verdadeira e completa é a serena narração histórica do que aconteceu; e a história é a única e verdadeira crítica que se pode exercer sobre os factos.”.

Enquanto crítica exercida sobre factos, a história dá-nos uma herança que devemos assumir. Branquear a história, faz de nós seres sem passado e a explicação do passado, a consciência do passado, é estruturante relativamente aos valores sociais do presente.

É sempre perigoso brincar com a história; é sempre um modo de não levarmos a sério a sua lição ou não honrarmos a sua herança, seja por ignorância ou estupidez.

A iniciativa da Visão e do Correio da Manhã de promoverem a colecção Os Anos de Salazar propondo a reinvenção livre da história, tornando-a num exercício lúdico, de cariz pop, susceptível dos mais fáceis exercícios de cosmética, coisa certamente pouco séria ao ponto de poder ser gerida por critérios de oportunismo comercial, merece uma reflexão atenta.

No texto de apresentação é dito que “A verdade histórica não é negra nem é branca e não conhece cores políticas. A informação rigorosa também não. É isenta e imparcial, mas fornece todos os tons e todos os factos para que seja você a decidir, a pensar, a ter uma opinião.”. Entramos pois, assumidamente, no reino da doxocracia. A opinião individual torna-se autoridade, valendo tanto (ou tão pouco) como a visão crítica e competente, por seu lado progressivamente banalizada.

Importa sublinhar, que não podemos ser “nós” a decidir, que a indistinção entre “opinião” e “saber”, entre “curiosidade” e “competência”, entre “oportunidade” e “responsabilidade” pode subverter a consistência democrática, tornando a democracia séria e participada numa espécie de grande jantar de idiotas. Que a história, a política, a ciência, não são susceptíveis de construção DIY, e que a opinião vale de pouco, de muito pouco - mesmo que os media a valorizem e lhe dêem estatuto de autoridade independentemente dessa opinião ser auscultada sobre a situação do Benfica ou a clonagem humana, sobre a política educativa ou o consumo de sal – eis o que convém ter presente.

Os blogues talvez tenham a sua responsabilidade nesta imposição de um regime doxocrático e creio que devem assumir a sua responsabilidade no combate desse regime, assumindo a capacidade para funcionarem como lugares de crítica e explicação e não apenas como espaços de opinião e contemplação.

Que a campanha promocional de Os Anos de Salazar sugira que qualquer um de nós pode usar o photoshop para “pintar” com as cores que bem entender o que foi a história é, repito, tonto e perigoso. Há coisas, desde logo a nossa inteligência, que não se alteram com simples cosmética.

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